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Os idosos e a tecnologia
from CDM 58
Herick Pires Isadora Mendes Mariana Scavassin Sophia Gama
Avida de Nelson e Terezinha Becker sempre foi muito tranquila. Casados há 52 anos, o marido trabalhava na área comercial de uma oficina e Terezinha cuidava da casa. Nelson, em seus 75 anos, nunca teve muito contato com a tecnologia, nem mesmo no trabalho. “O nosso contato era mínimo, não tinha essas redes sociais. Nós pegamos o telefone mesmo para ligar para o cliente e tudo que você fosse tratar com ele, 80% era ao vivo”. Já Terezinha, 70, era antenada em redes como o Facebook e utilizava o WhatsApp para se comunicar com família e amigos.
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Com a chegada da pandemia, os dois tiveram que adaptar suas rotinas. Sempre muito próximos da família, precisaram intensificar o contato online. O marido foi afastado do emprego e tarefas como ir ao banco agora são feitas apenas através de aplicativos. Terezinha conta que o período a ajudou a se tornar “expert” nos aplicativos e que tem o apoio da filha e das netas na hora de lidar com eletrônicos. Nelson, por sua vez, não encontra essa facilidade, pois nunca precisou ficar por tanto tempo online.
A batalha travada entre idosos e tecnologia não é uma novidade, porém, o período de pandemia potencializou essa questão. Antes, a internet era tratada apenas como um adendo para as relações sociais, mas, agora, ela passou a ser algo indispensável para que a comunicação seja realizada de forma segura.
Poucos eram os idosos que se sentiam confortáveis com o uso de tecnologias, como o celular e as redes sociais. A maioria mantinha o aparelho apenas para o básico, como realizar ligações e mandar mensagens.
A necessidade de suprir a solidão causada durante a quarentena e a busca por uma melhora na vida cotidiana levaram os grupos de terceira idade a explorar o mundo digital com mais frequência, seja na prática de exercícios remotos, compras online ou do uso diário das redes sociais. De acordo com uma pesquisa publicada no site Kantar Ibope Media, as três principais redes acessadas por esse público são: Facebook (98%), WhatsApp (95%) e Instagram (78%).
O Coral Som do Bosque, do clube Duque de Caxias, em Curitiba, conta com diversos idosos coralistas e, frente ao risco de contágio, agora fazem todas suas atividades à distância. “Tínhamos duas saídas: ou desistir do trabalho, ou continuar com ele da forma mais afastada, essa coisa inédita, que é fazer virtualmente as aulas”, conta o maestro Sidney Gomes, de 33 anos. Para ele, conduzir as práticas com esse público é um “desafio enorme”, mas necessário para a continuidade das produções do grupo.
Nair Ishikawa é coralista no Som do Bosque e professora de línguas. Aos 70 anos, ela não imaginou que passaria por uma situação que exigisse tanta imersão no virtual. “Eu trabalho online desde março de 2020. Quando me vi diante dessa realidade, fiquei com muito receio em assumir minhas turmas novamente”, conta. Mesmo com as dificuldades, ela acredita que conseguiu evoluir em seu conhecimento tecnológico ao longo do tempo. Sidney, que tem contato direto com Nair nos ensaios, acredita que a chave para trabalhar com idosos na atual
- Nelson Becker, aposentado
situação é a paciência e o incentivo para sanar qualquer obstáculo.
A educadora física Márcia Takai trabalha diretamente com públicos acima dos 70 anos e ressalta que também percebeu essa evolução: “Alguns alunos meus pediram para que eu ensinasse a criar uma página no Instagram para que eles pudessem assistir às lives. Eu acabei ensinando a eles como instalar e participar, apesar de saberem somente o básico, para eles já é muito importante”. Segundo ela, o acesso a novas redes possibilita a criação de novos espaços de aprendizado, e destaca que uma de suas alunas está utilizando plataformas como o “Zoom” para aprender a tocar piano, por exemplo.
A dificuldade em lidar com as transformações tecnológicas levaram esse público a procurar ajuda para poder dar continuidade às suas atividades sociais, mesmo com o isolamento. Há casos, não tão raros, de idosos que já estavam habituados a alguns tipos de tecnologia antes de precisarem em momentos de emergência, como uma pandemia, mas o hábito de estar em frente a uma tela grande parte do dia nunca foi um costume.
Alguns anos atrás, a procura por auxílio tecnológico voltado para a terceira idade serviu de motivação para João Borges, administrador de 38 anos. Ele decidiu desenvolver sua própria metodologia para fundar o curso “Facilitec - Tecnologia para Pessoas Acima de 50 Anos”, que foca em ensinar funções e aplicativos essenciais para celulares e computadores. O objetivo inicial do curso era auxiliar pessoas com conhecimento quase nulo em relação à tecnologia.
Assim como em qualquer idade, a diferença no aprendizado também atinge os idosos, como declara Borges: “Já tive aluno de 80 anos que não sabia nada e em poucas aulas evoluiu, aprendeu e se tornou independente, e tive aluno de 60 anos que fica patinando, tem dificuldade de aprendizado e não consegue evoluir sozinho”. Dessa forma, é preciso trabalhar na questão emocional para que os idosos não se sintam incapazes de aprender
- Márcia Takai, educadora física
Sophia Gama
Nelson Becker possuia pouco contato com aparelhos tecnológicos e redes sociais. Agora, na pandemia, essa situação mudou.
e acabem se afastando novamente de algo que, hoje, é mais que necessário.
O Facilitec acabou se tornando um local de acolhimento para esse público. De acordo com o fundador, “eles veem um curso como um lugar para relaxar, conversar e descontrair”. Contudo, devido ao cenário da pandemia, Borges teve que encerrar o projeto por tempo indeterminado. “Eu fechei o curso por conta dos custos e agora não sei, sinceramente, quando vou retornar a trabalhar com as aulas”. Segundo ele, migrar as aulas para o online não era uma opção devido ao nível de conhecimento e familiaridade do público com os aparelhos digitais. “A maioria dos alunos que nos procuram são alunos que não conseguem nem ligar os computadores”, explica. Ainda sim, a missão de auxiliar os idosos a evoluírem nessa área está longe de acabar para João, que descreve seus alunos como “espetaculares”.
Uma dificuldade comum a essa classe de pessoas frente ao cenário atual tem relação com a força de vontade para continuar tentando. Os problemas que Nelson, Terezinha e Nair enfrentam ao se adaptar com essa “nova realidade” não são casos isolados; idosos vivem isso diariamente, desde antes mesmo da pandemia começar. Ser empático e garantir suporte familiar, para que essa faixa etária seja valorizada e não desista é fundamental, agora, mais do que nunca.
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