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EXPEDIENTE COORDENAÇÃO DA PESQUISA
TEXTO
Bruno Fonseca (arquiteto e urbanista e mestrando
Alice Bezerra de Mello Moura
em sociologia pela UFPE - CAUS)
Bruno Fonseca
Luan Melo (arquiteto e urbanista - CPDH e CAUS)
Luan Melo Luana Varejão
COORDENAÇÃO DA PESQUISA DE CAMPO
Renan Castro
Alexsandro José da Silva Bruno Fonseca
MAPAS E GRÁFICOS
Denilson Lopes de Lima
Bruno Fonseca
Israel Martins da Cruz
Luan Melo
Luan Melo DESIGNER PESQUISADORES DE CAMPO
Otávio Rêgo
Marcos Kaiky Alves Carlos da Silva
FOTOS
Izabella Galera
Roberto Figueiroa
Maria Eduarda Alves Israel Úça Manoel Aleixo Batista Neto Yasmim Alves
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APRESENTAÇÃO Um dos cenários mais cruéis de imaginar desde o início da pandemia é a condição das pessoas que não tem casa ou vivem em condição precária, muitas vezes dividindo um único cômodo, sem ventilação, entre dez pessoas. Conviver com essas ideias já produzia enormes angústias, mas (mesmo não podendo se dizer “mas”) durante um período da pandemia existiu uma “ética” em que fingia-se que a tragédia coletiva que estamos vivenciando era suficiente. As pessoas demonstraram um pouco mais de compaixão com o outro. Campanhas de distribuição de comida e material de higiene se intensificaram, o governo “reconheceu” a necessidade do auxílio emergencial, alguns estados e municípios se esforçaram para encontrar soluções de garantir o isolamento social de profissionais de saúde e pessoas dos grupos de risco. Nesse período, se dizia que um dos maiores medos era atravessar a pandemia sem ter verdadeiramente aprendido o sentido de solidariedade. Voltar aquele mesmo lugar de desesperança do projeto neoliberalista que determina não apenas a economia, mas também os afetos. Ai chegamos nessa “segunda onda”, muito pior e mais terrível do que a primeira, e o que vemos é que estamos anestesiados. A notícia de 4000 mortes no Brasil em um dia não nos impacta tanto quanto a notícia de 600 mortes na Itália em março de 2020. A “ética” de que a pandemia e da falta de comida em milhares de lares já eram desastres suficientes para o povo ter que lidar, também desapareceu. Hoje, quando a gente vive o momento mais aterrorizante desses tempos, não param de surgir notícias de despejos. É
o caso de mais de 200 famílias da Comunidade da Linha, que inclui as CIS Santa Francisca e Paz e Amor/Beco do Michellon, localizada no Ibura de Baixo. Após serem informadas de uma ordem de despejo que inicialmente estava para ser executada no dia 02 de março, as famílias se mobilizaram, protestaram, se fizeram ouvidas e constituíram uma rede de apoio formada por movimentos sociais, organizações da sociedade civil e mandatos parlamentares que possibilitaram a realização de uma pesquisa socioeconômica na comunidade, com o objetivo de humanizar, dando cor, voz e história às pessoas que estão para terem o seu direito à moradia e a dignidade violados. Pesquisa importante que não foi feita nem pelos interessados no despejo ou pelos poderes públicos que possuem responsabilidades sobre os seus cidadãos. Quantas pessoas vivem ali e por quanto tempo? Quem são essas pessoas que há muitos anos constroem suas vidas naquela comunidade? A Prefeitura, o Governo do Estado e a União, que possuem obrigação de oferecer acolhimento, segurança e moradia para todas essas pessoas, vem se omitindo das suas obrigações. Mas a Comunidade da Linha, o Sítio Santa Francisca e a Paz e Amor continuam resistindo. Despejo na pandemia é crime. Se o mundo inteiro repete a importância de ficar em casa, como é que mais de 200 famílias estão correndo o risco de ficar sem seus lares? Enquanto o projeto necropolítico seguir à todo vapor, a luta por direitos e a organização coletiva será sempre um serviço essencial!
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SUMÁRIO INTRODUÇÃO 7
2.1.10 Situação da Moradia 38 2.1.11 Alguém da casa possui outro imóvel?
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1. CAPÍTULO 1 9
2.1.12 Renda Familiar 41
1.1 O conflito fundiário na Comunidade da Linha
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2.1.13 A casa possui uma (ou mais) mãe solo?
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1.2 Desdobramentos Jurídicos 15
2.1.14 Alguém na Casa chegou a ter Coronavírus?
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2.1.15 Renda e Pandemia 51 2. CAPÍTULO 2 20 2.1 Análises espaciais e socioeconômicas
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3.METODOLOGIA 53
2.1.1 População total distribuída por faixa etária
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3.1 Coleta de dados 54
2.1.2 Gênero da(o) responsável 28
3.2 Sistematização dos dados 58
2.1.3 Estado Civil da(o) Responsável 29 2.1.4 Cor da(o) Responsável 30
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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2.1.5 Escolaridade da(o) Responsável 32 2.1.6 Relação de trabalho da(o) Responsável
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2.1.7 Trabalha fora de Santa Francisca?
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2.1.8 Das(os) que trabalham em Santa Francisca
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2.1.9 Modal de transporte da(o) responsável
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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 63
(casa-trabalho)
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INTRODUÇÃO O presente relatório apresenta os processo e resultados de uma pesquisa social, e visa dimensionar os impactos socioespaciais de remoções forçadas na Comunidade da Linha, Zona Sul do Recife, que passa por um conflito urbano fundiário com a empresa Transnordestina Logística , em torno do adensamento habitacional nas faixas de domínio de uma conexão férrea que corta o território. Soma-se a esse cenário de violação de direitos, o contexto de pandemia que desde 2020 agrava ainda mais a vulnerabilização de assentamentos populares. O drama vivido pelas famílias da Comunidade da Linha é o mesmo de quinze milhões de pessoas que são removidas involuntariamente de suas casas a cada ano por causa de projetos de desenvolvimento urbano no mundo (IDMC, 2017). Podemos classificar pelo menos três causas de remoção forçada: conflitos armados, catástrofes ambientais e projetos de desenvolvimento. Remoções forçadas são frequentemente acompanhadas de várias outras violações aos direitos humanos e já foram objeto de inúmeras recomendações 6
das Nações Unidas. Os impactos estão ligados a várias consequências, como por exemplo, perda de empregos, marginalização, insegurança alimentar, perda de acesso aos recursos da comunidade e desintegração da comunidade (CERNEA, 1998). Além disso, o deslocamento forçado afeta principalmente as populações que já se encontram em condição de vulnerabilidade social, como é o caso da Comunidade da Linha. Distante 12 km do centro do Recife, a zona alvo de possíveis remoções forçadas, por conta do conflito fundiário, tem cerca de trinta anos e desenvolveu-se em áreas paralelas à linha férrea que faz a ligação entre o eixo Sul do metrô do Recife e a estação Werneck na linha Centro, no segmento que corta o bairro do Ibura de Baixo, entre o Aeroporto Internacional dos Guararapes e a avenida Dom Hélder Câmara. A Comunidade da Linha é formada pelo encontro de duas Comunidades de Interesse Social, nos termos atribuídos pelo Atlas de Infraestrutura e Comunidades de Interesse Social do Recife (SANEAR, 2014), que apontam uma população de 1.758 habitantes, distribuídos em 11 ha.
1 A Transnordestina Logística S/A é uma empresa privada do Grupo CSN, que está construindo uma ferrovia (...) com 1.753 km de extensão que será uma opção logística integrada para atender a região Nordeste do Brasil, com foco no agronegócio e na indústria mineral. A malha da Transnordestina vai interligar Eliseu Martins, no sertão do Piauí, aos portos de Pecém, no Ceará, e Suape, em Pernambuco. (informações obtidas no perfil da transnordestina no Linkedin, acessado em 18/04/2021).
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Considerando as diversas interpretações judiciais, sobre a distância em metros de linhas paralelas ao trilho do trem, marcadoras da zona de remoções, o presente escrito busca através de um levantamento em campo traçar um perfil socioeconômico dos diretamente atingidos entre o total de habitantes na área, a luz do debate em torno do direito à moradia. No Brasil, a constituição de 1988 (artigo 21) não apenas garante a moradia como direito, mas identifica o governo federal como responsável pelo desenvolvimento urbano, que inclui moradia, saneamento e transporte urbano. O artigo 23, inciso 9, da CF, estabelece que os governos federal, estadual e municipal têm competência complementar para promover a construção de moradias. Somado a isso, o país é signatário do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas (ONU), que reconhece o direito à moradia como um direito fundamental. Vale ressaltar que no contexto em que as remoções na Comunidade da Linha estão colocadas, vivemos o advento da pandemia de Covid-19 que o mundo enfrenta desde 2020. Vários estudos já mostraram que as violações de direitos e as dinâmicas de exclusão
social intensificam-se durante a atual crise de saúde (VILENICA et al., 2020; WOLFF et al., 2020). A pandemia coloca em evidência a exclusão do acesso de diversos sujeitos aos seus direitos fundamentais, agravando o desemprego, o acesso à saúde pública e exacerbando o racismo estrutural da sociedade brasileira. No que concerne à estrutura deste relatório, no capítulo 1 trazemos uma leitura detalhada da comunidade com foco no conflito fundiário. Em seguida, apresentaremos os desdobramentos jurídicos, aprofundando quais legislações são relevantes para o presente caso. Ao longo do capítulo 2, serão expostos os resultados do levantamento da pesquisa de campo. Neste capítulo, descreveremos a análise espacial e socioeconômica da população, destrinchando as categorias que foram pesquisadas e sua relevância na compreensão da situação social da comunidade. Continuamos com a metodologia, onde apresentaremos os percursos e os métodos utilizados no levantamento dos dados, assim como no tratamento e na análise exploratória destes. Por fim, discorremos sobre as considerações finais deste documento.
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1.1. O CONFLITO FUNDIÁRIO NA COMUNIDADE DA LINHA Em dezembro de 2019 o mundo assistia aos primeiros relatos acerca da epidemia do coronavírus. Três meses mais tarde, o surto é elevado ao status de pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Um ano depois, apesar da esperança com o desenvolvimento de vacinas eficazes no combate à doença, o Brasil bateu a marca de 4.249 óbitos por COVID-19 em 24 horas, no dia 08 de abril de 2021. Com a desarticulação e ausência de coordenação entre os entes federativos e consequente ritmo lento na estratégia de vacinação da população, as medidas mais efetivas para o controle da pandemia continuam sendo o cuidado redobrado com a higiene pessoal e o distanciamento social, porém, “ficar em casa”, como recomendam as autoridades sanitárias, não é uma possibilidade para muitas famílias. Dados publicados pela Fundação João Pinheiro (2020) demonstram um déficit de 3.035 milhões de domicílios no Brasil, e que em 2019 aproximadamente 4 milhões com abastecimento não regular de água e mais de 6 milhões sem regularidade na coleta de esgoto. Diante disso, cabe a seguinte questão: como a população mais pobre poderá seguir as recomendações? Somase a esse cenário a questão da insegurança na posse da terra, já que a maioria dos assentamentos populares não apresenta a regularização fundiária. Assim como, a não inserção de parcelas
vultosas da população brasileira ao mercado formal da habitação, apresenta como recorrente desdobramento a formação de assentamentos populares em terras localizadas geralmente nas áreas de risco, como encostas, alagados e áreas próximas a terrenos onde são desenvolvidas atividades de impacto. Terrenos estes que podem ser privados ou públicos, como é o caso da Comunidade da Linha que como alternativa habitacional, diante do não acesso à terra urbanizada, avançou sobre as áreas de domínio da conexão férrea que transpassa o território, área essa reivindicada pela empresa Transnordestina Logística. Situado a 12 km do centro do Recife, a zona alvo de possíveis remoções forçadas, é formada por duas Comunidades de Interesse Social (CIS)6, conforme caracterizado no banco de dados contido no Atlas de Infraestrutura e Comunidades de Interesse Social do Recife (SANEAR, 2014), sendo essas a CIS Sítio Santa Francisca e a CIS Paz e Amor / Beco Michelon. O Atlas nos revela ainda uma população estimada de 1.206 pessoas para a CIS Sítio Santa Francisca, distribuida numa área de 6,9 ha e 552 pessoas na CIS Paz e Amor / Beco Michelon, distribuida numa área de 4,1 ha. 2 A Transnordestina Logística S/A é uma empresa privada do Grupo CSN, que está construindo uma ferrovia (...) com 1.753 km de extensão que será uma opção logística integrada para atender a região Nordeste do Brasil, com foco no agronegócio e na indústria mineral. A malha da Transnordestina vai interligar Eliseu Martins, no sertão do Piauí, aos portos de Pecém, no Ceará, e Suape, em Pernambuco. (informações obtidas no perfil da transnordestina no Linkedin, acessado em 18/04/2021).
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Somando as áreas das duas CIS teriamo 11ha para 1.758 habitantes estimados em 2014, resultando numa densidade de 6,25 hab/km2. As referidas comunidades desenvolveram-se em áreas paralelas à linha férrea que faz a ligação entre o eixo Sul do metrô do Recife e a estação Werneck na linha Centro, no trecho que corta o bairro do Ibura de Baixo, entre o Aeroporto Internacional dos Guararapes e a avenida Dom Hélder Câmara (VER FIGURA 01 e 02).
FIGURA 01 - Mapa de Localização da Comunidade da Linha no Município do Recife. Fonte:Elaboração dos autores.
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FIGURA 02 - Mapa de Localização da Comunidade da Linha. Fonte: Elaboração dos autores.
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Numa consulta retrospectiva a representações gráficas da área, realizada no acervo da FIDEM3, podemos perceber na ortofotocarta de 1975, os aspectos da área ainda antes da ampliação da pista do Aeroporto do Recife. Pelo caráter estratégico, para diversos modais de mobilidade como a própria atividade aeroportuária e também a atividade ferroviária, a área passou por muitas transformações, com a adição de infraestruturas de suporte, como a ampliação da pista do aeroporto e mudanças no traçado da conexão ferroviária. É o que pode ser observado na ortofotocarta de 1986, também extraída do acervo da FIDEM3 (ver figura 03). 3 Segundo o portal https://www.lai.pe.gov.br/condepefidem/ acessado em 18/04/2021, “A agência Estadual de Planejamento e Pesquisas de Pernambuco CONDEPE/FIDEM é uma Autarquia da Administração Indireta do
FIGURAS 03 - Ortofotocartas da área de 1975 e 1986 respectivamente. | Fonte: Acervo FIDEM
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Além disso é possível observar a partir do banco de dados do já citado Atlas de Infraestrutura e Comunidades de Interesse Social do Recife (SANEAR, 2014), o movimento de permanências e mudanças na área a partir de 1988, com base no Cadastro de Assentamentos Pobres (1988), no qual pode-se verificar a existência de uma comunidade na área hoje correspondente a parte ampliada da pista do Aeroporto Internacional dos Guararapes, ao sul da linha férrea, conhecida na época como “Nova Floresta / Vila do IAA”. Segundo relatos dos moradores, em 1990, na ocasião de outra reforma do aeroporto, a linha férrea que transpassava a borda da comunidade foi transferida para a área onde se localiza hoje o sítio, dividindo-a quase ao meio. Ainda com base no relato de moradores, em 1994, houve uma ampliação do número de famílias na área, quando um “posseiro” loteou e vendeu parte das terras. Já em 1998, ao norte da linha férrea, uma grande comunidade também conhecida como “Nova Floresta / Vila do IAA”, se formou após remoção da antiga comunidade para a ampliação da pista do Aeroporto e do loteamento informal. Por último, o Atlas nos mostra a situação dos assentamentos populares em 2011, quando, na ocasião da atualização do mapeamento de áreas pobres do Recife, a parte ao sul da linha férrea e um fragmento ao norte às margens da avenida Recife foram classificadas como áreas pobres. (ver figura 04).
FIGURA 04 - Sobreposição dos assentamentos populares nos anos de 1988, 1998 e 2011, sobre a área das atuais CIS Sítio Santa francisca e Paz e Amor / Beco Michelon em destaque ao centro. Fonte: Banco de dados do Atlas de Infraestrutura e Comunidades de Interesse Social do Recife (SANEAR, 2014).
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1.2. DESDOBRAMENTOS JURÍDICOS Como mencionado anteriormente, desde 2011 parte dessa população trava uma batalha judicial com a empresa Transnordestina Logística S.A e atualmente vivencia o terror de ver a primeira reintegração de posse sendo executada, pois está em curso uma ordem de despejo determinando a remoção de 20 casas no dia 04 de maio de 2021 na comunidade Sítio Santa Francisca. O processo de no 0011311-55.2011.4.05.8300 encontra-se na fase de execução de sentença e tramita na 5o Vara Federal da capital. A decisão que estava prevista para ser executada inicialmente no dia 02/03/2020 foi adiada após pedido formulado pela Transnordestina de prorrogação de 90 dias no prazo, com o objetivo de preparar a infraestrutura necessária para as demolições. Contudo, a Excelentíssima Juíza da 5a Vara Federal concedeu apenas 60 dias de adiamento, determinando o dia 04/05/2020 como a nova data da reintegração de posse, desconsiderando os apelos formulados pela Defensoria Pública da União, pela Campanha Despejo Zero6 e pelo Ministério Público Federal pela suspensão do despejo enquanto perdurar a pandemia. É importante registrar ainda que existem pelo menos outros 5 processos judiciais tramitando na Justiça Federal que versam sobre ações de reintegração de posse de outros imóveis localizados na comunidade. Cada um deles em fases e com decisões de teores diferentes. Como pode ser visto na tabela ao lado: 6 Segundo o portal https://www.campanhadespejozero.org/quem-somos acessado em 20/04/2021, a CAMPANHA DESPEJO ZERO é uma ação nacional, com apoio internacional, que visa a suspensão dos despejos ou remoções, sejam elas fruto da iniciativa privada ou pública, respaldada em decisão judicial ou administrativa, que tenha como finalidade desabrigar famílias e comunidades, urbanas ou rurais, no contexto da pandemia do novo coronavírus.
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A fragmentação do conflito em diversos processos, como foi feito pela Transnordestina, enfraquece a defesa e a visão global do dano que virá a ser provocado com a reintegração de posse. Uma vez que os juízes deixam de conhecer a abrangência total do conflito, passando a decidir sobre pequenas parcelas de pessoas. Além disso, ainda provoca grave insegurança jurídica uma vez que decisões conflitantes foram dadas para a mesma situação. As decisões se baseiam em dispositivos legais e entendimentos jurisprudenciais diferentes que ora prevalecese a dignidade da pessoa humana e o direito à moradia, ora o direito à propriedade pública, mesmo sem apresentação de projeto pela Transnordestina para a área. Destacamos aqui trecho da decisão no processo no. 0011314-10.2011.4.05.8300, no qual o Magistrado reconhece que a falta de projeto para a área inviabiliza a necessidade de despejo das famílias: EMENTA: REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONSTRUÇÃO ÀS MARGENS DE FERROVIA. ÁREA NÃO EDIFICÁVEL. IBURA DE BAIXO. RECIFE-PE. TRÂNSITO DE TREM DESATIVADO E AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE REATIVAÇÃO. DIREITO À MORADIA E À DIGNIDADE HUMANA. AUSÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO A JUSTIFICAR A LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA IMPOSTA. PONDERAÇÃO DE DIREITOS E INTERESSES. “A situação posta nos autos é bastante peculiar. Observase que, de acordo com o laudo pericial constante dos autos,
os imóveis foram construídos há anos às margens da malha ferroviária, o que demonstra o abandono da área há muito consolidado, resultado do sucateamento da malha ferroviária. A construção está parcialmente dentro da área non edificandi não havendo indícios nem perspectiva de reativação da linha férrea. 3. Diante das especificidades do caso, constata-se que estão em análise de um lado o interesse público da limitação administrativa e, de outro, o direito à moradia de famílias que construíram seus imóveis na área há décadas. Como no caso está se tratando de área às margens de ferrovia que está inativa há anos e não existe indícios de reativação, entendese que o direito à dignidade da pessoa humana e o direito à moradia das famílias ali instaladas deve prevalecer, enquanto não aparecer fato novo. 4. Apelação a que dá provimento.A C Ó R D Ã O Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5a Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes nos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Recife, 14 de abril de 2016.Desembargador Federal MANUEL MAIA RELATOR CONVOCADO” (TRF5 - Apelação: 1100655 PE - PERNAMBUCO 0011314-10.2011.4.05.8300, Relator: DES. MANUEL MAIA, Data de Julgamento: 14/04/2016, Primeira Turma) Por outro lado, há também flagrante indefinição do judiciário acerca da faixa de terra a ser desocupada pelas famílias.
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Para o caso, é aplicável a norma prevista no art. 4o, inc. III-A, da Lei no. 6.766/79 (alterado pela lei 13.913/2019, quanto à obrigatoriedade da faixa de segurança de 15m (quinze metros). Diz o dispositivo: “Art.4o............................................................................. III-A. – ao longo das águas correntes e dormentes e da faixa de domínio das ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não edificável de, no mínimo, 15 (quinze) metros de cada lado;.” Veja-se que o Decreto no 2.089/63, determinou que a faixa de domínio correspondesse a 6m (seis metros). Esse decreto foi revogado pelo Decreto no 90.959, de 14/02/1985, que aprovou o Regulamento dos Transportes ferroviários, o qual era omisso quanto à extensão da faixa de domínio das ferrovias. A omissão persistiu no Decreto no 1.832, de 04/03/1996, que, revogando o Decreto no 90.959/85, aprovou novo Regulamento dos Transportes Ferroviários, ainda em vigor. Com a edição do Decreto no 7.929/2013, a faixa non aedificandi da linha férrea foi firmada em 15 (quinze) metros de cada lado do eixo da linha férrea, sem prejuízo de que tal área fosse ampliada em virtude da existência de projeto de desapropriação ou de implantação da respectiva ferrovia.
Portanto, a faixa de domínio (art. 9 o , § 2 o do Decreto 2.089/63) é terreno considerado público, com extensão mínima de 6m (seis metros), que não requer registro. Já a área não edificável (art. 4 , inciso III, da Lei 6.766/79) é terreno não necessariamente público (pode ser de propriedade do particular) e começa a contar da linha férrea. Porém, há variação no entendimento acerca da legislação aplicável por parte da Justiça Federal da 5a Região, que por vezes também entende que basta livrar de ocupação a faixa de domínio (06 metros), como é o caso da decisão proferida nos autos do processo no. 0011313-25.2011.4.05.8300. Vejamos: III - DISPOSITIVO: ISTO POSTO, julgo procedente o pedido , extinguindo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inciso I do CPC, para assegurar à autora a reintegração de posse da área especificada na inicial apenas na parte que corresponde à faixa de domínio da linha férrea (Ramal Edgar Werneck, entre a Av. Dom Hélder Câmara e o muro do Aeroporto Internacional dos Guararapes) e a consequente demolição das construções ali erguidas” (ARA CARITA MUNIZ DA SILVA - Magistrada)
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Assim, a fragmentação do conflito em âmbito jurídico cria insegurança jurídica e desprestigia uma resolução estruturante para as famílias que ali habitam (ver figuras 05 e 06).
FIGURA 05 - Mapa com espacialização dos cenários contidos nos autos. Fonte: Base Google Earth Pro, 2020. Elaboração, os autores.
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FIGURA 06 - Perfil esquemático com espacialização dos cenários contidos nos autos. | Fonte: Elaboração, os autores.
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2.1. ANÁLISES ESPACIAIS E SOCIOECONÔMICAS A área delimitada para o levantamento em campo corresponde às faixas paralelas à linha férrea, considerando as distâncias de 6m, 15m e 21m em relação ao trilho do trem (VER FIGURAS 16, 17 e 18) de ambos os lados, assim como, foi adotado também como limite a avenida Dom Hélder Câmara e a lateral do muro do Aeroporto. Cabe destacar que a pesquisa identificou 267 edificações incluídas no cenário dos 21 metros. Como a condição para aplicação do questionário é da edificação apresentar o uso habitacional, as edificações identificadas como apenas comércio, tendo esta um total de 12 edificações, e serviço com um total de 5, foram descartadas pelo caráter condicional da pesquisa. Cabe ainda ressaltar que do total das 267 edificações levantadas em campo, 19 constam como imóveis desocupados, enquanto 6 casas tiveram algum dos de seus moradores se negando a responder os questionários; e por fim, 13 edificações não puderam ter seu usos identificados devido a ausência do responsável , mesmo com a equipe de campo visitando a casa diversas vez ao longo do período.
No primeiro cenário dos 6 metros, a pesquisa contabilizou um total de 542 pessoas residentes (VER FIGURAS 07); enquanto no cenário de remoção contendo o buffer dos 15 metros, o número total de pessoas subiu para 662 residentes (VER FIGURAS 08); e por fim, diante do cenário mais abrangente, sendo 21 metros paralelos aos trilhos externos da ferrovia, o número total de residentes é de 734 pessoas (VER FIGURAS 09). Assim sendo, cabe destacar que o número total de pessoas ameaçadas de despejos hoje, quando comparados ao total de 1.758 residentes somados nas duas CISs em 2004 (SANEAR 2004), equivale a um percentual numérico de 41,7% do total de moradores das duas CIS, CIS Santa Francisca e CIS Paz e Amor/Beco Michelon.
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FIGURA 07 - Pontos georreferenciados por unidade habitacional, a 6m de cada lado do trilho. Fonte: Elaboração, os autores.
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FIGURA 08 - Pontos georreferenciados por unidade habitacional, a 15m de cada lado do trilho. Fonte: Elaboração, os autores.
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FIGURA 09 - Pontos georreferenciados por unidade habitacional, a 21m de cada lado do trilho. Fonte: Elaboração, os autores.
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No que diz respeito ao número de habitações e seus usos de acordo com cada cenário da faixa de domínio, temos 210 habitações dentro do buffer dos 21 metros; 189 habitações nos 15 metros; e por fim 155 habitações no cenário com 6 metros. Os gráficos abaixo também demonstram os usos das habitações, variando entre “habitação”, “habitação e comércio” e “habitação e serviço” em cada cenário. (ver gráficos 01, 02 e 03).
GRÁFICOS 01, 02 e 03 - Gráficos de uso do imóvel, por faixas paralelas à linha férrea de 6m, 15m e 21m.
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2.1.1. POPULAÇÃO TOTAL DISTRIBUÍDA POR FAIXA ETÁRIA No que tange a população total segmentada por faixa etária, temos diante do cenário dos 6 metros um total de 542 pessoas, enquanto nos 15 metros o total somado é de 662 moradores, e por fim, a faixa de 21 metros corresponde a um total de 734 residentes. O gráficos ainda expõe em números e em percentuais numéricos a distribuição do total de acordo com cada faixa etária, como primeiríssima infância, de 0 a 3 anos completos; primeira infância, de 3 a 6 anos completos; criança, de 6 a 11 anos; adolescente, de 12 a 20 anos; jovens, de 21 a 30; adultos, de 31 a 59 anos; e idoso com 60 anos ou mais (ver gráficos 04, 05 e 06).
GRÁFICOS 04, 05 e 06 - Gráficos de população total por faixa etária, por faixas paralelas à linha férrea de 6m, 15m e 21m.
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2.1.2. GÊNERO DA(O) RESPONSÁVEL Cabe considerar as diversas camadas de vulnerabilidade social com as quais convivem diariamente essas famílias. Uma delas é a questão de gênero. Em 2018, 12,7 mulheres eram assassinadas por dia no Brasil - 70% delas mulheres negras. No mesmo ano, foram registrados mais de sessenta mil casos de estupro de mulheres (IPEA e FBSP, 2018). Além disso, estima-se que uma mulher morreu a cada 2 dias devido a complicações de abortos clandestinos (MS, 2018). Juntamente a isso, é imprescindível levarmos em conta o contexto da pandemia do Covid-19, que intensifica violações de direitos fundamentais. Os dados mostram que a violência contra as mulheres aumentou desde o início da pandemia (FBSP, 2020). Os assassinatos contra mulheres trans aumentaram 13% de março a maio de 2020 (O GLOBO, 2020). As mulheres também são as mais afetadas pela crise econômica provocada pela COVID-19 (ONU, 2020). Além disso, o número de óbitos de gestantes vítimas de COVID vêm crescendo exponencialmente no Brasil e tem sido tema de diversos estudos (TAKEMOTO et al., 2020). Os gráficos abaixo mostram que a maioria das moradoras são mulheres nos três cenários, sendo 63,1% da população no primeiro (6 metros), 66,0% no segundo (15 metros) e 66,5% no terceiro (21 metros) (ver gráficos 07, 08 e 09).
Homem
Homem
Mulher
Mulher
Homem
Mulher
GRÁFICOS 07, 08 e 09 - Gráficos gênero do responsável, por faixas paralelas à linha férrea de 6m, 15m e 21m.
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2.1.3. ESTADO CIVIL DA(O) RESPONSÁVEL Acerca do estado civil da responsável, a grande maioria das(os) entrevistadas(os) se declararam como solteira(o), tal resposta apresenta-se superior a 50% nos três cenários analisados pela pesquisa; casadas(os) figuram como a segunda maior frequência, com os três cenários apresentando valores numéricos percentuais entre 26,1% e 27,7% (ver gráficos 10, 11 e 12).
GRÁFICOS 10, 11 e 12 - Gráficos estado civil do responsável, por faixas paralelas à linha férrea de 6m, 15m e 21m.
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2.1.4. COR DA(O) RESPONSÁVEL Outro marcador fundamental para uma análise no contexto brasileiro é a questão racial. A importância do marcador social da raça hoje tem suas raízes na forma como se deu o fim da escravidão no Brasil. O país foi o último país a abolir a escravidão no mundo. É importante ressaltar que a abolição que ocorreu aqui foi uma abolição parcial porque as pessoas que foram submetidas à escravidão não tiveram a oportunidade de se integrar de forma justa na sociedade (SCHWARCZ E STARLING, 2015). Nenhuma possibilidade de educação, nem de acesso à moradia foi oferecida a esses sujeitos, perpetuando a exclusão social que as pessoas negras sofrem até hoje. Apesar do mito da democracia racial, propagado por muitas décadas durante a formação do país, sabemos que o racismo estrutural faz parte do cotidiano dessas famílias. Além disso, não podemos ignorar que a segregação espacial urbana na realidade é uma segregação racial, portanto, não é coincidência que somados pretas e pardas o percentual numérico seja superior a 80% do total da população na área ameaçada. Pelo contrário, a vivência de pretos e pardos em condições de vulnerabilidade segue um padrão genocida, frequentemente apoiado por uma política de Estado (PIRES e FLAUZINA, 2020). Recentemente, diversos estudos têm apontado para a relação entre remoções forçadas e a questão racial. Como é o caso do especialista Jaime Amparo Alves (2011; 2018), que afirma que certos corpos e territórios racializados recebem a preferência na distribuição das chances de vida e morte nas cidades brasileiras (ver gráficos 13, 14 e 15).
GRÁFICOS 13, 14 e 15 - Gráficos raça do responsável, por faixas paralelas à linha férrea de 6m, 15m e 21m.
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2.1.5. ESCOLARIDADE DA(O) RESPONSÁVEL No que tange a escolaridade da(o) responsável, podemos observar que diante das três possibilidades de remoção com os buffers de 6m, 15m e 21m, embora a resposta com a maior frequência seja a “médio completo”, por outro lado, quando somados as demais respostas, temos a conclusão que a grande maioria das(os) residentes não concluíram o ensino médio. Neste quesito também cabe evidenciar que mesmo no cenário mais abrangente - o de 21 metros - apenas 7 pessoas de um total de 212 acessaram o ensino superior, já que apenas 4 declararam que concluíram o “ensino superior”, enquanto 3 pessoas alegam possuírem o “ensino superior incompleto” (ver gráficos 16, 17 e 18).
GRÁFICOS 16, 17 e 18 - Gráficos escolaridade do responsável, por faixas paralelas à linha férrea de 6m, 15m e 21m.
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2.1.6. RELAÇÃO DE TRABALHO DA(O) RESPONSÁVEL No que diz respeito à relação de trabalho das(os) responsáveis pela habitação, podemos observar que em qualquer cenário de remoção as declaradas “desempregadas(os) no momento” somam a grande maioria, sendo seguido de “autônomo informal” e “bico” que aparece com a terceira maior frequência de respostas. Cabe também destacar que mesmo em um cenário de 21 metros, apenas 25 das 212 pessoas se apresentaram como trabalhadores formais com carteira de trabalho assinada, equivalente a aproximadamente 12% do total das relações de trabalho levantadas por essa pesquisa (ver gráficos 19, 20 e 21).
GRÁFICOS 19, 20 e 21 - Gráficos relação de trabalho do responsável, por faixas paralelas à linha férrea de 6m, 15m e 21m.
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2.1.7. TRABALHA FORA DE SANTA FRANCISCA? Acerca das trabalhadoras e trabalhadores que se declaram responsável pela habitação, em todos os cenários, temos aproximadamente 1⁄3 das relações de trabalho ocorrendo dentro da Comunidade da Linha, Sítio de Santa Francisca, ou seja, cerca de 1⁄3 do total de trabalhadoras(es) economicamente ativos da comunidade, não só mora, como também exerce suas atividades de trabalho dentro da própria comunidade (ver gráficos 22, 23 e 24).
GRÁFICOS 22, 23 e 24 - Gráficos dos responsáveis que trabalham fora da comunidade, por faixas paralelas à linha férrea de 6m, 15m e 21m.
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2.1.8. DAS(OS) QUE TRABALHAM EM SANTA FRANCISCA Das responsáveis que afirmaram trabalhar dentro de Santa Francisca, temos nos três cenários, pelo menos, 2/3 das trabalhadoras e trabalhadores exercendo suas atividades de trabalho dentro da própria moradia (ver gráficos 25, 26 e 27).
GRÁFICOS 25, 26 e 27 - Gráficos do local de trabalho dos responsáveis que trabalham dentro da comunidade, por faixas paralelas à linha férrea de 6m, 15m e 21m.
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2.1.9. MODAL DE TRANSPORTE DA(O) RESPONSÁVEL (CASA-TRABALHO) Acerca do modal de transporte das(os) responsáveis que declararam exercer atividades de trabalho fora da Comunidade da Linha, cabe destacar que nos três cenários, o transporte público, a utilização da bicicleta, e o deslocamento a pé, logram-se como meio de deslocamento mais comum no deslocamento casa-trabalho dos responsáveis pela habitação (ver gráficos 28, 29 e 30).
GRÁFICOS 28, 29 e 30 - Gráficos modal de trabalho do responsável no trajeto casa-trabalho, por faixas paralelas à linha férrea de 6m, 15m e 21m.
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2.1.10. SITUAÇÃO DA MORADIA A grande maioria dos entrevistados também declarou que os imóveis são próprios, nos três cenários das metragens de 6 m, 15 m e 21 m. Somadas, as categorias de “cedida ou emprestada” e “alugada” resultam em menos de 13% do total nos cenários levantados. (ver gráficos 31, 32 e 33).
GRÁFICOS 31, 32 e 33 - Gráficos da situação da moradia, por faixas paralelas à linha férrea de 6m, 15m e 21m.
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2.1.11. ALGUÉM DA CASA POSSUI OUTRO IMÓVEL? A pesquisa também buscou averiguar se os moradores da residência possuíam outros imóveis para além do visitado, para tanto, foi perguntado de alguém que reside no imóvel possuía um outro imóvel. Nos cenários das três metragens do buffer verificou-se que em todos os cenários, mais de 92,2% declararam que ninguém no imóvel possuía um outro imóvel. (ver gráficos 34, 35 e 36).
GRÁFICOS 34, 35 e 36 - Gráficos demonstrando se alguém na casa possui outro imóvel , por faixas paralelas à linha férrea de 6m, 15m e 21m.
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2.1.12. RENDA FAMILIAR Quanto a renda familiar das moradoras e moradores das áreas ameaçadas de despejo, podemos destacar que em todos os três cenários de possibilidades de remoção, a renda média das famílias gira entre R$ 934,00, no caso de 6 metros; e R$ 958,00 no cenário dos 21 metros de buffer dos trilhos externos da ferrovia. Ainda no que diz respeito a renda familiar, é importante ressaltar que em todos cenários 75% da população total apresenta uma renda familiar de até R$ 1.100 (ver gráficos do 37 ao 42).
GRÁFICO 37 - Gráficos de frequencia da renda familiar, por faixas paralelas à linha férrea de 6m.
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GRÁFICO 38 - Gráficos de categórico de intervalo de valor da renda familiar, por faixas paralelas à linha férrea de 6m.
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GRÁFICO 39 - Gráficos de frequencia da renda familiar, por faixas paralelas à linha férrea de 15m.
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GRÁFICO 40 - Gráficos de categórico de intervalo de valor da renda familiar, por faixas paralelas à linha férrea de 15m.
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GRÁFICO 41 - Gráficos de frequencia da renda familiar, por faixas paralelas à linha férrea de 21m.
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GRÁFICOS 42 - Gráficos de categórico de intervalo de valor da renda familiar, por faixas paralelas à linha férrea de 21m.
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2.1.13. A CASA POSSUI UMA (OU MAIS) MÃE SOLO? As “mães solo” caracteriza as mulheres que são as únicas ou as principais responsáveis pela criação das crianças. Como se sabe, a condição de “mãe solo” é hoje compreendida enquanto uma importante condição de vulnerabilidade social, visto que, em geral, as “mães solos” acabam não contando com o apoio necessário e, portanto, precariza ainda mais as condições de vida, resultando, muitas vezes, numa tripla jornada de trabalho destas mães. Na pesquisa realizada nas áreas ameaçadas de despejo, os entrevistadores perguntaram se havia uma ou mais mulheres que se encontravam na condição de mãe solo. O resultado desta presente pesquisa chama atenção devido ao alto percentual numérico diante nos três cenários de possibilidades - 6 metros, 15 metros e 21 metros - que se aproxima dos 30% do total. (ver gráficos 43, 44 e 45).
GRÁFICOS 43, 44 e 45 - Gráficos demonstrando o número de mães solo na casa , por faixas paralelas à linha férrea de 6m, 15m e 21m.
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2.1.14. ALGUÉM NA CASA CHEGOU A TER CORONAVÍRUS? Quando perguntado a família se alguém dentro da residência chegou a ser contaminado pelo novo coronavírus, as respostas nos leva a concluir que pouco mais de 1⁄5 do total de casas chegou a ter, em algum momento desta pandemia, uma ou mais pessoas foi infectadas. (ver gráficos 46, 47 e 48).
GRÁFICOS 46, 47 e 48 - Gráficos demonstrando infecção por coronavírus na casa , por faixas paralelas à linha férrea de 6m, 15m e 21m.
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2.1.15. RENDA E PANDEMIA No que diz respeito aos impactos da pandemia na renda das famílias, os gráficos apresentados abaixo discorrem acerca das relações de trabalho das moradoras e moradores diante do contexto pandêmico. Nos três cenários levantados, 6 metros, 15 metros e 21 metros, cabe aqui evidenciar que entre 27,3% e 30,0% do total de residentes alegam que não sofreram nenhuma redução da renda familiar por consequências da atual crise pandêmica, por outro lado, diante dos mesmos três cenários analisados, podemos destacar que mais de 70% das(os) residentes das áreas ameaçadas informaram alteração negativa da renda na pandemia por, pelo menos, um destes motivos: “redução da jornada de trabalho”, “perde de emprego”, “redução da demanda de trabalho” (ver gráficos 49, 50 e 51).
GRÁFICO 49 - Gráficos demonstrando a relação entre renda e pandemia, por faixas paralelas à linha férrea de 6m.
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GRÁFICOS 50 e 51 - Gráficos demonstrando a relação entre renda e pandemia, por faixas paralelas à linha férrea de 15m e 21m.
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METODOLOGIA
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3.1. COLETA DE DADOS Coordenado pela equipe de assessoria técnica em arquitetura e urbanismo, o levantamento dos dados quantitativos para esta pesquisa foram coletados entre os dias 10/03/2021 e 15/03/2021. A aplicação dos questionários foi realizada através do Aplicativo Memento Database6 (app), sendo aplicados pelos próprios moradores e voluntários que, através dos momentos de formações e instruções, tornaram-se habilitados para manuseio do app, e assim, aptos a inserção em campo para o levantamento dos dados. A equipe de campo contou com doze pessoas, cabendo a oito a aplicação dos questionários em visitas realizadas nas casas dos/ das moradores/as, e as outras quatro pessoas formaram a coordenação de campo, responsáveis por visitar previamente as casas para dialogar acerca da pesquisa; informar que em instantes uma equipe de aplicação passaria na casa para aplicar o questionário; e garantir as recomendações sanitárias necessárias acerca da atual crise pandêmica (ver figuras 10 a 13). 6
https://mementodatabase.com/
Figuras de 10 a 13 - Fotografias da equipe de campo. Fonte: acervo dos autores.
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Os questionários foram aplicados apenas nas edificações que contavam com o uso habitacional, assim cabe destacar que antes da aplicação dos questionários houve a tomada de decisão, respaldada por questões jurídicas, em considerar como universo de pesquisa todas as casas localizadas dentro do buffer de 21 metros dos trilhos externos da ferrovia, e assim, as casas foram devidamente seladas e previamente cadastradas no Aplicativo Memento Database. A colagem dos selos aconteceu de forma aberta em campo. Para este processo foram produzidos selos com espaço em branco para preenchimento do código de identificação (ID) no momento da selagem (VER FIGURA 14 a 17). Enquanto as ID’s foram constituídas pelas duas letras iniciais da rua e um número com três dígitos representando cada lote, nos lotes nos quais existiam mais de uma unidade habitacional (UH) a numeração da ID foi antecedida por uma letra, como no exemplo a seguir, no caso da rua da Potiguar Matos: PM(identificação da rua) + B(sub-identificação) + 001(identificação do lote) = PMB001
Figuras de 14 a 17 - Print da tela do Memento Database. Fonte: acervo dos autores.
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Por fim, após a colagem do selo e do preenchimento da ID, um pré-cadastramento de cada unidade habitacional foi inserida no Memento Database, contendo um código ID, uma foto da fachada, uma foto do selo, e os pontos georreferenciados, para assim, iniciarmos a aplicação do questionário em campo. As estratégias tomadas nas etapas apresentadas acima estão dispostas para melhor capturar em campo as informações julgadas necessárias para o nosso percurso metodológico. A colagem dos selos visou estabelecer uma codificação única ID a cada (UH) da comunidade, enquanto os registros efetuados no App Memento Database, além de compor uma importante etapa da aplicação dos questionário, foi fundamental para vincular os IDs das (UHs) aos pontos georreferenciados coletados pelo próprio aplicativo, atribuído por vez a cada ponto georreferenciado a mesma ID estabelecida na selagem da respectiva (UH). A necessidade de georreferenciar os dados coletados em campo por meio das coordenadas geográficas (WGS84) ocorreu por conta dos diferentes entendimentos jurídicos acerca da área de remoção diante do pleito da empresa Transnordestina Logística, que impetrou diversos processos judiciais, reivindicando a posse das faixas de domínio paralelas à conexão férrea. Estas diversas
interpretações estabelecem cenários de insegurança jurídica, com impactos diferentes a depender dos cenários que variam de 6 metros, passando por 15 metros e chegando a 21 metros. A sentença do processo de número 001131155.2011.4.05.8300, proferida pela 5a Vara Federal e que encontra-se em fase de execução, determinando a remoção de 20 casas que encontram-se na distância de até 21 metros metros de cada lado da linha férrea, entre a avenida Dom Hélder Câmara e a lateral do Aeroporto Internacional do Recife. Por fim, cabe pôr em destaque as impossibilidades que a localização da Comunidade Linha impuseram aos processos metodológicos desta presente pesquisa, por se tratar de uma área inserida numa zona aeroportuária, a atualização da comunidade em mapa não pudera ser realizado por um veículo aéreo não tripulado (VANT). Diante de tal circunstância, a estratégia tomada logrouse na utilização de uma ferramenta de captura de coordenadas do próprio aplicativo Memento, contudo, como esta ferramenta não apresenta a mesma precisão de um GPS, posteriormente ao campo os erros foram corrigidos e/ou minimizados com o auxílio de softwares de geoprocessamento (ver figura 18).
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Figura 18 - Pontos georreferenciados por unidade habitacional, ao longo da Comunidade da Linha. Fonte: acervo dos autores.
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3.2. SISTEMATIZAÇÃO DOS DADOS Após o término da aplicação dos questionários em campo, os dados e geodados foram extraídos do Memento Database Desktop6 e levados ao programa de geoprocessamento Arcgis Pro7 com a finalidade de segmentar os dados de acordo com cada cenário jurídico de remoção: 6 metros; 15 metros; e 21 metros. Posteriormente, os dados já segmentados foram levados ao Jupyter Notebook do Anaconda Python para a realização das atividades de tratamento dos dados, análise exploratória e sistematização em gráficos.
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https://mementodatabase.com https://www.esri.com/en-us/arcgis/products/arcgis-pro
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Este relatório de pesquisa exploratória visou sintetizar de modo preliminar os dados socioeconômicos coletados em campo acerca das(os) moradores de Santa Francisca/ Comunidade da Linha que foram compreendidos como inseridos na zona ameaçada dedespejo. Assim sendo, cabe trazer à tona que este relatório se desenvolveu sob regime de urgência devido aos prazos estabelecidos pelos processos judiciais que sentenciam a remoção das famílias para a data de 04/05/2021. Ao longo de todas as variáveis analisadas é possível constatar que os três cenários, 6 metros, 15 metros, e 21 metros, apresentam percentuais numéricos bastante semelhantes. Por tanto, para fins destas considerações finais, utilizaremos como exemplo o cenário de maior impacto social, no caso, o cenário dos 21 metros. Dito isto, cabe considerar que as 212 unidades coletadas nos revelam que as 767 pessoas vivem em condições de vida bastante precarizadas. A começar pela renda mensal familiar, nas quais até 75% desta população recebem abaixo de 1 salário-mínimo, e um total de 30 famílias recebem entre R $0 e R $250 reais, e 50 recebem entre R $0 e R$500 reais. Cabe destaque às condições imateriais da desigualdade social brasileira no que diz respeito às possibilidades
objetivas de ascensão social via capital escolar, que em geral, se demostram precarizadas, mais de 64,6% das responsáveis pelos lares não concluíram o ensino médio, e apenas 3,3% acessaram o ensino superior. Quanto às relações de trabalho podemos constatar que as(os) responsáveis pela habitação, em sua grande maioria, apresentam também relações de trabalho definidas como precarizadas, apenas 12 % estão empregados com os direitos trabalhistas formalmente reconhecidos; assim como, 43% do total está desempregado no momento ou não exerce nenhuma atividade remunerada atualmente. No que diz respeito ao deslocamento casa-trabalho das(os) responsáveis pela habitação, podemos afirmar Santa Francisca bem localizada para o deslocamento diário das trabalhadoras e trabalhadores que afirmaram exercer atividades de trabalho remunerado fora da comunidade, chama atenção que mais de 42% alegam que utilização transportes não motorizados para o deslocamento diário, como bicicleta e deslocamento a pé, ou ambos. Chama atenção também o tempo gasto de deslocamento para o trabalho, 59,7% alegam que gastam menos de 30 minutos e 86,6% menos de 1 hora.
https://www.anaconda.com/
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Por outro lado, 1/3 das pessoas que trabalham na área ameaçada de despejo, 2/3 destas trabalham dentro de casa, o que nos leva a perceber que uma eventual remoção impactaria não apenas na dimensão da moradia, como também nas relações de trabalho das(os) responsáveis pela habitação Cabe enfatizar que 87,2% das famílias alegaram ser proprietárias do imóvel, ao passo que dos lares, 92,4% alegam que ninguém na cassa possui outro, assim como, e por fim, que mais de 95,2% das(os) responsáveis confessam não saberem para onde irão caso o despejo ocorra. Apesar dessas três variáveis não se encontrarem cruzadas e, portanto, não podemos tirar conclusão mais precisas, cabe enfatizar que o alto valor perceptual das variáveis nos alerta para um aumento latente da precarização da vida das pessoas, já que em um eventual despejo, em geral, as famílias não terão alternativas imediatas de moradia já que perderam seu único lar.
Por fim, o cenário pandêmico que afeta principalmente as famílias em situação de vulnerabilidade social, também assola a comunidade de Santa Francisca. Tanto por questões diretas de contaminação do próprio vírus, já que mais de 1⁄4 das residências apresenta pelo menos 1 pessoa que já foi infectada e no total de número de mortes pelo coronavírus, na área 2 pessoas foram a óbitos, o que corresponde a número de 260,75 a cada 100 mil habitantes, bem superior ao número nacional de 175,6 a cada 100 mil pessoas; como também os impactos da pandemia incidem no trabalho e na renda das famílias, em todos os cenários, mais de 70% das unidades habitacionais alegaram que houve perda de renda familiar por algum motivo associado às relações de trabalho, seja pela redução da jornada, ou na redução da demanda de trabalho, ou até mesmo, na perda do emprego.
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