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Personagens
Os estrangeiros que fazem o Mercado
Público
A vida de seis pessoas que largaram tudo e escolheram o Brasil como palco para sorrir mais
Rafael Moraes
OMercado Público faz a cidade de Porto Alegre. O coração, as tradições e a cara do Rio Grande do Sul estão espalhados pelas mais de 100 bancas do prédio. Mas quem faz o Mercado? Não são somente os vendedores gaúchos. Os que vêm, ou vieram, de fora, acrescentando cultura e valor à nossa sociedade, também compõem esse espaço.
Seu Manuel, Dona Desa e o Senhor Annulziato vieram da Europa há mais de 50 anos e já estão estabilizados em Porto Alegre, com família, emprego e comida em cima da mesa. Trabalharam duro nos primeiros anos longe de casa e hoje são os permissionários de suas bancas. Já Alex e os irmãos Wiiguinsone e William, haitianos, chegaram há pouco no Brasil em busca de uma vida nova e estão se empenhando para, um dia, poderem afirmar que a vinda não foi em vão.
Na Banca Central do Mercado, trabalha um italiano com um bigode que entrega a sua nacionalidade. Annulziato Di Lorenzo é natural da Calábria e veio para o Brasil para se arriscar: “Eu estava na flor da juventude, com 18 anos, naquela idade que queremos nos aventurar e conhecer coisas novas”.
Com o chapéu na cabeça para não mostrar os cabelos brancos, e a filha ao lado, no caixa da banca, para não sentir saudade da família, o senhor diz que o prédio é um comércio à parte da cidade. “Aqui criamos vínculos com os clien
Os três europeus chegaram na década de 1960 e tinham um denominador comum: foram acolhidos por parentes, que já habitavam solo brasileiro. Seu Manuel desembarcou de Portugal, dona Desa, da Croácia e Annulziato, da Itália.
Os haitianos, em contrapartida, chegaram há menos de um ano para começar uma vida nova. Sozinhos. Sentem saudade de casa, mas não querem voltar. Alex chegou somente com o passaporte em mãos e veio direto para o Mercado. Os irmãos trabalham na cozinha de um restaurante italiano e, por enquanto, vão bem. O mais velho tenta ensinar a nova língua ao caçula.
As histórias são diferentes, mas os motivos e as razões são os mesmos. Mudar de vida. Construir uma nova família. Construir uma nova identidade. Seis histórias. Uma vida
A família do Mercado
nova. tes. No súper, pegamos o produto da prateleira e vamos embora. No Mercado, conversamos e ficamos amigos da clientela. O atendimento daqui é especial, não se encontra nem na Itália. Somos uma família”. No meio da entrevista, chega um cliente de anos, um amigo, cujos pais são compatriotas, perguntando: “E o seu time, como foi? Ganhou no final de semana?”. O empresário Roberto Marroni compra na banca desde que se conhece por gente. “Annulziato é meu amigo, estou sempre por aqui, comprando na banca dele”, conta Roberto.
Fotos: Rafael Moraes
Seu Manuel tem duas prioridades: os clientes e o bom humor. Vende artigos para festas em sua banca no Mercado Público
Pra não sentar praça
No depósito do Armazém do Mercado, trabalha Manuel Selecino Azevedo Carvalhal. Entre caixas e mais caixas, o senhor de 70 anos, com rugas na testa, óculos quadrados e camisa xadrez, faz as contas e controla a mercadoria da banca. Veio para o Brasil fugindo da guerra nas colônias de seu país e começou a trabalhar no Mercado Público aos 17 anos. “Eu teria que sentar praça, mas não queria. Os soldados que retornavam da África voltavam ou com doenças ou aleijados. Eu não tinha que defender aquelas colônias. Não eram a minha pátria”, conta Manuel.
A partir de uma carta de chamada do tio, que já morava em Porto Alegre, veio trabalhar com o parente no Café Municipal, banca do Mercado que não existe mais. Juntou dinheiro e virou sócio de outro estabelecimento no Centro, ao mesmo tempo em que cursava Ciências Contábeis na PUCRS. Voltou para o Mercado e não saiu mais. “Estou há 52 anos em Porto Alegre. Dos portugueses, eu sou um dos que mais perdi o sotaque. Portugal agora? Só a passeio”. Ao confessar que a ideia principal não era ficar permanentemente, nasce um sorriso no rosto do português. Manuel encontrou sua casa no coração de Porto Alegre.
