Jornaleco 445 01 jun 2014

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Enquanto o Celestino e o Periquito tinham suas cestas de vime, que conduziam alçadas ao braço, seu Nenê usava um carrinho de mão que empurrava, quase sempre, carregado. Quando tinha algo para vender, lá vinha do bairro Coloninha, onde morava, empurrando o seu carrinho à procura dos fregueses da Praça. Seu Nenê também era conhecido por “Nenê Gago”. Mas gostava de ser chamado somente de Nenê. Na verdade, ele não era gago. Por uma deficiência, tinha pro-

Ao pronunciar o nome do peixe que trazia, imediatamente se voltou para a mulher, dizendo: Antes de os grandes supermercados “Ih, dona, si lembei: é a digaçada da se estabelecerem na nossa cidade, eram milagaia!” (Ih, dona, me lembrei: é a comuns as pequenas casas de comércio de desgraçada da miraguaia!). secos e molhados – os armazéns, ainda hoje Já, num domingo pela manhã, lá existentes. A maioria deles era conhecida ia o seu Nenê com seu carrinho de mão pelo nome do seu proprietário. No centro cheio, “até a torda”, fazendo o seu cosda cidade, conheci o armazém do seu Elias tumeiro pregão: (Elias Jorge Elias), o armazém do seu Luiz “Hoze é bague! Ó a tainha! Hoze não Pereira, o armazém do seu Luiz Wendhaué pião, nem pamonha: hoze é ú pece sen, dentre outros. fresquinho!” (Hoje é bagre! UM ASPECTO DA “PRAÇA” NOS ANOS 40. A “Praça”, em Araranguá, não se referia apenas à Praça Diferentemente dos Hercílio Luz, de onde deriva o termo, mas ao perímetro central envolvendo, principalmente, a Olha a tainha! Hoje não é padrões de hoje, muitas própria Praça, a Rodoviária, a Getúlio desde a XV e o miolo da Sete. É um antigo tratamento dado pinhão, nem pamonha: hoje mercadorias eram armaze- pelos moradores dos bairros quando de suas incursões a trabalho, negócios ou lazer no centro da é o peixe fresquinho!). nadas a granel (sem emba- cidade, sede das grandes casas comerciais, farmácias, barbearia, alfaiate, cinema, banca de jornal, Em plena Praça Hercílio igreja, bares mais badalados, bancos, cartório, escritórios. Daí se dizer: “Fulano foi lá na Praça”, lagem), em caixões de “Preciso ir na Praça”. (RG) Luz, encontrou-se com o madeira com repartições, único médico da cidade, o uma para cada artigo, Dr. Sabino de Barros Lemos. normalmente as farinhas. Assim que viu o médico, Outras mercadorias eram ofereceu-lhe a mercadoria guardadas em sacos de 60 que apregoava. quilos. Nestes sacos arma“Hoze é pece fresquizenavam-se os grãos, o nho, dotô Sabino!” (Hoje é que não impedia a expopeixe fresquinho, doutor Linha de ônibus na esquina do Café Brasil sição deles nas portas dos Sabino!). estabelecimentos, cheios de mariscos ou blemas de dicção, “engolindo” ou trocanMas era costume da época, no almoço camarões salgados. do algumas letras em algumas palavras de domingo, ter como prato principal a Mas é óbvio que nem tudo se vendia em pronunciadas. galinha. Assim o médico declinou da armazéns. Para complementar o cardápio Por isso, o seu pregão era especialmente oferta, respondendo: da população com alimentos sempre diferente. Alguns deles, ficaram conheci“Não, seu Nenê, hoje é domingo, hoje novinhos e às vezes quentinhos de forno e dos pelos araranguaenses daquele tempo: a gente come galinha!” fogão, havia os vendedores ambulantes. “Ó ú pião!” (Olha o pinhão); O Nenê calou-se e foi em frente. Araranguá foi terra de muitos profissio“Ó ú pece!” (Olha o peixe); Um dia qualquer da semana, depois nais que faziam deste tipo de comércio o “Hoze é bague e não é tainha!” (Hoje é deste encontro, lá vinha o Nenê na sua seu sustento. Dentre eles, destacamos o bagre e não é tainha); faina diária para ganhar o pão. Periquito, o Celestino e o seu Nenê Gago. “Hoze é a milagaia!” (Hoje é a mira“Hoze é a pamonha quentinha! Hoze O Periquito tinha este apelido por ter guaia). não é pece, não é bague nem tainha! Hoze o dedo polegar do pé voltado para dentro. Dentre os causos que o povo registrou é a pamonha quentinha!” (Hoje é a O Celestino era mais famoso pelo seu pa- do seu Nenê e seus clientes, citaremos dois. pamonha quentinha! Hoje não é peixe, não lavreado simplório, e o seu Nenê Gago “Seu Nenê, qual o peixe que o é bagre nem tainha! Hoje é a pamonha foi conhecido pelos seus pregões originais. senhor tem hoje?”, perguntou uma dona quentinha!). O Celestino e o Periquito vendiam de casa ao vê-lo passar. À certa altura, encontrou o doutor Sabino pequenas frutas, verduras e produtos de Pego desprevenido, o vendedor respon- que, ao vê-lo se aproximar, perguntou-lhe: forno e fogão. O seu Nenê comerciava tudo deu: “Ih, dona, ciquici!” (Ih, dona, me “Seu Nenê, hoje o senhor tem peixe?” o que coubesse em seu carrinho de mão. esqueci!). De pronto, o vendedor deu ao médico Ora vendia frutas e verduras, milho verde, Continuando o seu caminho, reiniciou o troco bem humorado da resposta do pamonha, pinhão e até galinha, normal- o pregão: domingo anterior: mente viva. Mas o seu produto principal “Ó ú pece! Hoze é a milagaia...” (Olha “Não, Dotô! Hoze o sinhô come era mesmo o peixe. o peixe! Hoje é a miraguaia...). galinha!” z Fone/Fax: 3524-5916

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10/06/2014 • ANO 21 • Nº 445 ESTA EDIÇÃO: 4 PÁGINAS

Distribuição gratuita Periodicidade quinzenal Tiragem: 1.000 exemplares

H FUNDADO EM 18 DE MAIO DE 1994 H

UMA PUBLICAÇÃO

EDIÇÃO E DIAGRAMAÇÃO Ricardo Grechi CONTATO Rossana Grechi DISTRIBUIÇÃO Gibran Grechi, Nilsinho Nunes ASSISTÊNCIA Guaraciara Rezende IMPRESSO NA GRÁFICA CASA DO CARIMBO DE Rosa e Aristides César Machado PRODUÇÃO Nicolas FOTOLITO David PAPEL Toninho IMPRESSÃO Welington, Valdo

ORION EDITORA

© Ricardo Francisco Gomes Grechi (reg. nº 99866 - prot. 4315/RJ, de 17/07/1995)

Calçadão Getúlio Vargas, 170 88900.000 Araranguá - SC - Brasil jornalecocultural@yahoo.com.br

JORNALECO ARARANGUÁ, 10 DE JUNHO DE 2014 • ANO 21 • Nº 445

Mané Tinheco partiu aos 98 anos, na madrugada de 23 de maio. O Jornaleco n0 178, de 15 de abril de 2003, fez uma homenagem a ele, com um texto de Clóvis Fantin.

“...dos tempos antigos de Itoupava, diz que os primeiros moradores tiveram muito cuidado com os índios. Penduravam cabaça com mel, farinha e outras coisas nos matos e deixavam lá para que os índios pegassem. (...) ...um inventou de deixar cachaça e os índios se embebedaram. Pensaram que fora tentativa de envenenamento. Pra quê? Viraram a perseguir o homem.” SIGA EM HISTÓRIAS DO GRANDE ARARANGUÁ, JOÃO LEONIR DALL’ALBA, ORION, 1997 (DEPOIMENTO DE JOÃO CAMILO FERREIRA, PÁG. 186)

Animados por gaitas de oito baixos e violeiros descartáveis, o salão amanhecia repleto de casais e os bailes só terminavam quando surgia o tal reumatismo nos dedos do gaiteiro.

Mané Tinheco Ele é filho de João e Maria Alves Bitencourt, e nasceu em Itoupaba, em 25 de outubro de 1915. Ele é Mané Tinheco. Logo estará completando 88 anos de idade [98 anos ao falecer], e, quando dia 17 de setembro chegar, junto de sua eterna esposa Maria, estará comemorando 70 anos de uma feliz união matrimonial [agora estava viúvo há cerca de quatro anos]. João Bitencourt Filho (Joanin), Santo, Laura, Gilmar e Áurea (in memoriam) são os filhos do casal, que possui 17 netos, oito bisnetos e quatro tataranetos. É o próprio Mané que lembra com saudade do inesquecível salão de baile denominado “Barriga Verde”, localizado lá pelas bandas de Itoupaba, do qual era proprietário. “Na época, havia mais revólveres e facas que copos”, afirma ele.

ESPECULANDO

FOTOGRAFIA ANTIGA

Eis a entrada (um mês atrás diríamos saída) do hoje Calçadão. Na esquina de cá, o prédio da Gomes-Garcia; de lá, do Café Brasil (como anuncia a placa na marquise1; a placa na sacada diz GEA2, onde deve ser a sede do Grêmio Esportivo Araranguaense). A guerra acabou há quatro anos, mas o monumento ao combatente araranguaense Iracy Luchina, morto na Itália, ainda será construído no local onde há um poste (tipo coluna) com uma bola branca em cima3 (na bola do outro poste, na esquina do Café Brasil, pode se ler “Energia”). Dois dos prédios lá adiante ainda existem: do Ghizzo4 e o do primeiro Cine Roxy5. Um arvoredo lá embaixo é o fim da avenida6. (RG)

VISITE: WWW.ARARANGUA.NET

Vindo de muda para Morro dos Conventos, Mané Tinheco trabalhava muito ainda, até se aposentar. Sempre muito garboso ao trajar-se, não dispensa sua fatiota de colete e chapéu de aba curta, do tipo beijar santo de parede. Fiel devoto da Mãe dos Homens, ainda encontra pernas para ir a pé do Morro dos Conventos a Araranguá. Destesta carona. De passos firmes, olhar esguio, considera-se um cientista político e geralmente suas previsões são acertadas. Romântico, ele fala com muito amor de sua fiel companheira Maria. Diariamente ensaiam juntos uma relaxante caminhada pelas ruas do balneário Morro dos Conventos. Sente-se liquidado quando é atacado por uma gripe. Com ela confina-se em sua modesta casa e dela só sai após tomar o décimo-quinto copo de chá, feito especialmente pela sua Maria. Vez e outra ele participa animadamente das atividades do CIARTE, e considera o Morro dos Conventos uma das mais belas obras da Mãe Natureza. É incontável sua grande legião de amigos. Certa feita, um deles, referindose ao Mané, afirmou: “Quem o conhece, chora; que dirá quem lhe quer bem”. z

Avenida Getúlio Vargas, em 1949 (atual entrada do Calçadão, sentido à XV)

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por Cláudio Gomes

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“Hoze não é pece, não é bague nem tainha! Hoze é a pamonha quentinha!”

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Seu Nenê Gago e seus pregões


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