Waldemar Cordeiro - Fantasia Exata [Conceitos]

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ArTe CoNcReTa


WALDEMAR CORDEIRO Estrutura Determinada e Determinante, 1958 Esmalte sobre compensado, 200 x 80 cm Coleção: família Cordeiro Foto: Edouard Fraipont


A obra Estrutura Determinada e Determinante, de Waldemar Cordeiro, é abstrata? Este é um trabalho de arte concreta que, de maneira geral, tem como ideia principal afastar qualquer simbolismo da obra de arte, o que seria oposto à arte abstrata. Cada parte desta pintura foi pensada a partir de relações de proporção entre as figuras geométricas que reconhecemos nela. O significado da obra está contido nela mesma: em seus elementos – planos e cores – e no efeito provocado diretamente no olho do observador, que não deveria ter nenhuma experiência intuitiva e arrebatadora num primeiro contato com a obra, mas um reconhecimento das relações entre as formas e as proporções das figuras escolhidas pelo artista. Nosso olhar, que capta primeiramente o todo, começa a estabelecer sua dança com os detalhes da composição, e então compreendemos o que se passa: um mundo particular nasce de uma racionalidade visual extrema. Em um primeiro momento, compreendemos a figura central e, aos poucos, começamos a pensar em cada célula da estrutura: como os triângulos, os quadrados, as formas que se tocam e em que ponto elas se relacionam umas com as outras, e as formas que poderiam surgir se pudéssemos desdobrar a estrutura. Ao mesmo tempo que prestamos atenção no centro, nosso olhar se desvia, criando assim pequenas famílias de figuras que poderiam ser agrupadas. PASSE O MOUSE SOBRE A FIGURA E VEJA ALGUNS DESSES EXEMPLOS.


Quais outras relações você apontaria para esta estrutura? O nome é Estrutura Determinada e Determinante e, como em muitos outros trabalhos de Waldemar Cordeiro, o título é fundamental para o entendimento e para uma leitura abrangente da obra. A palavra “estrutura”, conforme definição do dicionário Aurélio on-line, é a maneira como as partes de um todo estão dispostas entre si. Para a psicologia, é o conjunto orgânico de formas que, segundo os “gestaltistas”, seria percebido de imediato, antes da captação dos detalhes. Cordeiro foi um grande estudioso da teoria gestalt e suas obras do período concreto são orientadas por esse conceito.

Gestalt Um conceito importante que foi revisitado pelos artistas do concretismo é o termo alemão gestalt, que significa “forma”, “figura”, “configuração”. A teoria gestalt, ou a “psicologia da forma”, como era chamada, foi aplicada no campo artístico e pressupunha que uma configuração com uma propriedade específica não pode ser derivada simplesmente da soma de suas partes. Se estas fossem separadas, perceberíamos que todas possuem relações diretas e são dependentes da estrutura do conjunto e das leis que o regem. O termo “arte concreta” foi criado pelo artista holandês Theo van Doesburg em seu Manifesto da Arte Concreta, publicado em 1930, em Paris. No Brasil, a arte concreta ganha visibilidade com a premiação de Max Bill na Bienal de São Paulo. Ele influenciou tanto os artistas concretos paulistas do Grupo Ruptura (idealizado por Waldemar Cordeiro e formado por ele e pelos artistas Geraldo de Barros,


Manifesto Ruptura, 1952


Luiz Sacilotto, Anatol Wladyslaw, Leopoldo Haar, Lothar Charoux e Féjer) quanto os cariocas do Grupo Frente, que, posteriormente, seguiram um caminho diferente dos paulistas ao fundar o neoconcretismo. A exposição do Grupo Ruptura no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), em 1952, foi organizada pelos próprios artistas, e exemplares do manifesto assinado por eles, denominado Manifesto Ruptura, foram distribuídos ao público visitante. O Manifesto Ruptura, redigido por Cordeiro e diagramado por Leopoldo Haar, ousou no formato ao fazer um jogo visual com as palavras, algo revolucionário para a época. O documento propunha aliar a intuição artística aos princípios “claros e inteligentes”, além da renovação e da busca da experimentação de novos princípios na arte.

Paisagismo Inicialmente, o paisagismo era pensado como um meio de subsistência e depois se tornou um campo para a reflexão artística e estética. No Brasil, passou por uma grande renovação no início da década de 1930, através da contribuição de Roberto Burle Marx – artista plástico internacionalmente conhecido pelo seu trabalho como arquiteto paisagista. Waldemar Cordeiro, líder do movimento concretista paulista, foi um dos primeiros a dedicar-se profissionalmente ao paisagismo, juntamente com Roberto Coelho Cardozo, no início da década de 1950. “Os jardins planejados por Waldemar Cordeiro são a concreção de suas concepções espaciais, de criação e dinamismo através de repetições ou contradições”, acredita Gabriela Suzana Wilder.


No exemplo abaixo, vemos como Waldemar Cordeiro pensava a obra paisagística como uma grande tela.

Edifício Itapoan (São Vicente), ca. 1957 Imagem original: autoria desconhecida/acervo de família Foto: André Seiti

O jardim visto de cima. O passeio é de mosaico branco e preto. Sua composição se baseia nos fatores de proximidade e semelhança dos elementos pretos, de modo a criar a sensação visual de linhas retas em positivo e negativo. Waldemar Cordeiro – Para uma Justa Proporção entre Volumes Edificados e Espaços Livres, 1957.


Você também pode ler: BANDEIRA, João (Org.). Arte concreta paulista: documentos. São Paulo: Cosac & Naify: Centro Universitário Maria Antônia/USP, 2002. 96 p. CINTRÃO, Rejane; NASCIMENTO, Ana Paula. Grupo Ruptura. São Paulo: Cosac & Naify: Centro Universitário Maria Antônia/USP, 2002. 80 p. Concreta ´56 – a raiz da forma, catálogo MAM. São Paulo, 2006.


A r Te C o N c R eTa SeM창NtI cA


WALDEMAR CORDEIRO Massa sobre Indivíduos, 1964 Fotografia sobre madeira e metal Coleção: família Cordeiro Foto: Edouard Fraipont


Ao observar a obra Massa sobre Indivíduos, você consegue associá-la à arte concreta? Para Waldemar Cordeiro, a arte concreta era “a linguagem real da pintura que se exprime com linhas e cores que são linhas e cores e não desejam ser nem peras nem homens”. No entanto, ao acrescentar a palavra “semântica” à definição do tipo de trabalho que estava construindo nos anos 1960, o artista propõe novas reflexões. Em suas próprias palavras:

Para mim o problema é [...] deslocar a pesquisa do estudo racional do comportamento diante de fenômenos ópticos para o do comportamento diante de fatos visíveis carregados de intencionalidade e significação dentro de contextos histórico-sociais.

Waldemar Cordeiro – Arte Concreta Semântica, São Paulo, 1964.


E as coisas reais não são meras formas abstratas, evocam a imagem dos que comumente as usam; seus sinais revelam as situações em que essas coisas são ou foram usadas e as conotações mais amplas que têm, as raízes do contexto social.

Waldemar Cordeiro – Realismo “Musa da Vingança e da Tristeza” – Revista Habitat, n. 83, São Paulo, 1965.

Na obra Massa sobre Indivíduos, Waldemar Cordeiro se apropria de elementos da realidade – uma lupa e uma imagem de comício –, coloca-os sobre uma superfície branca e, dessa forma, recorta um olhar para o mundo. A ideia do artista não é de representação, mas de apresentação da realidade, uma realidade ambígua, pois depende da interpretação do observador. O que uma lupa pode nos trazer de informação? Para que e por quem é usada? O que está sendo mostrado através dela? Os títulos dados às obras desse momento da produção de Cordeiro geralmente trazem dados importantes para sua compreensão. No caso de Massa sobre Indivíduos, vemos a imagem de um comício sendo enfatizada pela lupa, mas, se


olharmos a imagem cuidadosamente, reparamos numa sequência de recortes, que nos faz imaginar um hiperfoco. A sequência de círculos tem composição e ritmo específicos, que dão movimento à imagem e nos fazem recordar obras concretas anteriores. Uma pessoa é focada em meio à multidão. Isso seria uma denúncia ou uma maneira de destacar o indivíduo? Atente para o ano em que a obra foi realizada – 1964 –, início da ditadura militar no Brasil.

WALDEMAR CORDEIRO detalhe da obra Massa sobre Indivíduos, 1964


Suas obras vêm de um processo construtivo que não desaparece com a incorporação de objetos na pintura, mas se transforma com ele e incorpora novos significados.

Nos meus trabalhos o objeto (readymade) é construído e constrói um espaço, que não é mais o espaço físico. A desintegração do espaço do objeto físico é também desintegração semântica, destruição das convencionalidades e, por outro parâmetro, construção semântica, construção de um novo significado. Waldemar Cordeiro – Arte Concreta Semântica, São Paulo, 1964.

Na Itália, Waldemar Cordeiro fez parte do Partido Comunista Italiano, fundado por Antonio Gramsci, pensador que influenciou suas reflexões e, de certo modo, sua produção artística. Cordeiro se identificou com as ideias de Gramsci sobre o papel social do artista/intelectual. Em São Paulo, a cultura dominante ainda era a ruralista, comprometida com a produção agroexportadora; Cordeiro foi pioneiro na crítica à cultura dominante e na projeção de uma cultura industrial urbana no cenário artístico paulista. “Sua ação em outras áreas, como a da crítica e da teoria da arte, do paisagismo e do planejamento urbano, por exemplo, além de mantê-lo, inscrevia-se numa abrangente ruptura com um ambiente histórico atravessado por arcaísmos atávicos.” Fernando Cocchiarale


O conceito de “hegemonia”, desenvolvido por Gramsci, dizia que uma classe exerce dominação sobre a outra não somente pela coerção, mas também pela persuasão. Os intelectuais carregariam a responsabilidade da conquista das classes na mesma medida que poderiam impedir a tomada de consciência da camada dominada. Segundo ele, são os intelectuais que asseguram a hegemonia da classe dirigente e também são eles os formadores de novos valores. Para Cordeiro,

a cultura só passa a existir históricamente quando cria uma unidade de pensamento entre os ‘simples’ e os artistas e intelectuais. Com efeito, somente nessa simbiose com os simples a arte se depura dos elementos intelectualísticos e de natureza subjetiva, tornando-se vida.

A instauração do regime militar, em 1964, somada às reflexões políticas de Waldemar Cordeiro, resultou em trabalhos que questionavam o momento histórico-social da época. A partir de 1960, suas obras começaram a incorporar novos materiais, como objetos industrializados e imagens de veículos de comunicação em massa. O uso de espelhos, lentes de aumento e múltiplos planos incitava o deslocamento do espectador no espaço, permitindo sua relação direta com a obra. Para Cordeiro, o uso desses materiais, característica da nova figuração, cria um tipo de realismo baseado na vida urbana dos centros industriais.


A Nova Figuração não representa, mas apresenta a realidade. Waldemar Cordeiro – Revista Habitat, n. 77, 1964.

“No Brasil dos anos 60, a figuração é quase sempre crítica [...]. Em São Paulo, Waldemar Cordeiro dá o salto que o momento pedia, ao fundir concretismo e pop art, criando os popcretos, que ele definiu como ‘arte concreta semântica’.” Frederico Morais – Anos 60: a Volta à Figura: Marcos Históricos. Apresentação. São Paulo: Instituto Itaú Cultural, 1994.

As mensagens dos popcretos são recorrentemente ambíguas; ao mesmo tempo que têm uma preocupação formal construtiva, têm uma preocupação semântica. O teórico Max Bense define esses dois polos como complementares: “Vejo nesse encontro a interpretação de dois estados de coisas – coisas do consumo prático e coisas do consumo teórico [...] as coisas banais do mundo cotidiano ocorrem nos ‘popcretos’ no estado da destruição, da imperfeição, da sucata, do resto, enquanto que o arranjo concreto, a figuração matemática, a regularidade da ordenação exprimem em contraparte [...] o estado da integridade e da perfeição”. Max Bense – “carta-prefácio”, Catálogo da Galeria Atrium, São Paulo, 1964.

A arte se diferencia do pensamento puro porque é material e das coisas ordinárias porque é pensamento. Waldemar Cordeiro


Opera Aperta, além de ser o nome de uma obra de Waldemar Cordeiro, realizada em 1963, é o título original do livro de Umberto Eco Obra Aberta, publicado em 1962. Nele o teórico italiano define a obra de arte como um fenômeno aberto, com pluralidade de significados, pressupondo a interpretação do espectador. Eco acredita que toda obra de arte é aberta, mas que nas poéticas contemporâneas essa característica ganha maior visibilidade, pedindo que o observador assuma o status de participador.

“Os problemas da linguagem pictórica [...] são preocupação de uma minoria, mas a guerra, o sexo, a moral, a fome e a liberdade são problemas de todos os seres humanos.” Mário Pedrosa Em 1965, foi aberta a exposição Opinião 65, que reuniu 30 artistas, brasileiros e estrangeiros, entre eles Waldemar Cordeiro e Hélio Oiticica, ligados à nova figuração. O nome da mostra teve como inspiração o show Opinião, no qual a canção “Carcará”, interpretada por Nara Leão e Maria Bethânia, se tornou hino contra a repressão e a censura militar. Opinião 65, também de caráter político, é conhecida pela ação de Hélio Oiticica com seus Parangolés e de representantes da escola de samba da Mangueira, que foram expulsos do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/ RJ) por adentrarem o local ao som do samba. Waldemar Cordeiro realizou uma versão paulista da mostra na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), a Proposta 65, com uma série de palestras sobre a nova figuração no Brasil. No final dos anos 1960, Cordeiro já mostra seu interesse no uso de novas tecnologias em trabalhos como Beijo.


A trajetória iniciada na arte concreta prossegue com extrema coerência, relacionando a matemática, a reflexão social e a máquina em seus trabalhos que se utilizam do computador como instrumento de arte. A imagem utilizada em Massa sobre Indivíduos é reutilizada em obras feitas em computador no momento de produção conhecido como “arteônica”.

Você também pode ler: COSTA, Cacilda Teixeira da et al. Aproximações do espírito pop – catálogo MAM, 2003. COSTA, Helouise. Waldemar Cordeiro e a fotografia. Cosac Naify, 2002. PECCININI, Daisy Valle Machado. O objeto na arte: Brasil anos 60. São Paulo: Faap, 1978.


A r Te Ô n I c A


WALDEMAR CORDEIRO Transformação em Grau Zero/ Transformacão em Grau 1/ Transformação em Grau 2, 1969 Computer press output, 121 x 34,5 cm Coleção: família Cordeiro Foto: Edouard Fraipont


arte + eletrônica = arteônica Para Waldemar Cordeiro, a

arte eletrônica visa a realizar obras interdisciplinares aproveitando pesquisas e descobertas no campo da neurologia e da psicologia [gestalt], processando nesse sentido imagens com a ajuda do computador

e não utilizá-lo para, simplesmente, fazer uma tradução de linguagem das formas tradicionais de arte. Através da arteônica, Cordeiro levantou diversas problemáticas, por exemplo a forma como as obras de arte são consumidas. Prevendo o crescimento populacional em grandes cidades como São Paulo, Cordeiro julgava que a arte seria mais conhecida (e consumida) por meio de reproduções mecânicas ou eletrônicas. Essas mudanças na veiculação da arte gerariam perda de informação e, portanto, mudança de sentido. “Mudança de comunicação é também mudança de informação”, acreditava Cordeiro. Mas o artista acreditava que a arteônica ajudaria a difundir amplamente a arte, porque utiliza o computador como suporte e matéria-prima. Pessoas de qualquer classe social ou localização poderiam ter acesso ao “original digital” de forma rápida e precisa e sem perda de informações da mensagem original.


No fim da década de 1960, o Brasil entrava para a era computacional de forma exclusivamente profissional, diferentemente do que acontecia nos Estados Unidos e na Europa, onde o uso de computadores já era comercial. Os computadores pessoais chegaram aqui somente na década de 1980. Ainda nos anos 1960 começaram a surgir algumas exposições de arte eletrônica consideradas vanguardistas. A primeira, Cybernetic Serendipity, aconteceu em Londres, em 1968. O crítico e ensaísta Abraham A. Moles traz questões interessantes para pensar esse novo tipo de arte: “por que este frenesi ‘humanista’ que deseja assimilar o homem àquilo que ele tem de mais animal em si, o calor do coração? se podemos recriar a aparência do mundo pelo poder da mente – e do computador – por que nos limitarmos às vagabundagens do instinto? a arte por computador é resultado dos tempos: por que uma ética repressiva da arte limitando-a somente às mãos do ‘artista’?”. Em parceria com o físico e engenheiro Giorgio Moscati, Waldemar Cordeiro produziu a obraTransformação em Grau Zero/ Transformacão em Grau 1/Transformação em Grau 2. Esse trabalho se apropria de um pôster do Dia dos Namorados, propondo a desconstrução da imagem. A obra foi considerada o primeiro desenho realizado em computador no Brasil. “Derivada”, em cálculo, representa a taxa de variação de uma função. Aplicando esse conceito no trabalho de Cordeiro e Moscati, temos como “função” o pôster promocional do Dia dos Namorados (nomeada como “grau 0”) e as suas derivadas (nomeadas como “grau 1”, “grau 2” e “grau 3”). O trabalho final é composto do conjunto dessas quatro imagens: a original, digitalizada manualmente, e mais três derivadas.


A imagem “grau 3” é derivada de “grau 2”, que por sua vez foi derivada de “grau 1”, que teve como função “grau 0”. A obra passou pelas seguintes etapas para ser realizada: “escolher uma imagem; digitalizá-la; preparar os cartões com os dados da imagem digitalizada; escrever um programa para efetuar a operação ‘derivar’; preparar os cartões com o programa; alimentar o computador com os cartões de dados da imagem digitalizada; alimentar o computador com os cartões do programa; rodar o programa”. Resumidamente, as derivações realizadas pelo programa são operações matemáticas que comparam os níveis de tonalidades de claro/escuro dos pontos com os níveis de tonalidades de seus vizinhos. Por exemplo, se em uma linha (da função) há uma sucessão de pontos que indicam os níveis tonais, a linha “derivada” tem sua escala de níveis indicada na linha abaixo, evidenciando o contraste entre elas. Por exemplo: FUNÇÃO DERIVADA

0

0 0

0 0

0 0

0 0

0 0

6 6

6 0

6 0

6 0

6 0

5 1

5 0

5 0

3 2

2 1

1 1

1 0

1 0

Observe que na linha de baixo (derivada) os resultados são as variações máximas possíveis entre os números da primeira linha. Por exemplo, a taxa de variação entre 0 e 6 = 6; entre 6 e 6 = 0; entre 6 e 5 = 1, e assim por diante. Essas imagens são compostas graficamente de caracteres sobrepostos, que Cordeiro mapeou à mão, em escalas de claro/escuro, algo muito próximo aos “pixels” que conhecemos hoje.

1 0

1 0

0 1

0 0

0 0

0 0

0 0

0 0


Foram estipulados os números de pontos da imagem em 98 x 112, obtendo-se assim um total de 10.976 pontos, com escala tonal em sete níveis, que vão do branco ao preto. Para fazermos uma comparação com os dias de hoje, um monitor Full HD tem 1.920 x 1.080 pontos, ou seja, um total de 2.073.600. Na obra Transformação em Grau Zero/Transformacão em Grau 1/ Transformação em Grau 2, cada nível tonal é representado por um número de 0 a 6. Dessa forma, para criar os tons, a impressora foi configurada para originar linhas sobrepostas, ou seja, como se o papel tivesse emperrado, formando assim “ruídos visuais”. Quanto mais sobreposições de linhas, mais escuras as tonalidades. Olhando bem de perto, observamos melhor as sobreposições:


O computador utilizado para a criação de Transformação em Grau Zero/Transformacão em Grau 1/Transformação em Grau 2 foi um IBM/360-44, que Moscati usava para fins de pesquisa na Universidade de São Paulo (USP). Esse computador realizava operações matemáticas e tinha uma memória de 32 kbytes – podendo ser expandida até 256 kbytes, por um alto custo. Os computadores atuais possuem uma memória pelo menos 30 mil vezes maior. O equipamento tinha uma saída para impressora em linha, ou seja, imprimia uma linha de caracteres de cada vez e seu sistema só iniciava a próxima operação após o término completo da anterior. Esse computador operava através de um pacote de cartões com o programa a ser executado, depositados num guichê de recepção, e algum tempo depois se devolviam os cartões com os resultados impressos. O tempo para executar essa operação podia ser de horas, dias ou semanas, dependendo do programa a ser rodado. A escolha da imagem de Transformação em Grau Zero/Transformacão em Grau 1/Transformação em Grau 2. nos faz pensar em questões além da técnica. Tanto nessa obra como em outras da mesma época, Cordeiro escolheu imagens com um significado especial. Quando vemos um pôster do Dia dos Namorados na rua, quais são as sensações que temos? A escolha do artista partiu da vontade de transformar uma imagem de conteúdo afetivo em outra produzida por uma máquina fria e calculista. A imagem sofre transformações, a sequência delas nos faz lembrar frames de um filme e fica à beira do desaparecimento, na fronteira da legibilidade quando atinge determinado grau de derivação.


O computador na obra de Cordeiro e Moscati não era utilizado somente como ferramenta, mas como linguagem. A arte por computador teve seus antecedentes no concretismo (de 1950 a 1960). Foi nesse período que se deu a maior industrialização nas áreas urbanas brasileiras. Mas não só o concretismo orientou a trajetória de Waldemar Cordeiro, o movimento artístico do novo realismo também influenciou fortemente sua pesquisa. Seu criador, o crítico europeu Pierre Restany, com o fim do novo realismo, passou a trabalhar em uma nova ideia de arte, a “Mec-Art”, ou arte mecânica. Apropriando-se de procedimentos fotográficos, a “Mec-Art” teria como fim a elaboração mecânica da imagem. Você consegue perceber o impacto dessas ideias na obra de Waldemar Cordeiro? Você também pode ler: http://www.visgraf.impa.br/Gallery/waldemar/catalogo/catalogo.pdf Precursor e pioneiros contemporâneos, catálogo Paço das Artes. São Paulo, 1997.



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