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8 – A caminho de Atenas

8

A CAMINHO DE ATENAS

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Um clarim ressoou, festivo. A noite era agradável; acontecia a festa de despedida de Teseu. Ele partiria ao encontro de provas e tarefas, pois conseguiu erguer a rocha e se apoderar dos objetos de valor.

Os jovens bebiam, dançavam e comemoravam entusiasmados. Teseu era o centro das atenções. As melhores iguarias foram servidas e o melhor vinho circulava pelos convivas. Teseu era, enfim, um herói, pronto para as suas façanhas.

Ele levantou-se e foi ao encontro do avô e da mãe. Sentou-se junto a eles e inclinou sua cabeça no peito da mãe. – Amanhã é o dia! – Sim, nós sabemos, filho – confirmou Etra.

O velho rei intrometeu-se. – Seria melhor seguir pelo mar, Teseu – aconselhou. – É bem mais seguro, um caminho que você pode dominar facilmente – acrescentou a mãe.

Teseu olhou-os, encarando mais demoradamente a mãe. – Não, irei por terra, prefiro passar pelo istmo de Corinto. Além disso, a rota terrestre me fará encontrar aqueles que quero com maior facilidade.

Etra fitou o pai. Ambos pareciam compreender o desejo do herói e se calaram. Teseu aninhou-se feito um bebê no colo da mãe, beijou-lhe as duas faces e em seguida levantou-se para se juntar aos amigos, que o chamavam. No meio deles, pôs-se a dançar animadamente, mas de longe não podia enxergar as grossas lágrimas que a mãe derramava.

E Piteu não ousava falar, pois não podia, sua voz sairia embargada. Era o neto que sabia escapar-lhe das vistas velhas e cansadas, contudo murmurou entre os dentes, sofrido: – Se ao menos esperasse minha ida ao Hades para que, então, seguisse seu destino, meu querido filhinho – murmurou, contemplando o alegre Teseu.

Três encontros, nada fortuitos, fizeram o filho de Etra provar sua bravura e sua justiça.

Seu primeiro encontro foi com Perifetes, um bandido de grande maldade. Ele tinha o costume de atacar os peregrinos que se dirigiam a Epidauro.

O homem era coxo, mas isso não o impedia de ser cruel. Apoiando-se numa muleta e sempre carregando uma clava de bronze consigo, feria a muitos que atravessavam seu caminho.

Perifetes não desconfiou de quem era Teseu quando abordou o filho de Posídon no caminho, fingindo-se ingênuo e revelando desconhecer o local. – Por que anda por aqui? Aonde vai, rapaz? – quis saber o homem coxo.

Teseu fingiu não escutar e continuou caminhando distraído. – Falo com você, por que não me responde? O que há pra tanta arrogância? – indagou Perifetes.

Teseu estacou, seus músculos enrijeceram, mas quedou-se imóvel e nada falou, nem ao menos voltou-se ao impertinente.

O filho de Hefesto então ergueu a clava e, como se não mancasse, num ímpeto de crueldade e desejo assassino, avançou rápido, entusiasmado, pronto para atacar o filho de Egeu. Avançava sedento, com os olhos abertos, a boca cerrada e com a mão direita erguida. Em um único golpe acertaria em cheio a cabeça de Teseu e mais um viajante mataria em seu impulso violento.

Subitamente, num movimento rápido, quase imperceptível, Teseu segurou a clava de bronze e voltou-a contra o agressor que, recebendo-a em cheio na cabeça, tombou, sem ao menos pronunciar um gemido, tão rápida foi a morte, tão certeiro o golpe.

Teseu recuperou-se rápido, trouxe para si a arma, uma bela peça de bronze, limpou-a e prosseguiu o caminho. – Agora este caminho está livre para os incautos viajantes, porque o pior bandido está morto – falou em voz alta o corajoso neto de Piteu.

Em seu caminho, pois preferiu a rota terrestre àquela marítima, sugerida pela mãe e pelo avô, Teseu encontrou o perigoso e igualmente mau gigante Sínis.

O cruel tinha acabado de matar um pastor. Ele usava de um estratagema perverso: vergava enorme pinheiro até o chão, pois seus músculos potentes feito aço facilmente executavam a ação, e obrigavam que um infeliz mantivesse a árvore de tal maneira. No entanto, ninguém suportava a retração e eram todos jogados longe, despedaçados pelo arremesso vertiginoso e fatal.

Sínis, assim que avistou Teseu, pôs-se logo às escondidas, mas o filho de Etra observou-lhe os movimentos escusos. Sabia da fama do gigante perverso, por isso diminuiu os passos e fez-se de desentendido. Logo começou a assoviar e, quando próximo do cruel homenzarrão, cantarolou uma cantiga comum, de história singular. Teseu fez-se de despreocupado para se assemelhar a um incauto forasteiro.

O gigante, quando viu o desconhecido avizinhar-se das grandes árvores, apareceu subitamente. – Aonde vai, homem? Por que a pressa? – disse, chegando bem perto.

Teseu fingiu assustar-se e deu alguns passos, trêmulo, e gaguejou: – V… vou… vou visitar meus… meus pais, senhor! – respondeu, nervoso.

Os olhos esbugalhados do monstro arregalaram-se mais e mais, então ele inclinou a cabeça, convidativo. – Ah, é? Pois bem, meu caro moço, bem gostaria que me ajudasse… você pode?

Teseu estacou, parecia um homem inofensivo qualquer: as mãos balançando rente ao corpo, ombro ligeiramente vergado e rosto sem expressão. – Mas tenho pressa… senhor? – disse com timidez, de modo quase inaudível.

Sínis alterou a voz, avançando resoluto: – Preciso! Preciso de ajuda agora!

Teseu concordou com a cabeça, obediente, mas seus olhos se crisparam e a raiva turvou-lhe a vista. O outro, no entanto, não percebeu, sedento como estava de matar, destroçar ou despedaçar mais uma indefesa e inocente pessoa. – O que o senhor quer que eu faça? – perguntou, docemente, o filho de Egeu.

Sínis lambeu os beiços e olhou ávido para o belo rapaz

que tinha diante de si, jamais desconfiando de quem ele era. Ao menos não suspeitava que o filho de Posídon, ele mesmo, estava testando, averiguando a audácia e a petulância de quem o julgava vulnerável, um fraco mortal.

Teseu estava imóvel, mostrando-se dócil, e Sínis alimentava seu desejo de sangue e morte. – Em que posso lhe ser útil, meu senhor? – insistiu o neto de Piteu. – Bem, preciso vergar alguns pinheiros, mas me falta a força, e vejo que o moço tem fortes braços, não é? Então, que tal? Bem, poderia me ajudar, não? – falava o monstro com voz mansa e o corpo imponente, a cabeça desproporcional meneando de um lado para o outro. – Ah, sim, posso… é só isso? – fez-se de displicente Teseu. – Quê? – surpreendeu-se Sínis. – Ah! É, sim, só isso mesmo, meu bom rapaz! – o malvado disse, esfregando as mãos.

Assim que entraram na clareira, Teseu rápido vergou o primeiro pinheiro até o chão, surpreendendo o gigante, que imediatamente obedeceu ao convite de Teseu quando este pediu: – Meu senhor, segure aqui, rápido! Não largue porque vergarei outro.

Sínis prontamente correu ao encontro de Teseu e quando deu por si estava segurando o pinheiro. – Não largue, senhor, outro será vergado, está bem?

Abobalhado, o monstro segurava, contrariado e surpreso ao mesmo tempo.

O filho de Etra vergou o pinheiro mais próximo e, quando tocou com a copa no chão, num salto pulou sobre o monstro. – O que é isso, rapaz? O que pretende fazer? Por que me segura e agride?

Teseu nada respondia. Deu-lhe dois violentos socos no estômago e um medonho murro na cara, desacordando-o. Depois amarrou-lhe a cabeça na copa de um pinheiro, aquele mesmo que Sínis segurava, prendeu-lhes os pés em outra copa e, quando tudo estava perfeito, num zás viu o corpo do gigante despedaçar-se no ar. – Pronto, pronto, meu senhor. Agora você teve o mesmo castigo que infligia a todos que passavam por aqui… Agora não precisa mais de ajuda, não é mesmo? – falava sozinho o filho de Egeu.

Prosseguindo seu caminho terrestre, o filho de Egeu soube, pelos moradores de um vilarejo, que Féia, monstruosa e antropófaga porca, provocava grandes danos à vida dos habitantes. – Não sabemos o que fazer… Tamanha a nossa infelicidade, moço! – exclamava um velho com lágrimas nos olhos.

– Ela já matou muitos dos nossos e, insaciável, sempre quer mais! – gritou, aflita, uma senhora com as mãos erguidas aos céus. – Mas quem possui fera tão ruim e que tanto prejudica a comunidade? – quis saber Teseu. – Féia é a bruxa que deixa a porca comer nossos filhos e filhas, moço! – explicou uma mulher diante dele. – Ah… Féia é o nome da bruxa, então? – disse Teseu, compreendendo melhor agora. – Sim – concordaram, em uníssono, todos.

Teseu estava comovido. Enquanto aqueles homens e mulheres lhe serviam a pouca comida que lhes restava, contavam suas misérias com a esperança de que ao menos contando expurgavam seus males.

Os habitantes do vilarejo pareciam viver em constante temor. Mesmo desconhecendo quem era Teseu, queriam tão-somente contar, falar, chorar… Nada mais! – Onde a fera se esconde? – perguntou. – Numa grande cova, no meio da floresta. – Quero vê-la hoje, agora! – disse, corajoso.

Todos se ergueram a fim de impedi-lo. – Não! Não, ela mata a todos! – gritaram convictos. – O que me importa? Tenho força suficiente! – Não, não tem; não faça isso, meu jovem – falou um homem com voz tranquila. – Você é belo e vigoroso, não cometa tal tragédia!

Teus pais querem te ver, moço! – suplicou uma mulher quase gritando, descontrolada.

Teseu ergueu-se e enrijeceu os músculos, sorrindo belamente. – Creio que Féia não gostará de me conhecer, senhores. Ao final da tarde, retorno com a sua cabeça aqui! – E apontou a mão direita.

Teseu tinha a clava de Perifetes e a espada de Egeu, além de ser filho de Posídon.

Todos emudeceram ao constatarem o vigor muscular do jovem, fascinados por suas palavras e esperançosos de verem concretizados seus desejos: a devoradora de homens, Féia, de uma vez por todas estaria morta, eliminada da região, e o perigo seria transformado em alívio e paz.

Os olhos seguiram os passos de Teseu até a entrada da escura e amedrontadora floresta de Féia e sua maligna cria.

Teseu, a passos firmes, em pouco tempo viu o casebre carcomido da bruxa. O herói escondeu-se por entre os arbustos e penetrou no terreno sem ser percebido.

Em cova rasa, no extremo do vasto terreno, a nefasta porca jazia adormecida.

Teseu caminhava com segurança, sem espantar os pássaros, pisando levemente nos gravetos, em surdina, pronto para, em um só golpe, exterminar a porca monstruosa.

De súbito, atrás de si ouviu um grito estridente.

A porca abriu somente um dos olhos, que divisou o filho de Etra. Num átimo a criatura ergueu-se. E Féia gritou, brava: – Porquinha, cuidado! Ele é filho de Posídon e quer matá-la! Mate-o logo!

Teseu sentiu o chão trepidar com a corrida vertiginosa da porca, que vinha poderosa, em disparada poeirenta e fatal rumo ao herói.

Tenho que acertá-la em cheio, na cabeça, senão é o meu fim, pensava Teseu, enquanto via a porca vindo furiosa e violentamente ao seu encontro, a boca aberta e as patas tocando ruidosamente o chão. Tudo tremia, tudo se agitava, tamanho era o furor do animal.

Féia gritava e esperneava, num entusiasmo de ódio e medo: – Mate-o, menina, não deixe nada desse maldito!

A bruxa estava a alguns passos de Teseu. Quando a porca deu a mais rápida investida, ele segurou com a mão direita a espada do pai e com a mão esquerda a clava de bronze e, girando sobre si mesmo enquanto a porca em trote enlouquecido passava por ele, desferiu-lhe dois golpes na cabeça e, no desgoverno mortal, tombou sobre a dona, esmagando imediatamente a bruxa sobre seu pesado corpo.

Teseu correu e sem titubear decepou a cabeça da porca.

Quando retornou ao vilarejo com a cabeça decepada na mão direita, os moradores bradavam, dando gritos

de alegria e intenso regozijo. Ofereceram-lhe flores, vinhos, festas e o queriam como seu protetor. – Não, não posso ficar, tenho que prosseguir meu caminho! – respondeu. – Ao menos fique conosco por alguns dias, filho? – pediu aquele mesmo homem de voz branda.

Teseu fixou-lhe o olhar, enternecido. Sabia que o filho amado fora devorado pela porca em luta desigual e covarde. – Ficarei o tempo suficiente pela alegria de todos vocês! – aceitou o filho de Etra.

Durante três dias e três noites aquele povo, antes atormentado, festejou a morte certa da porca maldita.

Parte III Reencontro paterno e ciladas

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