Jornaleco 341 01 fev 2010

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Hotel Paulista e beira da praia, no Arroio do Silva, numa festa de NS dos Navegantes num verão dos anos 1970.

ARARANGUÁ, 1o DE FEVEREIRO DE 2010 • ANO 16 • Nº 341

No verão de 2002, Aimberê iniciava sua colaboração no Jornaleco. O texto abaixo saiu na edição no 151, de 1o de março

ACERVO FCA

Símbolos AIMBERÊ ARAKEN MACHADO

O efeito estufa e a menopausa MINHA amiga liga na primeira hora da manhã e, com voz ofegante de quem acabara de exercer uma faxina completa, me revela: “Vou ao médico hoje à tarde, acho que estou entrando na menopausa... Precoce é claro! Estou me esvaindo em suor!” “Estás sentindo o mesmo calor que eu?” A vizinha me interpela na rua, abanando o leque com gravuras japonesas. Caminhamos até o supermercado falando sobre nossa quentura mútua, com o sol cozinhando-nos. Duas marias em banho de suor. Ao meio-dia, a porta se escancara deixando entrar uma rajada, que eu adoraria ser de vento. É o meu filho que invade a cozinha na volta da escola com o calor rasgando-lhe o uniforme para consumir a carne. “Tô fritando! Vou direto para o banho!” Algumas horas mais tarde, um lampejo invade o meu pensamento. Um aconte-

cido tornara diferente a rotina daquele dia. Vasculhando as linhas dos acontecimentos do meu diário, percebo que Yugi (o meu cão chinês) não está inserido em nenhum acontecimento. O que é de estranhar, pois, se todos possuem uma sombra, digo que tenho duas, a outra é ele, que não me perde de vista. Chamei-o várias vezes antes dele se apresentar a mim arrastando seus 7,5 quilos sobre as patas trôpegas e sujas de uma substância escura. Reconheço ser da areia que fica abaixo da grama, a qual ele cavoucou transformando um buraco numa casa fresca e úmida. “Não se preocupe.” Tranquilizou o veterinário. “Os animais sofrem com o calor tanto quanto os humanos.” E a minha amiga angustiada achando que estava entrando na menopausa! De noite mergulho na água gelada da banheira e diante do acontecimento inédito (nunca antes havia ignorado a torneira de água quente), remeto-me ao passado tentando lembrar da última onda de calor intenso. Não sei se por lapso de memória ou pela inexistência do fato, não encontro registros da incidência de temperaturas tão elevadas nos verões passa-

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dos, pelo menos não ininterruptamente, como vem acontecendo. Neste mesmo dia, li um manifesto acalorado de um escritor à beira de uma evaporação instantânea. “Não estamos sós!” Foi o que pensei. O resto do país também deve estar sentido os efeitos. Estufa? CO2? Aquecimento global? Camada de ozônio? Respondi ao escritor mineiro, tranquilizando-o, uma vez que aqui no Sul estamos submergidos na mesma panela de pressão, e regozijando-me por constatar que os homens sofrem com o calor tanto quanto as mulheres. E a minha amiga pensando em menopausa! Mergulhei a cabeça na água gelada da banheira e prendi a respiração: “Será que a humanidade caminha para um futuro tórrido e árido conforme anteviram os cineastas dos filmes de ficção?” Emergi instantaneamente afogando o mau pensamento. Yugi late lá fora. Meu filho invade o banheiro com o telefone na mão. A voz da minha amiga pula feliz do telefone para escorregar no meu ouvido: “O médico disse que as mulheres sofrem com o calor tanto quanto os homens e os animais”. E completa aliviada. “E eu achando que estava na menopausa!”

A marca do seu parceiro de estrada

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1º/02/2010 • ANO 16 • Nº 341 ESTA EDIÇÃO: 4 PÁGINAS

Distribuição gratuita Periodicidade quinzenal Tiragem: 1.000 exemplares

H FUNDADO EM 18 DE MAIO DE 1994 H Ricardo Grechi CONTATOS Rossana Grechi DISTRIBUIÇÃO Gibran Grechi , Nilsinho Nunes ASSISTÊNCIA Guaraciara Rezende IMPRESSÃO Nei, Valdo, Welington NA GRÁFICA CASA DO CARIMBO DE A. César Machado EDIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

© Ricardo Francisco Gomes Grechi (reg. nº 99866 - prot. 4315/RJ, de 17/07/1995)

UMA PUBLICAÇÃO

ORION EDITORA Calçadão Getúlio Vargas, 170

88900.000 Araranguá - SC - Brasil jornalecocultural@yahoo.com.br

EM 1955, ACONTECEU um fato curioso. Estávamos, eu e a minha turminha de moleques, conversando no Jardim Alcebíades Seara, bem ali no canto onde se situava o velho Hotel dos Viajantes. Na noite silenciosa, de repente, ouvimos música de violão e alguém cantando algo que conhecíamos. Claro que fomos verificar o que acontecia. Era o seguinte: dois ou três jovens (um deles era loiro e vestia jaqueta de couro com gola de veludo) cantavam e se acompanhavam ao violão (ou guitarra, não me lembro bem desse detalhe). Aos poucos, fomos descobrindo do que se tratava. Bisbilhotando e arrancando, aos poucos, as informações (não se esqueçam que éramos apenas moleques impertinentes!), descobrimos que eram pilotos militares da Argentina, que estavam em fuga em virtude da primeira tentativa de derrubar o presidente Juan Perón, tentativa esta que fracassou (no mesmo ano, alguns meses mais tarde, houve novo golpe, e Perón foi deposto). O interessante desta história é que nunca esqueci a música que os aviadores cantavam: “Jimbalaia”, em inglês. ALGUNS AMIGOS queridos de Araranguá: Adilson Tournier, Dadinho Berti, Gilberto Ulysséa, Pedrinho Batista, Aguinaldo Leite (o “Gancho), Luis Carlos Grisard (o “Esculacho”), Ronaldo Grechi, Zé Maciel (meu compadre), Sérgio Maciel (o “Galo Cego”), Valmor Pacheco, Flávio Crippa, Alírio Monteir o ( o “Quitandinha”), Gilberto Salvador (o “Giba”) e tantos, tantos outros, uns mais velhos que eu. O Gilbert o Ulysséa e o Ronaldo Grechi foram os meus pri-

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Araranguá localiza-se à latitude 28º56’05" Sul e à longitude 49º29’09" Oeste. O município fica a 13 metros acima do nível do mar. Segundo o IBGE, sua área é de 304 km²; em 2009, sua população foi estimada em 59.537 habitantes. Seu atual prefeito é Mariano Mazzuco.

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meiros interlocutores em conversas sobre Literatura. Creiam, não havia em Araranguá, àquela época, muita gente interessada em comentar leituras. Minha terra era rude, politiqueira (no pior sentido), e ninguém queria saber de escutar adolescentes chatos! Éramos isolados, e muitos colegas se afastavam de nós se o papo fosse muito “sério”. Eu e o Ronaldo tínhamos divergências ideológicas, e várias vezes quase brigamos. Mas a vontade de conversar sobre certos assuntos, naquele universo fechado, mantinha acesas nossas relações de amizade. Já com o Gilberto as conversas eram mais tranquilas, devido principalmente ao temperamento dele, sempre calmo e conciliador. Sempre fui muito metido, conversador e prosa, conforme vocês já devem ter deduzido. O Alírio Silva (o “Nenê”), meu saudoso parente, costumava me testar fazendo-me perguntas difíceis. Como geralmente eu respondia, ele comentava: “É, tu sabes das coisas...”. Outra lembrança marcante foi a maneira como tomei conhecimento do suicídio do presidente Vargas, em 1954 (eu tinha quinze anos completos). Na manhã de 24 de agosto, eu saí caminhando pela avenida Getúlio Vargas (justamente o nome dele!), como costumava fazer quase todos os dias. Quando eu passei defronte à Drogaria Dino, o rádio do carro do Ayres Koerig, proprietário da farmácia, dava a notícia através do Repórter Esso, em edição extraordinária. Curioso, parei para escutar e ouvi a trágica notícia.

O primeiro deles (não sei se cronologicamente é o primeiro, mas na memória é) foi o enterro de Domingos Monteiro, pai do meu amigo Quitandinha. Ele morreu de acidente na Estrada da Praia que, àquela época, era o caminho para Porto Alegre. Mas a simbologia ficou marcada mesmo por dois detalhes: sua viúva, a Dona Cândida, ficou completamente desvairada, meio fora de si, desesperada por ter perdido o marido que contava 38 anos. E então ela batia palmas, gritando muito alto em sua imensa dor. E outro detalhe eram os acordes da “Marcha Fúnebre”, executada pela banda local, cujos sons jamais esquecerei. Eu assisti, muito espantado, a patética cena. O segundo evento de morte foi a passagem, em direção ao Hospital Bom Pastor, do corpo de David Minatto que havia sido esfaqueado, na Boa Vista, pelo Júlio Gato (que era parente da minha mãe, e que foi, depois, defendido pelo meu pai no processo). Ele estava em cima de um caminhão, coberto por lençóis cuja brancura revelava várias manchas de sangue dos ferimentos recebidos pelo infeliz. E, causando um contraste surrealista – digno de um filme de Buñuel –, no alto-falante da rádio Araranguá tocava a bela música mexicana “Tipitin”, de Maria Grever, na voz de Pedro Vargas. Como eu poderia esquecer isso?! Stop. Divaguei demais, a saudade me seduziu. Emaranhei-me um pouco no labirinto do passado. Como dizem os mineiros, “voltemos à vaca fria”...

A MORTE COSTUMA causar impressão forte, por isso nunca esqueci dois fatos ligados à “moura torta” (como dizia o Érico Veríssimo) em Araranguá.

Av. Getúlio em 1952 e a Drogaria Dino


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