Blog de Papel # 10

Page 1

Edição 10

Porto Alegre Junho de 2019 Venda Proibida ESPM Porto Alegre Edição 8 Porto Alegre Dezembro 2018 Venda Proibida ESPM-Sul

Carla Carvalho “A maior dificuldade foi o contato com as pessoas, porque em relação ao outro a gente nunca sabe o que esperar. Então construir matérias com base em depoimentos foi desafiador.”

Júlia Guarienti “Quando há uma ideia de pauta, tu precisa sintetizar cada vez mais até chegar em um foco. Acredito que é o mais difícil.”

Júlia Berrutti

Júlia Barros

“Acho que foi a parte de entrar em contato com as pessoas, que é uma coisa muito essencial do jornalismo. Acabamos dependendo do outro. Mas foi muito recompensador. A gente aprende a entrar em contato. Coisas que a gente não aprenderia se não tivesse essa cadeira.”

“Sair da zona de conforto para me inserir em diferentes contextos e tentar fazer parte da história que estou contando. Me colocar no lugar do outro, para poder abordar a realidade de diferentes meios, foi transformador.”

Vinícius Umann “A maior dificuldade foi reescrever várias vezes algo em que eu já tinha dado o meu máximo.”

Rafaela Knevitz “Com toda certeza, a apuração. Uma reportagem não se faz pela internet, é necessário que a gente tenha contato com a fonte, converse cara a cara, para se aprofundar na história.”

Giulia Marques “Com certeza minha maior dificuldade foi com a disponibilidade de horários das fontes. Além disso, como as entrevistas foram feitas em espanhol, a diferença de idiomas foi um ponto desafiador.”

Gabriel Conversani

Márcia Fernandes

“Ajustar as imagens aos objetivos criativos e jornalísticos do texto.”

“Acho que o maior desafio é encontrar uma notícia que faça a diferença entre tantas pautas interessantes.”

Foto: Júlia Barros

Diário do Blog Dezoito reportagens, muitas entrevistas e um longo processo de apuração. O semestre foi desafiador para os futuros jornalistas da disciplina de Produção e Edição de Reportagem I. Orientados pela professora Ângela Ravazzolo, os estudantes comentam sobre os desafios que marcaram os bastidores das reportagens para as versões digital e impressa do Blog de Papel.

Jornal da Faculdade de Jornalismo ESPM-Porto Alegre

Foto: Bianca Costa

Impedimento só no jogo Mesmo enfrentando preconceito, elas conquistaram a mídia e os estádios por meio do futebol páginas 5, 6 e 7


Editorial

Expediente

Cardápio de diversidade Escrever é sempre um desafio: transformar em palavras aquilo que se observa, se ouve e se pensa. Escrever textos jornalísticos exige saber olhar, escutar e ainda escolher entre frases, informações, números, discursos... É um trabalho exigente e ao mesmo tempo criativo e inesperado. Por isso é tão interessante e apaixonante. A edição número 10 do Blog de Papel reúne em 12 páginas os desafios individuais de nove repórteres. Cada um a sua maneira, eles se dedicaram a pensar, produzir e traduzir em frases e imagens os encontros que resultaram nas reportagens. Os temas escolhidos compõem um panorama diverso e provocativo. Por exemplo: você sabe quantas mulheres atuam como árbitras de futebol no Rio Grande do Sul? Uma pista: menos do que poderia ser, ainda será preciso percorrer um longo caminho nos campos de futebol. Além dos três textos que tratam de futebol e mulheres, o cardápio de leitura desta edição do Blog de Papel reúne ainda um debate sobre as exigências do cotidiano universitário, a visibilidade da bissexualidade, os patinetes nas ruas de Porto Alegre, a vida de uma família venezuelana, geladeiras de livros e as dificuldades de quem está retirando a carne do cardápio. Um lembrete: antes de encerrar a leitura, confira na contracapa os depoimentos de quem produziu o Blog, com detalhes sobre os bastidores e os desafios desta edição.

O jornal BLOG DE PAPEL é uma publicação dos estudantes do 3º semestre do curso de Jornalismo da ESPM-Porto Alegre. Coordenação do Curso de Jornalismo: professor Dr. Alessandro Souza e professora Dra. Rôsangela Florczak. Equipe da Edição Número 10 (Junho de 2019): Carla Carvalho, Gabriel Conversani, Giulia Marques, Júlia Barros, Júlia Berrutti, Júlia Guarienti, Márcia Fernandes, Rafaela Knevitz, Vinicius Umann. Foto de capa: Júlia Barros. Coordenação Editorial: professora Dra. Ângela Ravazzolo. Monitor da Disciplina: Edson Haetinger. Coordenação do Design Editorial e Produção Gráfica: professor Me. Marshal Becon Lauzer. Criação do nome do Jornal Blog de Papel desenvolvido por Micaela Ferreira e Richard Koubik e projeto gráfico por Eduardo Diniz e Marcos Mariante. ESPM-Sul – Rua Guilherme Schell, 350 e 268 Santo Antônio – Porto Alegre – RS, 90640-040 – Fone: (51) 3218-1300.

Professora Ângela Ravazzolo

Sumário

3

Não é frescura: é a saúde mental dos universitários Júlia Berrutti

4

Nova onda em Porto Alegre: os aplicativos de patinetes Gabriel Conversani

5 2

Mulheres em campo: histórias por trás do apito Júlia Barros

6

O futebol feminino começa a conquistar a mídia Júlia Guarienti

9

A história de quem foi forçado a sair da Venezuela Giulia Marques

7

Agora é a vez delas Rafaela Knevitz

10

Projeto leva leitura para as ruas de Eldorado do Sul Vinícus Umann

8

O B de LGBT é de quê? Carla Carvalho

11

Nua e crua: as escolhas até virar vegetariano Márcia Fernandes

Comportamento

Nua e crua: as escolhas até virar vegetariano Os dilemas de quem retirou a carne do cardápio Márcia Fernandes Na casa de Ellen Silveira, qualquer data é motivo de churrasco. Quando ela está em um dos almoços da família, alguém sempre faz algum comentário: “Ela é a tristeza da família, vai comer arroz e salada.” Além da ansiedade de estar nessa transição de tirar a carne da sua alimentação, os vegeterarianos têm que escutar esse tipo de comentário. A reportagem do Blog de Papel conversou com dois vegetarianos que estão em transição, Ellen Silveira e Vitor Souto. Ellen é estudante de gastronomia, tem 22 anos e trabalha como cozinheira em um restaurante de Porto Alegre. Ela ficou dois anos sem comer carne, mas depois passou a cursar faculdade de gastronomia e não resistiu à tentação: “Eu tentei ser vegetariana por dois anos, mas como escolhi um curso que exigia que eu experimentasse o que eu cozinhasse, acabei comendo carne outra vez. Mas agora eu quero tentar de novo.” Desde março deste ano, Ellen está tentando voltar a sua rotina de vegetariana. Ela não costumava comer churrasco, mesmo assim era apegada à carne: “A minha comida favorita é sushi, então foi bem difícil largar a carne branca. Comecei tirando a carne vermelha, por último foi a carne branca. Tem sido difícil por enquanto, mas acredito que é questão de se acostumar de novo.” Um dos obstáculos que ela destaca é se o prato que cozinha envolve carne, ela não pode provar. Ellen também encontra dificuldades no trabalho, como algumas brincadeirinhas quando vai lanchar: “As pessoas do serviço às vezes fazem comentários nada a ver, como, por exemplo, dizendo

que eu preferiria estar comendo um bacon ou que minha comida não tem graça porque não tem carne. Realmente eu poderia estar comendo um bacon, mas eu escolhi não comer e estou bem com essa decisão.” Como um de seus motivos, Ellen defende a proteção dos animais: “Eu acho que o animal também sente, então temos que nos conscientizar, sendo uma forma de tornar o mundo melhor.”

Tentação na geladeira Esse ideal de defender os animais é também de Vitor Souto, de 22 anos. Ele estuda Publicidade Propaganda e está nessa transição na alimentação há dois meses. Sua família vive da renda da pecuária e da agricultura, em uma fazenda em Quaraí, na fronteira com o Uruguai. Desde criança, ele tem esse contato com a caça, a pesca, e a carne: “Era comum para mim carnear, eajudava meus pais na fazenda e assistia o abate de alguns animais, sendo uma coisa banalizada na minha infância. Por essa questão também, minha família comia churrasco todo fim de semana, tendo comemorações ou não, então eu sempre tive esse vínculo com a carne.” Vítor cresceu com a sua família e veio morar em Porto Alegre sozinho. Ele cozinha a sua própria marmita e um dos seus pratos favoritos é arroz, feijão e lentilha. Por isso considera fácil encontrar comida, tanto dentro quanto fora de casa. Ele começou a pensar em virar vegetariano no início de 2017: “Eu fiz uma viagem e entrei em um momento espiritual, então comecei a pensar diferente, a questionar

Foto: Márcia Fernandes

11

Ellen aposta no sanduíche de abobrinha, cenoura, milho e uva passa minhas atitudes em relação aos animais.” Ele teve algumas recaídas em sua tentativa de virar vegetariano e uma delas foi na Páscoa: “Eu fui para casa dos meus pais e, quando cheguei na cozinha, vi um prato com um pano em cima e já senti cheiro de carne. Era churrasco. Nesse momento, não consegui me conter, coloquei um prato com a carne para aquecer e comi tudo. Ali foi a semana inteira comendo carne, depois eu parei e segui com o meu plano de virar vegetariano. Desde então, estou há dois meses sem carne.” Na infância, Vitor teve experiências como caçar animais, assistir ao pai trabalhando na fazenda e a mãe cozinhando uma carne para o almoço da família: “Quando era pequeno, costumava acompanhar meu irmão mais velho nas caçadas, e a gente caçava lebre, capivara.” Depois da caçada, o pai abatia os animais no galpão para poder vender e, enquanto eles estavam nessa função, a mãe cozinhava o almoço, que normalmente envolvia carne no cardápio. Com o tempo, Vitor mudou o seu pensamento. Agora o ideal do estudante é proteger os animais, e uma forma que ele encontrou para isso foi tornando-se vegetariano.

CUIDADOS COM A ALIMENTAÇÃO Comer mais proteínas e se alimentar muito bem com leguminosos: feijão, lentilha, soja, ervilha, tofu, grão de bico, entre outros alimentos desse tipo. Ingerir mais alimentos integrais, como arroz, cereais e massas. Garantir boas fontes de Ômega 3 (chia e linhaça).

Dosar os níveis de vitamina B12 (leite, iogurte, pudim de soja). Consumir mais água, pois ela potencializa as fibras na alimentação.

Equilibrar os nutrientes. Na transição, ir devagar. procurando acompanhamento de um nutricionista. Fontes: nutricionistas Daniela Flores e Maria Julia Rosa


Educação

3

Comportamento

Não é frescura: é a saúde mental dos universitários

Doações de livros são fundamentais para o incentivo e a expansão da literatura nos bairros do município

A importância da atenção especializada dos núcleos de apoio aos estudantes nas faculdades

Vinícius Dias Valiente Umann

Júlia Berrutti

A Biblioteca Pública Municipal de Eldorado do Sul, região metropolitana de Porto Alegre, está distribuindo gelotecas pelas praças da cidade. As gelotecas são geladeiras revitalizadas com pinturas e desenhos e que contêm livros, disponíveis para toda a comunidade em qualquer horário. O objetivo é incentivar a leitura para além dos muros da biblioteca. A iniciativa faz parte do projeto Biblioteca em Movimento, que consiste em ações que espalham a literatura pelos bairros de Eldorado do Sul. “A ideia era transcender as paredes da biblioteca e oportunizar a leitura para a comunidade, até mesmo em horários diversificados”, diz Roselaine Vargas Bicca da Costa, 48 anos, professora e bibliotecária na rede municipal de Eldorado do Sul há dezoito anos e idealizadora do plano. Atualmente, a biblioteca abre de segunda a sexta, das 8h às 12h e das 13h às 17h. Segundo a professora, o expediente é considerado inacessível para grande parte da população da cidade, por se tratar de um horário comercial em que as pessoas normalmente estão trabalhando ou estudando. Dessa forma, a professora sentiu a necessidade de desenvolver uma ideia que precisava gerar o menor custo possível para o município e que expandisse a literatura além do horário normal. Assim surgiu a primeira geloteca inspirada em sucessos ocorridos em outras cidades do Rio Grande do Sul, como Dois Irmãos e Viamão. Ao todo, hoje são seis gelotecas distribuídas nos bairros Delta, Parque Eldorado, Centro Novo, Progresso, Centro e Itaí, respecti-

10

Foto: Vinícius Umann

Projeto leva leitura para as ruas de Eldorado do Sul

Geloteca do bairro Itaí, última entrega feita à comunidade, em maio. vamente. A quantidade de livros dentro da geladeira depende do tamanho, que normalmente guarda entre 60 e 80 obras de literatura infantil, infanto-juvenil e adulto. Além disso, em todas as gelotecas a imagem da Lisa Simpson - da série Os Simpsons - está presente pela forma estudiosa que a personagem se apresenta no desenho. Diversas pinturas relevantes à literatura, como livros e mensagens de inspiração, também estão destacadas. Ainda possuem instruções de uso dentro e fora das geladeiras, explicando objetivamente o funcionamento: “Pegue, Leia, Compartilhe, Devolva”. As pessoas podem acessar livremente, em qualquer horário, sem a necessidade de cadastros de empréstimos e de prazos estabelecidos para a devolução. Basta pegar um livro e, após realizar a leitura, devolver à geloteca.

As geladeiras e livros destinados para o projeto são doações da população para a biblioteca. Elas são transportadas pelas próprias pessoas ou com a ajuda da Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Desporto e Lazer (SMEC), que disponibiliza transporte. A professora Roselaine lembra que sejam doados apenas obras de literatura infantil, infanto-juvenil e adulto. Segundo ela, “não é a ideia do projeto colocar livros didáticos nas gelotecas”. Josiene Niesciur, 32 anos, bibliotecária concursada de Eldorado do Sul há três anos e parceira do projeto, comenta que a ideia incentiva pessoas que não possuem condições financeiras para comprar um livro. “Na cidade, temos muitos casos de pessoas que não têm acesso ou condições de investir em educação. Portanto, as gelotecas

são uma ferramenta extraordinária para o desenvolvimento geral da população”. Quem confirma a importância da geloteca em Eldorado do Sul são os irmãos Matheus Almeida da Silva e Isabelle Almeida da Silva, com doze e oito anos, respectivamente. Eles são estudantes do ensino fundamental e usuários da geloteca. “Essas geladeiras servem para ajudar as pessoas a aprenderem a ler. Também é legal para poder conhecer muitas histórias novas”, afirma Matheus. Isabelle acrescenta, dizendo que é uma oportunidade para os leitores trocarem seus livros antigos por novos, abrindo caminho para uma geloteca rica em conteúdo. Roselaine afirma que é de grande importância a continuidade do projeto por parte da comunidade. Afinal, as gelotecas são fruto de um pedido das pessoas que queriam utilizar a biblioteca e não podiam, por causa do horário. ”Contamos com o bom senso das pessoas para que mantenham as gelotecas em bom estado, sem degradações, e que continuem a incentivar a leitura por si próprias”.

Doações para o projeto Quem decidir doar deve entrar em contato pelo telefone (51) 3481-3909 ou inserir os livros diretamente em uma geloteca.

A insegurança ao ter que escolher uma profissão. A falta de motivação para estudar. O “branco” logo antes de fazer a prova. O medo de não conseguir notas altas o suficiente para avançar no curso. Situações como essa têm se tornado cada vez mais comuns entre estudantes universitários. De acordo com uma pesquisa feita pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), 83,5% dos graduandos tiveram dificuldades emocionais que interferiram na vida acadêmica no período de um ano. Além disso, o índice de estudantes com pensamentos suicidas aumentou em relação à pesquisa feita em 2014 - algo a ser levado em conta considerando que o suicídio é a segunda maior causa de morte entre adolescentes de 15 a 29 anos, segundo a OMS. Existem diversos fatores que podem contribuir para desencadear sintomas de ansiedade e depressão. A universidade demanda do jovem adulto a habilidade de enfrentar novas situações e a capacidade para lidar com pressões externas. Tudo isso somado à exigência de uma vida acadêmica bem-sucedida. “Essa entrada da vida adulta é um momento em que muitas psicopatologias acabam aparecendo. Seja pela transição para a vida universitária ou até mesmo por fatores biológicos”, explica a professora e psicóloga Ana Cristina Dias, uma das coordenadoras do Núcleo de Apoio ao Estudante (NAE) da UFRGS. Situações típicas da vida universitária acabam sendo vistas pelo estudante não como tarefas a serem cumpridas, mas como desafios quase impossíveis de ultrapassar. De acordo com Ana Carolina Faedrich dos Santos, psicóloga e coordenadora do Núcleo de Apoio Psicopedagógico (NAP) da UFSCPA, tanto

depressão quanto ansiedade, os transtornos mais comuns, “estão relacionados com aprender a lidar com aquilo que não dá certo. Compreender que só porque não deu certo hoje não significa que não tvai dar amanhã.”

Pesquisa indicou que 83,5% dos graduandos entrevistados tiveram dificuldades emocionais que interferiram na vida acadêmica no período de um ano Por essa razão, existem os núcleos de apoio aos universitários. O NAE e o NAP têm como objetivo ajudar os estudantes a organizarem sua vida acadêmica. Embora tanto o NAE quanto o NAP tenham como foco promover ações voltadas à saúde mental, possuem funcionamentos difeFoto: Júlia Berrutti

rentes. O NAE/UFRGS não disponibiliza psicoterapia, mas oferece aconselhamento de carreira (grupo e individual), palestras e atividades de formação para técnicos e professores. Em atuação conjunta com a Pró Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE), o Núcleo visa a atender estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, encaminhando-os para o Sistema Único de Saúde (SUS). Meg Borba, 33 anos, graduanda de Educação Física, conta que conheceu o serviço enquanto cursava uma disciplina de alto grau de exigência. “No dia em que tinha que apresentar um trabalho, não consegui sair de casa. Quando conversei com a professora, ela me encaminhou para o atendimento.” Na UFCSPA, o NAP é responsável pelo programa de tutoria, um acompanhamento ao longo da graduação disponível para todos os cursos. “Também temos plantão e horário de triagem para facilitar o acesso aos estudantes”, diz Ana

Carolina. O Núcleo realiza oficinas de organização dos estudos e gestão do tempo. “Oferecemos também psicoterapia com os estagiários da psicologia clínica, focada no tratamento de transtornos”, completa. Para a estudante de Ciências Sociais Giulia Pereira, 19 anos, o ambiente competitivo e a pressão por bom desempenho podem ser um gatilho para ansiedade e depressão. Ela relata que “por mais que se reconheça a importância do NAE, não é algo visto na prática. Ainda há carga excessiva de trabalho, pouco diálogo e um certo desrespeito com as dificuldades de cada um.” A psicóloga do NAE ressalta que “cada vez mais, são exigidas uma série de competências no mercado de trabalho para as quais a escolarização não está preparando.” Por isso, os núcleos de atendimento das universidades têm se tornado fundamentais, já que visam a criar um ambiente mais saudável para os universitários.

Quando se entra no ensino superior, você é considerado um adulto. Contudo, isso não necessariamente significa que você está pronto para ser. Ana Cristina Dias, psicóloga da UFRGS


Transporte

Nova onda na cidade: os aplicativos de patinetes Apesar de facilitar a locomoção, chama a atenção a existência de acidentes envolvendo patinetes elétricos

Gabriel Conversani Em fevereiro de 2019, o aluguel de patinetes elétricos por meio de aplicativos se tornou uma prática comum em Porto Alegre. Este tipo de transporte tem sido oferecido pelos aplicativos Grin e Yellow, e quem tiver interesse deve baixar um desses serviços. O principal questionamento de muitas pessoas envolve a qualidade do serviço. Víctor Moreno, empresário de 28 anos, anda de patinete elétrico todo dia para ir e voltar do trabalho. Para ele, o serviço de aluguéis de patinetes é ótimo, pois não precisa gastar com Uber ou Táxi, e se sente muito mais à vontade do que em um ônibus. “Dez anos atrás, eu tinha que ou pegar um ônibus ou esperar uma eternidade para pegar um táxi. Com o surgimento do Uber, pude me deslocar com mais facilidade, mas ainda dependia de uma outra pessoa vir me buscar. Com os patinetes elétricos, eu dependo de mim, o que me gera conforto emocional e temporal”, afirma Víctor. O estudante de direito Rodolpho Jaques, de 18 anos, se sente inseguro com a grande quantidade de patinetes nas ruas. O jovem afirma ter receio de ser atropelado por um patinete, e anda de maneira mais cautelosa na rua. Essa questão é precisamente o ponto que traz os maiores questionamentos a respeito dos patinetes: a existência de acidentes envolvendo os aparelhos. A engenheira civil Cristine Nodari, 50 anos, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especializada em transporte, afirma que a maneira de solucionar este problema é com treinamentos a todas as pessoas que andam de patinete elétrico. Ela

4

afirma que gostaria de dizer que todos os adultos são capazes de andar de patinete sem treinamento, utilizando seu bom senso, mas isso não acontece. Sendo assim, Cristine diz que é muito importante que haja um treinamento, pois quem anda de patinete afeta o deslocamento de pedestres e demais motoristas, o que torna obrigatório que respeite as leis de trânsito. Em relação ao jeito correto de se andar no veículo, a engenheira de trânsito afirma que quem está sobre o patinete deve ter bom senso para andar na velocidade correta. Quando anda em uma via, precisa cuidar para não atrapalhar o trânsito com sua lentidão. Por outro lado, na calçada, não pode colocar sua vida e a de outras pessoas em risco com uma velocidade exagerada. Cristine ressalta que, quando o motorista do patinete freia, o objeto para antes do corpo humano. Ou seja, se o patinete está muito rápido e você o freia repentinamente, o equipamento vai parar, mas o seu corpo vai continuar indo para frente. A falta dos cuidados citados pode levar a casos como o de Débora Barros, fisioterapeuta de 37 anos, que teve o seu pé atropelado por um patinete há dois meses. “Eu estava caminhando na calçada da Avenida Protásio Alves, quando vi um patinete vindo rápido em minha direção. O motorista tentou parar, mas não conseguiu. Nunca pensei que seria atropelada por um patinete, mas agora me sinto um pouco insegura quando caminho, pois não sei mais o que esperar”. Débora não fraturou nenhum osso, mas sofreu um corte e precisou levar pontos.

Foto: Gabriel Conversani

Especialistas alertam que é preciso cuidado nas ruas para evitar acidentes

É muito importante que haja um treinamento, pois quem anda de patinete afeta o deslocamento de pedestres e demais motoristas. Cristine Nodari, professora da UFRGS

O que você deve fazer para alugar patinetes?

1 2 3

Ter mais do que 18 anos Baixar o aplicativo Grin ou Yellow e fazer o cadastro (você deve possuir cartão de crédito) Quando desejar, solicitar pelo aplicativo um patinete

4

O aplicativo irá indicar a localização do patinete mais próximo

5

Se dirigir ao local indicado e retirar o patinete

6

Após a utilização, sinalizar ao aplicativo e deixar o patinete no lugar indicado.

9

Internacional

A história de quem foi forçado a sair da Venezuela As dificuldades encontradas por uma entre tantas famílias que tiveram o refúgio como a única opção

Giulia Marques Ausência de alimentos nos supermercados, medicamentos nas farmácias e utensílios médicos nos hospitais. Inflação em crescimento exacerbado e violência nas ruas. Essa é a atual conjuntura social, política e econômica da Venezuela. A situação obriga cidadãos a se deslocarem de forma forçada para outros países, como foi o caso dos irmãos Zara Rodriguez e Ricardo Abrahán Rodriguez, que precisaram migrar para o Brasil. A decisão não foi fácil de ser tomada. Deixar a família, os amigos e até mesmo o próprio filho causou muita dor à estudante de odontologia de 26 anos Zara, que em julho de 2018, acompanhada de seu marido, Nelson Franceschi, cruzou a fronteira entre Venezuela e Brasil em busca de melhores condições de vida. O casal residia em Upata, cidade que fica a seis horas de Boa Vista, em Roraima, onde há abrigos para refugiados como eles. Já no local onde ficou por dois meses, denominado Centro de Recepção, Zara descobriu que estava grávida, fato que a colocou como prioridade na lista de venezuelanos encaminhados para o Brasil. Ainda em Roraima, o casal sofreu xenofobia diversas vezes. “Os comerciantes nos mandavam embora caso pedíssemos por alguma informação, diziam que ali não havia emprego ou comida para venezuelanos, sendo que apenas estávamos pedindo ajuda”, afirma Zara.

A chegada ao Brasil Ter o apoio de uma organização internacional como a ONU foi um grande alívio para o casal, que chegou à cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul, no dia 12 de setembro do ano passado. A partir daquele ponto, lhes foi garantido o direito a alimentação, moradia e vestuário.

Foto: Giulia Marques

Zara e Ricardo atualmente residem em uma casa alugada, na cidade de Canoas Por exatos seis meses, recebiam alimentos em grande quantidade e roupas de boa qualidade. Porém, muito além da ajuda da ONU e da Prefeitura da cidade, quem realmente fez a diferença foram Sara Oreste, artesã de 65 anos, e Mario Antônio Oreste, aposentado da Petrobras de 66 anos, que os receberam de forma completamente voluntária e que, a partir daquele momento, se tornaram sua família no Brasil. O casal organizou cursos de português e artesanato para os diversos refugiados como Zara e Nelson, que aprenderam o básico do idioma e também uma ocupação inicial, tornando mais fácil o reestabelecimento de suas vidas. Apesar da quase formação em medicina na Venezuela, Nelson passou a trabalhar em hotéis e shoppings, o que trouxe melhores condições. Mas Zara não conseguia esquecer o filho, Xavier Rodríguez, de 8 anos, que não fez a passagem para o Brasil juntamente da mãe por conta

do duro processo de imigração. Oito meses depois, a estudante de odontologia finalmente teve seu menino de volta, trazido pelo tio Ricardo Abrahán Rodríguez, arquiteto de 34 anos que agora também está em situação de refúgio no Rio Grande do Sul. Atualmente, a família reside em uma casa alugada e está à procura de uma escola próxima para o pequeno Xavier.

econômica para a Venezuela. “Se o governo tivesse transformado a matéria-prima em nossa moeda, não estaríamos passando por isso, mas devido à corrupção, isso não acontece”, afirma Ricardo. Ao chegar ao Brasil acompanhado de seu sobrinho, ele sofreu diversos insultos dentro de aeroportos. “Diziam que eu estava roubando a criança”, relembra o arquiteto. Após pedir auxílio aos advogados da Defensoria Pública da União, conseEconomia em crise guiu entrar no país, trazendo Xavier Como arquiteto, não havia diretamente para os braços da mãe. mais motivos para Ricardo ficar na Apesar da saudade e do desejo Venezuela, já que as oportunidades de retornar à Venezuela, ambos os de emprego estavam escassas ou irmãos concordam que somente nulas. Devido aos grandes índices voltariam a viver lá caso a situação de inflação, as construtoras haviam mudasse drasticamente. Apenas interrompido suas atividades. O quando houver novamente oportuirmão de Zara denuncia os esquenidades e qualidade de vida, em um mas de corrupção que acontecem no cenário onde todos possam adquirir país: grande parte das matérias-pri- produtos de primeira necessidamas produzidas é vendida de forma de, não passem fome, não tenham ilegal para países próximos, o que medo e possam se expressar livrenão gera nenhum tipo de melhora mente.


O

B

de LGBT é de quê?

Bissexualidade, seus preconceitos sociais e a invisibilização

Coletivo paulista debate representação

Carla Carvalho Criado pelos ativistas Wendy Curry, Michael Page e Gigi Wilbur, o dia 23 de setembro é considerado o Dia da Celebração Bissexual. A orientação bissexual consiste em pessoas que se relacionam afetivamente, sexualmente ou emocionalmente tanto com pessoas do gênero masculino quanto do gênero feminino (cis ou trans). Componente da terceira letra na sigla LGBTQ+, a bissexualidade é por muitas vezes uma orientação invisibilizada, ou seja, não levada em consideração na sociedade e dentro de sua própria comunidade de acolhimento. Quando mais novo, Victor Frainer, 19 anos, estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), achava

que seus sentimentos em relação a sua orientação sexual eram só dúvidas e angústias. Segundo ele, se deu conta que “sentia atração por pessoas, e o gênero não fazia diferença”. Suas perspectivas mudaram depois que ficou pela primeira vez com uma pessoa do mesmo sexo. Começou a amadurecer como se portava em relação a isso, e sentiu mais liberdade. “Nunca precisei me assumir hétero então não preciso ficar me assumindo não-hétero”, conta o estudante. Para Victor, o movimento LGBTQ+ tem uma tendência excludente em relação às mulheres bis, lésbicas e transexuais. Ele diz nunca ter passado por uma situação em que tenha se sentido invisibilizado, mas já ouviu relatos

Foto: Carla Carvalho

“Sou a ovelha arco-íris da minha família.”

8

de amigas mulheres que sofreram com isso. “Tenho várias amigas que são bi que reclamam disso, e várias que são lésbicas e veem isso acontecer. Acho que tem essa invisibilização, mas a ordem do dia se debruça muito mais na morte da população trans que está sendo morta dia após dia”.

O professor da UFRGS Fernando Seffner fez sua tese de doutorado nos anos 90 baseada em entrevistas com homens bissexuais. A motivação para esse recorte foi a associação, na época, de homens bissexuais à transmissão de AIDS para mulheres hétero. Eles eram acusados de serem vetores de uma doença que até então aparentava só afetar homens homossexuais. Desde aquela época, algumas coisas permaneceram iguais. “A bissexualidade não construiu efetivamente uma identidade forte”, comenta Fernando. “Seguiu e segue até hoje com uma identidade fraca. Não tem movimentos sociais, bares para se encontrar, sites etc. A cidade tem que ser muito grande para isso acontecer”. Seffner comenta que a falta de classificações mais amplas dificulta a fortificação da identidade. O professor cita como exemplo os intersexuais, pessoas que nascem com características biológicas que não se categorizam nem no sexo feminino nem no masculino. “Tudo isso colabora pra que esse ‘meio de campo’ fique lotado de gente e isso colabora para a invisibilidade”. O coletivo Bi-Sides, da cidade de São Paulo, surgiu por conta da frustração gerada pela falta de representatividade nas ações e nos discursos LGBT. O objetivo do grupo é levar a representação bissexual para o campo do debate, da política e da cultura dentro da sociedade. Natasha Avital Ferro de Oliveira, 33 anos, integrante do Bi-Sides desde 2010, conta que apenas na parada LGBTQ+ de 2018 foi incluído um Grupo de Trabalho (GT) especifica-

mente para bissexuais, juntamente com panssexuais e polissexuais. Esses grupos tratam de determinados assuntos dentro da parada LGBTQ+ e em atividades que a antecedem, como feiras culturais e ciclos de debates. “Antes existia um GT supostamente de lésbicas e mulheres bi, e homens gays e bi, e um de pessoas trans, independente da orientação sexual. Então, na prática, estávamos totalmente apagados. Eu tentei participar do que seria para mulheres lésbicas e bi, mas houve muita bifobia”, relata Natasha. “Me acusaram de querer ‘roubar’ gente de lá porque sugeri a criação de um GT especificamente bi, sem separação por gênero”. Na parada de 2017, um bloco de bissexuais espontaneamente reuniu assinaturas para a criação de um GT para pessoas bis.

A bissexualidade não construiu efetivamente uma identidade forte. Fernando Seffner, professor da Faculdade de Educação da UFRGS

A futura geóloga Samanta Zemnicahak, estudante da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), é lésbica e namora uma mulher bissexual. Ela conta que em uma noite que saiu, uma mulher também lésbica a questionou se tinha medo de que sua namorada a traísse com um homem. “A gente tem um relacionamento súper tranquilo, bom. Se em algum momento ela sentir alguma coisa por outra pessoa, ela vai conversar comigo, ela não vai simplesmente ir atrás de um homem”, conta Samanta, contrariando os falsos estereótipos construídos em relação à mulher bissexual. A bissexualidade é uma orientação em que constantemente os indivíduos se sentem coagidos a dar maiores explicações sobre si mesmos. “Se o nosso relacionamento estiver dando errado, vai ser por conta da minha relação com ela, e não por causa de terceiros”, afirma Samanta.

5

Esporte

Mulheres em campo: histórias por trás do apito Como funciona o processo

Foto: Júlia Barros

Comportamento

Árbitras e assistentes contam como é fazer parte do quadro da Confederação Brasileira de Futebol

Júlia Barros Faça chuva ou faça sol, elas estão em campo. Com os olhos fixos na bola, vivenciam com intensidade os 90 minutos de partida, marcando cada vez mais o cenário do futebol. Com uma rotina bastante desafiadora, as assistentes de arbitragem rompem barreiras. “A torcida normalmente é o que pega mais pesado, e o que deixa a gente bastante chocada é que as ofensas machistas vêm das mulheres”, aponta Luiza Reis, 31 anos, assistente de arbitragem da Federação Gaúcha de Futebol (FGF). No quadro regional, sete mulheres estão responsáveis por apitar e auxiliar a arbitragem nos jogos. Entre elas, três pertencem ao quadro nacional, representado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), sendo uma árbitra e duas assistentes. Apesar de serem poucas, elas movimentam o futebol brasileiro e buscam, diariamente, por um esporte mais democrático. A mudança já começa em suas rotinas.

Luiza Reis, assistente de arbitragem da Federação Gaúcha de Futebol

Para quem deseja atuar na área, é importante focar na preparação pré-processo seletivo. Todas as etapas são muito significativas para a FGF. Há 15 anos no mercado trabalhando diretamente com arbitragem, o presidente da comissão de arbitragem, Luís Fernando Gomes Moreira explica como funciona o processo para tornar-se árbitra da Federação Gaúcha de Futebol: “Para entrar, basicamente precisa fazer o curso, passar, realizar os exames - físico, mental, oftalmológico e eletrocardiograma de esforço - e após essa etapa, iniciar os treinamentos na categoria de base, para depois desenvolver até o profissional. Depois de dois anos na federação, já pode ser indicado para a CBF.”

Como ingressar na CBF? De acordo com Luiza, as situações a surpreendem positivamente. “Tanto os nossos colegas quanto o pessoal dos clubes já estão bem acostumados com a mulher nesse meio. Felizmente, posso dizer que nunca passei por nenhuma situação, pelo menos não na minha frente, né”, afirma, com bom humor. Mesmo sem grandes julgamentos, alguns casos acabam acontecendo. Atuando profissionalmente desde 2014, Maíra Maristella Moreira, 27 anos, conta que o processo até ganhar confiança é longo, mas de extrema importância. “Quando comecei a fazer o curso da Federação, entrei em uma associação em Santa Maria, que é onde eu resido. Lembro que na época o presidente da federação – com quem me dou super bem – me chamou para conversar e perguntou se eu tinha certeza que queria atuar, que não era como eu assistia na TV. Falei que sim, que fiz o curso pra isso. Outra vez ainda, antes de me escalar, perguntou: ‘Tem certeza?’”, relata. A assistente

de arbitragem ainda ressalta: “É um longo trabalho de confiança, né. No momento que tu ganha confiança, o trabalho só vai”. Formada desde o ano passado, Andressa Hartmann, 26, conta sua experiência sendo a única árbitra mulher do Estado: “O Rio Grande do Sul é conhecido nacionalmente e até internacionalmente por ter árbitros muito bons em seu quadro. Ser a única mulher é uma responsabilidade muito grande. Responsabilidade que exige muito treinamento, estudo, comprometimento e coragem”. Abordando ainda sobre a visibilidade feminina no futebol, a jovem complementa a importância da figura feminina em campo. “Acredito que a maior visibilidade de uns anos pra cá é resultado de esforço, dedicação e luta que as mulheres enfrentam diariamente”, destaca Andressa. “É preciso legitimar a participação das mulheres no esporte. A luta está sendo feita e continua!”.

O percurso para chegar no quadro da CBF não é fácil. São necessários muitos jogos e testes até chegar lá, para ambos gêneros. O trabalho de arbitragem é dividido em três etapas, denominadas por letras (A, B e C). Assim que o curso é finalizado, a participante entra para a categoria C, em que apita jogos de base, começando pelo campeonato infantil. Para isso, é necessário ter o ensino médio completo. Passado pela base, dependendo do resultado em campo, a candidata pode avançar para a categoria B, que atua em jogos profissionais de divisões inferiores à Série A. Porém, estar cursando o ensino superior é pré-requisito. Com aproximadamente três anos de experiência nestes campeonatos e ensino superior, a árbitra ou assistente de arbitragem pode entrar para os jogos de categoria A, em que participa dos campeonatos do Gauchão. Conforme seu desempenho, seu nome é sugerido para entrar no quadro nacional na CBF.


7

Esporte

O futebol feminino começa a conquistar a mídia As transmissões da Copa feminina na TV provocam debates sobre o espaço da modalidade na imprensa Júlia Guarienti

6

A Copa do Mundo de futebol feminino deste ano veio para mudar a realidade de atletas que competem no futebol. Uma modalidade esquecida e desvalorizada, o futebol feminino, em pleno 2019, começa a conquistar seu espaço na mídia, cenário bem diferente de anos atrás. Há apenas 40 anos, caiu o decreto que proibia a prática de esportes por mulheres, o qual durou entre os anos de 1941e 1979. Nos dias atuais, não há a proibição, contudo o preconceito persiste em grande parte da população e, consequentemente, afeta a abordagem da imprensa sobre o tema. Movimentos feministas obtiveram crescimento expressivo em prol dos direitos da mulher, tornando mais recorrentes as discussões sobre o espaço limitado do futebol feminino na imprensa. Desta forma, transmissões inéditas do Campeonato Brasileiro e da Copa do Mundo de Futebol femininos por canais abertos de televisão finalmente começam a ser reconhecidas e valorizadas. Renata de Medeiros, repórter esportiva do jornal Zero Hora, trabalhou desde o início de sua carreira na área esportiva com o futebol - nos campos e na torcida. Todavia, somente com o futebol masculino, sempre mais próximo do público. Somente no final de 2018 ela começou a perceber o futebol feminino e sua realidade precária. “A minha vontade de acompanhar o futebol feminino surgiu justamente por essa percepção de não haver mulheres falando sobre futebol, e sempre quando a gente põe um comentarista no ar, é um homem”, declara a repórter. Com o ganho de visibilidade na imprensa, abordando o futebol feminino, ela acredita numa maior proximidade do tema com os meios de comuni-

Foto: Júlia Guarienti

Renata de Medeiros também está presente nas transmissões de futebol cação: “Acho que está acontecendo um exercício de reflexão que cada um pode fazer para mudar essa realidade.”

A visão de quem vive pela comunicação A mídia acompanha transformações da sociedade e ainda busca tratar de temas pelos quais o público mais se interessa. Para Adriana Kurtz, doutora em Comunicação e Informação e professora de Jornalismo da ESPM Porto Alegre, “A mídia é uma instância de informação que precisa desesperadamente agradar seu público. Se o público carrega características machistas, a mídia acompanha-as.” Estudiosa das teorias da comunicação, Kurtz salienta que a imprensa é, muitas vezes, preconceituosa diante do futebol feminino e prioriza o masculino. Alex Bagé, jornalista esportivo do Grupo Bandeirantes e presidente da Associação dos Cronistas Esportivos Gaúchos (Aceg), conta que a maior parte dos jornalistas gaúchos comenta somente sobre

futebol masculino. Para Bagé, a falta de visibilidade está conectada com a falta de patrocínio, já que é o mercado comercial que movimenta dinheiro do clube para cobrir os custos. Se não há patrocínio, não há ganhos, e se não há ganhos, não há o interesse em transmitir os jogos femininos, pois gera custos com equipe às emissoras, sendo que não haverá renda. A figura da jogadora Marta Silva contribuiu para o crescimento da modalidade no país, tanto é que, pela primeira vez, a seleção olímpica brasileira feminina conseguiu chegar às finais nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004. Com uma sucessão de gols, a atacante ganhou seis vezes o prêmio de Melhor

Jogadora do Mundo e alavancou o futebol feminino no país. Todavia, Marta joga apenas na seleção brasileira devido ao pouco reconhecimento e valorização da modalidade. “Ela não joga no país dela porque não há uma organização de uma liga suficientemente forte para que ela possa exercer o futebol dela”, complementa Bagé, destacando um dos problemas ocasionados pela falta de visibilidade do futebol feminino.

A Copa do Mundo das mudanças Ainda é uma luta para incluir a pauta na mídia e em boa parte das redações não há repórteres unicamente dedicados ao futebol feminino. “É uma luta diária de fazer com que as pessoas se importem, de fazer com que editores dêem espaço para apurar a informação. Eu virei especialista em futebol feminino, entre aspas, porque tudo o que acontece de futebol feminino sou eu que noticio, mas eu não deixei de fazer as outras mil coisas que eu fazia”, completa Renata Medeiros. Ela acredita que a transmissão da Copa do Mundo de futebol feminino certamente ajudará na visibilidade e espera que esse ano seja um marco: “O futebol feminino antes de 2019 e depois de 2019”.

Sem liberdade para as mulheres no futebol por 40 anos O futebol feminino foi proibido no Brasil entre os anos 1941 e 1979. O artigo 54 do Decreto-Lei nº 3.199 dizia: “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos (CND) baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país.”.

Karine goleando

Treinamento de goleiras do time feminino do Internacional

Foto: Rafaela Knevitz

Esporte

Agora é a vez delas O novo cenário do futebol feminino brasileiro Rafaela Knevitz Historicamente, o futebol feminino brasileiro sofreu muita rejeição e passou por grandes desafios. A proibição da modalidade no governo de Getúlio Vargas, abolida somente em 1979, deixou impactos negativos no esporte até hoje. No entanto, a obrigatoriedade dos times femininos no Licenciamento de Clubes da Confederação Brasileira e em todos os clubes participantes da Copa Libertadores da América já modificou o cenário do futebol feminino atual. Agora os 20 clubes brasileiros da série A já possuem times femininos, sejam por si próprios ou por parceria com clubes que já tenham. Estratégias para desenvolvimento do futebol feminino no Brasil se intensificaram em 2016, com a divulgação do novo estatuto da Confederação Sul Americana de Futebol (Conmebol). O documento continha no regulamento de licença de clubes uma série de novas normas às confederações filiadas à entidade. Uma decisão de grande destaque é a de obrigatoriedade de times femininos em todos os clu-

bes de futebol da América Latina. Este novo regulamento se adequou ao artigo 23 do estatuto da Federação Internacional de Futebol (FIFA), que obriga as confederações a terem medidas de governança que incluem, principalmente, a inserção de artigos que assegurem a igualdade de gênero.

Mais visibilidade A jogadora da seleção brasileira sub-20 Thais Reis, 19 anos, diz que é triste saber que os investimentos passaram a acontecer apenas por obrigação. No entanto, comenta que a modalidade feminina se destacou muito a partir desta obrigatoriedade. “Ainda não é o que queremos, merecemos muito mais. Precisamos de mais visibilidade, investimento e, principalmente, de respeito em relação ao nosso trabalho. Mas, com certeza, após essas decisões, o futebol feminino brasileiro cresceu de forma muito significante”, falou Thais. A Conmebol deu dois anos para adaptação dos clubes. A nova

exigência passa a valer este ano e cobra de todas as equipes participantes da Copa Sul Americana ou Libertadertados o cumprimento das regras de licenciamento. Sendo uma das principais regras manter um time feminino adulto e outro juvenil ou associar-se a um clube que possua o mesmo. Bem como o novo Licenciamento de Clubes da Confederação Brasileira, lançada pela CBF, que também tornou obrigatório os times femininos para aqueles que disputam o Brasileirão da Série A de 2019. Mais uma decisão que veio para modificar o cenário do futebol feminino brasileiro.

Novos investimentos A lateral de 32 anos do Sport Club Internacional Flávia Gil completa que o novo regulamento da confederação foi um pontapé inicial para novas mudanças. “Foi uma boa iniciativa por parte da Conmebol, porém a gente sabe quando as coisas acontecem por questão de obrigatoriedade, nem sempre é de coração”, diz Flávia. Entretanto, não foram todos os clubes que acataram as exigências das confederações para o início de 2019. O ano começou somente com sete clubes com times femininos estruturados dentre os 20 par-

ticipantes da Série A do Brasileirão. Márcio Chagas, comentarista de arbitragem do Grupo RBS, diz não acreditar que os motivos para os clubes não acatarem as mudanças de regulamento sejam por questões financeiras. “É por desrespeito, pois deveriam estar lutando para que essa determinação caísse e não precisassem cumprir. Não acredito que tenha sido por questões financeiras, pois vemos diariamente o quanto gastam com suas equipes principais”, disse Márcio. No entanto, o futebol feminino brasileiro teve um grande avanço nos últimos meses. Ao acessar os sites oficiais dos times participantes do Brasileirão, foi possível perceber que os 20 clubes que disputam a competição este ano já possuem times femininos ou estabeleceram parcerias com outros clubes. “Pra mim, que sempre vivi do futebol, com certeza é muito bom saber que agora todos os times estão investindo na modalidade. Seremos mais valorizadas e também teremos um campeonato muito competitivo com grandes clubes” comentou a capitã de 37 anos do Grêmio Karina Balestra. A jogadora complementa que, com esses novos investimentos, o cenário do futebol feminino se modificará ainda mais.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.