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Prateleiras
A livraria de Ivo De sogro para genro, a Martins Livreiro tem moldado a história da família e de Porto Alegre
Isabela Tomain
Nem todo mundo lembra do primeiro livro que leu na vida. Muitos começaram a ler quando eram bem jovens, quando seus pais compravam livros infantis. Esse não é o caso de Ivo Alberto Almansa. Ele lembra muito bem do seu primeiro livro. Aos 12 anos, leu “Iracema”, de José de Alencar. Detestou. Nunca mais leu de novo. Apesar de ser um livro complicado, não desanimou da leitura. Hoje, é grande conhecedor de literatura gaúcha. Além disso, é proprietário de duas grandes livrarias no centro de Porto Alegre: A Martins Livreiro e a Erico Verissimo.
A Martins Livreiro é o resultado de uma longa perseverança de Manuel dos Santos Martins, sogro de Ivo. Como sempre esteve muito próximo a livros, tinha o sonho de abrir a sua própria livraria, e conquistou isso nos anos 40, quando conseguiu comprar uma biblioteca particular. Cada vez mais foi aprendendo sobre livros, autores e gêneros literários. Vinte anos atrás, quando pensou em se aposentar, vendeu o sua livraria para Ivo, para quem também passou grande parte de seu conhecimento literário. “Eu estava cansado de trabalhar no meu último emprego, que exigia que eu viajasse muito. Queria algo mais sossegado, e quando o Martins disse que queria vender a livraria, nem pensei duas vezes”, conta Ivo.
Com o tempo, a Martins Livreiro foi se tornando uma das maiores livrarias da cidade. Atualmente, o acervo de livros conta com mais de 450 mil exemplares. Em uma caixa no fundo da loja, Ivo guarda os títulos mais valiosos. Nela estão livros raros como “Águas Correntes e Poesias Escolhidas”, de Olegário Mariano, que o antigo dono mandou

A Martins Livreiro Rua Riachuelo, 1291 Segunda a sexta, das 8h as 18h Sábado, das 8h as 12h encadernar em Paris. De Dyonelio Machado, possui um exemplar de “Política Contemporânea”. O mais raro e precioso que possui também está nessa caixa: é o livro “Chispas”, de Assis Brasil, escrito em 1891, e Ivo diz que é o único livreiro no Rio Grande do Sul que possui o título. O volume é extremamente delicado, fino, de páginas amareladas, e Ivo o manuseia com o maior cuidado. Ele acredita que esse é o livro mais raro que possui atualmente. Nem gosta de deixá-lo fora da caixa por muito tempo, tanto que até havia se esquecido de colocá-lo no sistema da loja. Está à venda, mas Ivo não se lembra do valor atual do livro.
Luciana Pereira, estudante de arquitetura da UFRGS, gosta da Martins Livreiro pois é calma e ela diz que se sente em paz para olhar os livros. Quando não tem nada para fazer, ocupa seu tempo entre as prateleiras. O achado mais legal que já encontrou em um sebo foi uma das primeiras edições de “O Tempo e o Vento”, de Erico Verissimo. Quando o viu, se apaixonou pelo livro amarelado e usado. “Eu pensei ‘vou ler de verdade esse livro’. Nunca li, achei chato, li só algumas páginas e desisti. Ainda não tive coragem para abri-lo de novo”, conta a estudante.

AS VENDAS FAVORITAS DE IVO
Em 20 anos, alguns livros deixaram sua marca:
20 mil dólares por manuscrito de Simões Lopes Neto 7 mil reais por dedicatória de Dyonelio Machado 2,6 mil reais por edicatória de Pablo Neruda 2 mil reais por dedicatória de Cecília Meireles
Refúgios para o paladar
Bruna Rohleder
Histórias marcantes em lugares pequenos. O que pode ser encontrado de interessante em três bistrôs com personalidade no centro de Porto Alegre? A vontade de estar perto das pessoas. O desejo dos proprietários do Nena Bistrô, do Café do Duque e do Bistrô do Caminho conectou outras pessoas com a mesma paixão pela gastronomia e pelos clientes. Separados por apenas quatro minutos de caminhada a pé, os bistrôs encontrados são como refúgios em meio ao movimentado e agitado centro da cidade. É muito mais do que gastronomia

Naila Pereira finalmente realiza o seu sonho na gastronomia e une o ambiente familiar, a comida de sítio e a da Espanha: ela busca em sua própria propriedade os ingredientes para o cardápio
Fotos: Bruna Rohleder
Nena Bistrô: aconchego e sabor do sítio
O Nena Bistrô nasceu diante de uma pia de pratos para lavar em um restaurante catalão em Barcelona. Naila era uma aspirante a bailaora de flamenco aos 19 anos de idade e foi à Espanha para aprimorar o talento. Um emprego, porém, a fez mudar os planos.
“Pratos, panelas, copos, copinhos, copões, panelões”, descreveu ela sobre o que via todos os dias no trabalho. Aos poucos, Naila foi se oferecendo para cortar alimentos e auxiliar os chefes na cozinha. Mais tarde, a porto-alegrense conseguiu o cargo de subchefe. Naila aprendeu a gastronomia mesmo sem compreender a nomenclatura e as técnicas que os chefes catalães entendiam.
Foi a saudade do aconchego da família, do seu sítio em Itapuã, no Rio Grande do Sul, que a fez voltar ao Brasil. O projeto de seguir com a gastronomia se realizou depois que a mãe propôs um desafio: “Eu fecho o meu ateliê de costura e tu põe o teu restaurante ali, se tu quiser”.
No início, era Naila na cozinha, a mãe e a irmã no salão e o pai tinha o papel de “faz tudo”. Pronto, o desejo de estar com a família foi realizado na pequena sala localizada na Rua Coronel Genuíno.
A proximidade e o ambiente familiar são as características essenciais do estabelecimento de Naila: “Nena Bistrô significa comida de sítio. A palavra nena, em espanhol, é uma forma carinhosa de chamar uma pessoa de menina. Você tem que ter carinho e intimidade para chamar alguém assim”, complementa ela, sobre a identidade de seu bistrô.
A lembrança boa da comida de sítio que ela tem desde criança, o aprendizado da gastronomia tradicional em Barcelona e os pratos gaúchos resultaram no cardápio oferecido no bistrô.
A refeição se divide em três pratos: a entrada, o principal e a sobremesa. Os ingredientes retirados do próprio sítio da família são prioridade na entrada do Nena Bistrô. O a la minuta é um dos pratos principais, entre os mais pedidos pelos clientes: o ovo poché e a batata caseira são os ingredientes diferenciados. Na sobremesa, os destaques são os doces caseiros, como o negrinho na colher.
O local é feito para abrigar 20 pessoas. As mesas estão espalhadas no centro do ambiente, embaixo de toalhas rosas de bolinhas brancas. A música alegre e de volume baixo dão ao bistrô leveza e calmaria, diferente da agitação do outro lado da porta. Uma apaixonada
“Desde aquele dia, eu nunca mais saí daqui”, conta Lisiane Alvez, funcionária do Nena Bistrô. Quando o trabalho no bistrô termina, ela corre para o seu segundo emprego, como atendente de nutrição no Hospital Santa Casa. A sua função é entregar as refeições para os pacientes internados.
Com a voz cansada, mas sem conter a alegria, Lisiane confessa: “Se eu tivesse que escolher entre um dos trabalhos, eu ia ficar com o Nena”.
Os clientes a conhecem pelo nome, e a atendente sabe muito bem do que cada um gosta: “As pessoas se sentem em casa, e quando comentam isso comigo, eu digo ‘Eu também, eu também!’”.
Nena Bistrô Rua Coronel Genuíno, 183 (51) 3226-1729 | Seg-Sex (11h30 – 14h) e Sáb (12h – 14h30)
Café do Duque: amor e arte
Pedro Fernandes é apaixonado por café. Não há necessidade de ouvi-lo falar exatamente essas palavras, pois o entusiasmo da voz e a expressão facial comunicam isso.
Ele e a sua esposa sempre gostaram do ambiente dos cafés. Fernandes é design e Nathalia é farmacêutica, mas ambos estavam insatisfeitos: “Nós nunca víamos o resultado do nosso trabalho nas pessoas. Sempre produzíamos, mas nunca víamos a reação do público sobre o produto final”. Com essa motivação, o Café do Duque foi a forma que eles encontraram para, finalmente, estar perto das pessoas.
Com a ajuda de amigos arquitetos, o casal empreendedor fez de seu café um local com personalidade. O café fica na Rua Duque de Caxias, no centro de Porto Alegre.
Por estar localizado em um lugar onde há concentração de turistas, muitas pessoas de diferentes culturas frequentam o café-bistrô. Com orgulho, Pedro diz que artistas como Renata Sorrah e Denise Fraga já vieram conhecer o estabelecimento.
O Café do Duque é sofisticado e colorido. Há cores vivas, como verde, vermelho e amarelo, espalhadas por móveis, paredes e objetos de cozinha. A equipe é pequena: dois ficam no caixa, um no atendimento ao cliente e outro na cozinha preparando os alimentos.
Os clientes são pessoas que apreciam um lugar descolado e tranquilo para trabalhar, para ler um livro ou simplesmente para conversar.
Como Pedro Fernandes é um apaixonado por arte, ele fez do café também um lugar para expor quadros artísticos. “A proposta original é não escolher pessoas renomadas, mas aquelas que não têm um espaço para expor suas obras”.
Os cafés diferenciados são a especialidade do estabelecimento. Técnicas como Hario V60, french press e aeropress permitem que os produtos se diferenciem no mercado. Isso é resultado do amor de Pedro Fernandes e Nathalia Viegas por essa bebida energizante. O Café do Duque pode ser traduzido em três palavras: café, amor e arte.

Pedro e Nathalia apreciam o ambiente característico do bistrô, e a proximidade com os clientes é uma realização profissional

O cardápio quem faz é o chef
Cristiano Moraes é o atual chef do Café do Duque. A paixão por cozinhar surgiu nas madrugadas em que ficava na cozinha com o avô. Moraes hoje tem um espaço para criar cardápios para os clientes descolados do café bistrô de Fernando e Nathalia.
“Eu busco pesquisar as minhas referências: o que eu comia na infância, os lugares que eu viajei. Acabo, também, trazendo um pouco da culinária do Brasil e do Rio Grande do Sul”, afirma.
O cardápio muda mensalmente, e, durante a semana, os clientes têm duas escolhas para o prato principal. O complemento é salada e arroz e feijão, servido à vontade. Quanto ao prato principal favorito dos clientes, Cristiano responde sem hesitar: lasanha de carne de panela.
Café do Duque Rua Duque de Caxias, 1354 Fone: (51) 3254-0308 | Seg-Sex (10h – 19h30) e Sáb (12h – 19h30).
Bistrô do Caminho: rústico
A casa antiga de três andares abriga centenas de objetos antigos. Alex Ribas, chef porto-alegrense, durante uma longa viagem à Europa, coletou esses utensílios que servem de enfeite – e alguns para venda, na Rua dos Antiquários. O Bistrô do Caminho é como a casa de uma grande família.
A rotina de atendimento do lugar segue esse clima familiar. Os clientes batem na pesada porta de madeira e esperam a atendente abrir. Eles entram sorridentes, cumprimentam todos os funcionários com intimidade e sentam em suas mesas de costume. E logo se sentem à vontade para pedir ao chef Ribas que coloque mais comida no prato.
A refeição de um dia da semana é massa penne ao basilico. Com uma quantidade pequena de salada, o prato principal vem logo em seguida acompanhado de carne de gado ou de frango, que fica à escolha do cliente. As trufas, a ambrosia e os “gelatos” são as opções para a sobremesa.
“Eu tenho 25 anos de experiência com gastronomia. Enquanto viajei à Europa, pude aprender muito sobre a culinária italiana. O cardápio do bistrô tem uma forte influência dessa cultura”, afirma Alex.
O almoço no Bistrô do Caminho é pitoresco, acolhedor e pessoal. O estabelecimento segue a tradição dos bistrôs franceses, que prezam pela proximidade do chef com os clientes em um local pequeno. É um bistrô europeu em meio ao centro de Porto Alegre.
Bistrô do Caminho Rua Mal. Floriano Peixoto, 766 Fone: (51) 3286-3793 | Seg-Sex (11h30 – 14h) e Sáb (12h – 14h30).