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“Senti os nossos ancestrais sendo honrados nesta escola”

No dia 15 de maio, a Escola Estadual Padre José Epifânio Gonçalves recebeu a visita de integrantes da aldeia Katurãma, do povo Pataxó, de São Joaquim de Bicas-MG, atingidos e atingidas pelo rompimento da barragem do Córrego de Feijão (Vale), em 2019. A ação, planejada pela professora Simone Silva, de Barra Longa, e seus(suas) alunos(as) da turma de Artes, com o apoio das professoras Elaine, Sônia, Maria Inês, da diretora Maria Márcia e da vice-diretora Carol, buscou promover um diálogo entre as comunidades que enfrentam problemas semelhantes relacionados aos graves impactos causados pelos rompimentos das barragens, além de propiciar uma troca cultural entre pessoas de realidades distintas.

A ideia da visita dos Pataxós à cidade de Barra Longa surgiu bem antes do dia 15. No ano passado, em aula, Simone e a turma do 2o ano do Ensino Médio resolveram iniciar um projeto de pesquisa sobre a história da cidade. A investigação vai desde a época em que o município era terra indígena até os dias atuais. O resultado do projeto é um livro escrito por muitas mãos, que aguarda verba para ser lançado.

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Toda essa busca fez nascer nos e nas jovens a vontade de conhecer mais sobre os aspectos sócio-históricos da região. Atenta a isso, Simone resolveu propor à Cacica Ãngohó Pataxó, parceira na luta pelos direitos das pessoas atingidas, uma visita à sua aldeia. Em 19 de abril, data em que é comemorado o Dia dos Povos Indígenas, os estudantes foram à comunidade Pataxó para um dia de aprendizado fora dos muros da escola.

Em Barra Longa, a vinda dos Pataxós mobilizou a comunidade, outras escolas do município e até de cidades vizinhas. Houve apresentações de danças tradicionais, conversas sobre os costumes e as lutas pela preservação ambiental, pela criação e fortalecimento de laços entre povos e comunidades e um momento

“Não podemos falar sobre letramento ambiental e racial de forma separada. Se não trabalharmos isso dentro das escolas, não conseguiremos trabalhar na sociedade. Na semana passada, estávamos em uma escola particular que parecia um palacete. Nos propusemos a falar também para a sociedade branca, no centro do capitalismo, para chamar a atenção dos pais e mostrar que aquelas crianças ali precisam pisar na terra para entender o que é a terra. Alguns pais se assustaram, mas outros elogiaram muito. Decidi visitar as escolas para contar a história da minha comunidade. Eu não era cacica, quem era cacique era o meu marido. Eu disse que faria um legado diferente no meu cacicado e estou cumprindo. Sou filha de um branco com uma indígena, recebo críticas devido à minha aparência, mas conheço minha história. Minha aldeia me reconhece, sei falar minha língua e reconheço minha cultura. Precisamos fazer essa mudança juntos, não existem dois Brasis, todos merecem respeito.

Estou buscando pessoas interessadas em promover esse letramento dentro das escolas. Gostaria de apresentar essa proposta ao governo do estado e sugerir aulas práticas, coletivas e multidisciplinares para as crianças. Com isso, todos saímos ganhando.

Já são 11 anos de trajetória em Minas, e nós fomos acolhidos pelo povo mineiro. Hoje, quando chegamos aqui, fomos aplaudidos. Senti que nossos ancestrais estão sendo honrados nesta escola hoje.”

Cacica Ãngohó

“A professora Simone propôs um trabalho em equipe, com coletividade e distribuição de tarefas, entre outros aspectos. Desde o início, na interação em sala de aula, pensamos que seria algo fantástico e que daria certo.

Esse foi um momento de descoberta, de uma realidade totalmente distinta da nossa. Por vezes, essa realidade fica escondida, pois a sociedade brasileira não a expõe para todos. Na sala de aula, estudávamos, por exemplo, sobre povos europeus, mas aqui pudemos conhecer mais sobre o Brasil, sobre um povo brasileiro com diferenças na religião, na forma de falar e de se vestir.

Durante a visita, eles demonstraram extremo carinho e educação. Foi tudo incrível. O que mais me chamou atenção foi a apresentação do ‘auê’, aquela dança que eles realizam, e a explicação de como funciona o casamento. As perguntas respondidas pela cacica sobre sua função de ouvir, acolher e orientar também foram muito interessantes. Tudo foi encantador, mas essas partes foram as melhores.

Pretendemos voltar à aldeia, trazê-los para o 7 de setembro, apresentá-los à cidade, contar sobre eles e dar-lhes voz para poderem compartilhar suas realidades individuais.”

“Conheci a Cacica Angoho na luta, durante um seminário em Brumadinho e em outras mobilizações que participamos juntas. Durante uma conversa, mencionei a ela que meus alunos têm se esforçado muito e que gostaria de levá-los para visitar a aldeia de seu povo. Depois disso, ela nos convidou para o dia 19 de abril, que é o Dia dos Povos Indígenas, para irmos até lá. Foi uma experiência linda, um momento mágico para todos nós. Aproveitei essa oportunidade para convidá-la a visitar nossa escola, e no dia 15 de maio, foi possível concretizar essa visita. Na história de Barra Longa, nunca havia ocorrido um evento desse tipo, mas nossa escola conseguiu trazê-los até aqui. Escolas de Acaiaca e outras de Barra Longa também participaram, e a população também compareceu.”

“No dia 19 de abril deste ano, tivemos a oportunidade de ir à comunidade para conhecê-los, e hoje eles vieram até aqui. A interação com eles nos acrescenta em aprendizado e respeito por outros povos. Antes disso, eu nunca havia tido contato com povos indígenas, mas agora estamos pensando em visitar outras comunidades, realizar mais pesquisas sobre os povos tradicionais aqui em Barra Longa e, até mesmo, escrever outro livro.”

Giovana dos Santos Canuto, moradora de Barra Longa

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