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Amizade
Um jornaleiro e suas paixões
Um homem emotivo ao falar sobre sua família, seus amigos, a paixão pelos filmes e pelos clássicos da literatura
Carina Nardi
Por favor, só uma informação!” Esta, talvez, seja a frase mais ouvida no passar dos dias de Carlos Baranzeli, dono da banca de revistas Fronteira, na avenida Borges de Medeiros esquina com a José Montaury, no centro da Capital.
Esqueça por alguns minutos a pressa, pare e observe o interior da banca e será possível perceber que o que ela vende não é exclusivo, pode ser facilmente encontrado em shoppings e outros espaços de comercialização. Até mesmo a internet e a mudança no hábito dos leitores podem roubar clientes dos jornaleiros, mas ainda não se encontrou um substituto para o que somente eles têm a oferecer: uma boa e arrastada conversa.
E nesse sentido, Noelly Castanheira, 85 anos, sente-se muito bem. Uma das clientes mais antigas, há mais de dez anos, tem encontro marcado toda semana na banca. Ela conta que este ponto do centro é a sua referência e que Carlos é um paizão com os clientes: “Aqui eu me sinto em casa, às vezes preciso ir ao médico, aí deixo minha bolsa e minhas sacolas aqui”. A razão das frequentes visitas de Noelly são as revistas de cruzadinhas, porém, ao entrar na banca, elas ficam em segundo plano. Noelly se perde no tempo, mergulhada numa conversa em que, visivelmente, não se apressa em terminar. Há 15 anos trabalhando na banca, Carlos ainda reflete o encantamento de um iniciante, e quando não tem o que o cliente procura, vem com a solução rápida, precisa e acompanhada de um sorriso ao falar “Mas eu sei onde encontrar”. E de forma acolhedora direciona e segue compartilhando informação com os que passam.
Durante os anos em que trabalhou como representante comercial nos laboratórios Pfizer, Carlos adquiriu experiência e segurança, então sentiu que era o momento de abrir o seu próprio negócio. No início, precisou contar com a ajuda de Sidineia Almeida. Ela conta que ensinou a Baranzeli tudo o que sabia, e diz: “Ele teve que fazer um estágio comigo, imagina? (risos) Com apenas 17 anos tive que ensinar tudo a ele”.
Ainda tímida, Sidnéia resgata em sua memória aquele momento e volta aos seus 17 anos, quando ensinava o que havia aprendido a Baranzeli. Juntos iniciaram uma trajetória marcada pela cumplicidade e parceria, construídas diariamente ao longo desses 15 anos. Sidnéia lembra: “Uma vez fui chamada para outra oportunidade de emprego, contei pro Senhor Carlos e ele disse vai, se tu não gostar volta. E acabei voltando”. Hoje o carinho entre eles transcende a relação de trabalho, é praticamente familiar.
Nas duas horas de entrevista, Carlos atendia os clientes, a maioria deles o chamava pelo nome. Amigos, que se conheceram em um lugar pouco maior e mais retangular do que um elevador.
Noelly Castanheira
Percebe-se que o trabalho, a família, os amigos, tudo se mistura num espaço de apenas seis metros quadrados. É notória a satisfação de Baranzeli: “Eu ouço as histórias e procuro ajudar, falando um pouco das minhas experiências”.
Paulo Caminski, 52 anos, chega à banca trazendo uma sacola de viagem, grande e cheia de DVD’s lacrados. Caminski é colecionador de filmes clássicos desde 2001, afirma ser um dos maiores do Rio Grande do Sul, e foi assim que, no ano de 2002, descobriu na banca Fronteira a fonte de sua recém-iniciada paixão.
Carlos conversa com Luciano Pacheco, distribuidor de ZH. Entre recolher os exemplares antigos e reabastecer a banca, sobra tempo para colocar a conversa em dia e até tomar um cafezinho
Com mais de 9 mil títulos, Paulo ainda lembra do primeiro filme que procurava na banca de Carlos: “Tarzan“, com o ator Norte-americano Elmo Lincoln, de 1918. Mesmo não o tendo encontrado, descobriu ali um grande acervo para iniciar sua coleção. Durante o tempo em que trabalha na banca, Carlos adquiriu algumas paixões, a principal delas é o cinema. Entre seus preferidos: “Era uma vez na América” e o “Mercador de Veneza”, com Al Pacino. “Ele faz um papel fantástico. Esses eu já assisti muitas vezes”, conta Baranzeli. Falando ainda sobre os filmes, Carlos deixa um brilho no olhar ao citar o cinema em preto-e-branco.
Um jornaleiro emotivo ao falar sobre a família, a paixão pelos filmes, pelos grandes clássicos da literatura. Considerado um camarada por colegas e clientes, Baranzeli conquistou no centro mais do que um negócio, fez da banca uma extensão de sua casa. os que chegam pedindo “só uma informação” são acolhidos com um olhar que diz: “Entre e sinta-se em casa”.
Carina Nardi