FOTO DE TADEU SANTOS, DIGITALIZADA POR ALEXANDRE ROCHA / ACERVO FCA
Anjídio José Santana, com 81 anos de idade em 1985 e morador do Morro dos Conventos, conta o fato ao padre João Leonir Dall’Alba, que depois redigiria o texto para publicação no livro “Histórias do Grande Araranguá”
A BOA IMPRESSÃO É A QUE FICA
ARARANGUÁ, 1o DE AGOSTO DE 2009 • ANO 16 • Nº 329
— Não, mas na verdade nunca se viu essas coisas e as mulheres estão com medo... Meu avô era corajudo. — E no vapor que está lá, vem muita gente? — perguntou o general. — Vossa excelência, eu não sei contar nem a cor dele, muito menos a quantia do povo! — repetiu umas duas ou três vezes, mas o general descalçou ele: — O senhor pode chamar seu povozinho pra casa que não tem perigo, não. O senhor aluga uns cômodos pra nós. — Olha, a casa é sua, só me deixa uns reservados pra mim, que eu tenho mulher e filha moça. Aí saiu. Deu ordem. Não mexeram em mais nada. A casa dele ficou cheinha de ponches e armamentos. Cada trabucão! Parece que depois ficou um ali, perdido. Aí, começou um tiroteio. De lá do rio atiravam e as balas passavam por cima. Por muito tempo achamos balas de fuzil. E a banda tocando. E vai granada. Ficou gente morta na beira do rio como rama de mandioca. E nossos soldados, avança e avança. Esses nossos atiravam no vapor. Lá eles tinham um boneco. Eles daqui atiravam. “Matamos um!” Que nada, era o boneco! E vai granada. Mataram muita gente. Um negro velho chamado Quincas,
ele enterrou muita gente na covanca. Covanca, na encosta do morro, é uma caída. Tem um cavadão comprido. Ali foram amontoando os mortos e enterrando. O vapor saiu mar afora. Aí os soldados deram a derrubar casas, desmanchar pra fazer balsas de passar o rio. Aí passaram. Lá pelo Campo Bom ainda morreu muita gente. O vapor chegava perto e atirava. Muita gente morta aí. Meu pai contava, meu avô contava. O velho enterrou muita gente. Não sei o fim dele. A casa do meu avô não foi atingida. Não mexeram em nada dele. Eu sei que aqui no Canivete mataram um tal de Pedro Neco. Botaram nas quatro estacas e degolaram. Cortaram a cabeça dele. Diz que a cabeça dele pulava no campo. Botar nas quatro estacas é calçar com quatro armas, no peito, nas costas e nos lados. Eles fizeram muita bandalheira. Criança pequena, tiravam do colo das mulheres, atiravam pra cima e aparavam com espada ou adaga. Mulheres, pegavam e faziam o que queriam, cortavam as tetas fora... (Saiba mais: J.16, 17, 201, 202, com textos de César do Canto Machado; “A História de Araranguá nova edição”, de Paulo Hobold, complementada e atualizada por Alexandre Rocha, 2005, págs. 151 a 154)
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© Ricardo Francisco Gomes Grechi (reg. nº 99866 - prot. 4315/RJ, de 17/07/1995)
UMA PUBLICAÇÃO
ORION EDITORA Calçadão Getúlio Vargas, 170 88900.000 Araranguá - SC - Brasil jornalecocultural@yahoo.com.br
Esta pequena biografia conta fatos da vida de José Flor, balseiro na Barranca entre 1936 e 1963, ano da sua morte. Vem da narração de seu filho João e foi colhida por Osmar Nunes JOSÉ JOÃO SILVEIRA
nasceu na quarta-feira de 20 de dezembro de 1893, filho de João Silveira Bitencourt e Cenecia Maria Bitencourt. Foi batizado na capela Campinas, da Paróquia Nossa SeApós 50 anos, o personagem principal da foto não é mais a comitiva de colarinhos brancos; o ‘cara’, agora, é o balseiro nhora Mãe dos Homens, em Araranguá, a 25 de julho de Seu José Flor teve morte trágica. Tra- “pega-mão”, que era um pedaço de 1894, celebrando seu batismo o padre balhava na balsa quando escapou-lhe pau com uma boca numa das extreCarlos Schmus. das mãos a alavanca que movia a balsa midades onde o cabo de aço ficava e ele caiu no rio. Não sabia nadar e mor- trancado nessa alavanca e corria enJosé João casou com Joana Maria reu afogado. Seu filho João, que aju- tre duas roldanas nas duas pontas da Baltazar. O casal colocou no mundo oito dava-o na balsa, tentou salvá-lo, mas só balsa, que media 15 metros de comfilhos, entre eles o conhecido João José pôde tirar o corpo já falecido das águas. primento por 5 metros de largura. Silveira, profissional de postos de com- Isso pelas 23h30 de 13 de janeiro de A carga podia ser um caminhão bustíveis, na qualidade de lubrificador 1963, como consta na certidão de óbito. carregado de farinha para os portos e lavador, espécie de mecânico no temA Barranca chorou muito tempo a de Laguna e Imbituba, ou um camipo do Jeep e da carroça. triste morte do seu José Flor. Merece nhão com carroceria de madeira que Conta João que o pai era conhecido que a ponte pênsil, hoje, no lugar onde trazia peixe (tainha) de Tramandaí por “José Flor”. Transportava cami- funcionava a balsa do marítimo José para o sul catarinense. nhões, cargas e pedestres como balseiro Flor, leve seu nome, para homenagear Seu José Flor, balseiro e mestre na no bairro Barranca, Araranguá. Mora- sua família, orgulhosa do trabalho hon- travessia do caudaloso rio Araranguá, va na beira do rio e não tinha horário roso do falecido pai, que por quase três era, portanto, responsável pela riquepara trabalhar. Diz que o momento mais décadas participou diretamente do cres- za transportada do Rio Grande do Sul perigoso e sacrificante era o da manhã, cimento da cidade, pois a balsa do seu para Santa Catarina e vice-versa, ina partir das seis horas, para o transpor- Flor era uma espécie de BR-101, onde cluindo a safra de farinha-de-mandite da cidade para o lado da Barranca, se transportava de tudo. Araranguá oca, através de carro de boi, que se onde ficava a estação de trem; e à noite, mesmo era ligado ao norte do estado despejava no trem de carga da rede quando o trem vinha desde Laguna tra- pela balsa de José Flor. ferroviária federal. zendo o povo e muitos viajantes para Seu José Flor não tinha salário e Muito curiosa era a maneira como Ara-ranguá, viajantes que depois toma- José Flor movia a balsa. Na base do ganhava apenas uma porcentagem vam o ônibus para Porto Alegre pela tutano, ou seja, puxando com os bra- simbólica como doação dos transepraia do Arroio do Silva. z ços um tipo de alavanca chamado de untes. E não se queixava. ACERVO FCA
Quando o paraíso virou inferno: Morro dos Conventos, palco de batalha entre governantes e federalistas em 1894
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1º/08/2009 • ANO 16 • Nº 329
Em 18 de janeiro de 1927, foi inaugurado, no bairro Barranca, em Araranguá, o transporte de passageiros pela Estrada de Ferro Dona Teresa Cristina, desde Imbituba. O transporte de cargas iniciou-se em 1o de agosto do ano seguinte. Em 1969, o trem partiria pela última vez de Araranguá.
José Flor, o balseiro da Barranca
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CONTAVAM desde que eu era pequeno. Não escutava muita coisa, mas quando fui crescendo, com o tempo, fui sabendo. Morreu muita gente. Quanta seria essa gente? Vinte ou trinta? Bota pra mais de cem, mil, um em cima do outro. Meu pai contava. Meu avô também. No tempo da batalha, meu pai era garoto. O vapor entrou na barra até aqui em cima. Na guerra, um batalhão veio do Rio Grande. Entraram pela beira-mar e chegaram em casa do meu avô. A casa dele era grande, de pedra, ao pé do morro. Casa bem preprada, feita por um alemão vindo da Alemanha. Chegaram. Mas o velho foi ladino. Quando aprecatou-se, quando olhou o gramado grande que havia na frente, estava tomadinho de gente, uns com trouxas na cabeça, outros com panelas, outros com armas... Boi berrando, vaca berrando... O general chegou, o general e o alferes, encostaram o animal na janela: — Ô, meu senhor! O senhor parece que está com medo... A família dele correndo pro mato, aonde minha avó ia correndo também, com uma forminha de açúcar e um balaio com rosca. Os soldados chegaram, cercaram e abafaram. Foram enchendo as mãos. Mas foram enchendo de dinheiro o meu pai e a irmã dele, que eram pequenos. Vintém, duzentos réis... Então o general disse: — Está com medo?
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Um relato da batalha entre pica-paus e maragatos no morro dos conventos e rio araranguá no final do século XIX