Jornaleco 343 01 mar 2010

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Lony Rosa

lonyrosa@hotmail.com

Livre e louca

Pedro Bial não tem culpa

Às vezes penso que deveria ter nascido louca. Ou, talvez, ir endoidecendo com o passar dos anos é lá pelas tantas pirar completamente. É que a loucura é tão necessária nestes tempos em que todos buscam ser enganosamente normais demais. Acho que tudo que é demais é insensato, e a insensatez não é senão a loucura introvertida. Acabo achando esta normalidade muito chata! Todos tão loucamente tímidos e sem graça. Afinal, de neurastênico, esquizofrênico, esquisito, todo mundo tem um pouco, embora só quem ouse admitir passe a ser louco. Então, penso que se fosse legitimamente diagnosticada por um analista, que se diz coerente e acha que todos aqueles que mergulham em seu divã são comprovadamente dementes, eu seria livremente louca da cabeça, de sangue... Só não seria louca de pedra, pois minha insanidade vem do coração e, assim, seria pulsantemente doida e feliz. Só eu sei o quanto sofro por não poder surtar como queria. Já tentei terapia e até regressão. Pedi alta ao psiquiatra: “com licença, ser certinha é o que me mata”. Não preciso de pílulas, adoro dormir. Muito menos de estimulantes, adoro viver. Mas preferia ser louca, um tiquinho que fosse, só para poder fazer. O quê? Tudo aquilo que só quem é louco pode. Não preciso listar para você, basta pensar em tudo que já sentiu vontade e não pode fazer, por não ser. Ou melhor, por não ser atestadamente insano, pois loucura você tem de sobra. Por estas e por outras que acho que sou um embuste, uma fraude, um engano. Afinal, desejo infringir, o tempo todo, a lei da normalidade sem culpa, mas como uma cidadã dita normal não posso. Me delato! Que me condenem e me classifiquem na condição de portadora de desvario crônico. Que me registrem alienada, alucinada, insensata. Que me digam maluca, pirada, tantã. Que me xinguem lunática, delirante, lelé. Só não me internem! Não tenho culpa de ser como sou. Nasci aparentemente normal, só depois resolvi que queria ser escritora. Por isso, peço que me permitam ser ilimitadamente livre, e suficientemente louca.

Minha gente, fui recentemente a São Paulo, por uma semana, e fiquei triste em ver tanto talento desperdiçado, tanto desemprego de sensibilidade nas artes. Grandes músicos, instrumentistas e poetas, estão literalmente desempregados. Os nossos ícones ainda são os mesmos, não há substitutos para Elis Regina, Baden Powell, Pixinguinha, Paulinho Nogueira, Jacob do Bandolim, Tom Jobim, Vinicius, Elizete Cardoso e tantos e tantos outros e outras que fizeram a nossa base, o nosso cerne musical e a ternura. Quem professa essa constatação e busca o seu sustento nesse porto está a deriva. Há um porquê de se viver do passado, sim. Por isso também veneramos Beethoven, Bach, Liszt, que é o que nos apruma na vida, o que ainda nos torna calmos e fraternos quando contemplamos uma flor. Há uma razão para não nos contaminar com canções de plástico e as belas estampas da mídia que semeiam o nada. Não vamos mudar porque comemos, consumimos o melhor da cultura brasileira. Essa juventude que está aí, vive um jejum há décadas e preenche os seus vazios com crack, álcool, violência e desamor. E assim caminha a humanidade. Mas essa água ruim não chega até nós, não. Beyoncé e outras máquinas humanas produzidas em laboratórios não vão nos envolver nessa engrenagem oportunista de valores. Por isso é que o romantismo ainda não morreu para uma grande parte da população, e nós, sonhadores incontestes, inteligentes e sábios, quando perdidos, nos reencontramos nos acordes e letras que ficaram nos nossos rastros, graças a Deus. Mudando um pouco o foco, o big bosta está aí mais uma vez batendo na telinha da tevê para invadir a sua casa. Vem, como sempre, extinto de qualquer cultura, alienante e eficaz nos cérebros da grande massa que engole essas fartas doses de desprazer. Seu apresentador, Pedro Bial, não carrega esse pecado na alma por mostrar essa chaga aberta. Ele é apenas um empregado. Faz o que lhe ordenam: dança, canta, chora, ri, solta pum, e só não voa porque bestas não têm asas. Enquanto isso vamos nos preparando para receber em nossos decentes lares esse non sense da tevê brasileira. Alguma emissora, destas poderosas, deveria fazer um reality show produzido em alguns gabinetes de parlamentares. Um nome sugestivo seria Big Brother Brasília, roteiro protagonizado por essa gangue que esconde dinheiro nos recônditos mais indiscretos da indumentária: cuecas, calças e calcinhas. Poderia ser apresentado pelo Arruda. Fala bem, tem uma cara bonachona de inocente e afirma que a terra é quadrada e que Napoleão Bonaparte era pagodeiro e desfilava na Mangueira. E quase convence! Não fosse pelas provas gritantes, ele, o Arruda, passaria por um injustiçado governador acusado injustamente pela oposição. Que não se reverta essa sábia, justa e insólita decisão, minha gente, senão vamos ter que pagar por injúria, calúnia e difamação. E na pior das hipóteses ainda vamos ser chamados de ladrões. Já é o melhor reality show nacional. Basta apenas oficializar.

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1º/03/2010 • ANO 16 • Nº 343 ESTA EDIÇÃO: 4 PÁGINAS

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H FUNDADO EM 18 DE MAIO DE 1994 H Ricardo Grechi CONTATOS Rossana Grechi DISTRIBUIÇÃO Gibran Grechi , Nilsinho Nunes ASSISTÊNCIA Guaraciara Rezende IMPRESSÃO Nei, Valdo, Welington NA GRÁFICA CASA DO CARIMBO DE A. César Machado EDIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

© Ricardo Francisco Gomes Grechi (reg. nº 99866 - prot. 4315/RJ, de 17/07/1995)

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JORNALECO ARARANGUÁ, 1o DE MARÇO DE 2010 • ANO 16 • Nº 343

Zé Maromba AIMBERÊ ARAKEN MACHADO HOJE, AS CASAS DE MADEIRA são raras (a não ser as pré-fabricadas, que não custam muito caro e são acessíveis às pessoas menos abastadas: basta ter um terreninho, faz-se a encomenda e a casa é colocada ali, pronta para morar). Como nasci numa casinha de madeira à beira do rio Jundiá, ficaram arquivadas, lá num cantinho da minha mente, lembranças felizes do cheiro de madeira nova, de serrotes cortando as tábuas; e, também, do batecum de martelos pregando assoalhos e forros, vez por outra ferindo o dedão de algum marceneiro. Cheguei até aqui justamente para falar de um desses profissionais: era o Zé Maromba, um sujeito grandão e bem-humorado. Na verdade, o Zé pertencia a uma família mais ou menos próspera, pois seus pais eram donos de uma boa propriedade; tinham algumas vaquinhas (o que lhes proporcionava uma renda extra da venda do leite), dois cavalos

Galeria Galeria Araranguá, como cidade, nasceu, bem aqui, onde hoje se avoluma, por causa do rio, que também lhe empresta o nome. Sustentou com fartura de peixes os primeiros araranguaenses. Trafegaram nele barcos cargueiros. Hidroaviões faziam escala em suas águas. Uma dádiva à nossa agricultura, é admirado pela beleza, maldito pelas enchentes e afogamentos, poluído até quase morrer. (RG) Populares e pescadores na margem do rio, em foto da década de 1940

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Araranguá localiza-se à latitude 28º56’05" Sul e à longitude 49º29’09" Oeste. O município fica a 13 metros acima do nível do mar. Segundo o IBGE, sua área é de 304 km²; em 2009, sua população foi estimada em 59.537 habitantes. Seu atual prefeito é Mariano Mazzuco.

ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL DE

ARARANGUÁ v i s i t e : w w w. a r a r a n g u a . n e t

e uma grande carroça, na qual transportavam frutas e verduras para comercializar em Araranguá (lembro que, quando passava defronte à nossa casa, o pai de Maromba, segurando as rédeas numa das mãos e o chicote na outra, gritava para o meu pai: “VOU À CIDADE, ‘seu’ Telésforo! Quer alguma coisa para lá?”). Meu pai, geralmente, nada queria. Apenas abanava, sorridente, para o bom homem, desejando-lhe uma “feliz viagem” (o que significava não ter transtornos numa estrada poeirenta ou lamacenta, ou então ter a sorte de não ser colhido por uma tempestade). Acho que, no duro mesmo, aquela era uma espécie de fórmula de sociabilidade entre os dois, e não necessariamente um oferecimento pra valer do velho fazendeiro. Gentileza entre vizinhos. Mas voltemos ao Zé Maromba. Certa vez ele foi contratado por meu pai para construir um paiol, que serviria para armazenar os cereais colhidos no sítio. Para mim, aquilo foi uma festa. Dispus-me, alegremente, a acompanhar todo o trabalho; ficava maravilhado

com a grande habilidade daquele homem rude, que ia erguendo, tábua por tábua, a construção. Primeiro fincou uns troncos bem grossos para o alicerce, é claro. Calculava o nível com uma linha, e por ele se orientava (o paiol não podia ficar torto, ora essa!). Quando a construção ficou pronta, senti-me um pouco cúmplice do Zé Maromba, pois ele, no final, disse ao meu pai: “O menino ajudou-me um pouco...”. Papai riu da piada, mas, no íntimo, não gostei da gozação. Na minha fantasia, tinha certeza de haver, mesmo, ajudado o carpinteiro. Depois, os meus irmãos – que eram uns tremendos gozadores – aproveitaram a deixa (papai havia-lhes contado sobre a minha pretensão), e assim a construção passou a chamar-se “o paiol do Aimberê”. E, se eles fizeram aquilo para chatear-me, saibam os leitores que o efeito foi justamente o oposto: aceitei, com orgulho, o honroso título; assim, ia, todas as tardes, mergulhar nas palhas de milho e pular sobre as sacas cheias de arroz e feijão. Afinal, aquele paiol era meu... ACERVO FCA


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