S A T R S!!! E F O ÍVEI AT B IM
OFERTA
novo plano diretor do ~ ~ recife E-BOOK SÍNTESE DO PROCESSO DE REVISÃO CADERNO 01
descascando o abacaxi o registro histórico
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OFERTA
novo plano diretor do ~ ~ recife E-BOOK SÍNTESE DO PROCESSO DE REVISÃO
CADERNO 01
descascando o abacaxi o registro histórico
EDIÇÃO
Luana Varejão Aluízio Câmara André Araripe
MAPAS E MODELAGENS Davi Rodrigues Manoela Jordão Pedro Ernesto
REDAÇÃO
Luana Varejão Manoela Jordão Pedro Ernesto
TEXTOS DE APRESENTAÇÃO Ivan Moraes (vol.1) Fernanda Costa (vol.2) Norma Lacerda (vol.2) Vitor Araripe (vol.3)
projeto gráfico e diagramação Pedro Ernesto
Fotografias
Beto Figueiroa Pedro Ernesto
cooperação TÉCNICa
Cooperativa Arquitetura Urbanismo e Sociedade
APRESENTAÇÃO
Não lembro de quantas vezes fiz debates em ônibus do Recife tentando explicar o que é o Plano Diretor. Eu começava sempre dizendo que esta era a lei que “organizava a cidade”. É a regra quem diz onde pode construir mais, onde pode construir menos, onde não pode construir nada. É a lei que diz qual vai ser a prioridade da política urbana, que pode oferecer garantias e indicar prioridades para o desenvolvimento do município. É uma legislação tão importante quanto difícil de explicar para quem não tá habituada como o palavreado do direito urbanístico. O Plano Diretor é uma coisa tão séria que ele pode acabar sendo definidor sobre a permanência ou não de uma comunidade no local em que se encontra. A existência ou não de uma área de mangue. A prioridade ou não de uma ciclovia ou uma faixa expressa para transporte público, a existência ou não de estacionamento em determinado local. Uma lei como estas, numa democracia de verdade, deveria ser fruto de um amplo processo de escutas. Uma lei que afeta a cidade inteira e que vai encabeçar um conjunto de legislações que chamamos “Plano de Ordenamento Territorial” precisaria ter o ‘pitaco’ de todas as pessoas que moram e trabalham no município. Não foi bem assim que aconteceu durante o processo que deu origem à lei aprovada no final de 2020 e que tem vigência de dez anos. Posso dizer que nosso mandato acompanhou cada passo dessa luta. Desde as primeiras discussões-relâmpago no Conselho das Cidades, passando por oficinas e audiências que, pouco divulgadas e mal articuladas pela Prefeitura, não permitiram a escuta qualificada que seria necessário. Na tribuna da Câmara, denunciei várias vezes a pressa da prefeitura em aprovar a minuta em tempo recorde, com pouca participação popular e sem transparência de diversos estudos que seriam obrigatórios e que estavam no termo de referência da consultoria contratada. As poucas pessoas que participaram deste processo muitas vezes saíam como entravam – sem entender direito nem o que estava em debate Eu também estava presente na Conferência da Cidade de 2018, quando vi dezenas de organizações que pra mim são referência na discussão do Direito à Cidade caderno 1 Descascando esse abacaxi: o registro histórico
5
se retirarem da plenária por entenderem que a metodologia favorecia os interesses da gestão do PSB, comumente confundidos com os interesses do mercado imobiliário. O projeto chegou à Câmara no apagar das luzes de 2018 no ano seguinte o Poder Legislativo montou uma Comissão Especial para analisa-lo. Me tornei vicepresidente do colegiado e durante 2019 inteiro pudemos realizar seis audiências públicas e reuniões específicas com diversos segmentos: organizações sociais, integrantes do Prezeis, empresários, representantes da academia. Não faltavam críticas ao texto original do poder executivo e possibilidades de melhorá-lo. Aberto o prazo de emendas, os 39 mandatos parlamentares elaboraram nada menos que 513 propostas de modificação, sendo 123 dessas elaboradas pelo nosso mandato, grande parte a partir de sugestões vindas da sociedade civil. Que ninguém se engane: a quantidade de emendas em nada traduz a disposição do poder executivo em ouvir a sociedade. Pelo contrário. Denota o esforço de mandatos parlamentares em suprir lacunas importantes que poderiam ser resolvidas por mais escuta e sensibilidade de quem o assinou. Após um início tranquilo e uma pausa por conta da pandemia que se agravou nos meses seguintes, a Comissão Especial (contra a minha vontade), apressou-se em aprovar o texto final nas últimas semanas da legislatura 2017-2020. Mais de 300 emendas chegaram a ser analisadas em menos de 15 dias. O custo da pressa e da hegemonia governista na Câmara foi alto. Aprovamos uma lei pior do que a que chegou: que põe em risco área de proteção ambiental e zonas especiais de interesse social. Que põe comunidades em risco de gentrificação e que, ainda que com alguns avanços, perde oportunidades incríveis de ousar no sentido de priorizar o direito à habitação numa cidade em que dezenas de milhares de pessoas não tem onde morar com dignidade. Se é verdade que a gente perdeu mais do que ganhou, também é verdade que toda esta luta deixou negritados os interesses que prevalecem nas decisões sobre o destino da cidade e demonstrou a importância de cada vez mais pessoas e grupos incidirem não apenas sobre as discussões, mas também sobre processos de ocupação de poder. Este é o primeiro de três cadernos em que a gente vai registrar cada passo dessa caminhada e explicitar os desafios que temos para o futuro, seja na discussão das demais leis do Plano de Ordenamento Territorial, seja para o que será do planejamento urbano em nosso Recife. Leitura importante para quem estuda, quem luta e quem vive na cidade.
Ivan Moraes
Vereador da cidade do Recife 6
Novo Plano Diretor do Recife Cartilha do Processo de Revisão
Foto: Pedro Ernesto
ÍNDICE OFER IMBA TAS TÍVEI S!!! CADERNO 1
DESCASCANDO O ABACAXI O REGISTRO HISTÓRICO
1.PROCESSO DE REVISÃO DO PLANO DIRETOR DO RECIFE
10
2.ATUAÇÃO DO MANDATO DE IVAN MORAIS
18
2.1 NAS ESCUTAS PÚBLICAS 2.2 NA TRAMITAÇÃO NA CÂMARA LISTA DE IMAGENS BIBLIOGRAFIA
26 27
18 21
CADERNO 2
ENTENDENDO ESSE PEPINO A ATUAÇÃO DO MANDATO
3.ANÁLISE DO PLE E DAS SUAS PRINCIPAIS AMEAÇAS I. INSTRUMENTOS DE EXCEÇÃO COMO REGRA II. ELEVAÇÃO EXCESSIVA DOS POTENCIAIS CONSTRUTIVOS III. PARALISAÇÃO E DESMONTE DA POLÍTICA DE ZEIS IV. FLEXIBILIZAÇÃO DAS REGRAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL V. DESVALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL E DAS IDENTIDADES TERRITORIAIS VI. A FRAGMENTAÇÃO DO CONTEÚDO DO PLANO DIRETOR EM LEGISLAÇÕES E PLANOS ESPECÍFICOS COMO ESTRATÉGIA POLÍTICA DE DESMOBILIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL
4.ELABORAÇÃO DE EMENDAS PARLAMENTARES 4.1 DEFINIÇÃO DE ESTRATÉGIAS PARA EMENDAS DE ZONEAMENTO E INSTRUMENTOS 4.2 PROPOSIÇÃO DE EMENDAS
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I. CONTROLAR O ADENSAMENTO CONSTRUTIVO II. VALORIZAR AS IDENTIDADES DA ZONA CENTRO III. DINAMIZAR E REESTRUTURAR AS CENTRALIDADES IV. PROTEGER O ENTORNO DE ZEPH, ZEIS E FRENTES D’ÁGUA V. FORTALECER A POLÍTICA DE HABITAÇÃO MUNICIPAL VI. DEMOCRATIZAR A GESTÃO DA POLÍTICA URBANA VII. ACOLHER DEMANDAS DA SOCIEDADE CIVIL
I PA Ç Ã
CADERNO 3
RECIFE A PREÇO DE BANANA O SALDO
5. O SALDO DO PLANO DIRETOR 5.1 E O “DIREITO À CIDADE”? 5.2 PRINCIPAIS DANOS 5.3 PEQUENAS VITÓRIAS
IMAGEM 1.01 Interveção/protesto da Articulação Recife de Luta na Conferência do Plano Diretor. Foto: Beto Figueiroa
1. O PROCESSO DE REVISÃO DO PLANO DIRETOR No ano de 2018, Recife iniciou o “processo participativo” de revisão do seu Plano Diretor. Diante das exigências contidas no Estatuto da Cidade, que obriga os municípios brasileiros a revisarem seus Planos Diretores no prazo de 10 anos, a capital encontrava-se no limite do prazo estabelecido pela lei federal (o último Plano Diretor havia sido aprovado em 2008). Isto fez com que o executivo municipal optasse por comprimir o tempo e os espaços destinados à participação e controle social para que o projeto de lei fosse encaminhado ao legislativo até dezembro de 2018. Na prática, nesse curto intervalo de tempo, de maio a dezembro, foram feitas inúmeras atividades nas quais boa parte da sociedade civil não tomou conhecimento e não teve condições de participar de fato e assim levar suas demandas. O ritmo exaustivo de atividades não possibilita, por exemplo, que houvesse tempo para que a população se apropriasse dos documentos que eram produzidos pela prefeitura (diagnósticos, propostas, etc.). Fora isso, para muitos, o ano de 2018 havia sido especialmente conturbado, sendo repleto de eventos como a Copa do Mundo, que drena a atenção de muitas pessoas por quase um mês, e fatos políticos marcantes e frustrantes como a greve dos caminhoneiros e as trágicas eleições que catapultaram o conservadorismo no país. 10
Novo Plano Diretor do Recife Cartilha do Processo de Revisão
Além da celeridade incomum do processo, a revisão ocorreu com uma série de lacunas e falhas para além da controversa estratégia de construção coletiva. De acordo com o Termo de Referência de contratação da consultoria que auxiliou os trabalhos do ICPS, eram exigidos uma série de estudos técnicos que não chegaram a ser entregues tal como se demandava. Este ponto deve ser ressaltado, pois seria através desses dados que seriam lastreadas as decisões de para onde e como a cidade irá crescer na próxima década. Na falta destes, se questiona quais os critérios foram utilizados de fato pelo executivo municipal para definir as áreas de adensamento/ restrição ao desenvolvimento imobiliário. Na contramão do “rolo compressor” do executivo municipal, boa parte da sociedade civil, em resistência ao que vinha ocorrendo, se organizou através da Articulação Recife de Luta (ARL) formada por inúmeros coletivos, movimentos sociais, instituições, etc. objetivando intervir no processo de revisão na busca do direito à cidade. A atuação desse grupo foi fundamental para fazer frente ao mercado imobiliário, organizado na Rede Procidade, e à tendência da prefeitura de privilegiar as demandas desse outro segmento da sociedade civil.
IMAGEM 1.02 Conferência do Plano Diretor com clima conturbado e repressão da polícia diante da manifestação da Articulação Recife de Luta. Foto: Beto Figueiroa
reuniões do concidade
IMAGEM 1.03
jan fev
linha do tempo
2018
1 2 3 4 5 6 7 8
greve dos caminhoneiros
mar
15/05
9 24/09
escutas públicas
21/05
10 05/10
RPA 01 1 26/06 e 7 11/07
11/06
12 05/11
RPA 03 3 20/06
25/07
14 17/12
24/05 17/07 10/08 05/09
11 23/10
13 19/11
15 28/12
RPA 02 2 19/06 RPA 04 4 28/06 RPA 05 5 21/06 RPA 06 6 25/06
oficinas temáticas 20/08 1 Desenvolvimento econômico sustentável e inclusão social g
21/08 2 Equidade socieoterritorial, habitação e regularização fundiária g
abr mai
23/08 3 Propriedade imobiliária, função social e financiamento urbano g 24/08 4 Sistema de gestão democrática, participação e controle social g
1 3
2
jun
3
2
7
5
6
6
8
8
3
7 4
5
6 9
A
12
nov dez
1º turno
4
2
3 1 2º turno
5 6 1 2
13
4 3
Co 14 15
C2 C1
plE 28 saída da arl da conferência
capacitação de delegados C1 27/11 C2 28/11
RPA 03 3 30/10 RPA 04 4 29/10 RPA 05 5 30/10 RPA 06 6 31/10
oficinas por segmento
plano diretor não é kisuko
10
11
eleições
2
9
RPA 01 1 31/10 RPA 02 2 29/10
1
ago
out
29/08 7 Patrimônio Cultural 30/08 8 Ordenamento territorial e instrumentos 17/09 9 urbanísticos
audiências devolutivas
7
set
1
5
28/08 6 Uso do solo, drenagem e acessibilidade urbana g
copa do mundo
4
4
jul
27/08 5 Meio ambiente, sustentabilidade, gggg mudanças climáricas e saneamento ambiental g
05/11 1 Poder Público 06/11 2 Entidades profissionais, acadêmicas, de g pesquisa, conselhos profissionais e ONGs 07/11 3 Empresariado ligado ao desenvolvimento g urbano
08/11 4 Entidades sindicais, movimentos sociais e populares e demais articulações da sociedade civil
A Co
audiência diagnóstico propositivo 18/09 conferência 03/12 e 04/12 envio do projeto de lei (PLE 28) à Câmara 14/12
Na busca pela defesa do direito à cidade, as demandas da ARL se concentravam na i) defesa da população moradora de ZEIS; ii) ampliação da política pública de habitação; iii) valorização do patrimônio histórico cultural e ambiental da cidade; iv) controle da especulação imobiliária e do adensamento construtivo sobretudo nas áreas carentes de infraestrutura básica (saneamento ambiental e mobilidade urbana); e na v) democratização do sistema de planejamento urbano. Essa visão de uma cidade mais democrática e justa ficou expressa nos ofícios encaminhados pelos membros da articulação à prefeitura e no documento “30 Propostas Inegociáveis” voltado para a votação da Conferência do Plano Diretor. Ao longo de 2018, os conflitos entre ARL, Rede Procidade e Prefeitura ocorreram de forma crescente ao longo das atividades do processo de revisão. Entre os momentos emblemáticos desse confronto, é preciso destacar audiência pública de apresentação do “Diagnóstico Propositivo”, onde os integrantes da ARL promoveram a campanha “Plano Diretor não é kisuco” em resposta ao atropelado processo participativo e à estreita articulação entre Estado e mercado. Outro momento delicado foi a Conferência do Plano Diretor onde foi votado o conteúdo final da nova lei. Neste momento, diante dos vários retrocessos e da impossibilidade de intervir no resultado de forma efetiva, parte expressiva da ARL decidiu por se retirar de forma a não legitimar o discurso questionável de que havia participação e controle social na elaboração do Plano Diretor.
IMAGEM 1.04 Interveção/protesto “Plano Diretor não é kisuco” Fonte: https://www.facebook.com/recifedeluta/posts/468216840352734
caderno 1 Descascando esse abacaxi: o registro histórico
13
Findado o processo de revisão pelo executivo municipal, o Plano Diretor foi protocolado no legislativo, no final do ano, através do projeto de lei (PLE) 28/2018, dando início a uma nova etapa na discussão da lei, dessa vez a cargo dos vereadores da cidade. Vale ressaltar que no quadriênio 2017/2020 a composição de legisladores do Recife era majoritariamente alinhada ao grupo que ocupava a prefeitura, encabeçado pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e mesmo na oposição havia também uma predominância de mandatos alinhados aos interesses do mercado imobiliário, sendo raros os parlamentares que tinham o direito à cidade como norte de suas decisões. Tal quadro político-partidário também foi reproduzido na composição da Comissão Especial que analisou o PLE do Plano Diretor na Câmara. Desta forma, as propostas vindas do executivo não só passaram com facilidade, como foram ainda mais benevolentes com as demandas do mercado imobiliário que foi atendido quase que integralmente.
IMAGEM 1.05
jan fev
linha do tempo
2019
mar
1 3 5
abr
2 4 6
mai ora ç s da ão
s da en em
jul
ela b
jun
ago set audiências públicas prazo final para emendas
out
21/03 g 28/03
11/04
1
1 A política de desenvolvimento urbano e o ordenamento territorial
2 Instrumentos urbanísticos 04/04 3 Desenvolvimento sustentável e a política de g
nov dez
30/10
17/04 gggg g 25/04
meio ambiente e saneamento
4 Política de acessibilidade e mobilidade 5 Políticas setoriais: habitação, segurança urbana, patrimônio cultural e sistema de equipamentos urbanos e culturais
6 Sistema de palnejamento urbano
participativo, gestão democrática e de informação e memória da cidade
Na Câmara, após a instalação da Comissão Especial de Revisão do Plano Diretor, foram realizadas as primeiras discussões com a sociedade civil nos meses de março e abril de 2019, através de 06 audiências públicas temáticas organizadas a partir do índice do PLE 28/2018. Nos meses de Setembro e Outubro, foi aberto o prazo para recepção das emendas parlamentares.
IMAGEM 1.07
2020
linha do tempo
2 3
4
mar
pandemia
IMAGEM 1.06
câmara de vereadores composição por partido
abr
quadriênio 2017/2020
cidadania 5,1% solidariedade 2,6%
jan fev
PsOL 2,6%
mai
PSDb
2,6% republicanos 5,1%
jun
MDb
2,6%
Pcdob 2,6%
5
jul
Psb 46,2%
Pt
5,1%
Psc
5,2%
ago
PP 20,5% base do governo
set
análise das emendas ( comissão ) x atividade presencial 1 10/12/2019
7
3 04/03/2020
9
2 13/02/2020
8
4 11/03/2020
10
6 BLOCO6
12
5 15/07/2020
11
y atividade virtual
10/12/2020 XX/12/2020 BLOCO7 XX/12/2020 BLOCO8
XX/12/2020 destaques
XX/12/2020 adiamentos
VOTAÇÃO FINAL - plenário ( virtual )
v1
1ª votação v2
17/12/2020
out
11/12/2020
2ª votação 21/12/2020
7 11
8
9
nov
10
v1 12
v2
dez
IMAGEM 1.08 Audiência Pública da revisão do Plano Diretor do Recife na Câmara de Vereadores. Foto: Beto Figueiroa
Tais propostas de alteração do PLE, encaminhadas entre Setembro e Outubro de 2019, foram analisadas pela Comissão Especial de Revisão do Plano Diretor em várias sessões com acaloradas discussões que ocorreram de dezembro de 2019 e até o final de 2020. Em todos esses momentos prevaleceu, por parte dos vereadores, a prática de manter ao máximo o texto vindo do executivo, aceitando algumas modificações favoráveis ao mercado imobiliário. Dessa forma, houve pouca ou quase nenhuma abertura para acolhimento das demandas/propostas vindas de grupos da sociedade civil que se mostravam reticentes às deliberações vindas do executivo. Vale ressaltar que a maior parte do processo de análise das emendas ocorreu durante a pandemia de COVID-19, momento em que, devido às restrições sanitárias, as atividades presenciais na Câmara de Vereadores foram suspensas e passaram a ocorrer de forma virtual, sem a participação da sociedade civil que apenas pôde acompanhar as transmissões das sessões via youtube. Desta forma, os parlamentares alinhados à gestão do executivo municipal se valeram dessa condição especial para acelerar a análise desconsiderando opiniões contrárias, sobretudo nos temas mais polêmicos. Neste caso, observou-se em Recife, a infeliz estratégia de “passar a boiada” urbanística (expressão do então ministro do meio ambiente Ricardo Sales) no momento em que a população encontrava-se mais desarticulada e fragilizada. 16
Novo Plano Diretor do Recife Cartilha do Processo de Revisão
Tal como ocorreu na análise das emendas pela Comissão Especial, a votação final do Plano Diretor reproduziu a desconsideração dos parlamentares da situação com as demandas da sociedade civil. Todo o PL com suas alterações foram aprovados, nas duas votações, de maneira constrangedora, onde era nítido o compromisso dos vereadores em apenas acatar com o que vinha do executivo e do mercado, mesmo que em muitos momentos os mesmos demonstrarem não saber sobre o que estavam decidindo. Por fim, é preciso ressaltar que no mesmo dia da votação final do Plano Diretor na Câmara, os vereadores cravaram um ataque sem precedentes às ZEIS. Através da aprovação do PL 24/2020, ficou permitido o remembramento de lotes nas zonas especiais que encontram-se dentro da Área de Reestruturação Urbana (ARU ou Lei dos 12 Bairros), mesmo que cheguem a resultar em lotes maiores que 250m² como define a Lei do PREZEIS. Na prática, a abertura dessa brecha possibilita, junto com o novo Plano Diretor, que o mercado imobiliário vá aos poucos expulsando as populações mais pobres da cidade para as periferias.
caderno 1 Descascando esse abacaxi: o registro histórico
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2. ATUAÇÃO DO MANDATO 2,1 NAS ESCUTAS PÚBLICAS Ainda em 2017, houve o anúncio pela PCR de que o processo de revisão do Plano Diretor ocorreria em meio à revisão da Lei do Uso do Solo, da Lei do Parcelamento e de outras quatro leis e instrumentos urbanísticos, através do Plano Ordenamento Territorial (POT). As disputas de interesses anunciadas nesta conjuntura, aliada à situação de negação do Direito à Cidade em nosso município, exigiram que organizássemos nossa atuação para: Fiscalizar e visibilizar o processo de
01 revisão do Plano de Ordenamento
Territorial, de forma a garantir ampla participação popular; Reforçar a defesa e a promoção do
02 direito à moradia, de obras de
infraestrutura em áreas de risco, de saneamento básico e de um desenho universal e acessível em toda a cidade; Intensificar nossas agendas junto às
03 mobilizações da luta pelo Direito à Cidade;
Visibilizar as lutas pelo Direito à Moradia,
04 por justiça tributária, contra remoções de
famílias e ameaças às ZEIS, dando continuidade ao trabalho iniciado em 2017.
18
Novo Plano Diretor do Recife Cartilha do Processo de Revisão
Iniciamos 2018 acompanhando as reuniões do Conselho da Cidade do Recife em que foi definida a metodologia para revisão do Plano Diretor do Recife. O Conselho da Cidade, apesar de ser um órgão de controle social formalmente paritário, possui na sua organização interna um alinhamento entre as representações do Poder Público e do mercado imobiliário em seus posicionamentos, garantindo assim que as propostas apresentadas pelo executivo sejam aprovadas com facilidade. Tendo sido aprovado, portanto, o início oficial do processo participativo da revisão do Plano Diretor para meados de julho de 2018 com duração de apenas 4 meses. Ao tentar correr atrás do tempo perdido, a Prefeitura comprometeu a ampla participação popular, necessária para esse rito, com metodologias pouco acessíveis e um calendário frenético, num prazo agoniado demais para revisão de uma legislação de tamanha importância.
Durante o processo participativo promovido pelo executivo:
01
02
03
Denunciamos a forma como a gestão conduziu a primeira etapa de revisão do Plano Diretor sem garantir participação popular e apresentamos junto ao Instituto Pelópidas Silveira, críticas e propostas para condução do processo;
Estivemos presentes fiscalizando e participando de todos os espaços presenciais e digitais de participação oferecidos pela Prefeitura em todas as etapas do processo de Revisão do Plano Diretor, inclusive com o acompanhamento das reuniões do Conselho da Cidade;
Dialogamos com os movimentos sociais, através da Articulação Recife de Luta e fortalecemos grupos da sociedade, de Passarinho, do Ibura, Bode e pessoas com deficiência sobre a importância de participar e os focos de incidência na revisão do Plano Diretor;
04
05
06
Fiscalizamos a acessibilidade comunicacional na publicidade da Prefeitura, com análise das peças; requerimento ao Prefeito para garantir acessibilidade nas campanhas; e denúncia de falta de acessibilidade na divulgação da Revisão do Plano Diretor.
Para aumentar a visibilidade sobre o processo realizamos diversas falas públicas e na Tribuna cobrando melhores condições de participação popular; análise das plataformas digitais de conteúdo; realização de Audiência Pública no dia 21 de novembro de 2018; e publicização de textos e vídeos, através das editorias “#MaisParticipaçãoÉPossível” e “10 Anos em 4 meses? Nem se discute!”.
Fiscalizamos também a acessibilidade nas escutas públicas e nos materiais sobre a Revisão do Plano Diretor, cobrando ausência de barreiras arquitetônicas, comunicacionais e atitudinais; denunciando através de vídeo a não inclusão das pessoas com deficiência; garantindo parte dos documentos disponibilizados em Braille
07 Fortalecemos a participação de grupos na Revisão do Plano Diretor, com realização de oficinas com pescadores e pescadoras do Pina; moradoras e moradores de Três Carneiros Alto; integrantes do Espaço Mulher Passarinho; e pessoas com deficiência, dos segmentos de pessoas surdas e cegas, esta última com o uso de mapas táteis elaborados pelo mandato.
caderno 1 Descascando esse abacaxi: o registro histórico
19
Ao tentar correr atrás do tempo perdido, a Prefeitura comprometeu a ampla participação popular, necessária para esse rito, com metodologias pouco acessíveis e um calendário frenético, num prazo agoniado demais para revisão de uma legislação de tamanha importância. Fomos o único mandato legislativo municipal que acompanhou, cobriu e buscou dar ampla visibilidade a todas as etapas do processo de revisão do Plano Diretor da cidade. No apagar das luzes de 2018, nas vésperas do recesso parlamentar, o poder executivo municipal protocolou o PLE 28/2018 na Câmara Municipal do Recife, dando início ao trâmite do processo legislativo.
20
Novo Plano Diretor do Recife Cartilha do Processo de Revisão
2,2 NA TRAMITAÇÃO NA CÂMARA Assim, no decorrer do ano de 2019, dando seguimento ao trabalho que já vinha sendo realizado:
01 IMAGEM 1.09 Audiência Pública da revisão do Plano Diretor do Recife na Câmara de Vereadores. Foto: Beto Figueiroa
IMAGEM 1.10 Bairro da Várzea. Foto: Beto Figueiroa
Compomos a Comissão Legislativa Especial de Revisão Plano Diretor e
incidimos para que houvesse escuta ampla e diversa. Como resultado, garantimos representatividade da academia e dos movimentos sociais nas reuniões de trabalho e nas 6 Audiências Públicas promovidas pela comissão sobre: Política Urbana e Ordenamento Territorial; sobre os instrumentos urbanísticos; sobre Desenvolvimento Sustentável, Meio Ambiente e Saneamento; sobre acessibilidade e mobilidade; sobre políticas setoriais; sobre planejamento, gestão e informação; além de reuniões específicas com a Articulação Recife de Luta; e com o Fórum do PREZEIS.
02
caderno 1 Descascando esse abacaxi: o registro histórico
Realizamos duas oficinas sobre “Emendas ao Plano Diretor do Recife”, para qualificar a incidência comunitária no processo de revisão do plano, junto com o Grupo do Plano Diretor, Comitê Popular da Várzea, Salve o Casarão da Várzea e o Núcleo de Educação Integral e Ações Afirmativas (UFPE), resultando em emenda de ampliação da área de preservação histórica e maior restrição à verticalização e adensamento no Bairro.
21
IMAGEM 1.11 Modelagem de empreendimentos para a Zona Especial e Centralidade (ZEC) de Casa Amarela. Fonte: Identidades do Recife.
03 Recebemos sugestões de emendas ao
Plano Diretor de organizações da sociedade civil como a Ameciclo, o INCITI, o PREZEIS, Movimento Caranguejo Tabaiares Resiste e da Comunidade do Pilar e auxiliamos o Coletivo da Várzea e o Movimento Menos Torres na Torre na elaboração de emendas, resultando no protocolo de 57 emendas oriundas da sociedade civil.
04
Realizamos estudo técnico das propostas contidas no Projeto de Lei do Plano Diretor (PLE 28/2018), com a realização de modelagens de parâmetros urbanísticos com o fim de permitir a visualização dos impactos da proposta por toda a sociedade e realizamos a reunião pública “Identidades do Recife: estudos e modelagens de parâmetros urbanísticos para as emendas ao Plano Diretor do Recife” ”no dia 30 de outubro de 2019;
IMAGEM 1.12 ZEIS Caranguejo Tabaiares. Foto: Beto Figueiroa
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Novo Plano Diretor do Recife Cartilha do Processo de Revisão
IMAGEM 1.13 Oficina do Plano Diretor.
05
Foto: Beto Figueiroa
Ainda em 2019 demos início a análise das 503 emendas apresentadas por todos os(as) vereadores(as) e participamos da primeira reunião da Comissão Especial do Plano Diretor em que começou a discussão do parecer do relator, com a votação de 49 emendas.
Ainda em 2019 demos início a análise das 503 emendas apresentadas por todos os(as) vereadores(as) e participamos da primeira reunião da Comissão Especial do Plano Diretor em que começou a discussão do parecer do relator, com a votação de 49 emendas. Portanto, 2020 começou com um passivo de 454 emendas para serem analisadas e discutidas pela comissão, que foram discutidas em um total de 9 reuniões. Três que aconteceram presencialmente antes da pandemia em que foram analisadas um total de 101 emendas. Uma realizada já virtualmente durante o período da quarentena em que foram analisadas 46 emendas. E cinco realizadas no período de uma semana, no mês de dezembro, com reuniões que chegaram a durar até 6 horas ininterruptas, onde foram votadas mais de 300 emendas a toque de caixa. A primeira votação do PLE 28/2018 em plenário aconteceu no dia 17 de dezembro de 2020, um dia após a última reunião da Comissão Especial. A segunda, aconteceu já no período do recesso parlamentar, no dia 21 de dezembro. As duas reuniões foram chamadas de forma extraordinária, no apagar das luzes da legislatura, em meio à pandemia e longe da sociedade. caderno 1 Descascando esse abacaxi: o registro histórico
23
Destacamos a seguir um trecho da nota emitida pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), pois ela é ilustrativa de como se deu os momentos finais do processo de análise apressado feito pela comissão, no período pós eleição e no apagar das luzes da gestão de Geraldo Júlio em dezembro de 2020.
Representantes do IAB/PE estiveram presentes na Casa José Mariano na sessão da sexta-feira (11/12/20) e puderam presenciar uma discussão apressada, tendo como pauta temas complexos como a fórmula de cálculo da Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC). Na ocasião da reunião, os vereadores mencionaram a possibilidade de “virar a noite” para vencer a análise dos blocos de emendas, tratando, assim, temáticas extremamente técnicas como questões de simples resolução. (IAB-PE, 2020)
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Às vésperas do final de um ano repleto de adversidades, o Plano Diretor do Recife está sendo votado na Câmara de Vereadores, a toque de caixa. Não bastasse o processo de revisão questionável amplamente criticado pela Articulação Recife de Luta desde 2018, as reuniões da Comissão Especial do Plano Diretor acontecem em sala fechada contando com a presença de poucos representantes da sociedade civil, vereadores e assessores. Os encontros acontecem quando a pandemia do novo coronavírus atinge o seu pico em todo o Brasil, totalizando 181.460 mortes confirmadas e 6.903.833 casos confirmados no país (G1, 2020).
Como resultado, um novo Plano Diretor sem identidade com a cidade e com as pessoas, a serviço do mercado imobiliário, que tende a aprofundar as desigualdades em nossa cidade, a ser violador do direito à cidade da população em situação de maior vulnerabilidade, distante de agendas globais como a proteção e a preservação ambiental.
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Novo Plano Diretor do Recife Cartilha do Processo de Revisão
Foto: Beto Figueiroa
lista de imagens
IMAGEM 1.01: Interveção/protesto da Articulação Recife de Luta na Conferência do Plano Diretor. p. 10 IMAGEM 1.02: Conferência do Plano Diretor com clima conturbado e repressão da polícia diate da manifestação da Articulação Recife de Luta. p. 11 IMAGEM 1.03: Linha do tempo do ano de 2018. p. 12 IMAGEM 1.04: Interveção/protesto “Plano Diretor não é kisuco”. p. 13 IMAGEM 1.05: Linha do tempo do ano de 2019. p. 14 IMAGEM 1.06: Composição partidária da Câmara de Vereadores no quadriênio 2017/2020. p. 15 IMAGEM 1.07: Linha do tempo do ano de 2020. p. 15 IMAGEM 1.08: Audiência Pública da revisão do Plano Diretor do Recife na Câmara de Vereadores. p. 16-17 IMAGEM 1.09: Audiência Pública da revisão do Plano Diretor do Recife na Câmara de Vereadores. p. 21 IMAGEM 1.10: Bairro da Várzea. p. 21 IMAGEM 1.11: Modelagem de empreendimentos para a Zona Especial e Centralidade (ZEC) de Casa Amarela. p. 22 IMAGEM 1.12: ZEIS Caranguejo Tabaiares. p. 22 IMAGEM 1.13: Oficina do Plano Diretor. p. 23
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bibliografia
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