Ocupação Oswald de Andrade

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COORDENAÇÃO EDITORIAL André Furtado e Carla Chagas CONSELHO EDITORIAL Andrea Martins, Carlos Gomes, Galiana Brasil e Leticia Santos PRODUÇÃO E EDIÇÃO DE TEXTO Duanne Ribeiro, Fernanda Castello Branco e Heloísa Iaconis PRODUÇÃO EDITORIAL Luciana Araripe SUPERVISÃO DE REVISÃO DE TEXTO Tatiane Ivo REVISÃO DE TEXTO Karina Hambra e Rachel Reis (terceirizadas) PROJETO GRÁFICO Liane Iwahashi (terceirizada) PRODUÇÃO GRÁFICA Lilia Góes (terceirizada) COLABORAÇÃO Alexandre Nodari, André Dahmer, Gisely Hime, Joselia Aguiar, Marcos Antonio de Moraes e Vera Maria Chalmers

swaldo, Oswáld ou Ôswald? That is the question . O escritor, já no nome, chega a nós em forma de pergunta. Antonio Candido, em artigo de 1982, é quem põe em alerta esse problema de pronúncia: informa-nos o crítico que a sílaba acentuada é mesmo a segunda, não a primeira – Oswáld, portanto. Ou Oswaldo, com o acréscimo da vogal repetida, inclusão não só benquista pelo nosso autor como por ele adotada. Para o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, por exemplo, ele é Oswaldo de Andrade. Nestas páginas, de algum modo, também.

Aliás, esta publicação recebe o título, justamente, de O Oswaldo . Destaca-se aqui o trabalho do poeta na imprensa, em especial aquilo que o próprio considera a sua finalidade: a crítica. Do mestre antropófago, sete são os textos, dedicados a artistas e suas artes – o teatro, a pintura, o circo, a literatura.

Parte da Ocupação Oswald de Andrade , esta reunião apresenta, ainda, contribuições de leitores atentos à obra do homenageado. Vera Maria Chalmers constrói um panorama do início da atividade jornalística oswaldiana. Gisely Hime discute as criações de Oswald e Pagu n’ O Homem do Povo. Marcos Antonio de Moraes lembra a Revista de Antropofagia, e Joselia Aguiar separa lições do inventor de Serafim Ponte Grande para o jornalismo cultural de hoje, enquanto Alexandre Nodari reflete sobre o “conceito de vida” cujo eixo é a “devoração”. Todos, enfim, voltados para a produção do sujeito que, apesar de ser gente “sem profissão”, se fez dono de palavras contundentes, provocadoras e livres.

Palavras essas que inspiram também desenhos de André Dahmer, presentes na capa que abre esta conversa e nas folhas a seguir. O ilustrador (e a publicação completa, do projeto gráfico aos anúncios) traça um diálogo com O Pirralho, semanário fundado pelo escritor em 1911. Os dois casos contam com figuras de meninos – mas, agora, além do primeiro garoto, há um outro sagaz, de nome Oswaldinho (não Ôswaldinho, certo?), hábil em colocar na mesa posições combativas que surgem assim: Tec! Tec! Tec!

Além desta publicação e da mostra, a Ocupação Oswald de Andrade abrange um site com conteúdo exclusivo (entrevistas em vídeo, textos, documentos e fotos). Acesse itaucultural.org.br/ocupacao e conheça mais a respeito do modernista-tempestade.

Primeira edição da revista O Pirralho, de 12 de agosto de 1911

Jornalista oficialmente desde 1909, Oswald de Andrade exerceu o ofício até o fim da vida. Sua primeira criação jornalística foi o semanário

O Pirralho , analisado aqui desde sua fundação até sua extinção, em 1918

Vera Maria Chalmers

Oswald de Andrade iniciou sua carreira jornalística em 1909, no jornal Diário Popular. Em 12 de agosto de 1911, fundou o semanário O Pirralho, do qual também foi diretor e redator.

O Pirralho surgiu sob a égide do teatro, apadrinhado por Mimi Aguglia e Mascagni, e manifestava a experiência de Oswald de Andrade no jornalismo como cronista mundano e como repórter de espetáculos teatrais na coluna “Teatros e salões”, do Diário Popular, na primeira década do século XX.

A seguir, uma análise da trajetória da revista, destacando notícias publicadas, colaboradores, séries e mudanças no expediente.

A revista noticiou a partida de Oswald de Andrade, seu secretário, para a Europa a bordo do navio Martha Washington. Havia uma caricatura de Lemmo Lemmi, o Voltolino, e uma tira que narrava as peripécias da partida do escritor. Mais adiante, algumas “charges” anunciavam a criação de uma sucursal em Roma e Oswald de Andrade como correspondente. A prometida reportagem da viagem, no entanto, nunca se concretizou.

Durante a ausência do secretário da revista, esta, no lápis de Voltolino, deu destaque para o desenho e a paródia, exibindo a vitalidade do pasquim anti-hermista (oposição a Hermes da Fonseca, presidente do Brasil entre 1910 e 1914) e abrindo espaço para a reportagem da vida mundana. Em suas caricaturas e tiras, Voltolino foi o responsável pelas notícias de greves e de assuntos que envolviam as classes populares.

Na véspera do primeiro aniversário da revista, foram publicadas em folhetins as séries Os ratos, publicação de inquérito sobre a vida brasileira (em seguimento a Os gatos, de Fialho de Almeida, em 27 de abril de 1912, número 38); As desventuras extraordinárias de um polícia amador. Buldog e sua teoria, de 1o de junho de 1912; e A fita moderna, jornal humorístico de 16 de novembro de 1912, número 66.

A revista O Pirralho publicou a série cômica anônima do Dicionário do Hermes , cuja autoria pode ser atribuída à verve humorística anti-hermista de Oswald de Andrade, que teria escrito posteriormente, nos anos 1930/1940, verbetes supostamente filosóficos – na forma aforismática, de acordo com a tradição filosófica – em cadernos e notas soltas, publicados em livro postumamente. Ao Dicionário do Hermes , seguem-se A geografia do Hermes e A história do Hermes, cuja redação discursiva difere dos verbetes sintéticos do dicionário

Assim como anunciou a partida, a revista anunciou a triste volta de Oswald de Andrade à cidade, de luto pela morte da mãe.

Foi comunicado aos leitores que Oswald de Andrade deixava de fazer parte da redação da revista, mas continuava como colaborador.

Primeira edição da revista O Pirralho, de 12 de agosto de 1911

No ano seguinte, em 1914, O Pirralho, além da matéria mundana, publicou O rigalegio, acompanhado de O birralha, iniciado no número 5, de 9 de setembro de 1911, até o 161, de 14 de novembro de 1914, como operações metalinguísticas da linguagem jornalística dos periódicos de grande circulação. Houve, na época, uma intensa correspondência entre leitores e a redação sob a forma de notas sociais, nas quais as pessoas são reconhecíveis pelas iniciais no restrito círculo dos elegantes jovens paulistanos integrantes das famílias abastadas da cidade.

24 DE OUTUBRO DE 1914

Oswald de Andrade iniciou a publicação da crônica “Lanterna mágica”.

A partir de 1915, O Pirralho literatizou-se. Guilherme de Almeida passou a ser um assíduo colaborador com seus poemas. No número 168, de 2 de janeiro de 1915, na seção “Lanterna mágica”, Oswald de Andrade publicou “Em prol de uma pintura nacional”, texto no qual defendeu motivos brasileiros no paisagismo dos bolsistas recém-chegados ao Brasil em razão da guerra na Europa.

Durante este ano, foi publicado o suplemento O Pirralho no Rio, quando estreou a enquete sobre “o estado atual das Letras no Rio de Janeiro”, à qual responderam vários literatos, entre os quais João do Rio, Fabio Luz, Lima Barreto, Olavo Bilac e Coelho Neto. O encerramento da enquete foi no número 208, de 11 de dezembro de 1915.

A partir deste número, O Pirralho passou a ser quinzenal. Nesta edição, Oswald de Andrade publicou “Soluções de Ibsen”.

Oswald de Andrade teve a saída da direção da revista anunciada em notícia publicada neste número. Ele assinou a seção de crônicas “Lanterna mágica” até o número 192, de 19 de junho de 1915.

O Pirralho assinalou no “Expediente” a mudança de direção da revista, agora com João Domingues Oliveira, e Luís Viana como secretário. Foi ressaltado, no entanto, que o programa da publicação continuava o mesmo. O desenho de Ferrignac, pseudônimo de Ignácio Ferreira, ganhou destaque nas caricaturas que fez de Oswald de Andrade e de Guilherme de Almeida, entre outros nomes. Jeroly apareceu com caricaturas de assuntos variados. A revista perdeu a qualidade humorística e a eloquência de antes.

Foi publicada uma nota sobre a leitura, na redação de O Estado de S. Paulo, das peças em francês de Oswald de Andrade e Guilherme de Almeida, Mon coeur balance e Leur âme, além da peça inacabada A escalada

O redator-secretário passou a ser Ulysses Lelot, e O Pirralho inaugurou um novo cabeçalho, apresentando apenas o título, sem a data. O editorial “A modos de programa” explicou que o seu programa “é o mesmo de há seis anos, quando a revista nasceu – ser gaiato e irreverente, brilhante e lépido. Não faz mal aos bons, não dirá infâmias, não criará calúnias. Não é seu o sinistro tipo de coveiro de reputações que a curiosidade popular criou e mantém a tostões diários”.

O semanário ganhou a colaboração do desenho art déco de Emiliano di Cavalcanti e a volta de Oswald de Andrade e de Guilherme de Almeida, além da participação de Alexandre Marcondes Machado. A qualidade da colaboração literária ganhou peso à medida que trazia como colaboradores literatos que formavam o grupo moderno e se distanciava do numeroso e dispersivo elenco dos representantes acadêmicos. A reunião dos Acadêmicos de Direito e dos jovens da sociedade em torno da revista contribuiu para criar o substrato e o cadinho cultural, os quais originaram o moderno e no qual surgirá, depois de 1922, o Modernismo.

Nº 239

Oswald de Andrade reeditou “Lanterna mágica” nesta edição. A colaboração de Guilherme de Almeida passou a ser assídua, antecipando a edição do volume de poemas intitulado Nós Os poemas são apresentados n’O Pirralho com ilustrações estilizadas. Os desenhos, as ilustrações e as caricaturas de Di Cavalcanti apresentavam características art déco muito estilizadas pela síntese dos elementos que compõem a figura, em traços expressivos e elementos decorativos. As ilustrações tinham valor estético. Oswald de Andrade apresentou três capítulos do livro em gestação Memórias sentimentais de João Miramar, ilustrados por Di Cavalcanti. A publicação em série foi interrompida, talvez pelo afastamento do escritor da revista.

Primeira edição da revista O Pirralho, de 12 de agosto de 1911

Os dois últimos números d’O Pirralho, em 1918, exibiram a decadência da revista, com a publicação por inteiro de longos discursos políticos e a criação de seções dedicadas exclusivamente ao público feminino, tais como “Receitas práticas” e “Moda”. As seções “O Pirralho social” e “O Pirralho carteiro” ainda existiam no final da publicação. O Pirralho, que nasceu brilhante e irreverente, morreu de inanição naquele mesmo ano.

Vera Maria Chalmers é professora no Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (IEL/Unicamp).

O Pirralho continua aprontando no século XXI. Onipresente no primeiro jornal produzido por Oswald, o personagem é renovado para a Ocupação por André Dahmer, criador também do Oswaldinho das páginas deste jornal. Veja mais charges do Pirralho no site.

Gisely Hime

1 FERREIRA, Maria Nazareth. Imprensa operária no Brasil. São Paulo: Editora Ática, 1988. p. 9. (Série Princípios).

2 Ibid., p. 14-15.

3 O Homem do Povo: coleção completa e facsimilar de jornais escritos por Oswald de Andrade e Patrícia Galvão (Pagu). 2. ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado/Arquivo do Estado, 1985. p. 10.

4 A acusação aparece no artigo “As angústias de Piratininga”, escrito por Oswald e publicado n’O Homem do Povo.

Os anos 1920 e 1930 foram sulcados por transformações políticas e socioculturais, reportadas pelo jornalismo brasileiro e também fundamentais para seu crescimento e sua reconfiguração. O movimento modernista, o tenentismo, a Revolução de 1930, a ditadura Vargas, a fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), a criação e implementação das leis trabalhistas, o impulso à industrialização e à urbanização, a era de ouro do rádio, a luta pelo voto feminino, entre tantos outros eventos, em diálogo com o panorama mundial, motivaram coberturas e reorganizaram a práxis jornalística, fundamentada em editoração, administração e produção. Como propõe Maria Nazareth Ferreira,1 esse período inaugura a segunda fase da imprensa do trabalhador no Brasil. Denominada sindical-partidária, essa se inicia com a fundação do PCB, em 1922, e segue até o golpe militar de 1964. Ferreira2 ressalta a mudança radical na práxis jornalística, ocasionada pela ligação do movimento operário – que antes se proclamava apartidário e apolítico – com os partidos. Nesse cenário, são criados inúmeros veículos, ainda como instrumento de propaganda e conscientização. Entre eles, O Homem do Povo, lançado por Oswald de Andrade e Patrícia Galvão (Pagu) em 1931, ano em que ambos se filiam ao PCB, refletindo uma postura de adesão quase incondicional ao proselitismo do partido. De acordo com Augusto de Campos,3 O Homem do Povo introduz a fase mais sectária e engajada da atuação política desses importantes intelectuais. O assumido pasquim político, porém, tem curtíssima duração: oito números, publicados em 27, 28 e 31 de março e em 2, 4, 7, 9 e 13 de abril. O projeto (para o qual se havia planejado a circulação às terças, quintas e sábados) foi fechado pela polícia após violento confronto entre o casal e estudantes de direito do Largo São Francisco, que se sentiram ofendidos com a classificação da faculdade como um dos “dois cancros de São Paulo”4 (o outro seria o café).

Em formato tabloide, 48 por 34 centímetros, e com seis páginas, o jornal era dirigido por Oswald, editado por Álvaro Duarte e secretariado por Queiroz Lima e Patrícia, que também criava charges, ilustrações e vinhetas. Oswald e Pagu haviam se casado no ano anterior, depois do rompimento do escritor com a pintora Tarsila do Amaral. Segundo Maria Luiza Tucci Carneiro,5 Álvaro Duarte seria um dos pseudônimos de Antônio Candeias Duarte, anarquista e editor de publicações comunistas, muitas das quais produzidas na própria tipografia, a Editora Marenglen, onde também era impresso O Homem do Povo. Aurora Cardoso de Quadros6 aponta que Queiroz Lima, de nome Eusébio, seria autor de inúmeras obras sobre sociologia jurídica, entre elas Theoria do Estado (1930). O veículo contou ainda com colaboradores esporádicos, que, na maioria das vezes, por receio da repressão, assinavam com pseudônimos. Patrícia usava vários: Brequinha, Cobra, G. Léa, Irmã Paula, K. B. Luda e Mme. Chiquinha Dell’Osso. Mas nunca na seção “A mulher do povo”. Lá era sempre Pagu, apelido que lhe foi atribuído pelo escritor Raul Bopp à época da Revista de Antropofagia (1928-1929).

Oswald), uma espécie de segundo editorial, e, assim sendo, tratava dos mais diversos assuntos sob a ótica feminina. Localizado na página 2, esse espaço costurava notas e artigos sobre atitudes de estrangeiras e brasileiras, elogiadas como referência para transformar a sociedade ou censuradas por seu atraso. As críticas em ambos

Em “Maltus além”,7 por exemplo, Pagu critica duramente Maria Lacerda de Moura, professora, escritora e uma das principais líderes feministas no período, em relação à defesa do controle da natalidade e da maternidade consciente, problemáticas consideradas fundamentais na emancipação da mulher, porém vistas aqui como secundárias diante da verdadeira natureza dos problemas sociais: “a limitação de natalidade quase que já existe mesmo nas classes mais pobres e [...] os problemas todos da vida econômica e social ainda estão para ser resolvidos”.

Já em “O retiro sexual”,8 ninguém escapa das críticas, independentemente das posições ideológicas defendidas – de Bertha Lutz, ilustre líder feminista, a Sigmund Freud, criador da psicanálise.

A seção era o contraponto do editorial escrito pelo “homem do povo” (o próprio

os editoriais eram ostensivas, ácidas, agressivas e muito mais frequentes que os elogios. As reflexões sobre a questão feminina, contudo, apareciam mais na seção de variedades “Palco, tela e picadeiro”, na página 4, também redigida por Patrícia. De modo geral, reprovavam, do ponto de vista marxista, a atitude das classes dominantes, sobretudo daquelas que se denominavam “feministas de elite”. Com discurso destrutivo, não valorizavam militantes e raramente apontavam caminho para a transformação social.

A religião, a ciência e o feminismo são classificados como sintomas de recalque e doença, em vias de superação pela nova ordem.

De acordo com Campos,9 “o clima do jornal é de ostensiva provocação. Ataques aos imperialistas, louvores à União Soviética, insultos às autoridades, violento anticlericalismo...”, pois esse homem e essa mulher do povo se dirigiam mais à elite criticada do que aos trabalhadores que ambicionavam representar, como evidencia o editorial de apresentação do veículo:

“Somos a opinião livre, mas bem informada. Sabemos nos colocar no espaço-tempo. [...] Sabemos que o partido comunista, auxiliado pelos fatos, prepara as massas das oficinas e dos campos [...]. Sabemos que existe uma ala canhota no mundo e aqui. Nesta se encartam os que acreditam ser da esquerda, [mas] não passam de direitistas confusos. Entre uns e outros nos colocamos com uma imensa e clara simpatia pelas reivindicações da nossa gente explorada.”10

Apesar da virulência do discurso, transparece o sarcasmo criativo de Oswald, assim como a criatividade e a ousadia de Patrícia. Aliás, deve-se ressaltar o arrojo de sua iniciativa editorial, uma vez que, à época, raramente as mulheres participavam da produção jornalística. A curta duração do veículo, contudo, deixa a dúvida: as reflexões avançariam a ponto de oferecer aos leitores uma proposta construtiva, capaz de elucidar novos modelos de relações socioeconômicas e políticas para, dessa forma, efetivar uma profunda mudança na sociedade brasileira?

5 CARNEIRO, Maria Luiza

Tucci. Editando a desordem. Livros proibidos, ideias malditas. São Paulo: Fapesp, 2002. p. 57.

6 QUADROS, Aurora Cardoso de. O Homem do Povo: Oswald de Andrade e outros articulistas. Revista Espaço Acadêmico. Maringá: UEM, ano 18, n. 210, p. 109, nov. 2018.

7 O Homem do Povo: coleção completa e fac-similar de jornais escritos por Oswald de Andrade e Patrícia Galvão (Pagu). 2. ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado/Arquivo do Estado, 1985. p. 18.

8 Ibid., p. 30.

9 Ibid., p. 11.

10 ORDEM e progresso. O Homem do Povo, São Paulo, p. 17, 1988. Gisely Hime formou-se em jornalismo na Universidade de São Paulo (USP), onde também realizou mestrado e doutorado, ambos na área de comunicação. É professora no Centro Universitário Fiam-Faam, além de atuar com comunicação empresarial e tradução.

Primeira edição do jornal O Homem do Povo , de 27 de março de 1931

Em 19 de maio de 1928, Oswald de Andrade, a bordo do navio Alcântara, a caminho de Paris com Tarsila do Amaral, então sua mulher, escreve a Mário de Andrade aplaudindo o poema que o amigo publicara no primeiro número da Revista de Antropofagia: “Você nem sabe como escreveu uma coisa linda. Linda e profunda”.1 Nos versos de “Manhã”, o dia ensolarado e silencioso, apaziguador do espírito, contrapõe-se a “Lenine, Carlos Prestes, Gandhi, um desses”, “tempestades de homens”, envolvidos em turbulentos processos históricos.

A revista, no mesmo número, estampava a reflexão estética mais radical no âmbito do Modernismo brasileiro, o “Manifesto antropófago”, de Oswald de Andrade. Semeadura de proposições críticas impactantes e originais: “Só me interessa o que não é meu.

Lei do homem. Lei do antropófago”; “Tupy or not tupy, that is the question”; “A alegria é a prova dos nove”. Essa plataforma estética fora debatida pelo grupo da vanguarda paulista em reunião na Rua Lopes Chaves, 546, na Barra Funda (SP) – cujo morador, Mário de Andrade, contudo, se mostrara desconfiado e impermeável aos ditames antropofágicos. Naquele mesmo 19 de maio, ele confidencia ao crítico literário carioca Alceu Amoroso Lima, a quem enviava exemplar do periódico: “Quanto ao manifesto do Osvaldo... acho... nem posso falar que acho horrível porque não entendo bem. [...] Os peda -

ços que entendo em geral não concordo”. Aborreciam-lhe os resultados dos manifestos de Oswald que acabavam por rotular a literatura que ele, Mário, produzia, vincada pelo nacionalismo crítico e que tinha sido incorporada à corrente Pau-Brasil, de 1924, sem o seu consentimento. Sobre Macunaíma, redigido na primeira versão em 1926 e 1927 e agora em vias de publicação, ele acreditava: “Vai parecer inteiramente antropófago...”. Deplorava “um bocado essas coincidências todas [...]. Principalmente porque Macunaíma já é uma tentativa tão audaciosa e tão única [...], os problemas dele são tão complexos apesar de ele ser um puro divertimento [...] que complicá-lo inda com a tal de antropofagia me prejudica bem o livro. Paciência”.2

O manifesto de Oswald de Andrade fundamenta estética e ideologicamente a Revista de Antropofagia, que circulou entre maio de 1928 e agosto de 1929, em duas fases chamadas, bem a propósito, de “dentições” (a segunda, a partir de março, como página do Diário de S.Paulo, com renovado corpo editorial e posicionamentos ainda mais irreverentes). Considerada por Augusto de Campos “sem dúvida a mais revolucionária do nosso Mo -

dernismo”,3 bateu-se pela criação de um pensamento filosófico original e pela superação da enraizada dependência cultural brasileira. A colaboração de Oswald no periódico, assinada ou sob pseudônimo e não muito numerosa, mostrou-se, todavia, contundente e orientadora de combativas posições críticas. Além do manifesto, notável peça literária de ânimo experimental, vigoroso “esforço de descolonização”,4 o escritor ampliou, em outros textos na revista, o debate em torno da antropofagia, trazendo à tona, concentradamente, questões antropológicas, religiosas, psicanalíticas, jurídicas, econômicas e atinentes à psicologia social. Textos densos (por vezes, obscuros), que não faziam concessões aos leitores. Em sintonia com o corrosivo ideário antropofágico oswaldiano, em 11 de julho de 1929, Tamandaré (Oswaldo Costa) sintetizava: “Reagimos contra a cultura de importação, contra o intelectualismo besta do Ocidente, contra todos os cacoetes mentais da Europa podre de civilização”. O movimento angariou aderentes em diversas regiões do país, conquistas logo alardeadas na imprensa. O grupo, tendo idealizado o Clube dos Antropófagos de São Paulo, desejou se reunir em setembro de

1929, no Rio de Janeiro, para o Primeiro congresso brasileiro de antropofagia, plano, entretanto, gorado. Mário, estudioso e bem-informado, agastou-se, em alguns momentos, com o “pessoal antropofágico”, que, segundo ele – em carta a Augusto Meyer em abril de 1929 –, “lê metade dos livros e não sabe nada”.5

Mário de Andrade teve marcante presença na primeira fase da Revista de Antropofagia. Para ela, encaminhou trecho de abertura de Macunaíma, duas matérias de cunho etnográfico, crônica de sua viagem ao Nordeste e o poema “Lundu do escritor difícil”, além de “Manhã”. Seus livros foram anunciados;

duas de suas obras mereceram entusiásticas resenhas de António de Alcântara Machado. Na percepção de Oswald de Andrade, entre os melhores produtos literários da colheita antropofágica, ganhava projeção a rapsódia do “herói da nossa gente”. Afirmou, em setembro de 1928, em “Esquema ao Tristão de Athayde”: “Mário escreveu a nossa Odisseia e criou duma tacapada o herói cíclico e por cinquenta anos o idioma poético nacional”. Dois meses depois, não livrou o companheiro de um registro jocoso em tipografia graúda, subscrito por João Miramar, no qual o julgava “o pior crítico do mundo, mas o melhor poeta dos Estados Unidos do Brasil”. O “espírito piadístico e instigador”, em “manifestações rápidas e incisivas”, caracterizou a produção jornalística de Oswald de Andra-

de, de acordo com Vera Maria Chalmers.6

Na segunda fase da Revista de Antropofagia, quando tinham dela se afastado, em razão de divergências, o diretor Alcântara Machado e alguns participantes e apoiadores, a renovada editoria abriu fogo contra Mário de Andrade e os modernistas por considerá-los ineficazes na “descida antropofágica”. Exigiu engajamento na tarefa de radicalização do ideário modernista, instrumentalizado pelo “Manifesto antropófago”. Para Maria Eugenia Boaventura, o “grupo admira e ao mesmo tempo precisa destruir a imagem do intelectual de Mário de Andrade”, o seu “alvo principal”.7 A artilharia pesada desqualificou, reiteradamente, o pensamento e a obra do polígrafo. Reivindicava-se dele apenas Macunaíma. A violenta campanha o deixou “catastroficamente abatido”, como ele confessaria a Manuel Bandeira em junho de 1929.8 Os ataques gestaram a irremediável ruptura entre os dois Andrades. Prosseguiram eles, por fim, desemparelhados, em caminhos diversos,

ambos argutos e originais intérpretes do Brasil, a quem retornamos sempre, pois nos legaram instigantes concepções de crítica cultural e política em relação à complexa realidade nacional (não apenas!). Oswald imantou, com seu ideário e temperamento libérrimos, a Revista de Antropofagia. Também ele, como aquelas irrequietas personalidades evocadas por Mário no poema “Manhã”, era uma tempestade de homem.

1 ANDRADE, Gênese (organização, introdução e notas). Correspondência Mário de Andrade & Oswald de Andrade. São Paulo: Edusp/IEB, 2023. p. 179.

2 RODRIGUES, Leandro Garcia (organização, introdução e notas). Correspondência Mário de Andrade & Alceu Amoroso Lima. São Paulo: Edusp/IEB, 2018. p. 115-116.

3 CAMPOS, Augusto de. Revistas re-vistas: os antropófagos. Revista de Antropofagia (edição fac-similar). São Paulo: Metal Leve/Editora Abril, 1975.

4 MARQUES, Ivan. Modernismo em revista: estética e ideologia nos periódicos dos anos 1920. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. p. 97.

5 FERNANDES, Lygia (organização e notas). Mário de Andrade escreve cartas a Alceu, Meyer e outros. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1968. p. 71.

6 CHALMERS, Vera M. 3 linhas e 4 verdades: o jornalismo de Oswald de Andrade. São Paulo: Duas Cidades/Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1976. p. 18.

Marcos Antonio de Moraes é professor de literatura brasileira no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP).

7 BOAVENTURA, Maria Eugenia. A vanguarda antropofágica. São Paulo: Ática, 1985. p. 34.

8 MORAES, Marcos Antonio de. Correspondência Mário de Andrade & Manuel Bandeira. São Paulo: Edusp/IEB, 2000. p. 421.

O comedido Oswald de Andrade que escreve seus primeiros textos em jornal talvez cause estranheza aos leitores. A sua versão mais humorada e discutidora vai se desenhar coluna a coluna, em quase meio século, no registro cotidiano de seu ideário estético e político.

Ao estrear no Diário Popular , em 1909, anota em “Teatros e salões” se o auditório está cheio, comemora a chegada de operetas e elogia o desembaraço de movimentos da cantora lírica, surpreendendo por vezes ao usar expressões coloquiais em textos bem-comportados. Ainda que demonstre apuro e propriedade na avaliação, só ao fundar O Pirralho , num salto de trajetória dois anos depois, é que sua irreverência se torna mais evidente. Nessa revista semanal, que dura até 1918, entra em polêmicas que vão da arte à literatura.

Uma nova fase começa na edição paulista do Jornal do Commercio, ao assumir a “Feira das quintas”, entre 1926 e 1927. Auge da fase antropofágica, em sua busca de experimentação literária, adota um estilo fragmentado, com excertos de Serafim Ponte Grande e A estrela de absinto, obras publicadas posteriormente. A linguagem do jornal, em particular a das notas de variedades e das seções policiais, inunda a literatura, estando em dia com procedimentos da vanguarda europeia ao unir o mundano e a arte erudita.

Outro salto, talvez mais beligerante que o possível, é a criação de O Homem do Povo, em 1931, ao lado de Queiroz Lima e Patrícia Galvão, a Pagu, com quem se casa e tem um filho. Oito números são suficientes para causar um barulho tão enorme que a redação é empastelada

por estudantes de direito em revolta por se sentirem ridicularizados pelas crônicas. A fase de liderar seus próprios tabloides se encerra sem que deixe de colaborar, assíduo ou disperso, em grandes veículos brasileiros, sobretudo entre São Paulo e Rio de Janeiro, até sua morte. Como colunista, seguem-se ainda “Feira das sextas”, no  Diário de S.Paulo, e “Banho de sol”, no Meio-Dia, ambas no período da Segunda Guerra, em que participa, com sua verve sempre sagaz e preocupada, da luta contra as forças nazifascistas. Está tão presente na vida dos periódicos que seu último texto na coluna “Telefonema”, no Correio da Manhã, sai um dia após falecer, em 1954.

Ora espirituoso, ora abrasivo, Oswald, nessa longa jornada escrevendo para a imprensa, emite vasta opinião sobre autores, obras, problemas e questões, entre ditaduras e conflitos mundiais,

enquanto se tentava consolidar uma arte e uma cultura brasileiras no país. Sem continência, é capaz de emitir elogios a desafetos e criticar duramente os amigos. Quem recebe aprovação hoje pode ser repudiado amanhã: o que importa é o julgamento independente. Entre blagues e boutades, apoia Anita Malfatti contra Monteiro Lobato, irrita parnasianos e exalta o ideário modernista. Vai fazer piada de movimentos como Verde-Amarelo e Anta. Anos depois, ao repensar os anos de vanguarda, chama Lobato de “Gandhi do Modernismo”, por sua “eficaz resistência passiva”, admitindo que compartilhavam a mesma trincheira. Inconformado, de início, com a produção de Cassiano Ricardo, mais tarde aprecia Um dia depois do outro, em que o poeta dá uma guinada artística. Anuncia o jovem Jorge Amado como “novo Castro Alves”, para declarar sua frustração duas décadas depois, quando o romancista baiano, visto antes como “grande promessa”, lança Subterrâneos da liberdade, volume que, no seu entender, continha tintas ideológicas em excesso. Sem esconder o entusiasmo, recebe Sagarana, do estreante Guimarães Rosa. A renovação dos escritores o comove; por outro lado, reage, nervoso, se vê perda de qualidade.

Oswald defende a sua própria obra e postura, revê posi-

ções e aponta caminhos não somente artísticos como políticos, tendo de enfrentar problemas com órgãos de censura ou, no mínimo, a antipatia de espíritos pouco afeitos à sua personalidade contestadora. Vai anotar, num balanço de sua jornada: “Como poucos, eu conheci as lutas e as tempestades. Como poucos, eu amei a palavra liberdade e por ela briguei”.

Essa atitude provocadora não se limita ao que escreve. A sua presença nos jornais é notável em fotografias, entrevistas que concede e ações inteligentemente midiáticas, na acepção de hoje. Dois exemplos ilustram esse movimento. Após um périplo pela Europa em 1939, posa com uma máscara contra gases asfixiantes para a revista literária Vamos Ler, numa denúncia à atmosfera política. Em 1940, realiza uma operação irreverente para ingressar na Academia Brasileira de Letras (ABL). Lança-se como “candidato do povo”, em campanha que alcança rádios, a fim de conquistar a opinião pública. Define o trâmite usual para admissão na casa como “cambalacho” e, acusando seus quadros de “paralisia senil”, envia cartas debochadas pedindo apoio. Por trás do gesto delinquente, a ideia é ocupar instituições culturais importantes para arejar a vida literária. Derrotado, tem apenas um voto, entre 40.

No perecível ambiente da imprensa, produzindo textos no calor da hora ou após laboriosa reflexão, Oswald exibe sua vocação exuberante para ser ao mesmo tempo atual e perene, os olhos no futuro. Em sua aventura jornalística, produz uma grande obra: registra o melhor do que pensa, do jeito que sabe dizer.

Joselia Aguiar é jornalista, biógrafa e professora. Mestra e doutora em história pela Universidade de São Paulo (USP), foi curadora da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) em 2017 e 2018 e diretora da Biblioteca Mário de Andrade entre 2019 e 2021.

No par de fotos superior, à esquerda, registro sem data de Oswald de Andrade em um navio; à direita, divulgação do filme O rei da vela (1982), de José Celso Martinez Corrêa e Noilton Nunes. No par inferior, à esquerda, Oswald e a filha Marília de Andrade, em 1949; à direita, o autor em 1938 | autorias desconhecidas

1 Como base, foram utilizados os livros Estética e política e Telefonema, ambos da Editora Globo e parte da coleção de obras completas de Oswald de Andrade.

No ofício da escrita, Oswald de Andrade encontra-se em diversos fazeres: romancista, poeta, dramaturgo, ensaísta – da prosa narrativa ao verso, das ações de Abelardo I e Abelardo II às ideias colocadas em manifestos. Isso quando ele não mistura fragmentos de tudo – cartas, citações, diálogos, convites, relatos de viagem – e, de trecho em trecho, inventa recordações de um tal João Miramar. Entre as facetas de um mesmo aguerrido escrever, porém, existe uma que aparece já no começo de sua trajetória: o jornalista. E é como profissional da imprensa que o autor assina os textos aqui reunidos.1

O primeiro deles, “A exposição de Anita Malfatti”, foi publicado no Jornal do Commercio em 11 de janeiro de 1918, um dia após o término da mostra. Os demais são todos da coluna “Telefonema”, mantida pelo escritor no Correio da Manhã. A atenção para as artes cênicas, o entusiasmo com o livro de Cassiano Ricardo, as notas sobre pintores e o aceno para Vinicius de Moraes formam boa parte do material compilado, conjunto que evidencia um exercício crítico direcionado à cultura. Há, ainda, uma passagem em que Oswald anuncia o lançamento das suas “memórias”, além de se animar com a possibilidade de Di Cavalcanti fazer algo igual. A propósito desse último comentário selecionado, vale reparar na data que o acompanha: 2 de outubro de 1954. Vinte dias depois, Oswald morre – prova de que ele vive no jornal até o fim.

Encerra-se hoje a exposição da pintora paulista sra. Anita Malfatti, que durante um mês levou ao salão da Rua Líbero Badaró, 111, uma constante romaria de curiosos.

Exigiria longos artigos discutir-se a sua complicada personalidade artística e o seu precioso valor de temperamento. Numa pequena nota cabe apenas o aplauso a quem se arroja a expor no nosso pequeno mundo de arte pintura tão pessoal e tão moderna.

Possuidora de uma alta consciência do que faz, levada por um notável instinto para a notável eleição dos seus assuntos e da sua maneira, a brilhante artista não temeu levantar com seus cinquenta trabalhos as mais irritadas opiniões e as mais contrariantes hostilidades. Era natural que elas surgissem no acanhamento da nossa vida artística. A impressão inicial que produzem os seus quadros é de originalidade e de diferente visão. As suas telas chocam o preconceito fotográfico que geralmente se leva no espírito para as nossas exposições de pintura. A sua arte é a negação da cópia, a ojeriza da oleografia.

Diante disso, surgem desencontrados comentários e

críticas exacerbadas. No entanto, um pouco de reflexão desfaria, sem dúvida, as mais severas atitudes. Na arte, a realidade na ilusão é o que todos procuram. E os naturalistas mais perfeitos são os que melhor conseguem iludir. Anita Malfatti é um temperamento nervoso e uma intelectualidade apurada, a serviço de seu século. A ilusão que ela constrói é particularmente comovida, é individual e forte e carrega consigo as próprias virtudes e os próprios defeitos da artista.

Onde está a realidade, perguntarão, nos trabalhos de extravagante impressão que ela expõe?

A realidade existe mesmo nos mais fantásticos arrojos criadores e é isso justamente o que os salva.

A realidade existe, estupenda, por exemplo, na liberdade com que se enquadram na tela as figuras número 11 e número 1 1 ; existe, impressionante e perturbadora, na evocação trágica e grandiosa da terra brasileira que é o quadro número 17 2 ; existe, ainda, sutil e graciosa, nas fantasias e estudos que enchem a exposição.

A distinta artista conseguiu, para o meio, um bom proveito, agitou-o, tirou-o da sua tradicional lerdeza de comentários e a nós deu uma das mais profundas impressões de boa arte.

11 de janeiro de 1918 Jornal do Commercio

1 O homem amarelo e Lalive são, respectivamente, as telas de números 11 e 1.

2 Paisagem de Santo Amaro é o quadro de número 17.

(De São Paulo) – Quando mais nada se esperava do teatro nacional, estabilizado num atraso teimoso, pelo brilho, capacidade e demais virtudes dos seus dirigentes e profissionais – ei-lo que ressurge numa inesperada forma sob o aspecto de tentativa de um grupo intelectual. Pelo esforço de um dos líderes da troupe universitária daqui, o senhor Lourival Gomes Machado, São Paulo irá em breve conhecer esses ótimos Comediantes, saídos da matriz fecunda de Álvaro Moreyra e que, com Santa Rosa e Brutus, acabam de dar aí no Municipal a prova multiforme da sua mestria. Não assisti Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, a revelação da temporada. Mas conheci-o pessoalmente e quando vejo um modernista preocupado com Shakespeare sinto nele pelo menos um trabalhador que enxerga o seu caminho.

Aqui em São Paulo, alguns cometimentos curiosos se fizeram para reabilitar o teatro.

E entre eles, o da troupe universitária orientada por Décio de Almeida Prado, com cenas e roupas do pintor Clóvis Graciano. Depois duma e outra fraqueza, os meninos da Universidade tiveram a glória de restaurar grande teatro português diante dos nossos olhos. Levaram à cena o Auto da barca, de Gil Vicente.

Justamente nada mais moderno que essa grande nota de literatura clássica lusa. Tão moderno quanto Shakespeare, dizia Nelson Rodrigues. E nada mais oportuno.

É sem dúvida o caráter de utilidade agradável a grande força do teatro, que um condutor de povos chamou de “a melhor das artes”. Quando a isso se liga a oportunidade, obtém-se uma pedagogia completa em algumas horas.

Além de Maeterlinck e de Goldoni – o que aliás é campanha de cultura – Os comediantes deviam tentar pôr em cena uns sujeitos mais pró -

ximos de nós – por exemplo Mirbeau, Lorca... Estou certo de que isso virá.

Por enquanto, já é da melhor importância darem-se, bem traduzidas, algumas obras dos velhos mestres da Europa e começar-se a apresentação do teatro moderno do Brasil. São Paulo espera o Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues.

Sobre o Auto da barca, de Gil Vicente, um cronista exaltou, no momento de sua apresentação cênica, no Municipal daqui, a ressurreição de lusitanidade que o espetáculo continha. Expunha precisamente o valor pedagógico e persuasivo que resulta quando o teatro é teatro, é criação e execução, é compostura e ação. Exclamava: – Estes meninos puseram-me diante dos olhos a presença silenciosa e mágica de Portugal. Que fartura de lições nos traz essa página clássica, onde não é só a pátria lusa que se restaura no

seu valor oceânico, mas onde o próprio cristianismo retoma a sua ética fundamental, dantesca e terrível! Portugal é isso, é povo e sempre foi povo! A sua monarquia hamlética, macbética, levada dos diabos, regicida e valorosa, inconformada e descobridora, foi povo. Portugal viveu sempre na célula livre do seu municipalismo. Foi isso que trouxe para o planalto paulista a sua inconformação conquistadora e o seu destino pioneiro. Somos portugueses graças a Deus! E portugueses antigos, saídos dessa maravilhosa virilidade satírica e mística do Auto da barca. Possam sempre do esforço de Os comediantes como da troupe universitária paulista, resultar esses entusiasmos de contágio. Para isso foi feito o teatro, “a melhor das artes”.

2 de fevereiro de 1944

Correio da Manhã

(De São Paulo) – Talvez aos leitores do Correio seja estranho o nome que encima estas linhas. É preciso portanto explicar: 1º) Que a pintura no Brasil, depois de ter uma época “heroica” que permanece nas pinacotecas com esquadrões de Pedro Américo e caipiras e retratos de Almeida Júnior, teve uma fase acadêmico-impressionista que deu, entre outros, aí no Rio Visconti e aqui, o ignorado e triste Oswaldo Pinheiro. 2º) Que depois veio uma fase de folhinha bem colorida e bem talhada que teve seu principal representante em Batista da Costa. 3º) Que já iniciava então a sua carreira aqui, o mestre inconfundível que é Lasar Segall. 4º) Que se fizera também, a revolução modernista e que São Paulo e Per-

nambuco haviam apresentado alguns valores definitivos como Anita Malfatti, Tarsila, Di Cavalcanti e Cícero Dias. 5º) Que o então jovem pintor acadêmico Cândido Portinari tendo levantado o prêmio de viagem na escola de Belas-Artes, foi à Europa e voltou de lá, libertado de preconceitos e fórmulas. De modo tal que deu ao seu lirismo nativo um notável impulso, colocando-se entre os mestres do momento. 6º) Que ao lado de Portinari surgiram valores novos na pintura, tendo à frente um homem admirável chamado Guignard (Nota – Apesar desses nomes arrevesados, toda essa gente é brasileira). 7º) Que ao contrário do que se esperava, Portinari caiu num virtuosismo fácil e brilhante que pôs em xeque a sua magnífica posição. 8º) Que Guignard ao contrário, se tornou um chefe de fila no sentido da pureza da autenticidade e da técnica de sua criação. 9º) Que em São Paulo surgiu uma escola, composta de adolescen-

tes como de homens maduros, todos senhores do pincel, e que entre esses avultou um quarentão chamado Alfredo Volpi. E que esse pintor abriu agora uma exposição de real interesse. 10º)

Mas que nessa primeira mostra, o artista parece hesitar entre o caminho puro de Guignard e o caminho sabido e rútilo de Portinari. Com quem ficará Volpi? Para onde irá? Sua maneira é complexa e dela falaremos. Eis o que se chama o caso Volpi.

27 de abril de 1944

Correio da Manhã

(Da Cinelândia) – Um festival reunia outra noite no Circo Piolim os velhos fãs do mestre do picadeiro paulista.

O site do Itaú Cultural tem algo para você!

Não é porque se passaram cento e poucos anos que você vai ficar de fora da conversa.

Com Amara Moira, Heloisa Hariadne, Indi

Gouveia, Luz Ribeiro, Ruy Castro e Vânia

Leal, discutimos os significados atuais da famosa manifestação cultural.

Piolim voltou aos seus grandes dias, restaurando números esquecidos e as grandes entradas que fizeram a sua celebridade. Mas o principal do espetáculo foi a representação em cinco atos de A Mulher do Padeiro. É que com uma pertinácia acelerada, o grande artista circense tem investido para o teatro, abandonando pouco a pouco as pantomimas pela “arte séria”. Começou tirando a careca de papelão, o colarinho roda de carroça e a bengala grossa e retorcida. E agora surge numa intensa criação dramática. O que imediatamente resultou foi confusão para o público. Indo ao circo para rir, os espectadores nacionais não se convencem que devem seguir e respeitar os lances trágicos. E mesmo quando o artista estrangula no álcool a sua desdita ou recebe como Cristo a mulher pecadora, as gargalhadas estrondam de todo lado. O que faz pensar que se Bergson tivesse estudado o riso no Brasil não conseguiria escrever o seu livro.

No entanto, Piolim toma a sério o drama que tirou do filme célebre, criando de um certo modo um teatro popular que lembra Gorki.

Não sou contra a curiosa experiência de clown paulista. O nosso teatro não conseguiu fazer tradição, apesar dos armários mágicos de Martins Pena e da “Lusbela” e outras pequenas “Damas da Camélia” do século 19 carioca. Quem sabe se desses estranhos pastiches

guiados pelo cinema, resultará alguma coisa melhor do que as frustradas tentativas de nossa criação teatral elevada?

9 de fevereiro de 1946

Correio da Manhã

(De São Paulo) – Numa crônica já velha eu liguei Machado de Assis e Carlito ao poeta Vinicius de Moraes. E explicava: “Por quê? Só vejo eu liame o humour . Que tem de mágico essa palavra internacional para dizer tão pouco e tanta coisa? No humour reside o catastrófico e talvez no catastrófico toda a natureza humana. Daí o sucesso das religiões de salvação. E o sucesso dos grandes confessos tímidos, Machado de Assis, Carlito, Vinicius de Moraes. Esses homens trazem em si o sentido dialético do desastre. É a outra ponta do fio... Um personagem d’ A morta afirma judiciosamente, na última cena, que o barbante não tem fim. E o erro do homem é pensar que o barbante tem fim. Machado, Carlito, Vinicius sabem que o barbante não tem fim... A mão acaba no ar tendo perdido o fio...” E acrescentava: “Uma das ideias que me seduzem é

essa de que a base do humour é feita mais que de autocrítica, de autoflagelação...”

A razão vigilante do louco Nietzsche revoltava-se contra as aglomerações que cercam nas cidades os jongleurs1 e os camelôs. O povo prefere sempre as mágicas de esquina aos conceitos de Zaratustra. Porque mágica é poesia, e então, poesia é mágica. E quem melhor entre nós engoliu gillettes e cuspiu fogo, transformou as bicicletas montadas no Leblon em estatuária e fez pousar sobre a bomba atômica o colibri de um verso livre?

Vinicius parte iniciando no exterior a sua carreira diplomática. Vai para Los Angeles, onde estará ao lado de outra grande expressão da literatura latino-americana – Gabriela Mistral. Com ele segue, rumo aos Estados Unidos, outro intelectual do Itamarati – Lauro Escorel.

O poeta das “Cinco elegias” ficará perto de Hollywood, onde se refugiou nas câmeras e nos estúdios a poesia dos tempos novos. Que daí ele tire aprendizagem para também um dia dar na tela isso que possui em alto grau e que é o que temos de mais caro e secreto –a autoflagelação.

3 de maio de 1946 Correio da Manhã

1 Jongleurs: menestréis adestrados no verso cômico.

(De Copacabana) – Em Geometria civil o poeta Cassiano Ricardo desnuda inteira sua alma trágica.

Ah! Eu sofro de ordem mas em vão... um ângulo quebrado logo escorre sangue todo o meu futuro é um retângulo obscuro...

E nós que tínhamos dele a medida do cidadão exterior, cumpliciado de “deveres e obediência civil”, vemos com angústia e alegria que se quebraram os seus ângulos oficiais e se rasgaram os seus galões acadêmicos. Do fardão que era um sudário, brotou um homem em carne viva, um homem onde medraram o anjo e a criança. Um homem inesperado e clamoroso.

O novo livro de versos de Cassiano Ricardo intitulado Um dia depois do outro, é tão forte e significativo que desloca a partida de xadrez da poesia brasileira. É como se um valor novo adviesse. E esse valor vem do fundo da geração de 22.

Se nesse volume admirável restam ainda os brilhos e os vidrilhos do antigo panteísmo nacionalista que lembram os seus versos passados, por

eles tão comprometidos, em suas páginas passa a confissão de uma intimidade lírica poucas vezes alcançada com tamanha sufocação e dando tão novo resultado musical e plástico. Esse livro é o espelho quebrado do poeta, sua obsessão biográfica e sua completa magia. Só a violência de um imenso trauma nos poderia significar que nele o palaciano visível arrastava como um escafandro pelos labirintos diurnos o homem subterrâneo. Dessa escola de solidão, veio a confidência:

Não adiantam graças, as mais numerosas

Nem o céu me adianta quando de sobejo

A roseira branca dá todas as rosas

Imagináveis, menos a que desejo.

E aquela “Balada do Desencontro”:

Ó tu que vens por um caminho

Quando eu vou por outro sozinho...

A insatisfação cruel conservou intacto o poeta dentro do homem público e do escriba. E ele agora se abre em pétalas de sangue para se encontrar, sentindo como nunca o prestígio das coisas no espanto e na dádiva.

25 de setembro de 1947

Correio da Manhã

(De São Paulo) – A mania das “memórias” pegou. Aliás, o crítico Antonio Candido, grande autoridade, declara que uma literatura não existe sem o complemento humano de “memórias”, dados pessoais, cartas, biografias, etc.

A Editora José Olympio acaba de lançar o primeiro volume das minhas “memórias”, com o título geral de Um homem sem profissão

E agora uma grande notícia – Di Cavalcanti também vai publicar as dele. Se há uma vida recheada de episódios curiosos, aventuras e casos, é a desse homem polimorfo que, sendo um dos maiores pintores da nossa época, também sabe escrever, é professor e é poeta.

A vida de Di Cavalcanti reveste-se de uma importância excepcional pois, ele participou ativamente deste último meio século. A sua história é a história cultural destes últimos 50 anos.

Di viveu inquietamente tanto na Europa como no Brasil e sem dúvida a sinceridade que ele põe em tudo que realiza, fará das suas “memórias” um livro notável.

2 de outubro de 1954

Correio da Manhã

A antropofagia de Oswald de Andrade e seus companheiros é, sem sombra de dúvida, a vanguarda brasileira que mais efeitos produziu no campo estético e intelectual, estando na raiz de tantos outros movimentos artísticos e de pensamento cruciais para a segunda metade do século XX, como a poesia concreta, o Teatro Oficina e a Tropicália. A sua ideia matriz, a da devoração, adentrou o imaginário do país, identificada a uma deglutição cultural de qualidades alheias, uma apropriação estratégica do estrangeiro para o fortalecimento da nação. Apesar de o texto do “Manifesto antropófago” em nenhum momento postular uma oposição entre o nacional e o estrangeiro, tal interpretação se tornou um lugar-comum difícil de desconstruir, estando presente inclusive no poeta Haroldo de Campos, um de seus melhores leitores, ainda que o nacionalismo em jogo para o poeta concreto seja um “nacionalismo modal”, afim ao atual “essencialismo estratégico” reivindicado pela filósofa Gayatri Spivak.

Contudo, a antropofagia ritual Tupinambá, na qual o movimento se baseia, não

consistia na incorporação do inimigo, mas na adoção de seu ponto de vista, como demonstrou Eduardo Viveiros de Castro. Formulador da teoria do perspectivismo ameríndio, o antropólogo a define como a “retomada da antropofagia oswaldiana em novos termos”. Em cer-

to sentido, assim, visa realizar a tarefa deixada como testamento intelectual por Oswald quando, nos anos 1940 e 1950, ele começa a elaborar a antropofagia em chave filosófica mas tem de interromper a empreitada por problemas de saúde que, por fim, lhe tirariam a vida.

Como legado, escreve uma comunicação para ser lida pelo pintor Di Cavalcanti no Encontro de intelectuais realizado no Rio de Janeiro em 1954, fazendo “um apelo a todos os estudiosos” dos povos indígenas para que tomassem “em consideração [...] o seu sólido conceito da vida como devoração” e levassem “avante toda uma filosofia que está para ser feita”.

É, portanto, como “conceito de vida” ou “visão de mundo”, como também dirá Oswald, que a antropofagia era por ele postulada. Uma “filosofia” que só recentemente passou a ser estudada como tal, dado o conservadorismo filosófico que, inclusive, negou por razões burocráticas a inscrição de Oswald no concurso para professor de filosofia da Universidade de São Paulo (USP). Uma “filosofia” que tem como centro a “devoração”, verdadeira ontologia, ou melhor, como ele mesmo colocava, odontologia, afinal “o ser é a Devoração pura e eterna. Nada existe fora da Devoração”.

A antropofagia oswaldiana é, desse modo, um convite para pensarmos e agirmos tendo como norte (ou sul) uma relação, a devoração de um semelhante. Para viver, é preciso comer, e, para co-

mer, é preciso matar outro ser vivo, convertendo-o em seu contrário. Devorar o outro é, assim, reconhecer a sua semelhança e, no mesmo gesto, negá-la, afinal, não só a gente é o que come (metamorfose de si no outro) como também o que comemos se torna a gente (incorporação do outro no mesmo). Trata-se do que Oswald, numa intuição genial, chamou de “contraponto agressividade-cordialidade”, colocando, ao lado da antropofagia cerimonial, outro rito Tupinambá, a “saudação lacrimosa” de um hóspede pelas mulheres da aldeia; um e outro, movimentos da “alteridade”, o “sentimento do outro, isto é, de ver-se o outro em si, de constatar-se em si o desastre, a mortificação ou a alegria do outro”. Viver não é só competir, mas também colaborar: agonismo e aliança. “A reciprocidade do braço. Dentro das revelações recíprocas de hospitalidade”, dirá, por sua vez, outro antropófago, Clóvis de Gusmão. Uma formulação do “Manifesto”, definida como a “Lei do homem. Lei do antropófago”, e que mais tarde Oswald transformará na “teoria da posse contra a propriedade”, condensa em si todo esse duplo movimento: “Só me interessa

o que não é meu”. Ainda que expresse uma voracidade incorporante do sujeito, a fórmula indica também a precedência do outro, da diferença (daquilo que não é do sujeito). Nesse sentido, levada ao limite, revertida sobre si mesma, a fórmula diria: inclusive em mim, só me interessa o que não é meu, ou seja, em mim, só me interessa aquilo que não sou, que é outro em mim, que não me é próprio.

Trata-se de uma convocação para focarmos não

tanto o “eu” e o “outro”, o ser e o não ser, mas aquilo que os relaciona e possibilita, o entre-ser, o “inter-esse”. Trata-se, portanto e por isso, de uma convocação ética e política, que demonstra a atualidade cada vez mais premente da antropofagia. Afinal, o que é a catástrofe ambiental em curso senão uma relação (uma devoração) desregulada capaz de destruir a si mesma? Não é um acaso que Oswald, a partir da ideia de que tudo é devoração, fa-

Primeira edição da Revista de Antropofagia, de maio de 1928

zia uma diferença valorativa entre a “alta antropofagia” dos Tupinambá, por um lado, e, por outro, a “baixa antropofagia”, “aglomerada nos pecados de catecismo –a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato”: “Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo”. Postular que “nada existe fora da Devoração” não implica defender a “devoração pela devoração”, como Oswald caracterizava o fascismo e o capitalismo (e como alguns leitores obtusos entendem a sua antropofagia). Antes, constitui uma operação política e de pensamento que possibilita apontar a longa lista de espoliações materiais e imateriais que estão em sua origem, que é justamente o que o “Manifesto” faz ao denunciar as apropriações indébitas do colonialismo e defender uma espécie de contra-apropriação, uma expropriação e retomada, visível na reivindicação de tudo que “já tínhamos” (comunismo, Surrealismo, Idade de Ouro) e foi roubado. Pois na raiz da antropofagia

está a necessidade de uma “revisão necessária” da história, apregoada pelo jornalista Oswaldo Costa, e uma crítica ao “defeito ocidental – o raio da superioridade”, que vê todo outro como “primitivo” e “inferior”. Na raiz da antropofagia está um ímpeto anticolonial, que não deve ser confundido com nenhum nacionalismo, até porque a colonialidade interna foi seguidamente atacada pela vanguarda.

Mais recentemente, a antropofagia tem sido contestada por uma série de artistas, pesquisadores e pensadores indígenas, como Denilson Baniwa, por constituir mais um momento da longa história de exotização dos povos nativos e deturpação de suas práticas e concepções. De um lado, do ponto de vista da larga duração, é, de fato, difícil separar o movimento de tantos outros usos estético-ideológicos dos povos indígenas (indianismo romântico à frente), em especial tendo em mente que a associação dos nativos à

prática do canibalismo serviu de justificação do genocídio e da apropriação territorial. De outro, porém, observando-se mais de perto, seja pela leitura detida do “Manifesto”, da Revista de Antropofagia e dos demais textos de Oswald a respeito, seja comparando-os com o seu entorno (lembre-se de que a antropofagia atacava duramente o verde-amarelismo, semente estética do Integralismo, e sua falsificação cristianizada dos povos Tupi), pode-se ver nela também um questionamento desse sequestro ideológico dos povos originários, e a proposição, tímida que seja, de uma aliança “indígena-alienígena”, como o crítico Eduardo Sterzi a definiu. Pois, junto com a defesa do direito ao aborto e da igualdade de gênero, a reivindicação da reforma agrária e os duros ataques ao racismo, nos textos dos antropófagos encontramos também posicionamentos pela autodeterminação dos povos indígenas, e até mesmo uma postulação da literatura indígena, escrita pelos nativos (sujeitos), em contraposição à literatura indianis-

ta, em que os indígenas são tema (objetos). Desse modo, que hoje a literatura indígena esteja começando a ser reconhecida pelo mundo branco e que a filosofia nativa esteja sendo levada adiante nas universidades pelos próprios nativos não me parece um desmentido da antropofagia, mas, antes, um reforço da necessidade de estabelecermos, entre seres, entre “nós” e os “outros”, “alienígenas” e “indígenas”, uma tal aliança anticolonial, antes que a autofagia capitalista nos devore a todos e ao próprio planeta que nos relaciona.

Alexandre Nodari é professor de literatura brasileira na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Fundador e coordenador do Ao Contrário: Laboratório Experimental de Estudos da Literatura e Seus Avessos, está lançando o livro A literatura como antropologia especulativa, pela editora Cultura e Barbárie.

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Acessibilidade (terceirizada)

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Produção gráfica Lilia Góes (terceirizada)

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Revisão de texto Karina

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Coordenação de criação

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Edição e produção de

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Coordenação de mediação cultural Mayra Oi Saito

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Maia, Maya de Paiva, Monica

Abreu Silva, Rafael de Oliveira, Vítor Luz da Cruz e Vitor Narumi

INFORMAÇÃO E DIFUSÃO DIGITAL

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Coordenação de enciclopédia Luciana Rocha

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Coordenação de documentação Felipe Albert

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INFRAESTRUTURA E PRODUÇÃO

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Coordenação de produção de exposições

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Produção Carlos Eduardo Ferreira, Carmen Fajardo, Emily Cruz (estagiária), Érica Pedrosa, Iago Germano e Victoria Campos de Oliveira

CONSULTORIA JURÍDICA

Gerência Julia Baptista Rosas

Coordenação Daniel Lourenço Advogados responsáveis

Ana Carolina Freitas e Eduardo Augusto

AGRADECIMENTOS

Ana Luisa Escorel, Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulálio, da Universidade Estadual de Campinas (Cedae/Unicamp), Cláudio Vasconcellos de Andrade, Gilda Vasconcellos de Andrade, Instituto de Estudos Brasileiros, da Universidade de São Paulo (IEB/USP), Instituto de Filosofia e Ciências

Humanas (IFCH) da Unicamp, Ítala Nandi, Laura Escorel, Maria Augusta

Bernardes Fonseca, Museu da Imagem e do Som de

São Paulo (MIS/SP), Renato Borghi, Rudá Kocubej de Andrade e Teatro Oficina

O Itaú Cultural (IC) e a curadoria agradecem a todos os fotógrafos que cederam imagens e a todos os artistas, sucessores e colecionadores que autorizaram a exibição e emprestaram suas obras para a exposição.

O IC realizou todos os esforços para encontrar os detentores dos direitos autorais incidentes sobre as imagens/obras aqui expostas e publicadas, além das pessoas fotografadas. Caso alguém se reconheça ou identifique algum registro de sua autoria, solicitamos o contato pelo e-mail atendimento@ itaucultural.org.br.

O IC integra a Fundação Itaú. Saiba mais em fundacaoitau.org.br

Esta publicação foi composta das famílias tipográficas Dahlia e Lyon Display. O miolo foi impresso em papel Pólen Bold 90 g/m2 e a capa em papel Alto Alvura 240 g/m2 , pela Margraf, em outubro de 2024.

Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Fundação Itaú | Itaú Cultural

Oswald de Andrade / organizado por Itaú Cultural ; vários autores . - São Paulo : Itaú Cultural , 2024. il.: 32 p. ; 13.6Mb

ISBN: 978-85-7979-171-0

1. Andrade, Oswald de. 2. Literatura. 3. Modernismo. 4. Crítica. 5. Jornalismo. I. Instituto Itaú Cultural. II. Fundação Itaú. III. Título.

CDD 800

Bibliotecário Fernando Galante Silva CRB-8/10536

OCUPAÇÃO OSWALD DE ANDRADE

abertura quarta 23 de outubro

visitação até domingo 23 de fevereiro de 2025 terça a sábado 11h às 20h domingos e feriados 11h às 19h

Itaú Cultural

Av. Paulista, 149, São Paulo/SP | Piso 2

Entrada gratuita

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