Continuum 31 - Junho-Julho/2011

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UM PAÍS SE FAZ COM HOMENS E LIVROS A Argentina celebra Buenos Aires como a capital mundial do livro em 2011 ISTO NÃO É UM LUXO? Ecochato ou super-herói? Conheça o HoMeM ReFluXo

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revista . itaú cultural

O DONO DA CENA Na Entrevista, J. C. Serroni mostra a diferença da cenografia brasileira DESCONSTRUINDO SHAKESPEARE Os bastidores da montagem paulistana de A Tempestade

junho - julho 2011

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nesta edição: Fichário – abordagens diferentes sobre um mesmo tema: BASTIDORES

COM QUE

ROUPA? Elke Maravilha, Falcão, Filhos da Judith, Iara Rennó, Letuce e Silvia Machete vestem seus figurinos no Ensaio Fotográfico


BOOK LIGHT MEDIUM |

IAMANA

personagem


CONTINUUM


Ana de Fátima Sousa EDIÇÃO EXECUTIVA

iam an a

CARTA DO EDITOR

COORDENAÇÃO EDITORIAL

Dois fios conduzem esta edição da CONTINUUM: o tema Bastidores e três questões que estão na ordem do dia: o lixo, o preconceito e a moda. Tema da seção Fichário, Bastidores dialoga com a exposição Ocupação Flávio Império (em cartaz no Itaú Cultural) e revela as estruturas da produção artística; o outro eixo temático foi tomado da programação Estéreo Saci (também em cartaz no instituto) e discute cidadania e nosso lugar no mundo.

Marco Aurélio Fiochi ASSISTÊNCIA À EDIÇÃO

Carlos Costa PROJETO GRÁFICO E DESIGN

Marina Chevrand CONSELHO EDITORIAL

Ana de Fátima Sousa Claudiney Ferreira Eduardo Saron Guilherme Kujawski Jader Rosa Marco Aurélio Fiochi

Na seção Museus do Mundo, reportagem mostra o Museu do Homem do Nordeste, no Recife, imaginado por Gilberto Freyre com base na observação do cotidiano, dos bastidores da vida. A CONTINUUM visitou os ensaios da peça A Tempestade, de William Shakespeare, para mostrar o que está por trás da montagem em cartaz em São Paulo. No Ensaio Fotográfico, artistas brasileiros mostram os figurinos criados para seus espetáculos. Performáticas, essas roupas ajudaram a criar suas personas artísticas. Na Entrevista, J. C. Serroni, o mais importante cenógrafo brasileiro em atuação, fala de sua profissão.

REPORTAGEM E REDAÇÃO

André Seiti Roberta Dezan EDIÇÃO DE FOTOGRAFIA

André Seiti REVISÃO

Ciça Corrêa Nelson Visconti Polyana Lima

Para fechar a edição, um emocionado depoimento do artista visual Cao Guimarães sobre o cineasta Marcelo Gomes, e o segundo capítulo da série HQ Animais em Fuga, de Lourenço Mutarelli.

PRODUÇÃO EDITORIAL

Isabella Protta Maria Clara Matos COLABORARAM NESTA EDIÇÃO

Ana Luiza Aguiar Beto Figueiroa Cao Guimarães Daryan Dornelles/Fotonauta Débora Epaminondas Estevan Pelli Felipe Morozini Gabriela Borges Juliana Russo Iamana Leonardo Calvano Lourenço Mutarelli Mariana Lacerda Micheliny Verunschk Silvia Bessa Thiago Lacaz

Boa leitura!

CARTA DO LEITOR Ao ver a edição 30, passei as páginas com avidez e o único vocábulo que me surgiu foi UAU! Parabéns, Itaú Cultural! Laryssa Caetano, Campo Grande

ISSN 1981-8084 Matrícula 55.082 (dezembro de 2007) Tiragem 10 mil – distribuição gratuita. Sugestões e críticas devem ser encaminhadas ao Núcleo de Comunicação e Relacionamento continuum@itaucultural.org.br Jornalista responsável Ana de Fátima Sousa MTb 13.554

Antes, a CONTINUUM era elegante e muito boa. Agora, está rica em proteínas e carboidratos culturais-artísticos. Parabéns à equipe! José Lourenço do Carmo, São Paulo Gosto muito da CONTINUUM, mas preferia o formato anterior, mais fácil de manusear. Incomodou-me o tamanho da nova revista. A impressão que tenho é de que foi gasto mais papel. Quanto às matérias, continuam interessantes, mas acho que até isso não digeri bem, o que atribuo ao novo formato. Vera Lúcia Correia da Silva, São Paulo NR Sobre o comentário da leitora, esclarecemos que a questão do custo de impressão foi determinante na escolha do formato atual. O valor unitário diminuiu sensivelmente, o que se deve, entre outros aspectos, à escolha do papel. O novo formato propiciou um aproveitamento de 88,79% do papel utilizado, ao passo que na versão anterior o aproveitamento era de 82,30%. Parabenizo a CONTINUUM pela reportagem sobre o Paraguai. Achei muito bem colocada a informação sobre o país ser oficialmente bilíngue, o que na nossa América ameríndia é uma vitória. Meu pai é paraguaio e refugiado político. Imaginem um senhor de 89 anos chorando de saudade ao ler a matéria. Luciana Rocha, São Paulo Recebi a edição da CONTINUUM em novo formato e que alegria! Gostei muito da seleção dos textos, todos bem-escritos e ilustrados, e o projeto gráfico também está limpo e elegante. Achei interessantíssima a matéria sobre o Paraguai, onde nasceu minha avó. Serve de abre olhos para que os brasileiros, empurrados por uma economia forte e pela boa maré mundial, não se tornem os próximos argentinos, antigo sinônimo da arrogância latino-americana. Liége M. Gonzalez, Rio de Janeiro CONTINUUM é interessante, inovadora e bonita! Parabéns! Já passei adiante o exemplar que recebi de uma amiga. Regina Gomes de Sousa, São Paulo Envie seu comentário sobre a CONTINUUM para o e-mail continuum@itaucultural.org.br. Em caso de publicação na seção Carta do Leitor, a mensagem pode ser editada a critério da redação.

capa: elke maravilha foto: daryan dornelles/fotonauta UM PAÍS SE FAZ COM HOMENS E LIVROS A Argentina celebra Buenos Aires como a capital mundial do livro em 2011 ISTO NÃO É UM LUXO? Ecochato ou super-herói? Conheça o HoMeM ReFluXo

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revista . itaú cultural

O DONO DA CENA Na Entrevista, J. C. Serroni mostra a diferença da cenografia brasileira DESCONSTRUINDO SHAKESPEARE Os bastidores da montagem paulistana de A Tempestade

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nesta edição: Fichário – abordagens diferentes sobre um mesmo tema: BASTIDORES

COM QUE

ROUPA? Elke Maravilha, Falcão, Filhos da Judith, Iara Rennó, Letuce e Silvia Machete vestem seus figurinos no Ensaio Fotográfico

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M U S E U S D O M U N D O | memória do banal

No Recife, o Museu do Homem do Nordeste oferece aos visitantes um passeio pela história do Brasil a partir da concepção do sociólogo Gilberto Freyre. isto não é um luxo? Herói é um homem que, desde 2003, convive com seu lixo para fazer nossa sociedade refletir sobre consumo e descarte: o HoMeM ReFluXo.

REPORTAGEM |

mãos à obra A internet amplia o alcance e as possibilidades da arte colaborativa, provando que todo mundo pode ser artista.

REPORTAGEM |

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P E R F I L | a arte como festa Celebrações populares serviram de inspiração para o multiartista Flávio Império, homenageado em exposição do Itaú Cultural neste bimestre.

desconstruindo shakespeare O que está por trás da montagem brasileira de A Tempestade, última peça do bardo inglês, em cartaz desde maio, em São Paulo.

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REPORTAGEM |

E N S A I O F O T O G R Á F I C O | com que roupa? Elke Maravilha, Falcão, Iara Rennó, Silvia Machete, o duo Letuce e a banda Filhos da Judith mostram figurinos especialmente concebidos para suas apresentações. E N T R E V I S T A | o dono da cena Discípulo de Flávio Império, J. C. Serroni é referência no país e, com seu trabalho, ajudou a fazer a cenografia brasileira reconhecida no mundo.

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mobilizados pela dor alheia Catástrofes, como o tsunami que atingiu o Japão, são motivo para a criação artística que, em alguns casos, se torna um instrumento de ajuda às vítimas.

REPORTAGEM |

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D E P O I M E N T O | o eu-sozinho-no-mundo O cineasta e artista visual Cao Guimarães reverencia a obra do diretor Marcelo Gomes, que filma Era uma Vez Verônica.

vou não, quero não Pesquisa revela que brasileiros não consomem cultura porque não querem. Especialistas questionam se o resultado reflete a realidade ou a perversa lógica do mercado elitista.

REPORTAGEM |

lixo, moda e preconceito Dicas de livros, filmes, música, exposição e sites sobre o tema da programação do Estéreo Saci, em junho, no Itaú Cultural.

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Q U A D R I N H O S | animais em fuga O segundo capítulo do HQ-folhetim de Lourenço Mutarelli.

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M I R A D A | um país se faz com homens e livros Como Buenos Aires, a Capital Mundial do Livro em 2011, mantém viva a tradição literária argentina. Sucesso editorial, a jovem Pola Oloixarac, que estará na Flip em julho, fala à revista.

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argentina MIRADA |

UM PAÍS SE FAZ COM

HOMENS E LIVROS Mirada mergulha na literatura da Argentina, que celebra o sucesso de seus jovens escritores contemporâneos e vê Buenos Aires se tornar Capital Mundial do Livro em 2011

TEXTO gabriela borges

ILUSTRAÇÃO juliana russo

FOTO andré seiti


Inspiração para a fantasia de Jorge Luis Borges e para o minimalismo de Julio Cortázar, Buenos Aires é a Capital Mundial do Livro em 2011. O título foi concedido pela Unesco, assim como aconteceu com Madri, Montreal, Nova Délhi, Bogotá e Amsterdã em anos anteriores. Mérito da tradição literária portenha reconhecida não só por suas histórias, traduzidas e levadas ao imaginário de outras culturas e idiomas, mas também pela verdadeira vocação de seus habitantes para a leitura. A variedade de livrarias e sebos espalhados pela cidade, as editoras, a diversidade de revistas literárias e uma enorme quantidade de bibliotecas públicas são os pilares da identidade argentina. Embora tenha sido proferida em alusão ao Brasil, a célebre frase de Monteiro Lobato “um país se faz com homens e livros” é a melhor tradução da alma literária do país vizinho.

Os escritores da literatura argentina atual também têm destaque e são traduzidos pelo mundo. Esse cenário se estende ao fortalecimento das editoras independentes no país, que buscam contribuir com a diversificação da oferta e encontrar canais por meio das novas tecnologias de informação. Entre os nomes contemporâneos está Alan Pauls, escritor portenho de 52 anos, autor de mais de dez livros. Seu romance O Passado [lançado no Brasil pela Cosac Naify, em 2007, com tradução de Josely Vianna Baptista],

que ganhou o prêmio espanhol Herralde, em 2003, foi adaptado para o cinema pelo diretor argentino-brasileiro Héctor Babenco, com Gael García Bernal no elenco. Na mesma linha está a escritora e roteirista Claudia Piñero, que publicou livros, críticas, peças de teatro e roteiros, como o premiado romance Las Viudas de los Jueves, levado ao cinema em 2009 pelo diretor Marcelo Piñeyro. A literatura argentina contemporânea se caracteriza por sua hibridez e heterogeneidade, e é possível reconhecer temas mais recorrentes, como as atividades do Estado perante a sociedade, o autobiográfico e os relacionados à marginalidade social. “A ditadura vem com uma perspectiva nova e diferente, de perda do passado e de algo que os jovens nunca viveram. Por outro lado, alguns autores mostram as características de uma geração que vive em condomínios fechados e contam sobre os jovens migrantes argentinos, que decidiram deixar o país depois da crise de 2001”, diz Josefina Núñez, da área de ação cultural do governo de Buenos Aires. Já para Sebastián Martínez Daniell, editor e escritor da Editorial Entropía, os autores que se destacam e alcançam maior notoriedade são justamente os que não se encaixam nessa tendência.

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Entre os grandes nomes da literatura local, Jorge Luis Borges (1899-1986) é o mais aclamado. No princípio do século XX, escreveu importantes contos, publicados em livros como Ficções e O Aleph [boas versões para o português são as de Davi Arrigucci Jr. para as edições da Cia. das Letras, em 2007 e 2008, respectivamente]. Já Julio Cortázar (1914-1984) nasceu na Bélgica e, radicado na Argentina, publicou contos,

poesia, peças de teatro e o romance O Jogo da Amarelinha [lançado em 1963; no Brasil, a sexta reimpressão saiu pela Civilização Brasileira, em 1999], sucesso em todo o mundo. Vale destacar ainda a importância da obra de Ernesto Sabato, falecido no último mês de abril aos 99 anos, autor de Sobre Heróis e Tumbas [lançado em 1961; no Brasil, pela Cia. das Letras, em 2002, com tradução de Rosa Freire d’Aguiar]. O escritor participou da comissão que elaborou o livro Nunca Más, publicado em 1983, quando a democracia foi restabelecida na Argentina. Roberto Arlt (1900-1942), autor de As Feras [lançado em 1926; no Brasil, pela Iluminuras, em 1996] e de diversos contos e obras de teatro também se destaca.


argentina MIRADA |

Neste universo, há diversos novos autores argentinos que despontam na literatura mundial. “Há uma importante quantidade de escritores jovens dando voltas no mundo da literatura e algumas editoras decidiram apostar em projetos literários novos”, diz Ana Mazzoni, da editora Eterna Cadencia, que tem como objetivo em seu catálogo encontrar e publicar autores inéditos. Tanto a Eterna Cadencia quanto a Entropía são editoras pequenas e independentes, que publicam entre 10 e 20 títulos por ano. Em outubro de 2010, a revista literária Granta, da Espanha, divulgou uma lista com os melhores narradores jovens em espanhol. Dos 22 autores destacados, 8 são argentinos: Entre eles estão Andrés Neuman e Pola Oloixarac [ver entrevista na página seguinte], que vão participar da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), em julho de 2011. “Existe uma nova camada de escritores e editoras muito ativas e prolíferas. Em torno deles se formaram comunidades de leitores fiéis, dinâmicas e sofisticadas. A literatura argentina contemporânea é vital. E isso não é pouco”, diz Sebastián Martínez Daniell.

O ANO DA LITERATURA

A capital portenha respira literatura. Uma das primeiras coisas que os turistas/leitores fazem quando chegam à cidade é visitar sebos e livrarias. Há ainda quem opte por conhecer os museus e as casas históricas dedicadas aos principais escritores argentinos ou tomar um café nos Bares Notáveis, antigos pontos de encontro de intelectuais da América Latina. “Além da cidade material, há uma cidade pensada por Borges, outra por Arlt, outra por Cortázar e assim podemos seguir eternamente. Cada um viu, viveu e escreveu sobre uma mesma cidade e, ao fazê-lo, eles mostraram distintas cidades”, diz Josefina Núñez. Como Capital Mundial do Livro, Buenos Aires oferece uma programação de arte e espetáculos até abril de 2012. A celebração teve início em 23 de abril, declarado o Dia Mundial do Livro pela ONU, em alusão à data de falecimento de dois grandes escritores, em 1616: Miguel de Cervantes e William Shakespeare. Entre abril e maio, aconteceu a Feira Internacional do Livro de

Buenos Aires, a maior em um país de fala hispânica. Em maio, a cidade recebeu uma instalação artística produzida por Marta Minujín, a Torre de Babel de Livros: uma estrutura de 25 metros de altura coberta com mais de 20 mil livros de diferentes lugares do mundo. Montada na Plaza San Martín, no bairro do Retiro, os livros que a compuseram foram posteriormente doados a uma instituição local para a primeira biblioteca multilíngue da cidade. A homenagem se estende à edição de 2011 do programa La Historia en Su Lugar, que apresenta obras de teatro pelas ruas de Buenos Aires. No bairro de Belgrano, é possível ver Las Huellas de Mujica Láinez en Belgrano, sobre o escritor Manuel Mujica Láinez. O escritor Roberto Arlt é homenageado com a obra Una Tarde con Roberto Arlt en Flores, no bairro de Flores. E a Avenida de Mayo, a mais tradicional da cidade, recebe as duas partes em que se divide a peça Escritores y Personajes de la Avenida de Mayo, em homenagem a escritores como José Hernández, Borges e Cortázar. São espetáculos gratuitos.

Alan Pauls escreveu a crônica inédita “Poder ou Potência?” para a CONTINUUM, publicada em fevereiro de 2009 em http://bit.ly/kXSzoc.

CAFÉS E LIVRARIAS Dicas para saborear a alma literária da cidade Dizem que em Buenos Aires não é preciso sair para procurar os livros porque eles estão em todas as partes. Há 29 bibliotecas públicas e mais de 200 livrarias na cidade, como a imponente El Ateneo, instalada no edifício onde funcionou o Grand Splendid, um dos mais importantes teatros da cidade, na década de 1920. Entre os sebos, Epifania Libros tem um bom catálogo de livros antigos, raros e esgotados. Outro passeio indispensável é conhecer os Bares Notáveis, antigos pontos de encontro de intelectuais no começo do século XX. Esses estabelecimentos foram tombados pelo governo de Buenos Aires em 1998. O mais famoso é o Café Tortoni, frequentado, entre outros, por Federico Garcia Lorca e Carlos Gardel. Localize-se El Ateneo Grand Splendid – Avenida Santa Fé, 1860 Epifania Libros – Calle Lavalle, 1910 Café Tortoni – Avenida de Mayo, 825

ARTISTAS ARGENTINOS QUE VOCÊ DEVE CONHECER

Quadrinhos

Sosa, a música argentina tem

Além do conhecido trabalho do

uma indústria contemporânea forte e

Além da literatura, há várias

cartunista Quino com sua eterna

bem reconhecida na América Latina.

expressões artísticas

Mafalda, há outros conhecidos

O rock local é representado por Fito

nomes nos quadrinhos como

Paez e Andrés Calamaro. Seguindo

Cinema

Francisco Solano Lopez e Héctor

uma linha mais pop, o cantor metade

O cinema argentino já foi premiado

Germán Oesterheld, autores da

argentino, metade americano Kevin

duas vezes com o Oscar: em 1985,

série El Eternauta. Entre os atuais,

Johansen obteve sucesso recente

com o filme A História Oficial, de Luiz

confira os traços de Liniers e de

em parceria com o cartunista Liniers.

Puenzo; e, em 2010, com O Segredo

Tute, que publicam nos principais

dos Seus Olhos, de Juan José Cam-

jornais do país e pelo mundo, como

Artes visuais

panella. A produção cinematográfi-

a tira Macanudo, de Liniers, na

Não deixe de conhecer a excentrici-

ca do país é grande e de qualidade.

Folha de S.Paulo. Outra referência

dade de Marta Minujín, ícone da arte

Atenção para os filmes de Pablo

é a cartunista portenha Maitena.

pop local e criadora de grandes instalações públicas. Vale a pena

Trapero, como Abutres, e de Román Cárdena, como Las Piedras.

Música

conferir ainda o trabalho de Guillermo

Muito além do tango de Carlos

Kuitca, nome relevante e com forte

Gardel e do folclore de Mercedes

influência na arquitetura e no teatro.


FANTASIA MULTIPLICADA

Blogueira de moda, colunista de tecnologia, graduada em filosofia, integrante de dueto de piano e voz, praticante de surfe e snowboard, nerd autodeclarada, Pola Oloixarac é um dos nomes mais comentados da literatura argentina atual. Aos 33 anos, foi considerada um dos 22 escritores mais promissores de língua espanhola pela revista literária Granta, depois da publicação de seu primeiro romance As Teorias Selvagens, lançado na Argentina pela Editorial Entropía. O cultuado escritor portenho Ricardo Piglia classificou o livro como “o grande acontecimento da nova narrativa argentina”. Lançado no início do ano no Brasil pela Benvirá, é uma comédia romântica sobre hackers e a arte da guerra. “Qualquer um pode continuar a leitura hackeando o Google Earth. A história é uma inovação no campo da tecnologia”, define Pola. Uma das convidadas da Flip 2011, em julho, a escritora deu esta entrevista exclusiva à CONTINUUM.

O seu primeiro livro é composto de uma mescla de filosofia, esporte, sociologia, moda, música, tecnologia, além de doses de psicanálise e de política argentina. Como transitar por tantos universos e manter a coerência? Acredito que não dá para falar de uma coisa sem falar das outras. Para escrever é preciso imbuir a narrativa não só de tempo e espaço, mas também de várias dimensões, compostas de distintas paixões. Assim, as paixões se tornam mais reais e específicas. Quais são as suas influências para escrever? Mais que influências, são fantasias: Jean-Jacques Rousseau, Thomas Hobbes, Vladimir Nabokov, Stendhal. Como você começou a escrever sobre tecnologia? Quando eu era pequena, escrevia cartas para a Nasa e Carl Sagan era meu ídolo! Eles sempre me respondiam com pacotes cheios de fotos e informativos. Era tudo em inglês e eu não entendia nada, mas aquilo me fascinava.

Pola Oloixarac po sa com sua gata Gm ail

Como você vê a repercussão de As Teorias Selvagens ao redor do mundo? Vejo com muita curiosidade o fato de tantas pessoas estarem seguindo o meu trabalho com tal intensidade. É um presente tão delicioso quanto inesperado. Quais são os seus próximos projetos? Estou escrevendo um romance sobre orquídeas, que se passa, em parte, no Brasil. O que você lê? Gosto muito de Clarice Lispector, tanto de seus livros como de seus vestidos e penteados. Há sempre um perigo iminente e uma intimidade com a beleza. Ela é maravilhosa. Guardo um amor especial também por Borges. Ler seus livros é como visitar uma avó sofisticada, rica e muito má (quem já leu Borges, de Bioy Casares, sabe do que estou falando), e brincar com suas joias e colares de pedras preciosas.

ARGENTINA EM SEGUNDOS Segundo maior país da América Latina e oitavo maior do mundo, a Argentina

E o que mais lhe interessa na literatura argentina contemporânea? Sempre me divirto com a prosa de Daniel Link, Mariano Dorr, Edgardo Cozarinsky. Eles são fantásticos! Gosto de vários poetas, como Ariel Schettini, Alejandro Rubio e Victoria D’Antonio. Qual a sua expectativa quanto à Flip? Estou muito honrada com o convite. Sempre que vou viajar fantasio o lugar, mas, no caso do Brasil, a fantasia se multiplica por mil!

faz fronteira com Bolívia, Paraguai, Brasil, Uruguai e Chile, e sua costa é banhada pelo Oceano Atlântico. Fundado em 1527, seu nome, em latim argentum, significa prata – uma referência às buscas por esse mineral desde a chegada dos primeiros exploradores espanhóis. Em 25 de maio de 1810, uma revolução deu início ao processo de independência, proclamada em 9 de julho de 1816. Sua história está marcada por guerras e ditaduras militares. Uma das principais figuras políticas foi o general Juan Domingo Perón, eleito presidente da República três vezes. Após a derrota para a Inglaterra na Guerra das Malvinas, em 1982, foram convocadas eleições democráticas. A população, de cerca de 40 milhões de habitantes, hoje é governada pela peronista Cristina Kirchner, candidata à reeleição em 2011.

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Siga o trabalho de Pola Oloixarac em: melpomenemag.blogspot.com.


museu do homem do nordeste MUSEUS DO MUNDO |

MEMÓRIA DO BANAL

Idealizado pelo sociólogo Gilberto Freyre, o Museu do Homem do Nordeste traduz em seu acervo de 15 mil peças o caráter do nordestino e revive o tempo perdido no passado colonial.

TEXTO silvia bessa FOTOS beto figueiroa

Para conhecer e entender uma das regiões mais carente de recursos e – na opinião de milhões – mais rica de uma cultura singularmente brasileira, dê-se o prazer de começar pelo Museu do Homem do Nordeste. Instalado no Recife, é lugar para olhos, ouvidos e sentidos e para o encontro com o nordestino que há próximo de (ou em) você. Quinze mil peças estão reunidas num acervo original. Fundado em 1979, o museu dos sonhos do sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987) preza pela museologia social, pelo que traduz o cotidiano ou, numa suposição precipitada, pelo banal. A carruagem com detalhes de prata da família Souza Leão (1883) e o carro de boi de madeira rústica de um desconhecido são importantes, na mesma medida, numa apresentação do que foi e é o nordestino. O açucareiro banhado a ouro, com pedras de rubis, safiras e brilhantes incrustadas, coexiste de forma quase complementar com o pote de barro de mocambos paupérrimos da zona rural do sertão. Os trajes, os objetos-símbolos de crenças, a representação dos vícios do consumo da cachaça e do fumo e a vida doméstica dos aquinhoados ou dos sem-fortuna transformaram-se em coleções bem preservadas. As palavras do seu idealizador estão presentes nos quatro cantos do museu e fundamentam a originalidade e a opção pelas aparentes

insignificâncias culturais. “No estudo da sua história íntima, despreza-se tudo que a história política e militar nos oferece de empolgante por uma quase rotina de vida”, dizia Freyre, em 1933. “Dentro dessa rotina, é que melhor se entende o caráter de um povo. […] É outro meio de procurar-se o tempo perdido”, justifica-se. Do jardim ao quintal do belo casarão, situado no bairro de Apipucos, há uma semente do Nordeste. Nas boas-vindas − numa espécie de acervo ecológico não catalogado, mas pensado por Freyre − exemplares de cana-de-açúcar e de frutos típicos (pitanga, azeitona, dendê). Dentro do prédio principal, dividem o mesmo teto parte da obra do artesão e ceramista Mestre Vitalino (1909-1963), de Caruaru, e um respeitável conjunto de ex-votos (oferendas de réplicas de partes do corpo para as quais se deseja a cura de doenças). Assim como lamparinas trazidas por franceses em torno de 1870 para casarões imponentes e lampiões usados por habitantes das casas de taipa de um Nordeste esquecido. Para quem não está ambientado com os termos da região: há uma reprodução de uma casa de taipa no museu. Erguida por uma argamassa de barro amarelo, sustentada por lastros fracos de madeira, a construção existe até hoje no sertão nordestino e é associada a lembranças da seca e da fome porque nelas vivem os mais pobres.


Acervo do museu traz ex-votos, objetos de barro, prata e cerâmica, garrafas de aguardente, mantos do maracatu e ferramentas que relembram a escravidão nos engenhos

O SUJEITO NOS OBJETOS

Os mediadores, funcionários do museu que circulam com uma bolsa de couro (o matulão, usado na época do cangaço) e guiam grupos, facilitam uma correlação do tempo e avivam semelhanças e antagonismos dos objetos. Eles são universitários e fazem parte de um programa educacional e cultural permanente, coordenado pela pedagoga Sílvia Brasileiro. “A gente promove práticas educativas para mostrar quanto o objeto do povo nordestino é um prolongamento do sujeito”, diz Sílvia.

por estímulos. Sons que remetem à natureza, músicas indígenas ou maracatus e vídeos que sequenciam imagens do passado. São quatro áreas assim intituladas: Habitantes Originais; Colonização: O Açúcar; Oh de Casa!; e Legado. A primeira concentra-se na memória da vida dos índios, sob o ponto de vista arqueológico e antropológico. Há urnas de enterramento, objetos de cerâmica e utensílios dos rituais de caça e pesca.

Os mediadores e as informações dos catálogos induzem o visitante a observar aparelhos usados por escravos para barbear os senhores, e notar, por exemplo, os arabescos de xícaras inglesas de porcelana com protetores de bigodes. Ostentando o luxo, ainda se veem escarradeiras francesas de mesa datadas de 1867 e uma bacia de porcelana para banhos de imersão – um bidê chique doado pela família do industrial Delmiro Gouveia (1863-1917), natural de Ipu (CE) e que construiu a primeira hidroelétrica do Brasil.

Na segunda, um apanhado mostra os principais aspectos da vida colonial nordestina, transformada com a implantação da indústria canavieira exportadora. O Brasil holandês, a casa grande e a senzala observados com detalhes. Nas peças da colonização, surge uma interessante coleção de rótulos de cachaça. As crianças se divertem com simulações do uso de tachos empregados para mexer o melaço de cana-de-açúcar. Alambiques de cobre, moendas e um acervo de fotos de trabalhadores na lida na roça, a caminho do corte de cana, merecem um tempo a mais do visitante.

A exposição permanente chama-se Nordeste: Territórios Plurais, Culturais e Direitos Coletivos. Faz um raio X da região, sua geografia, cultura e hábitos, e é classificada pela Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), à qual o museu é subordinado, como um mural da vida cotidiana brasileira. O roteiro é acompanhado

O rótulo Oh de Casa!, dado ao conjunto de obras que revivem a intimidade doméstica, é um convite. No Nordeste, sobretudo o interiorano, “Oh de casa!” é uma expressão adotada pelo visitante para perguntar quem está dentro da residência. “Oh de fora!”, responde o morador. Os contrastes nordestinos ficam aqui mais claros.

Chamam atenção as soluções construtivas da região pobre e os objetos pessoais dos ricos senhores. Na atual composição do acervo, o baú de Antônia de Araújo, mulher do Barão de Amaragi (1808-1873), é uma peça especial. Baús como esse foram usados pela noiva para transportar pertences após o casamento e açúcar − tido como o ouro branco da época. Legado, última seção, dá vitrine ao Nordeste que é lembrado no exterior e pelo Brasil afora. Estão expostos adornos importantes tanto para a mais representativa festa profana da região, o Carnaval, quanto para as manifestações religiosas que dão forma à crença católica, tradicionais por essas bandas do país. Encontram-se roupas de personagens do bumba meu boi do Maranhão, vestes de um caboclo de lança do maracatu rural, máscaras e fotografias, como a de um popular se esbaldando em 1950 ao dançar sob acordes do frevo.

Museu do Homem do Nordeste – Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) Avenida 17 de agosto, 2187, Casa Forte, Recife. Visitação: de terça a sexta-feira, das 8h30 às 17h. Sábado, domingo e feriado, das 13h às 17h. Entrada: R$ 4 e R$ 2 (meia para estudante e professor da rede privada). Gratuidade para menores de 12 anos, maiores de 60 anos, professores e estudantes de escola pública e para todos no terceiro domingo de cada mês. Mais informações pelo

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telefone 81 3073 6333 e pelo site fundaj.gov.br.


homem refluxo REPORTAGEM |

Performer faz do seu lixo pessoal arte e pausa para reflexão

ISTO NÃO É UM

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TEXTO micheliny verunschk FOTOS andré seiti

Se São Paulo fosse uma cidade de história em quadrinhos, como Gotham City ou Metrópolis, certamente ele sairia do metrô com ares de Bruce Wayne, atravessaria a Consolação com o jeito inconfundível de Clark Kent e logo estaria na Paulista, exibindo a todos os seus superpoderes. Por trás da identidade secreta estaria Marcos D’Ávila, ou melhor, Peri Pane, que, desde 2003, encarna o HoMeM ReFluXo, cuja missão é colocar as pessoas para pensar sobre a sociedade de consumo e o descarte. Tudo começou com a preocupação de Pane com a seleção do lixo doméstico para a reciclagem. “Eu separava o lixo que produzia em casa, mas sempre pensava no que fazer com o dejeto que produzia na rua. Então imaginei que havia pessoas que guardavam todo esse material e que elas poderiam usar um casaco com bolsos para acondicioná-lo”, conta. A partir dessa ideia, ele e a artista plástica Marina Reis criaram o Parangolixo-luxo, uma capa plástica transparente onde se pode guardar resíduo sólido e que, na certidão de nascimento, traz inequívoca a influência dos Parangolés, de Hélio Oiticica, do trabalho de Artur Barrio com materiais perecíveis e detritos, bem como a referência à carnavalização do lixo, de Joãosinho Trinta, e ao poema “Luxo”, de Augusto de Campos (no qual as palavras lixo e luxo se contêm simbioticamente). Nascia assim o HoMeM ReFluXo, que, vestido com sua supercapa, passou sete dias, entre agosto e setembro daquele ano, acumulando os restos descartáveis do que consumia. A performance, com um quê de voyeurismo, atraía olhares curiosos dos passantes. Uns achavam que era mais um camelô nas ruas da metrópole; outros, que era um catador do lixo alheio; e alguns, como um pastor evangélico, se preocupavam para onde ia o “lixomental”. Catadoras de lixo de uma rua do centro de São Paulo se interessaram comercialmente pelo adereço: facilitaria o seu trabalho. Munido de um diário, o HoMeM ReFluXo anotava a natureza de seus dejetos apostando que

o indivíduo é aquilo que ele consome: embalagens de yakisoba, bitucas de cigarro, latas de cerveja, flyers, guardanapos, caixas de sapatos, sachês de catchup, entre outros. Em 2006, Pane, que foi apresentador do programa EcoPrático, da TV Cultura, mudou-se para a Espanha e lá exibiu o projeto no festival DrapArt, no Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona. Dessa vez, o personagem ganhou uma companheira cujo Parangolixo-luxo se conectava ao seu. “A ideia inicial era mesmo de que existissem outros HoMeM ReFluXo na performance e que ao final se pudesse comparar o lixo que cada um produziu”, diz o artista. A obra foi apresentada ainda em 2009, no Nápoles Teatro Festival, na Itália. Nesse percurso a proposta foi se radicalizando, pois na Espanha agregou restos dos alimentos ingeridos e na Itália, em homenagem ao trabalho Merda d’Artista, do italiano Piero Manzoni, passou a incorporar, numa embalagem hermética, os papéis higiênicos utilizados durante os dias do trabalho. HERÓI DAS NOVAS GERAÇÕES

“É impressionante como o HoMeM ReFluXo atrai a atenção das crianças. Elas querem ver mais de perto, tocar”, conta Pane, com os olhos brilhando. Pensando nisso, o projeto vem se aprofundando nas novas culturas que têm a sustentabilidade como esfera de atuação, inclusive na área de educação ambiental. Parcerias com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e com o Instituto Vitae Civilis têm se traduzido em bate-papos, visitas a escolas e exposições. Tudo buscando atingir os futuros adultos, acreditando que é de pequenino que se aprende a preservar o meio ambiente. Por falar em futuro, Pane avisa que aposta também em um jornalismo lúdico como forma de levar mais adiante a missão do seu alter ego. Vêm por aí experiências diversas, inclusive uma TV Reflux, para mostrar que todo consumo tem seu preço e seu peso, tanto pessoal quanto coletivo.

Saiba mais sobre o artista em homemrefluxo.com.

DIÁRIO REFLUXO Os passos do projeto do HoMeM ReFluXo foram meticulosamente anotados por Peri

Peri Pane encarna o HoMeM ReFluXo num dos pontos mais conhecidos de São Paulo, o Masp

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Pane em um diário


B O O KR ELPI G OH R T AMGEEDMI U| Mcolaboratividade | personagem

A internet é um celeiro de iniciativas artísticas coletivas que possibilitam a todos criar TEXTO leonardo calvano ILUSTRAÇÃO marina chevrand

Uma pessoa resolve usar broca de dentista para abrir um buraco no próprio crânio e assim expandir a consciência, em plena praça pública. Outro inventa a Igreja da Dependência Consciente da Nicotina, onde centenas de fiéis entoam o mantra “cof, cof, cof”, e trava uma guerra contra as indústrias de cigarro. As tradicionais estátuas de Amsterdã são pintadas de branco por vários cidadãos, sem motivo aparente. Um indivíduo tem a ideia de espalhar bicicletas brancas por uma cidade, à disposição de quem queira usar, como forma de protesto contra a poluição e o trânsito caótico. A produção, a mobilização e a divulgação de dezenas de eventos como esses poderiam ter sido feitas com a ajuda da internet e das redes sociais nos dias de hoje. Mas como se trata de fatos ocorridos há pelo menos 50 anos, na capital holandesa, esse trabalho foi feito de forma “analógica” e com muito sucesso, graças ao poder de envolvimento dos participantes. Avós do flash mob [movimento que convoca seguidores por meio de determinada mídia a realizar uma ação coletiva pública geralmente ligada a uma causa] e de tudo o que se entende por produção colaborativa atualmente, as pessoas cujas ações foram descritas acima fizeram parte do Provos, grupo cultural anarquista, marco do nascimento da contracultura, que agitou a Holanda na década de 1960 e influenciou estéticas fundamentais como a dos hippies, dos punks e dos beatniks. Eles criaram alternativas como o uso das bicicletas coletivas em Amsterdã e Barcelona, além de inspirar a legalização da maconha e da prostituição na capital holandesa. Embora muitos nem sequer tenham ouvido falar deles, o Provos foi essen-

cial para a formação cultural no mundo contemporâneo. Se sua proposta era o rompimento com valores sociais, políticos e econômicos, hoje a produção coletiva é guiada por um componente essencial: a tecnologia. Segundo o antropólogo Hermano Vianna, um dos idealizadores do site colaborativo Overmundo, voltado à produção cultural, e autor dos livros O Mistério do Samba (1995) e O Mundo Funk Carioca (1996), ambos lançados pela editora Jorge Zahar, a internet demonstrou desde o início que as pessoas não querem só consumir coisas produzidas por uma minoria, querem também produzir suas próprias notícias e conteúdos. Além das redes sociais, que não são usadas apenas como entretenimento, a colaboratividade já está mais do que consolidada na comunicação. “Existem experiências bem interessantes nos sites de grandes jornais, como enviar fotografias, vídeos e textos de leitores”, opina Vianna. Vale lembrar que os jornalistas-cidadãos, como são conhecidos, munidos de celulares e câmeras digitais, foram essenciais nas recentes ondas de protesto no mundo árabe, principalmente em países cujo governo controla a imprensa. ENXERGAR O INVISÍVEL

No universo das artes, Aaron Koblin (aaronkoblin.com), artista multimídia, cujo trabalho integra o acervo permanente do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), é uma prova bem-sucedida da criação colaborativa. Em um de seus projetos, Ten Thousand Cents (tenthousandcents.com), de 2008, o norte-americano, que é funcionário do laboratório de criatividade

do Google, na Califórnia, dividiu uma cédula de 100 dólares em 10 mil partes e as distribuiu para que fossem redesenhadas por internautas. Ao final, todos os desenhos foram anexados formando uma cédula artística de 100 dólares que foi vendida por esse valor. O dinheiro gerado foi doado a um projeto de venda de laptops a preços populares. O sucesso do trabalho rendeu a Koblin o convite da banda canadense Arcade Fire para fazer o clipe da música “We Used to Wait”, um vídeo interativo e colaborativo em 3D. O projeto, The Wildnerness Downtown (thewildnernessdowntown.com), de 2010, usou o Google Maps para programar uma viagem em que o “internauta-criador” pode desenhar ou escrever qualquer coisa em uma das várias telas durante a música. Ainda nessa área, ele fez, em 2009, o vídeo House of Cards, da banda inglesa Radiohead. Nele, todas as imagens são reproduções 3D criadas com base em dados obtidos por sensores laser. O artista – que veio ao Brasil em novembro do ano passado para dar uma palestra no evento TEDx Amazônia – aposta em novas maneiras de mostrar conteúdo, no envolvimento do maior número de pessoas em um trabalho artístico e na tecnologia como nova plataforma de expressão. “A tecnologia permite enxergar o invisível, compreender melhor assuntos importantes e nos envolver mais com eles”, disse. O esforço colaborativo (conhecido por crowdsourcing, em inglês) é recorrente nas produções de Koblin. Em Bicycle Built for Two Thousand (bicyclebuiltfortwothousand.com), de 2009, por exemplo, o artista coletou trechos de mais de 2


CARÊNCIA DE SHOWS Projeto colaborativo garante realização de espe-

mil vozes de pessoas de 71 países, e, ao uni-las, recriou a canção “Daisy Bell”, do inglês Harry Dacre. O curioso é que cada participante apenas repetiu um barulho que ouvia, sem ter ideia do que aquilo viraria. Já no Johnny Cash Project (thejohnnycashproject.com), de 2010, cada envolvido fazia um desenho que formaria uma sequência com os demais, gerando um videoclipe para “Ain’t no Grave”, canção inédita do cantor, que faleceu no início do ano passado. “O incrível pode ser feito quando as pessoas estão reunidas”, completa. MESCLA DE LINGUAGENS

Em São Paulo, um grupo de artistas de diversas áreas decidiu se reunir em 2005 para trabalhar sob o princípio da colaboração. Assim, surgiu a Casadalapa (casadalapa.blogspot.com), coletivo de 18 pessoas que divide uma casa espaçosa na Vila Ipojuca, zona oeste. “Aqui você pode mostrar seu trabalho sem se preocupar com o fato de que, muito provavelmente, poderiam estar querendo o seu lugar, como ocorre na maioria das empresas convencionais”, explica o designer Fernando Sato, um dos pioneiros da iniciativa. “Basta substituir o mecanismo da competição pelo da colaboração, que as possibilidades de troca passam a ser, virtualmente, infinitas”, explica Julio Dojcsar, artista plástico, cenógrafo e grafiteiro pertencente ao grupo.

Esse novo modelo de trabalho colaborativo também inspirou o surgimento do Coletivo Catarse (coletivocatarse.blogspot.com), em Porto Alegre, em 2004. Dissidente da cooperativa de comunicação Comunica, criada quatro anos antes, o grupo reúne atualmente 16 pessoas das mais diversas áreas. O coletivo, além do trabalho de comunicação social, realiza projetos culturais, como mais de 50 curtas, médias e longas-metragens, registros de eventos, videoclipes, reportagens, trabalhos em educação e capacitação, arte gráfica, produção de eventos e assessoria de comunicação. “Não existe uma pessoa ganhando em cima do trabalho das outras”, explica um dos cooperados, Jefferson Pinheiro. “Quando sobra algum dinheiro, ele é reinvestido no trabalho do Catarse. A gente acredita inclusive que a estrutura do cooperativismo é mais interessante”, completa.

táculos no Rio de Janeiro O Queremos (queremos.com.br) surgiu da carência de shows no Rio de Janeiro (não megaeventos como os shows em Copacabana ou do Rock in Rio). Diversas bandas internacionais vinham ao Brasil, mas não à capital fluminense. O motivo alegado era o desinteresse do público. Cansados de esperar e certos de que havia público na cidade, o grupo resolveu fazer algo além de reclamar. A partir daí, foi desenvolvido um formato inédito: dividir por fatia de público o valor necessário para a produção de um evento, garantindo assim a sua realização. A arrecadação da bilheteria é a forma de reembolsar os “investidores”. Através da mobilização via redes sociais, o Queremos funciona tanto como uma ferramenta de financiamento quanto de divulgação. Com o valor mínimo necessário assegurado, o evento é confirmado e começa a venda de ingressos normais para o público. Nos casos de Miike Snow, Belle & Sebastian, Mayer Hawthorne, Two Door Cinema Club, Vampire Weekend e LCD Soundsystem, todos que investiram inicialmente assistiram aos shows de graça.

Por falar em arte colaborativa, a ilustração destas páginas contou com a contribuição de cerca de 20 funcionários do Itaú Cultural. Eles deram asas à imaginação ao desenhar formiguinhas – algumas bem estranhas! – que carregam areia para formar o título da reportagem. O coletivo Casadalapa foi premiado pelo Rumos Itaú Cultual Cinema e Vídeo 2009-2011 com Enquadro 2: Tiaguinho da Redenção. A obra integra a caixa Linguagens Expandidas, disponível na Midiateca do instituto.

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Mas como funciona no dia a dia o mecanismo de interação criativa entre tantos e tão diversos artistas? Thiago Dottori, que assina, entre outros, o roteiro do filme Vips, estrelado por Wagner Moura, explica que a principal diferença é que ali o que os integrantes perseguem é

justamente criar obras que não “hierarquizem” as relações de trabalho, mas em que a criação seja coletiva o tempo todo, sem que haja, por exemplo, um “diretor” conduzindo o processo. Ele acrescenta que não se trata da convergência de um único objeto artístico, mas, sim, de diferentes e múltiplos realizadores. Em alguns processos coletivos isso já é bastante evidente como em Enquadros 1 e 2, obras definidas nos corredores da casa como HQs Urbanas. Neles se mesclam intervenção, grafite, vídeo, fotografia e dramaturgia. Outros exemplos recentes são a exposição multimídia Onde Está o Craque? e as edições do MixtoQuente, evento no qual as portas da casa são abertas para receber a comunidade, numa fusão singular de show, exposição e cinema.


flávio império PERFIL |

A arte

como festa

A inspiração em objetos populares marca a obra de Flávio Império

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B A S T I D O R E S

TEXTO mariana lacerda

Sou Pedro, 1972

Sou Antônio, 1972

Sou João, 1972

serigrafia sobre papel

serigrafia sobre papel

serigrafia sobre papel

Acervo Flávio Império

Acervo Flávio Império

Acervo Flávio Império


Flávio Império “O TEATRO ME ENSINOU A VIDA; A ARQUITETURA O ESPAÇO; O ENSINO A SINCERIDADE; A PINTURA A SOLIDÃO.”

“Ele gostava de festas, em especial a de São João”, conta o antropólogo Henrique Magalhães. Refere-se ao amigo Flávio Império, com quem dividiu, com outras pessoas, uma casa no bairro da Aclimação, em São Paulo, na década de 1970. Artista múltiplo, Flávio Império, morto em 1985, aos 50 anos, tinha especial carinho pelo interior do Brasil. Os mercados públicos, com sua alegre movimentação, o encantavam. Nesses lugares, interessava-se pelos artefatos e pelas criações da gente brasileira. Nasci no Bexiga e lá me criaram por certo, um dia, eu virei “arquiteto” depois “professor” depois “cenógrafo” depois “pintor” […] [Trecho de texto autobiográfico publicado em 1977, no catálogo da exposição coletiva Alegres Pintores do Bexiga, no Teatro Igreja e Célia Helena, São Paulo] Império nos deixou uma obra composta de serigrafias, pinturas e projetos arquitetônicos. Fez cenários e figurinos para grupos (e montagens) importantes, como as do Teatro de Arena e do Teatro Oficina, de São Paulo. Ao todo, e esse é

só um exemplo, criou sete cenários e figurinos para espetáculos da cantora Maria Bethânia (que, avessa ao uso do preto no palco, trajou, uma única vez, um vestido dessa cor, desenhado por Império). “O teatro me ensinou a vida; a arquitetura o espaço; o ensino a sinceridade; a pintura a solidão […]”, descreveu em poema autobiográfico. Suas viagens pelo interior do Brasil e o contato com as pessoas e suas artes acrescentavam a seu poder criativo repertórios de materiais e de marcas fortes, novos modos de trabalho, além de inspiração de linguagem e expressão. Eram achados simples, como o pano chamado de “carne-seca”, refugo dos processos de impressão da indústria de tecidos, padrões manchados e machucados encontrados à venda a preço de quase nada. Eles eram transformados por Império em bandeiras e telas. APRENDER FAZENDO

A festa de São João foi tema de uma das exposições de Flávio Império. A arquiteta e cenógrafa Maria Cecília Cerrotti, a Loira, amiga e parceira de trabalho que também compartilhou com ele e Magalhães a casa da Aclimação, conta que a referência às festas juninas surgiu de forma mais direta na exposição Festa de São João, em 1973, por ocasião da inauguração do Centro de Estudos Macunaíma, em São Paulo. “O [artista

FLÁVIO IMPÉRIO EM SEGUNDOS Flávio Império (São Paulo SP 1935 – idem 1985). Arquiteto, torna-se o mais respeitado e prestigiado cenó-

plástico] Claudio Tozzi trouxe da pop art as gravuras em silk-screen e nós, que imprimíamos cartazes para o grêmio da FAU, fomos transformados, por ele, em impressores. Assim fui apresentada ao Flávio. E o Flávio à serigrafia. Seu primeiro projeto conosco foi Sou Pedro, Sou Antônio e Sou João”, conta Loira. As telas, bem como as bandeiras, outra marca do artista, estão expostas durante os meses de junho e julho no Itaú Cultural, na exposição Ocupação Flávio Império, uma homenagem ao artista. A mostra revisita um jeito de expor do qual Flávio Império gostava: um ateliê em funcionamento no próprio espaço expositivo. Visitantes viam então a obra nascer. Podiam participar dela, integrandoa. Foi assim nas mostras Coisas & Loisas (1978) e Matrizes, Filiais e Companhias (1979), em que Império colocava em prática uma de suas grandes crenças na arte: a de aprender fazendo. O artista trazia para o centro do fazer criativo o sentido do encontro, da festa – como escreveu a artista plástica Renina Katz, também amiga de Império, em um texto publicado no convite da exposição Pintura e Muita Bandeira (1980): “Continuo achando que a sua pintura é uma festa no sentido mais amplo da celebração da vida. Festa onde o desenho prepara a imagem para ser impregnada de cor, luz e transparência […]”.

Acesse itaucultural.org.br/ocupacao e saiba mais sobre a Ocupação Flávio Império.

grafo de sua geração. Obtém reconhecimento também como artista plástico e diretor de arte. Morre pouco antes dos 50 anos, tendo entrelaçado a arquitetura e as artes plásticas, a cenografia e a direção de arte com inusitadas e renovadoras perspectivas. Fonte Enciclopédia Itaú Cultural de Teatro. Acesse verbete do artista na

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íntegra em itaucultural.org.br/enciclopedias (clique na opção teatro).


diário de um espetáculo REPORTAGEM |

DESCONSTRUINDO Os bastidores da montagem de A Tempestade em São Paulo

TEXTO roberta dezan

FOTOS andré seiti

A maquete tem que ser elaborada harmoniosamente, de tal maneira que agrade à vista. Enquanto compõe esta harmonia visual, o encenador sofre igualmente a influência da música, dos versos ou da prosa, e, no sentido geral, o espírito da peça. Tudo preparado assim, pode-se começar a tarefa material. [...] como a execução dos cenários e da indumentária. Implantados os cenários e vestidos os atores, há ainda grandes dificuldades a vencer.

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Edward Craig, Index to the Story of My Days (Londres, Hulton Press, 1957)

Na época de William Shakespeare (1564-1616), “até certo ponto o teatro disputava a preferência do povo com brigas de galo, brigas de cachorro e até mesmo execuções de sentenças de morte”; a plateia “era extremamente participativa, pouco comportada, comia e bebia durante a peça, além de ‘trocar diálogos’ inoportunos com os atores”, escreveu o autor Rui de Oliveira na introdução do livro A Tempestade (Cia. das Letrinhas, 2000). As peças de teatro ainda não tinham o status que ostentam hoje, podiam aparecer em diferentes versões e eram constantemente reescritas. Foi nesse contexto que, em 1612, estreou A Tempestade, última peça escrita individualmente por Shakespeare [consta que depois ele ainda teria escrito outras obras com o dramaturgo John Fletcher], “interessante pela forma bastante leve e pelo conteúdo bastante sério”, segundo a tradutora, crítica de teatro e maior conhecedora brasileira da obra do autor, Barbara Heliodora.

Passados quase 400 anos, uma nova montagem de A Tempestade, em sua versão integral, estreou no final do último mês de maio, no Teatro Raul Cortez, em São Paulo, num cenário bem distinto do descrito por Rui de Oliveira. O ponto de partida dessa versão contemporânea, que também será apresentada nas cidades de Brasília e do Rio de Janeiro, foi a paixão de Alexandre Brazil, diretor-geral de produção, pela obra de Shakespeare, e sua pretensão de montar as 38 peças do dramaturgo inglês. A vontade perdurou por aproximadamente quatro anos até a sua concretização. Os primeiros passos desse longo processo se deram com a aprovação do projeto em lei de incentivo à cultura e em seguida com a captação de verba, ou seja, com a caça inglória aos patrocinadores – tudo isso feito em parceria com o outro diretor de produção, Erike Busoni. Passadas essas etapas burocráticas iniciais, era hora de escolher a equipe de


criação e começar a definir um plano de trabalho, com todas as suas estratégias e prazos. TRABALHO DE MUITOS

Alexandre Brazil vem de um tempo em que não havia cursos de formação para produtores de teatro e, com os seus 18 anos de dramaturgia, apesar da pouca idade, tem bastante experiência com o teatro de grupo. No entanto, optou por um caminho mais independente, com a criação do Escritório das Artes, que lhe permitiu fazer escolhas mais livres, como a da equipe com a qual gostaria de trabalhar nessa peça. “Estou particularmente feliz com esse projeto, pois consegui reunir um time de primeira, o que nem sempre é possível. E, apesar de esse trabalho não ser resultado de uma companhia de teatro, tudo isso só acontece por causa do coletivo. Não há bom teatro sem diálogo, sem troca”, acredita.

Croquis e desenhos técnicos do cenário criado por André Cortez

Para alguns o tempo foi ainda mais curto. “Do primeiro dia em que comecei a ensaiar até o momento em que pisei no palco para valer passaram-se apenas dois meses. Mas no teatro é comum as coisas acontecerem simultaneamente, num ritmo frenético”, diz o ator Sérgio Abreu, que interpreta o príncipe Ferdinand. Já os atores que fazem parte do coro iniciaram a preparação bem antes, pois necessitavam de um trabalho corporal mais intenso, mais focado nos movimentos precisos que as cenas exigiam. Tudo é organizado para que os processos não se atropelem e as etapas aconteçam no tempo certo, mas há coisas que só se descobrem na prática. “Em produção teatral é preciso viver um dia de cada vez, pois cada momento é uma descoberta e as mudanças durante o processo são muitas”, diz Brazil. A numerosa equipe do espetáculo traz muitos nomes de peso da dramaturgia brasileira, como Barbara Heliodora, André Cortez, André Abujamra, Beth Filipecki, Renaldo Machado e Davi de Brito, além de 18 atores em cena, entre eles, Paulo

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As primeiras reuniões de criação, a oficialização de todos os convites e a busca por espaços para os ensaios e para as apresentações começaram em outubro de 2010 e, tendo em vista que a peça estreou sete meses depois, tudo foi feito com muita rapidez. O primeiro a se juntar à dupla de produtores foi Marcelo Lazzaratto, escolhido para a direção do espetáculo. Havia três anos, ele vinha “montando um Shakespeare

atrás do outro”. Em conjunto, começaram a pensar o texto, a formação do elenco e a verificar a disponibilidade dos atores. Reunida a trupe, tinha início a aventura.


diário de um espetáculo REPORTAGEM |

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1 e 4. Parte dos figurinos criados por Beth Filipecki e Renaldo Machado 2 e 3. Ensaio e preparação dos atores que compõem o coro da peça

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Serviço – A Tempestade até 26 junho 2011 Teatro Raul Cortez – Rua Dr. Plínio Barreto, 285, Bela Vista, São Paulo. Tel.: 11 3254 1631/32 quintas e sextas, às 21h30; sábados, às 21h; domingos, às 20h. R$ 40 (R$ 20 meia-entrada) 526 lugares, 130 min, 12 anos


Ha “EM PRODUÇÃO TEATRAL É PRECISO VIVER UM DIA DE CADA VEZ, POIS CADA MOMENTO É UMA DESCOBERTA E AS MUDANÇAS DURANTE O PROCESSO SÃO MUITAS.” Alexandre Brazil

Goulart Filho, Carlos Palma e a estreante nos palcos Thaila Ayala. Somam-se ainda ao grupo três músicos que executam a trilha sonora ao vivo, costureiras, camareiras, assessores jurídicos, administrativos e de imprensa, técnicos das mais diferentes áreas e mais uma série interminável de profissionais, que juntos colaboraram ativamente para a produção dessa comédia romântica de Shakespeare – considerada uma de suas obras mais criativas e bem-acabadas. ELEMENTOS CÊNICOS

A dramaturgia shakespeariana é conhecida pela preciosidade, pelo caráter universal, por contemplar os mais diversos aspectos da humanidade, seus desejos e inquietações. A Tempestade, sendo de certa forma sua peça final, depois de tantas produções que tratavam das contradições e condições humanas, carrega um tom mais fabular, mais leve e delicado. Toda a magia contida no texto precisava ser transposta para o palco e isso fica claro em algumas escolhas feitas pela produção. É o caso dos bonecos que representam alguns personagens e também do tipo de composição e instrumentos presentes na trilha sonora.

A trilha sonora criada por André Abujamra é tocada ao vivo com piano, fagote e oboé, numa formação camerística e inusitada, inclusive para o teatro. “No começo a produção queria uma orquestra de ‘897 mil músicos’, mas eu disse que isso seria loucura e que iria pensar em algo mais possível. Acabei escolhendo esses três instrumentos, porque acreditei que juntos eles pudessem dar o tom mágico que a peça necessita. Mas no fundo tudo funciona na base da intuição”, diz Abujamra. A cenografia de André Cortez e os figurinos de Beth Filipecki e Renaldo Machado fazem uma contraposição entre o contemporâneo e o histórico. O cenário é composto de um único objeto de grandes proporções, geométrico, limpo, com linhas simples, que dinamiza as marcações. A construção desse elemento cênico obedece à lógica de Shakespeare, que escrevia para um palco nu, para o teatro elisabetano, onde a própria estrutura arquitetônica compunha a cenografia – um palco com andares e portas. “Ao limpar da cena tudo que é desnecessário, temos a essência do universo shakespeariano, pois a palavra diz tudo e desencadeia o jogo dos atores e as circunstâncias e as imagens que ajudam a compor ambientes e temperaturas”, diz o diretor Lazzaratto. Os figurinos trazem sobreposições de tecidos e camadas de tratamento, como se épocas,

tempos, se acumulassem sobre os corpos. Os trajes foram cuidadosamente elaborados com elementos da natureza, já que o espetáculo se passa em uma ilha e os personagens só contam com os recursos naturais para incrementar suas vestimentas. “Quando vi os primeiros estudos de Beth Filipecki tive a certeza de que tudo casaria muito bem, pois ela criou um figurino absolutamente composto, cheio de golas, casacos, detalhes e com muito peso, que seria apresentado em contraponto a uma cenografia limpa e geométrica”, conta o diretor. A maior metáfora shakespeariana é “o mundo é um palco”, e mesmo com seus textos ricos em imagens retiradas do cotidiano e elaborados com linguagem relativamente simples, ainda há quem torça o nariz ao ouvir falar do dramaturgo inglês. “Essa suposta grande dificuldade foi criada quando os antigos professores gostavam de dizer que tudo era muito difícil e que só eles eram capazes de compreender o que estava nas obras. No entanto, para entender Shakespeare, basta se permitir apreciar a beleza do que ele cria”, conclui Barbara Heliodora. O que ninguém duvida é que o teatro, assim como a grande maioria das produções artísticas, é feito sempre coletivamente, de uma forma ou de outra. Se o objetivo final de todos é o espetáculo, a obra em sua essência, e não as vaidades individuais, a sintonia e a união prevalecem. Todos sabem que, para dar certo, a peça deve ser sempre maior do que aqueles que a fazem.

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O Grupo Giramundo foi o responsável pela confecção dos bonecos e das asas do personagem Ariel, criados de uma forma especial para proporcionar mais leveza e facilidade de manuseio. “As peças representam as deusas Íris, Ceres e Juno e dão contornos definitivos aos diversos níveis de teatralidade propostos pela encenação”, observa Lazzaratto. “Trabalhar com A Tempestade foi um desafio na escolha dos materiais, pois queríamos

que as deusas absorvessem melhor a luz e representassem esse universo lúdico. Muitos testes foram feitos até chegarmos à versão final”, diz Beatriz Apocalypse, diretora artística do Giramundo.


com que roupa? ENSAIO FOTOGRÁFICO |

com

ue

roupa? Brega, excêntrico, descolado, clássico, exótico, casual... Não importa o estilo, é tarefa quase impossível permanecer indiferente e não deixar de passar os olhos nas vestimentas da performer Elke Maravilha, do cantor Falcão, das bandas Filhos da Judith e Letuce e das cantoras Iara Rennó e Silvia Machete. Vestidos para cantar, tocar e atuar, eles abrem seus guarda-roupas, usam seus trajes prediletos e trocam o palco pelo estúdio fotográfico, neste ensaio sobre o poder do figurino na música.

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FOTOS daryan dornelles/fotonauta


LITERATURA E MÚSICA

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Boa parte do figurino da cantora paulista Iara Rennó foi inspirado no herói sem nenhum caráter Macunaíma, personagem criado pelo escritor Mário de Andrade.


personagem BOOK LIGHT MEDIUM | B A S T I D O R E S | F I C H Á R I O

A ESCOLA DE LADY GAGA Quem acha que a cantora norte-americana é o que há de mais extravagante na cultura pop, provavelmente nunca viu Elke Maravilha. Há, inclusive, rumores na internet de que Lady Gaga teria copiado alguns looks da estrela brasileira.


O CANTOR BREGORIANO

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“Figurino é comigo mesmo”, dispara Falcão, que teve a ideia de seu traje quando foi defender a música “Canto Bregoriano” em um festival. Para combinar seu visual com a canção, começou a incluir ícones em sua roupa. Muitos de seus adereços são fruto de doações, como o famoso girassol falso, dado por uma fã, e o paletó, criado pelo estilista Marcelo Sommer.


personagem BOOK LIGHT MEDIUM |

NO PALCO COMO NO DIA A DIA

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Nem só de figurinos chamativos vivem os músicos. Entre os nomes da nova geração, o duo Letuce (abaixo) e a cantora Silvia Machete (ao lado) exibem seus figurinos com uma pegada mais casual. Já a banda Filhos da Judith, (nesta foto) que acompanha o cantor Erasmo Carlos em suas apresentações, mistura o estilo men in black com uma pegada retrô que lembra os Beatles.


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j. c. serroni ENTREVISTA |

J. C. Serroni no Espaço Cenográfico, escola criada por ele em São Paulo

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O DONO DA CENA TEXTO débora epaminondas FOTOS felipe morozini J. C. Serroni é incansável: dedica-se com a mesma garra ao trabalho de cenografia de musicais de grande porte ou de peças de companhias pequenas. Atua em várias frentes seguindo o que lhe ensinou o mestre da cenografia brasileira Flávio Império: “O cenógrafo precisa ser um artista múltiplo”. Ele não foge de discussões técnicas sobre a profissão. Pelo contrário, chama-as para si. Não tem preconceito quando o assunto é trabalho. Já fez cenografia de shows de duplas sertanejas, peças, musicais, como New York, New York, em cartaz em São Paulo, e comerciais – e ainda se dispôs a fazer o cenário da festa de aniversário do filho caçula. Mas a melhor definição sobre seu espírito inquieto vem dele mesmo: “Eu tenho essa coisa meio masoquista de querer transformar a cenografia, de fazer os fóruns internacionais, de formar pessoas. Já formei mais de 300, hoje vejo uns 40 que ensinei trabalhando. É gratificante”. Serroni conta nesta entrevista sobre as dificuldades da profissão e da luta pela melhoria da cena.


APESAR DAS DIFICULDADES, A CENOGRAFIA BRASILEIRA VAI BEM, A GENTE TEM UM TALENTO MUITO GRANDE PARA A CRIAÇÃO. É UMA CENOGRAFIA MAIS LIVRE, MAIS FESTIVA, SEM RECEITA.”

Como você vê a cenografia no Brasil atualmente? Temos uma cenografia de muita qualidade. Somos respeitados, ganhamos vários prêmios na Quadrienal de Praga [República Tcheca], somos convidados a fazer exposições fora do país. Apesar das dificuldades, a cenografia brasileira vai bem, a gente tem um talento muito grande para a criação. É uma cenografia mais livre, mais festiva, sem receita. Veja, por exemplo, a cenografia alemã: muitas vezes os trabalhos são parecidos, ela é um pouco matemática, racional. Aqui a gente trabalha com jornal, sucata, transforma materiais. Quais as dificuldades de começar um espetáculo do zero? Todo espetáculo começa do zero. Os entraves maiores são sempre ligados aos recursos financeiros. A verba para a cenografia é em geral restrita e acabamos trabalhando com um valor abaixo do necessário. O prazo é outro fator: sempre falta tempo. Também há problemas para encontrar mão de obra. Hoje está muito difícil contratar bons técnicos, como havia no começo da minha carreira. Há questões ainda em relação aos espaços: faltam teatros e, às vezes, trabalhamos em salas muito mal-equipadas, complicadas para produzir. Em geral, a concepção, a criação, o projeto, a maquete, a relação com o diretor são aspectos melhores, não são um entrave, mesmo que haja problemas. Tive dois dias e meio pra montar o musical New York, New York. Acabei tendo de virar a noite, porque não sobrava horário em um teatro movimentado. E há as tarefas específicas de musicais: tem que ensaiar orquestra, passar som, ensaiar coreografia… É um desgaste muito grande. Como resolver a falta de bons cenotécnicos no país? É preciso investir na prática, pois essa profissão exige serralheria e marcenaria avançadas. Não dá para sair de um curso e já entrar em um espetáculo. Acho que, a longo prazo, dá para eliminar essa carência. O técnico de palco tem que ter consciência do ofício, conhecer dramaturgia. Não dá para ele só ir com o martelo, sem saber o que tem que martelar e por que martelar. Nos anos 1960 havia ótimos cenotécnicos, mas eles foram morrendo e não foram substituídos. Os novos optaram pela publicidade, pelo Carnaval e pelo cinema, que paga mais, e o teatro ficou desguarnecido. Isso é ruim porque se se quer fazer um efeito, por exemplo, fazer Peter Pan voar, ou um palco giratório, não há quem faça. Os técnicos de hoje estão muito envolvidos em eventos e o teatro não pode ser visto como evento. É outro tempo, é outro valor de cachê. O acabamento é outro. Mas, apesar disso, os espetáculos sempre acontecem. A falta de planejamento é ruim porque sempre se dá um jeito e a situação vai se arrastando…

Como está o ensino da cenografia no país? Está evoluindo. Há duas escolas de cenografia no Rio e a que fundei [Espaço Cenográfico], em São Paulo. Há cursos de direção e atuação na Unicamp, na ECA/USP e também na Bahia. Mas curso específico faz pouco tempo que existe. Há uma meia dúzia de livros que enfocam o trabalho de Gianni Rato, de Flávio Império, mas livros teóricos mesmo, técnicos, em português, são poucos. Colaboro há anos na feitura de um levantamento sobre a história mundial da cenografia, que será lançado em livro, em três volumes: um deles, que cobre de 1975 a 1990, será lançado neste mês na Quadrienal de Praga [de 16 a 26 de junho]. Os outros dois volumes cobrirão a produção de 1990 a 2005 e de 2005 a 2015. Eu cuido do conteúdo sobre a América do Sul e a América Central. Estou produzindo ainda um livro sobre a cenografia brasileira, que sairá em setembro pela editora do Sesc. Dessa forma, tento ajudar na formação das pessoas, tento criar uma consciência do que é cenografia. A situação hoje está muito melhor do que quando comecei, há 33 anos. Eu era confundido com coreógrafo, oceanógrafo [risos]. Agora as pessoas já sabem do que a profissão trata. Mas é um aprendizado demorado. Cite companhias que fazem um trabalho interessante na área de cenografia atualmente. São muitos grupos, mas o problema é não termos companhias estáveis em grande número. Esse tipo de formação é recente, surgiu com o fomento aos novos coletivos. Dos mais antigos, o Antunes Filho sempre faz coisas interessantes em seu Centro de Pesquisa Teatral. Atuei lá durante 11 anos, saí e talvez volte em breve. O

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O improviso prejudica o tipo de material usado na cenografia brasileira? Acho que o cenógrafo brasileiro lá fora é muito respeitado. Estou há vários anos na Quadrienal de Praga, e eles admiram essa

coisa que temos do improviso, do jogo de cintura, do povo que se vira. Mas só isso não basta. Vivo batalhando, a gente precisa ter conhecimento, tecnologia, teatros equipados, para sermos ainda melhores. Se somos bons com pouca coisa, seremos melhores quando tivermos melhores condições. Não dá para se contentar só com a criatividade. O cenógrafo brasileiro é criativo, mas não dá para fazer dessa forma por toda a vida. Eu já fiz cenografia com lixo, galho seco, bambu e sempre procuro materiais alternativos; mas é preciso mudar, ainda mais hoje com o avanço da tecnologia. Precisamos saber mexer com os novos equipamentos, com computação, tudo isso custa dinheiro, custa aprendizado. Essa tendência chegou à área de iluminação há duas décadas e, atualmente, os iluminadores dominam muito bem a tecnologia. Mas a cenografia ficou um pouco para trás. A mecânica cênica ainda é muito deficiente, os teatros também. Mesmo o Municipal do Rio de Janeiro e o Municipal de São Paulo não são teatros preparados para fazer ópera de verdade. Dá para fazer, mas eles não têm as condições do Metropolitan [Nova York], da Ópera de Viena [Áustria], que foram feitos para isso. Uma ópera de Wagner, por exemplo, conta com cento e poucos músicos, mas os fossos de orquestra aqui são pequenos, não tem como fazer o espetáculo.


j. c. serroni ENTREVISTA |

Frase estampada em parede do Espaço Cenográfico

Vertigem tem um trabalho muito bom também; o Galpão, de Belo Horizonte; o Armazém, do Rio de Janeiro, com o Paulo de Moraes; a Sutil Companhia de Teatro, com a Daniela Thomas à frente; e a Cia. Livre de Teatro, da Cibele Forjaz, com cenografia da Simone Mina. Quando há parcerias longas, sempre dá certo desenvolver um projeto. No filão dos musicais existe um pouco de preconceito quanto à cenografia, mas ela é importante também.

F I C H Á R I O

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B A S T I D O R E S

Você gosta de fazer musicais? Não tenho muita afinidade com musicais. Havia feito apenas um antes de New York, New York. Foi uma oportunidade de fazer algo com linguagem brasileira, com luz e figurino nossos. Eu sou contrário à forma de trabalho de musicais que vêm enlatados, trazidos de fora e em que é preciso seguir o projeto, não cabendo uma criação local. Os musicais acabam até formando público e dão oportunidade para profissionais que estavam em dificuldade de trabalho.

retores que trocam, aceitam, esperam sugestão. Normalmente, as concepções chegam prontas e quem está iniciando na carreira dificilmente consegue se impor. Quando se tem um tempo de carreira, já se sabe como negociar, com quem se vai trabalhar. Mas não é fácil, diretor não é fácil. E eu entendo isso. Às vezes, as exigências vêm de um conjunto de coisas. É necessário entender o contexto. Não adianta querer fazer a sua cenografia, com a sua marca, em uma coisa que é muito mais complexa. Quando é parceria é melhor, há divisão, dá para propor coisas. Mas não pode haver vaidade. Respeito os diretores, pois teatro é uma produção conjunta. Falo aos alunos: você quer ser artista, assinar sua obra, então seu lugar não é o teatro. Vai fazer poesia, pintar um quadro... No teatro, tem que dividir muito as coisas, chega um momento que se é reconhecido pela linguagem, pela postura. Quanto mais harmonia, melhor o trabalho que se consegue fazer. Não adianta fazer uma cenografia maravilhosa se o texto não é bom, se os atores não estão bem. O espetáculo não vai vingar. Por isso gosto de trabalhar com diretores com que eu tenha uma boa relação.

A cenografia e o figurino sempre andam juntos? A luz Você projetou teatros também? também deveria ser pensada pelo cenógrafo? A maioria dos cenógrafos é figurinista. São coisas que andam jun- O cenógrafo precisa ser um artista múltiplo. Aprendi isso desde o tas, é a parte plástica. Mas raramente um cenógrafo também faz começo com o Flávio Império. Ele falava: abra frentes para outras a iluminação de espetáculos. É muito difícil abarcar as três lin- coisas porque a cenografia e o teatro não vão possibilitar que você guagens do espetáculo, porque não há tempo, mas o cenógrafo viva disso. Ele foi uma referência para mim. Estava começando, vine o iluminador devem estar muito próximos. A luz interfere no do do teatro amador, entrei na faculdade de arquitetura e logo de cenário. Tento sempre fazer um cenário em que a luz possa pe- cara ele foi meu professor. Vi os espetáculos em que atuou como netrar. Tenho que pensar em cenógrafo, fiz os cursos que materiais, na espacialidade, ele deu, fui a premiações a que para que essa luz aconteça. concorreu e sempre ganhou. AINDA VIVEMOS A ‘DITADURA DA DIREÇÃO’. SÃO POUCOS OS DIRETORES QUE TROCAM, ACEITAM, ESPERAM Quando a luz entra, o cenário Cenografia sempre foi meu SUGESTÃO. NORMALMENTE, AS CONCEPÇÕES CHEGAM se transforma. Com o figurifoco, mas eu fiz arquitetura, PRONTAS E QUEM ESTÁ INICIANDO NA CARREIRA no o processo é mais natural, então trabalhei com projetos DIFICILMENTE CONSEGUE SE IMPOR.” porque o cenógrafo começa de teatros. Por conviver muito o trabalho junto com o figurinista, desenha junto com ele. No caso com o palco, eu me especializei nas caixas cênicas. Meu trabalho de de um musical, essa dinâmica dá muito trabalho, pois são 300 fi- final de graduação foi sobre a arquitetura de teatros em São Paulo. gurinos. É quase impossível o cenógrafo fazer essa parte. Mas é Depois trabalhei na atual Funarte e, por seis anos, viajei o Brasil todo importante pensar nas três coisas juntas. E tem que sempre haver para dar consultorias sobre teatros. Hoje faço projetos de arquitetuuma sintonia fina com a direção. ra e a parte cênica de alguns espaços. Às vezes assumo a sonorização e a acústica. Participei da construção de teatros da rede Sesc, do teatro do Colégio Santa Cruz e agora estou fazendo o Teatro da A direção influencia na escolha do cenógrafo? Claro! Ainda vivemos a “ditadura da direção”. São poucos os di- USP, em São Paulo. É meu trabalho mais estável, de escritório. Faço


MAQUETES DE CENOGRAFIAS ASSINADAS POR SERRONI

O CENÓGRAFO PRECISA SER UM ARTISTA MÚLTIPLO. APRENDI ISSO DESDE O COMEÇO COM O FLÁVIO IMPÉRIO. ELE FALAVA: ABRA FRENTES PRA OUTRAS COISAS PORQUE A CENOGRAFIA E O TEATRO NÃO VÃO POSSIBILITAR QUE VOCÊ VIVA DISSO.”

Trono de Sangue, de William Shakespeare (1992)

coisas variadas. Já fiz muitos shows, para a dupla Zezé di Camargo e Luciano, por exemplo, que foram legais porque havia verba e foram em casas de espetáculo grandes. Show é mais tranquilo, mais despojado, mais simples. Ao mesmo tempo, faço trabalhos alternativos de orçamento baixo. Não pode ter preconceito. Cenografia é cenografia em qualquer situação, num musical, num show, numa ópera.

Da mesma forma que Flávio Império lhe deu um conselho quando você estava começando, que conselho você daria a quem quer ser cenógrafo? O conselho que eu daria é ter muita paciência, muita força de vontade. Não é simples, não é fácil. É preciso trabalhar muito, estudar, ser curioso, ver o mundo com outros olhos. Saber ver, aprender as técnicas, estar atualizado com as novas proposições, ser humilde, estar disponível para trocar. Acho que quem for assistente de um cenógrafo, entrar num grupo, tiver perseverança acaba prosperando. O mercado é grande, há dificuldade de recurso, mas há muita produção. É muito diferente de quando eu comecei. Hoje o cenógrafo é mais solicitado, há eventos, festas, Carnaval, publicidade, shows, cinema, TV, exposições, vitrines, desfiles de moda. São vários canais, produtos... Eu indico sempre o teatro. Se a pessoa souber fazer cenografia de teatro, saberá fazer tudo nessa área. É preciso pesquisar, visitar museus, ver peças. Não basta só pesquisar no Google. Tem que ler livros. Só com o conhecimento adquirido por meio da internet não se avança. Flávio Império me inspirou muito, o [cenógrafo tcheco] Josef Svoboda também. Eu o conheci pessoalmente e ele me abriu a cabeça. As participações na Quadrienal de Praga também transformaram minha vida. A primeira vez, em 1987, me fez ter outra visão sobre o trabalho.

Zero 2, de Ignácio de Loyola Brandão (1992)

Ópera dos Três Vinténs, de Bertolt Brecht (1994)

J. C. SERRONI EM SEGUNDOS José Carlos Serroni é arquiteto, cenógrafo e figurinista de teatro, televisão e espetáculos musicais. Formou-se pela FAU/USP em 1977. Colaborou por mais de dez anos no Centro de Pesquisa Teatral de Antunes Filho e, em 1998, criou em São Paulo o Espaço Cenográfico, escola livre de cenografia. Recebeu diversos prêmios em cenografia e figurinos no Brasil e no exterior.

Alta Sociedade, de Mauro Rasi (2001)

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J. C. Serroni é uma das personalidades que integram a Enciclopédia Itaú Cultural de Teatro. Acesse o verbete do cenógrafo em: itaucultural.org.br (clique em Enciclopédias e Teatro).


artistas por uma causa REPORTAGEM |

Mobilizados pela dor alheia Acontecimentos midiáticos, como a recente tragédia vivida pelo Japão, são momentos de criação de pungentes obras de arte

TEXTO micheliny verunschk

Sempre que uma catástrofe acontece, é certo que um artista, ou um grupo deles, se mobilize pela causa. Quem não se lembra do Band Aid, grupo que, em 1984, reuniu artistas britânicos e irlandeses em prol dos famintos da Etiópia? O Band Aid inspirou o concerto Live Aid no ano seguinte e ainda a icônica campanha We Are the World, liderada por 45 artistas, Michael Jackson e Lionel Ritchie entre eles, que formaram o grupo USA for Africa. No Brasil esses movimentos fizeram eco mobilizando astros e estrelas no Nordeste Já, uma militância também musical pelas vítimas da seca na região e que rendeu um compacto com as músicas “Chega de Mágoa” e “Seca D’Água”. Mas o passeio de mãos dadas entre arte e solidariedade não existe somente no circuito musical. Desde que Picasso retratou a destruição do vilarejo basco de Guernica no quadro homônimo, de 1937, que múltiplos são os olhares e linguagens que se cruzam quando o assunto é denunciar a dor de uma tragédia. Seja de forma coletiva, seja de forma individual, o que talvez todo artista deseje é que dos escombros da dor a memória permaneça, pois, como já dizia o grego Hipócrates, “a arte é longa e a vida breve”.

AJUDA AO JAPÃO O tsunami no Japão em 11 de março tem mobilizado designers pelo mundo na confecção de pôsteres de ajuda humanitária. A linguagem artística é direta, assim como pede a causa. Os exemplos são muitos. Na Croácia, o designer Damir G. Martin [damirgmartin.com] vendeu on-line seu trabalho e, por meio de uma instituição religiosa, transformou o lucro em doação. O grupo virtual Café Salé [cfsl.net] promoveu uma ação pela web – Tsunami, le Projet –, reunindo trabalhos do mundo inteiro, leiloados em uma galeria de arte, em Paris, que renderam mais de 30 mil euros, doados às vítimas por meio da Fondation de France. Em setembro, lançam um livro com os melhores pôsteres, entre os quais está o do desenhista francês Sylvain Calvez [c4rrousel.net]. A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) também entrou na onda solidária e, exatamente um mês após a tragédia, realizou um concerto para arrecadação de fundos paras as vítimas.

No site itaucultural.org.br/continuum, você conhece projetos de artistas brasileiros motivados por causas: Esquecidos, de Cris Bierrenbach (sobre o terremoto no Haiti, em 2010); Beauty for Ashes Project, de Duda Penteado (sobre a queda das Torres Gêmeas, em 2001); e Candelária, de Rosângela Rennó (sobre a chacina ocorrida no Rio de Janeiro em 1993).

Mais pôsteres sobre a tragédia japonesa estão em tsunami.cfsl.net. Pôster criado pelo francês Sylvain Calvez/foto: divulgação


cineastas foto: divulgação

DEPOIMENTO |

Marcelo Gomes e os atores Hermila Guedes e João Miguel no set de Era uma Vez Verônica, próximo filme do diretor

o eu-sozinho-no-mundo A

c a r t o g r a f i a

a f e t i v a

d o

c i n e m a

d e

M a r c e l o

G o m e s

TEXTO cao guimarães

Marcelo Gomes é cineasta do afeto. O que busca em sua vida está estampado em seus filmes: os sentimentos. A arte do afeto não é uma arte qualquer: exige uma entrega, uma troca, um desdobrar-se para além de si mesmo. O que contorna, o que fascina, o que circunda, o que cativa, o que comove, o que impregna o entorno da vida e da obra desse cineasta pernambucano é o afeto. Do contrarregra de sua equipe ao lanterninha do cinema, do ator ao espectador, do produtor ao patrocinador, todos se rendem à sua graça. A arte do afeto e a arte da sedução passam necessariamente pelo humor. E os melhores humoristas são aqueles que ironizam a si mesmos. Falar “mal” de si é escancarar as próprias portas para que o “outro” entre, se sinta em casa, vasculhe os cantinhos, se deite na rede, acenda um cigarro, abra a janela e aceite apaixonadamente compartilhar um momento e um lugar.

emudecimento repentino. A manifestação da arte é também a capacidade que o homem tem de transcendência da dor de existir. A casa, o ninho, o aconchego da placenta (ou do túmulo?) é a consciência do eu-sozinho-no-mundo confortado pelo afeto do outro, da alteridade enzimática das relações. Marcelo Gomes é um contador de histórias. Dos melhores! Seus filmes querem contar as histórias dos sentimentos de pessoas em trânsito, dos sentimentos da falta, da busca e da impossibilidade. Da impossibilidade de amar (Era uma Vez Verônica – título provisório), da fuga e da falta no processo de uma viagem (Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo), da implosão do afeto na explosão do destino no alvorecer de uma amizade (Cinema, Aspirinas e Urubus).

Marcelo Gomes sempre foi um homem sem casa, um nômade. Sua casa é seu corpo, sua mente, seu coração. Sua casa são seus filmes, e seus filmes são não só os filmes que faz, mas A arte de narrar (no cinema, na literatura, MARCELO GOMES É UM CONTADOR DE HISTÓRIAS. os filmes de que gosta, sua cinefilia. Um na cozinha, no boteco), a graça de planiDOS MELHORES! SEUS FILMES QUEREM CONTAR AS HISTÓRIAS homem sem casa anda pelas ruas, visita ficar o profundo e aprofundar o plano, a DOS SENTIMENTOS DE PESSOAS EM TRÂNSITO, DOS os amigos, cruza oceanos, cansa-se de generosidade de não entregar o mapa de SENTIMENTOS DA FALTA, DA BUSCA E DA IMPOSSIBILIDADE. hotéis, entende de dimensões de malas um tesouro, mas fazer do outro o tesouro, e valises, perde nacionalidades e ganha não concluir viagens e caminhos, mas outras, ignora fronteiras, abandona livros e objetos em lugares diferenabrir encruzilhadas e possibilidades na rodovia do olhar do espectador. tes, apaixona-se provisoriamente por um pedaço de parede, um canto Incitar o desejo e a vontade, não a satisfação e a prostração. de mesa, um ponto de vista de certa janela, dialoga com travesseiros, prepara enxovais imaginários para casamentos fictícios, coleta histórias Ser livre (como poder sonhar em um travesseiro qualquer) para receber, plurilinguísticas... e de noite, na cama provisória de uma casa qualquer, absorver, transmutar formas estranhas, ser livre para poder ser sua prósonha com uma casa que fosse sua, suas as paredes e as janelas, seus os pria casa, ser livre para poder desejar o amor, o afeto dos homens, aceitar travesseiros para receber sua baba onírica. Sua alegria e seu humor trao vazio-cheio da existência, a solidão-acompanhada de nossas vidas. zem a singeleza e a delicadeza de uma tristeza subjacente. Tristeza que é uma falta e principalmente uma busca. O cinema de Marcelo Gomes é esse movimento do eu-sozinho-no-mundo na direção do outro, 24 quadros por segundo, 24 horas por dia. Alguém No fascínio de sua presença, nas frestas da festa de seu convívio, o que sabe enxergar para além de uma face o que se esconde por trás de sofrimento da vida dos homens, a verdadeira matéria da expressão arum olhar ou de uma paisagem – o sentimento dos homens ou, como diz o tística é revelada pelos cantos dos olhos, num trejeito, num gesto, num poeta, o sentimento do mundo.

Cao Guimarães é cineasta e artista visual. Dirigiu, entre

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outros, O Fim do Sem Fim (2001) e A Alma do Osso (2004).


hábitos culturais REPORTAGEM |

VOU NÃO, QUERO NÃO Pesquisas sobre os hábitos de consumo cultural do brasileiro

%

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leram no mínimo um livro fonte: Fecomércio/RJ

mais de

%

50

não frequentam cinemas ou shows de música fonte: Ipea

revelam dados preocupantes: quase metade da população não consome cultura porque não quer

mais de

TEXTO ana luiza aguiar

Machado de Assis, Mutantes, Di Cavalcanti, bossa nova, Cacilda Becker, Chico Buarque, Chico Science, Cidade de Deus, samba, caboclinho, Pagu, Secos & Molhados, Tati Quebra Barraco, O Quatrilho, Romero Brito, Gerald Thomas, Augusto dos Anjos, O Pagador de Promessas, Sebastião Salgado, Glauber Rocha, boi-bumbá, frevo, Rita Lee, Roberto Carlos, Portinari, Fernando Meirelles, Rubem Fonseca, Chitãozinho & Xororó. Você pode até não gostar de todos, mas sente orgulho da diversidade cultural brasileira, certo? Apesar de reconhecer a riqueza de nossa arte e cultura, o povo brasileiro, segundo a última pesquisa sobre os hábitos de consumo cultural divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em novembro de 2010, não a usufrui em sua plenitude: cerca de 70% da população nunca foi a museus ou a centros culturais e pouco mais da metade dos brasileiros nunca vai a cinemas. Para completar, 51,5% nunca vão a shows de música. O dado mais interessante da pesquisa, porém, é o porquê de os brasileiros não participarem ativamente de sua cultura. “Até bem pouco

tempo, a principal justificativa era o preço dos ingressos, dos CDs e dos livros. Esse fator continua sendo determinante, mas um número cada vez maior de brasileiros admite que não tem hábito ou interesse em consumir cultura”, afirma Luiz Parreiras, pesquisador do Ipea responsável pelo levantamento. Some-se a isso o fato de que grande parte dos entrevistados se sente discriminada ao participar de atividades culturais, seja por outras pessoas, seja pela própria instituição que oferece a opção cultural. Maria do Amparo Souza, diarista e mãe de três filhos, reflete bem esses dados. Aos 40 anos de idade, ela nunca foi ao teatro nem assistiu a um espetáculo de dança e não se lembra da última vez em que esteve no cinema. “Às vezes até tenho vontade, mas como trabalho de segunda a sábado fica muito corrido, só sobra o domingo e dá preguiça”, explica. Ela afirma que teve vontade de levar os filhos para uma mostra sobre o corpo humano que ocorreu em Brasília, cidade onde mora. “Era uma exposição bem interessante, mas custava 50 reais por pessoa. Eu não tinha como ir e levar meus três filhos.”

A Pesquisa Nacional sobre Hábitos Culturais, divulgada pela Federação do Comércio do Rio de Janeiro (Fecomércio/RJ) em abril deste ano, com dados referentes a 2010, confirma os resultados do Ipea. Em relação aos livros, por exemplo, a falta de hábito é a justificativa de 66% dos que não leem, ao passo que a falta de gosto pela leitura foi mencionada por 23% deles. Quase metade da população brasileira, 47%, admite que não realiza nenhuma das seis opções culturais listadas pela pesquisa (leitura, cinema, teatro, show musical, exposição ou espetáculo de dança) por escolha. Dessa forma, a decisão de ir ou não a programas culturais no país não passa, necessariamente, pela questão do preço e muito menos pela falta de opções. Mas essa situação começa, gradativamente, a mudar. É o que aponta o levantamento da Fecomércio – que ouviu mil pessoas, em 70 cidades, incluindo nove regiões metropolitanas. No ano passado, 53% dos brasileiros declararam ter participado, pelo menos uma vez, de alguma atividade de lazer cultural, 13% a mais do que o número revelado na pesquisa de 2009.


%

53

declararam ter participado ao menos uma vez de alguma atividade cultural

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a mais de pessoas frequentaram salas de cinema

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fonte: Fecomércio/RJ

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fonte: Fecomércio/RJ

nunca foram a museus ou centros culturais

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66

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não leram por falta de hábito

não usufruíram de nenhuma destas opções culturais: leitura, cinema, teatro, show musical, exposição ou espetáculo de dança

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fonte: Ipea

fonte: Fecomércio/RJ

*todos os dados são de 2010

não leram porque não gostam

fonte: Fecomércio/RJ

A pesquisa mostrou também que a leitura, o cinema e os shows de música registraram os maiores índices de adesão desde o início da pesquisa, em 2007. No ano passado, 34% dos entrevistados afirmaram ter lido, no mínimo, um livro, ante 23% em 2009 – destaque para o grupo de leitores com mais de 60 anos, que avançou de 9% para 23% na mesma base comparativa. No entanto, dois de cada três habitantes continuam a não ter o hábito de ler. Já o número de pessoas que frequentaram sessões de cinema em 2010 subiu 10% em relação ao ano anterior. NÓ DA QUESTÃO

Celso Athayde, produtor cultural e fundador da Central Única das Favelas (Cufa), questiona as interpretações. “Essas pesquisas me surpreendem por continuar a cometer o equívoco de achar que acesso à cultura é algo relacionado ao consumo da produção artística clássica, ou seja, a cena dos produtores e criadores que consolidaram o seu espaço no mercado de cultura, lazer e entretenimento, o que alguns definem como ‘elite cultural’ ”, afirma.

É importante ressaltar que o hábito cultural também reflete a situação da educação no país. O baixo índice de educação formal do brasileiro faz com que suas alternativas de lazer se concentrem, invariavelmente, na programação televisiva. Desta forma, o consumo de cultura se caracteriza mais pelo hábito doméstico: música em rádio ou CDs; cinema na TV ou no DVD; além da internet, cujo uso tem-se intensificado. SUBSÍDIO PÚBLICO

A produtora cultural Melina Hickson – responsável pela produção executiva de 14 edições do Festival Abril Pro Rock, entre outros projetos – acredita que, para reverter esse quadro,

o governo precisa investir mais na difusão da cultura. Para ela, o vale-cultura (Projeto de Lei nº 5798/09 que deve ir a plenário no Congresso Nacional ainda neste ano), uma das medidas do poder público para garantir o acesso das pessoas aos bens culturais, apesar de boa iniciativa, isoladamente, não é suficiente. “Ver a cultura ser incluída na tríade dos ‘vales’, com o alimentação e o transporte, e ser percebida com um olhar mais amplo, saindo da visão do puro entretenimento, do descartável, do desnecessário, é sem dúvida um ganho”, explica. Ela imagina que o benefício vá aumentar consideravelmente o consumo em segmentos como cinema, dança, museu e teatro. Observa, porém, que, em um primeiro momento, o trabalhador empregará seu benefício em produtos que já conheça, que viu na televisão ou ouviu no rádio. “Será que o cidadão empregaria seu vale num concerto ou show de um artista que ele nunca viu ou ouviu?”, duvida. Por isso, Melina defende que é necessária a criação de mecanismos para melhorar a difusão do que é produzido no país e, assim, democratizar e ampliar a cultura.

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Ele defende que organizações como Cufa,

AfroReggae, Crescer e Viver e Nós do Morro têm tornado possível a jovens de comunidades populares, de favelas e em situação de vulnerabilidade experimentar o contato com as múltiplas linguagens artísticas e culturais. “Eles desenvolvem habilidades para apropriar-se de diferentes formas e produzem a sua própria forma de ser, estar e existir no mundo pela e para a cultura. Para isso, não é necessário pagar ingresso ou ser plateia.”


BALAIO

FILMES ABC África, de Abbas Kiarostami, Irã, documentário, 2001, 85 min (versão em DVD) O conceituado diretor de, entre outros, Cópia Fiel (2011) estreou no documentário abordando um tema pungente: a vida dos filhos órfãos de vítimas da aids na África. Imerso em Kampala, Uganda, por dez dias, acompanhado por um assistente local, para registrar o trabalho de uma organização de amparo a essas crianças, contaminadas em seu nascimento, Kiarostami empreende uma densa e poética reflexão sobre miséria, preconceito, desigualdades sociais e a perplexidade de um país perante seu maior inimigo. Em 2000, quando o filme foi rodado, calculava-se o número de ugandenses mortos pela aids em torno de 2 milhões. Outros 2 milhões eram soropositivos. As filmagens denunciam o descaso do governo, que não provê medicação para os cerca de 1,6 milhão de crianças contaminadas, e a intolerância da população sadia, que acusa os doentes de promiscuidade. Ao abordar a prevenção à doença, Kiarostami ataca a proibição do uso da camisinha pela Igreja (cartazes nos hospitais aconselham as pessoas a se manter virgens para evitar o mal). Primeiro trabalho do diretor fora de sua terra, ABC África é uma referência (ou uma comparação entre extremos) a outro documentário, ABC Manhattan (1997), do também iraniano Amir Naderi.

LIXO, MODA E PRECONCEITO ASSUNTOS QUE ESTÃO NA ORDEM DO DIA E SERVEM DE TEMAS PARA A PROGRAMAÇÃO DO ESTÉREO SACI, QUE O ITAÚ CULTURAL APRESENTA DURANTE TODO O MÊS DE JUNHO

Bróder, de Jeferson De, Brasil, ficção, 2010, 93 min Uma das produções mais elogiadas pela crítica em 2010, Bróder entrou em circuito comercial em abril. Premiado nos festivais de Paulínia e Gramado e exibido em outras competições, é um filme sobre três jovens do Capão Redondo, periferia paulistana. Amigos desde a infância, Macu (Caio Blat), Jaiminho (Jonathan Haagensen) e Pibe (Sílvio Guindane) seguem trajetórias distintas na vida adulta. Jaiminho é um famoso jogador de futebol. Pibe vive a preocupação com o trabalho e o sustento da família. Macu, criminoso, prepara-se para realizar um sequestro. Uma festa no bairro é o momento para o reencontro dos três. A ligação entre eles transcende as várias situações barras-pesadas por que passam durante o crescimento. Ao mostrar a relação dos protagonistas com seu entorno, questões como a violência, seja do tráfico, seja da polícia, servem apenas de pano de fundo da narrativa. O que prevalece são os bons sentimentos, como os da família. O roteiro contou com a colaboração do escritor Ferréz, espécie de embaixador do Capão Redondo.

MÚSICA Tony Tornado Quem viu a apresentação de Tony Tornado na última Virada Cultural, em abril, em São Paulo, pôde comprovar que, aos 81 anos, o soulman continua tocando o terror. Distante da música há anos e dedicando-se mais à carreira de ator, Tornado acabou vendo sua importância no cenário musical diluir-se. O evento paulistano foi a deixa para que a imprensa voltasse a falar dele e, quem sabe, o pontapé que faltava para que o artista ocupe o lugar que merece na música brasileira. Com apenas dois discos gravados, há anos fora de catálogo, e participações esporádicas em projetos de outros músicos, já vai longe a época em que o cantor e compositor conquistou o primeiro lugar ao defender, cheio de marra, o antológico soul BR.3, de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar, no Festival Internacional da Canção de 1970. Ao lado de Tim Maia, Wilson Simonal, Cassiano, Jair Rodrigues, Jorge Ben Jor e outros, Tornado foi um dos responsáveis pela popularização da música negra brasileira, um caldeirão de sons dançantes cujo DNA está intimamente ligado à black music americana. Quem está em São Paulo tem nova chance de conferir o suingue do cantor: ele faz show exclusivo no evento Estéreo Saci. E, enquanto um novo projeto não se anuncia, o jeito é matar a saudade de suas interpretações no mínimo viscerais acessando as dezenas de vídeos disponíveis no YouTube, incluindo a vitória no festival. Tony Tornado no Estéreo Saci, 25 e 26 de junho, às 20 horas. Mais informações: itaucultural.org.br.


LIVROS Globalização, Democracia e Terrorismo, de Eric Hobsbawn (Cia. das Letras, 2007) Ainda não deu tempo de a morte de Osama bin Laden e os acontecimentos que chacoalharam o mundo árabe desde o início do ano virarem objeto dos livros de análise

Backstage, de Gustavo Malheiros (ArteEnsaio, 2011)

histórica. Mas fatos precedentes, que ajudam a entender

Corre-corre, nervosismo, espera. Neste livro, o fotógrafo

o cenário atual, como a guerra ao terror implementada

especializado em moda Gustavo Malheiros mostra, em

pelos Estados Unidos contra os países islâmicos desde

cem imagens inéditas em preto e branco, os bastidores

o 11 de setembro – que, entre outros feitos, prolongou por

dos grandes desfiles de moda. Os registros documentam

sete anos uma invasão americana, sem pretexto verda-

o início da carreira de modelos famosas, como Gisele

deiro, ao Iraque –, foram alvo do olhar atento do maior

Bündchen, Alessandra Ambrósio, Isabeli Fontana e Carol

historiador contemporâneo ainda em atividade, Eric

Trentini. Fotógrafo de campanhas de estilistas como Cal-

Hobsbawn. Neste livro, atual, apesar de lançado há quatro

vin Klein e Versace, entre outros, Malheiros teve a ideia de

anos, o teórico aborda os rumos da desastrada política

fotografar as modelos sem poses, captando os instan-

internacional da era Bush. Indo além, toca na questão

tes que antecedem aos desfiles, para mostrar não só a

dos nacionalismos arraigados e da crescente xenofobia

tensão, mas também a magia que envolve esses eventos.

europeia. A ascensão econômica da China fecha o rol dos

Segundo a colunista de moda Glória Kalil, que assina o

fenômenos globais postos em pauta por Hobsbawn, lan-

prefácio, “Gustavo nos dá a oportunidade de olhar pelo

çando uma dúvida sobre a hegemonia econômico-militar

buraco da fechadura estes momentos preciosos de leve-

americana nos próximos anos.

za e intimidade com as nossas principais modelos”.

DESTAQUE Prêmio para Artur Barrio Artista multimídia e desenhista, nascido em 1945, no Porto, Portugal, e radicado no Rio de Janeiro desde os 10 anos, Artur Barrio recebeu, em maio, o Prêmio Velázquez de Artes Plásticas 2011, do governo espanhol, no valor de 125 mil euros. A justificativa da premiação destaca “a construção de uma poética radical, que produz uma relação e um eco com as situações políticas e sociais”. Segundo brasileiro a receber o prêmio – que, em 2008, foi para seu contemporâneo Cildo Meireles –, Barrio desenvolve uma

EXPOSIÇÃO

linguagem universal por meio do uso de materiais não convencionais, crus, perecíveis e degradáveis – lixo e matéria orgânica –

6 Bilhões de Outros, de Yann Arthus-Bertrand

dentro e fora do museu. Outra característica do trabalho do artis-

Videoexposição itinerante, em cartaz no Museu de Arte de São

ta, que o identifica com a produção contemporânea, é o registro

Paulo (Masp), é resultado de cinco anos de coleta de depoi-

audiovisual de performances poéticas. Seu trabalho já foi exibido

mentos de mais de 5,6 mil pessoas em 78 países. Uma grande

nos principais museus do mundo e, em 2011, é o único brasileiro

instalação para discutir sustentabilidade, num viés que vai além

a expor na Bienal de Veneza. Artur Barrio está na Enciclopédia

do zelo pelos recursos naturais. “Somos mais de 6 bilhões na

Itaú Cultural Artes Visuais – itaucultural.org.br/enciclopedias – e

Terra e não haverá um desenvolvimento sustentável se não

no hotsite Arte Efêmera – itaucultural.org.br/efemera/artur.html.

pudermos viver juntos”, teoriza o criador, o fotógrafo francês Yann

Desde 2008 mantém o blog arturbarrio-trabalhos.blogspot.com.

Arthus-Bertrand. No mezanino do museu, nove telas compõem uma videoinstalação na qual pessoas de distintas etnias, línguas e extratos sociais respondem à pergunta “Nós somos mais de 6 bilhões na Terra, você tem uma mensagem para estes outros?”. No hall, dentro de oito tendas inspiradas nas habitações de nômades mongóis, são exibidos filmes com outros depoimentos, seguindo a mesma diversidade de nacionalidades e experiências. Outras duas salas complementam o percurso, exibindo o making of das entrevistas e um vídeo criado para a mostra em São Paulo pelos artistas Lucas Bambozzi e Kika Nicolela. Os visitantes podem integrar o projeto respondendo no site 6bilhoesdeoutros. org às questões feitas aos personagens que integram a exposição. O evento já foi visitado por mais de 3,5 milhões de pessoas, em suas itinerâncias anteriores por cidades na França, na Itália, na China, na Dinamarca, na Coreia, na Birmânia e na Bélgica.

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Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), Avenida Paulista, 1578, Metrô Trianon-Masp, fone 11 3251 5644, masp.art.br, até 10 de julho.


Em 2004, o Itaú Cultural abriu seu espaço expositivo para roupas íntimas, vestidos, maquiagem e obras de arte que dialogavam com o universo feminino e os ideais de beleza acalentados pela moda e perseguidos pela maioria. Era a exposição O Preço da Sedução – Do Espartilho ao Silicone, que reuniu cerca de 120 obras (entre pinturas, esculturas e fotografias), trechos de filmes, ilustrações e anúncios publicitários, objetos de toucador, vestimentas e acessórios – da segunda metade do século XIX aos anos 2000 –, com curadoria de Denise Mattar. Uma programação paralela discutiu o tema em palestras, cursos e mostra de vídeo. Conheça mais visitando o site do evento.

grupodignidade.org.br O site do Grupo Dignidade disponibilizou as 41 edições restauradas e digitalizadas do pioneiro jornal brasileiro de temática homossexual Lampião da Esquina, editado mensalmente entre 1978 e 1981. Nascido apenas Lampião, nos anos de abertura política, é importante referência da imprensa alternativa nacional e reuniu em seu corpo editorial nomes como Agnaldo Silva, Darcy Penteado e João Silvério Trevisan. A partir da segunda edição, circulou com o nome completo, para evitar problemas de direitos autorais. Distribuídas em todo o país, as edições tinham, em média, entre 10 mil e 15 mil exemplares. O principal objetivo da publicação foi dar voz à minoria homossexual e desconstruir o estereótipo dos gays marginalizados e malditos. Indo além, abraçou causas como as dos índios, dos negros, das mulheres e de outros grupos minoritários na “sociedade petrificada na mitologia hebraico-cristã”, como cita o editorial de abril de 1978. A coleção, que também está disponível para

e-lixo.org

consulta na sede do Grupo Dignidade, em Curitiba, revela

ambiente.sp.gov.br/mutiraodolixoeletronico/

importantes registros da história recente e da trajetória da

A reboque da evolução tecnológica está o crescimento, em igual medi-

luta por igualdade e aceitação das minorias.

da, das sobras e dos restos de equipamentos eletrônicos, conhecidos como e-lixo. Geralmente tóxicos e não absorvidos pela natureza, esses materiais, desde pilhas até computadores, exigem um tratamento distinto dos resíduos comuns. Sobretudo porque podem ser úteis para aqueles que não fazem questão de usar equipamentos de ponta. Se você está em São Paulo e quer se desfazer de algum equipamento eletrônico, antes de jogá-lo irresponsavelmente no lixo, consulte os sites indicados acima. Neles, há uma lista de locais apropriados para se desfazer do seu celular ou da sua televisão antigos.

vozdascomunidades.com.br Criado na plataforma gratuita wordpress, o portal é consequência do êxito do estudante Renê Silva Santos, 17 anos, com o twitter @vozdacomunidade. Morador do Morro do Adeus, no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro, Renê usou a rede social para contar o que via ocorrer na sua vizinhança, durante a invasão policial ao local, no final de 2010. Tinha uma centena de seguidores. Hoje, possui quase 54 mil e o prêmio Shorty Awards 2011 (Oscar do Twitter) na categoria Inovação. O portal publica notícias, oferece serviços e pretende ter rádio e TV, para registrar o que ocorre na comunidade onde Renê mora e a outras quatro – Cidade de Deus, Maré, Rocinha e Santa Marta. O trabalho dos repórteres é colaborativo e está à espera de patrocinadores para poder atingir as metas propostas. Por isso, o site ainda possui algumas seções sem conteúdo.

fotos: divulgação

BALAIO

itaucultural.org.br/seducao


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QUADRINHOS |

lourenรงo mutarelli


artes visuais jornalismo cultural educação, cultura e arte

Estão abertas as inscrições para o Rumos 2011 Mais informações itaucultural.org.br/rumos


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