ESPAÇO DO PROFESSOR
MOACYR SCLIAR E A CONSTRUÇÃO DA CRÔNICA, BASEADA NO COTIDIANO OBSERVÁVEL
LITERATURA
guia de Ăcones ler observar, ver (imagens)
pesquisar, aprofundar, procurar
recuperar, retomar, relembrar
registrar, criar, destacar, grifar, completar
apresentar, relatar, compartilhar em voz alta
comentar, explicar discutir, conversar
título
Moacyr Scliar e a Construção da Crônica, Baseada no Cotidiano Observável apresentação A proposta de elaboração de uma crônica busca estimular o olhar do aluno para fatos aparentemente menores em nossas vidas. Valorizar a simplicidade que nos rodeia é abrir diálogo com as mazelas diárias para ressignificá-las. O jornal nos apresenta todos os dias fatos e imagens que escondem histórias, dignas de serem contadas. Moacyr Scliar inspira-se nos fatos oferecidos pelo jornal para devolver histórias ficcionais. O diálogo amplia o inusitado, e realidade e ficção passam a ter um limiar tênue.
objetivos ••Estudar o conceito e a finalidade do gênero crônica; ••Estimular o ato de escrever; ••Aprender a reconhecer uma reportagem de jornal e uma crônica; ••Levar o aluno a selecionar informações relevantes para a produção de uma crônica.
áreas do conhecimento Literatura.
duração De 3 a 4 aulas.
segmento Ensino Fundamental II, Ensino Médio e EJA.
recursos necessários ••Computadores com acesso à internet; ••Jornais; ••Caderno ou folha para o planejamento do texto.
desenvolvimento 1º MOMENTO
Quem é Moacyr Scliar? Inicialmente, pergunte aos alunos se sabem distinguir os gêneros literários, como crônica, conto etc. Com base nas respostas apresentadas, defina crônica e apresente o objeto de estudo, Moacyr Scliar, perguntando se alguém da classe já leu algo do escritor. Em um laboratório de informática, alunos separados ou em duplas devem fazer a leitura e a apreciação, na Enciclopédia Itaú Cultural, do verbete sobre Moacyr Scliar. Não havendo um laboratório de informática, o professor pode entregar cópias do verbete digital ou fazer uma apresentação com o uso do retroprojetor.
2º MOMENTO
Gregory Colbert, a sintonia entre homens e animais Ainda no laboratório de informática, o professor pode pesquisar sobre o trabalho do fotógrafo canadense Gregory Colbert que documenta a intimidade entre homens e animais. Ele gerou uma mostra em Nova York intitulada Ashes and Snow [Cinzas e Neve], revelando que os laços entre pessoas e animais podem ser mais surpreendentes do que supõem os habitantes das grandes
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cidades. Chame a atenção do aluno para observar que o inusitado e o curioso não são privilégios da linguagem verbal, no caso, da crônica. A apreciação desse material dá ao professor uma ferramenta para discutir, por exemplo, o limiar entre realidade e ficção, a complexidade do texto verbal e, principalmente, do não verbal. Feita a apreciação das fotos, os alunos devem redigir em poucas linhas um comentário sobre as imagens de Gregory Colbert apresentando, por exemplo, o que elas possuem de inusitadas. O professor pode, se preferir, deter-se em uma ou duas fotos para a análise. A sugestão é que a aula termine com a leitura da crônica “Os Cachorros Emergentes”, da obra O Imaginário Cotidiano. Moacyr Scliar escreveu várias crônicas para o jornal Folha de S.Paulo. As notícias desse jornal serviram para o autor como um estímulo para suas crônicas. Os fatos jornalísticos saíam das ruas e do mundo, fixavam-se no jornal como notícias e voltavam para ele, tempos mais tarde, com novo viés. O escritor conquistou os leitores com seus folhetins de variedades, e a aridez da notícia deu lugar ao inusitado do fato. Com base na leitura da notícia: “Socialite Faz Festa Privê para Cadela: Aniversário tem Bolo Especial para Cães”, Scliar apresenta a crônica “Os Cachorros Emergentes”. Inicialmente, apresente a notícia publicada pelo jornal:
Socialite Faz Festa Privê para Cadela: Aniversário tem Bolo Especial para Cães
A socialite carioca, Vera Loyola, 52, passou o dia de ontem dividida entre promessas para Santa Clara – pedindo que a chuva pare – e telefonemas para acertar os últimos detalhes da festa que acontecerá hoje à tarde nos jardins de sua casa na Barra da Tijuca. Para a festa, foram expedidos apenas 20 convites. Foi organizada para comemorar os 12 anos de uma das paixões de Vera Loyola: Pepezinha, sua cadela da raça “thin” (uma espécie de pequinês, com pêlos brancos e pretos).
Cristina Grillo In: Folha de S.Paulo, São aulo, 19 out. 1999. Cotidiano. P
“Só convidei os filhos (cãezinhos) das amigas mais íntimas. As mães virão acompanhando seus filhos”, explica.
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Entre as “mães” convidadas, estão a socialite brasiliense Marita Martins (mãe do senador Luiz Estevão, do PMDB/DF) e a atriz Suzana Vieira, que irá sozinha. Seu cão é muito grande e foi vetado para não atrapalhar a brincadeira dos pequeninos. A decoração da festa, em preto, branco e vermelho, tem como tema o desenho animado Os 101 Dálmatas. Serão servidos bolo de ração sabor galinha e brigadeiros feitos com chocolate especial para cães. De bebida, o “refrigerante” Cool Dog – suco de carne vendido em latinhas descartáveis. “Pepezinha merece. Ela sempre foi muito querida, desde que a vi, recém-nascida. Era a mais magrinha da ninhada, e ainda por cima órfã. A pobrezinha perdeu a mãe no parto”, conta a “mãe adotiva”. Expoente máximo da “sociedade emergente” carioca, Vera não fala nos custos da festa, mas se defende. “Não posso matar a fome de 60 milhões de brasileiros. Ajudo várias instituições de caridade e tenho o direito de comemorar o aniversário de alguém que me dá tantas alegrias”, disse.
Em seguida, apresente a crônica de Scliar:
Os Cachorros Emergentes
A festa foi, como se esperava, um sucesso absoluto. Todas as emergentes dignas desse nome estavam presentes, acompanhadas naturalmente, de seus cães. A conversa estava animada, mas mais animado ainda eram os latidos dos caninos convidados, alguns dos quais estavam se encontrando pela primeira vez. Diversos pratos foram servidos aos cães, culminando com o bolo preparado por um especialista em culinária canina, acompanhado de refrigerantes em latinhas descartáveis. Ainda que uma ou outra socialite tivesse mencionado a possibilidade de dar cerveja aos animaizinhos, a hipótese foi afastada com absoluto desprezo. Um único incidente empanou o brilho do evento. Já pelas tantas, a atenta anfitriã teve sua atenção despertada por um estranho cão, muito grande e de raça indefinida. Indiferente aos que se passava no salão, o bicho atirava-se com verdadeira fúria aos alimentos, devorando tudo o que encontrava pela frente. Discretamente, ela interrogou as convivas. Como suspeitava, nenhuma delas havia trazido o animal. Tratava-se de um clandestino, de um infiltrado na celebração.
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Moacyr Scliar In: O Imaginário Cotidiano. São Paulo: Global, 2001. p. 87-88.
Os seguranças foram chamados e rapidamente capturaram o intruso. E aí, a surpresa. Não era um cachorro. Era um garoto de seus dez anos, magrinho, miudinho, oculto sob a pele de um cão. Interrogado, confessou: morador de uma favela próxima, tinha ouvido falar da festa e bolara aquele disfarce. Não, não pensara em assalto; o seu problema era a fome, mesmo, uma fome antiga, devoradora. Por coincidência, no mesmo dia encontrara o cadáver do cão, atropelado numa avenida próxima. O que lhe dera a ideia do disfarce. Encerrado o desagradável incidente com a prisão do transgressor, a socialite foi muito cumprimentada por sua perspicácia, digna de um Sherlock Holmes. Todas queriam saber como desconfiara do falso cão. Simples, respondeu ela: – Em primeiro lugar, era um bicho muito grande, e, como vocês sabem, eu havia vetado cães acima de um certo tamanho. Em segundo lugar, notei que ele comia de tudo, mas rejeitava o caviar, este caviar importado para cães que eu importei. Ora, todos sabem que a marca registrada de um cão emergente é a sua identificação com a dona, inclusive e principalmente na preferência pelo caviar. Critério verdadeiramente genial, foi a constatação unânime. A festa prosseguiu, sendo então servida a sobremesa: brigadeiros feitos com chocolate especial para cães.
3º MOMENTO
“Os Cachorros Emergentes” Sugerimos que o professor comece a aula resgatando a matéria de jornal e a história lidas na aula anterior. Ser for preciso, leia-as novamente. Peça aos alunos que comparem os dois textos, expondo suas ideias em classe. Em seguida, eles devem verbalizar em que consiste o humor inusitado e a crítica na crônica elaborada por Scliar. A crônica suscita algumas questões para que os alunos pensem e respondam, por exemplo:
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••Procure saber o que é ser emergente. Em seguida, explique o título da crônica. ••Com base no trecho “o seu problema era a fome, mesmo, uma fome antiga,
devoradora”, responda: o garoto tem fome de quê? Por que era uma fome antiga e devoradora?
••Como criança, o garoto era magrinho e miudinho, mas como bicho era muito grande, entretanto, qual foi a pista decisiva para a socialite perceber que não se tratava de um cachorro?
••Por meio da crônica, Scliar provoca uma discussão mais importante que
o amor excêntrico de alguns donos por seus cachorros. Qual é a discussão? O que os alunos pensam sobre o assunto?
••Com base no texto lido, quais as características de uma crônica?
4º MOMENTO
O que é uma crônica? A crônica é um gênero textual que oscila entre literatura e jornalismo e pode ser narrativa ou argumentativa.
••Crônica narrativa: apresenta texto narrado em primeira ou terceira pessoas,
de forma artística e pessoal, baseado em fatos cotidianos; geralmente, o texto é curto, com objetivo de divertir o leitor e levá-lo a refletir criticamente sobre a vida e/ou os comportamentos humanos; a linguagem empregada é informal, aproximando escritor e leitor; o discurso pode ser direto, indireto ou ambos.
••Crônica argumentativa: é um texto desenvolvido sob o ponto de vista do cronista a respeito de assuntos cotidianos e polêmicos; o tema é tratado de forma subjetiva e expõe argumentos que fundamentam a opinião de quem a escreve; escrita em língua padrão (norma culta) e discurso indireto.
Converse novamente com os alunos sobre diversos gêneros e características de escrita e peça para que eles exponham o que aprenderam até o momento. Peça, então, que cada um desenvolva uma crônica, com base em uma notícia ou imagem de jornal.
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reflexão final
A
criação da crônica estimula o aluno a observar e a refletir sobre o cotidiano, escapando do automatismo. O professor deve verificar como o grupo incorporou os conteúdos trabalhados. A sugestão é que ao final de cada segmento haja uma avaliação: os alunos devem avaliar o quanto avançaram na proposta, e o professor deve apresentar seu parecer a respeito de cada grupo ou aluno. A nota não deve ser uma surpresa. Ela deve ser construída ao longo do processo.
referências BENDER, Flora e LAURITO, Ilka. Crônica: história, teoria e prática. São Paulo: Scipione, 1993. GREGORY Colbert. Site pessoal. Disponível em: <https://gregorycolbert.com/>. Acesso em: jan. 2018. GRILLO, Cristina. Socialite faz festa privê para cadela: aniversário tem bolo especial para cães. In: Folha de S.Paulo. , São Paulo, 19 out. 1999. Cotidiano. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1910199931.htm>. Acesso em: jan. 2018. MOACYR Scliar. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural. org.br/pessoa5359/moacyr-scliar>. Acesso em: jan. 2018. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7. SÁ, Jorge. A crônica. São Paulo: Ática, 2005. SCLIAR, Moacyr. Os cachorros emergentes. In: O imaginário cotidiano. São Paulo: Global, 2001. p. 87-88. TANIA Menai. Site pessoal. Disponível em: <http://www.taniamenai.com/folio/2005/04/retratos_de_fam.html>. Acesso em: jan. 2018.
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núcleo enciclopédia Gerência Tânia Rodrigues Coordenação Glaucy Tudda Equipe Camila Nader Elaine Lino Lucas Rosalin (estagiário)
núcleo comunicação Gerência Ana de Fátima Souza Coordenação Carlos Costa Direção de Arte Arthur Costa Luciana Orvat (terceirizada) Projeto Gráfico Serifaria Produção Editorial Victória Pimentel