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Banheiros
Em frente ao Box do Alemão, ironicamente sem europeus, fica a banca de dona Desa Kolesar, croata que, aos 23 anos, veio acompanhar o marido em uma visita ao pai e se encantou. A Europa estava se reconstruindo da II Guerra Mundial e o Brasil estava de braços abertos. “Eu cheguei aqui e o pessoal me adorou, pediam para eu falar só para ouvir meu sotaque. Todos os brasileiros são amigos. Não são frios como os europeus”, conta a senhora de 77 anos.
No início, vendia sementes, mas o comércio foi caindo. Hoje Desa vende artigos religiosos. Quando o movimento está baixo, vê fotos das praias croatas e mata a saudade das belas paisagens pelo iPad. Mas na hora que os clientes chegam, o carinho e a afeição vêm junto. É chamada de “dinda” por alguns clientes que frequentam o prédio há anos, mas mais parece uma mãe ao tentar ensinar sua língua aos funcionários da loja.
Dona Desa vem trabalhar todas as tardes no seu local preferido de Porto Alegre: o banquinho do caixa de sua banca.
Um novo idioma
Aprender um novo idioma por prazer ou por obrigação são situações bem diferentes. Enquanto o funcionário Douglas, da Flora Kolesar, aprende a dar bom dia e boa noite em croata para os clientes, os irmãos haitianos Wiguinsonne e William têm que aprender português para poder se comunicar em Porto Alegre. O mais velho sabe pouco, e o pouco que sabe ensina ao mais novo. Ele traduz as conversas em francês para o irmão, que o acompanha em tudo. Sua sombra. Os irmãos trabalham na cozinha do restaurante Mamma Julia. Ainda não se adaptaram ao Brasil. São tímidos. Preferiram não posar para a foto.
Alex Cassamajor, compatriota, está à procura de um emprego desde que foi demitido da banca Armazém Metropolitano, cinco meses após sua chegada ao Brasil. “O Haiti é um país difícil. Tem gente matando. Tem gente morrendo. Eu estudava Direito, mas minha mãe me deixou escolher: seguir estudando lá ou vir pra cá. Lá tem estudo, mas não tem trabalho. Aqui tem os dois”, comenta o jovem de 21 anos, que aprendeu a falar português assistindo à televisão em sua casa, em Esteio.
A complicada adaptação de Alex se reflete no trabalho: por não conseguir acompanhar o ritmo dos clientes, foi demitido. Mas esse não era seu único medo: o haitiano vivia diariamente ao redor de insultos e preconceitos. “Vocês não podem ter um funcionário assim na banca.” “Um haitiano? Um negro? Sério?”, contam as irmãs Caroline e Mariana Santos, funcionárias da banca, que estão tentando ajudar o haitiano a encontrar outro emprego. Segundo elas, está sendo difícil, mas, para Alex, os obstáculos são invisíveis: “Eu sei que o Brasil é um país racista, mas isso não tem importância pra mim. Pra Deus, todo mundo é igual”, conta o imigrante.
“CORAGEM NÃO É DOCUMENTO: OS GANGSTERS TAMBÉM SÃO HERÓIS” O Submundo do Terminal
Parobé
É preciso muita coragem para enfrentar a insegurança que assola o banheiro público do ponto de ônibus mais movimentado de Porto Alegre
Emily Mallorca
Se um cidadão necessitar de um banheiro público no centro de Porto Alegre, vai precisar de coragem para enfrentar a insegurança que estes locais transmitem. No banheiro do Terminal Parobé, assaltos, furtos, prostituição e usuários consumindo drogas são situações comuns.
Os funcionários que trabalham no local optaram por não se identificar para evitar possíveis confrontos com a empresa para a qual realizam a limpeza dos banheiros.
Durante a apuração da reportagem, Francisco, auxiliar de limpeza que trabalha há sete anos no local, presenciou um assalto. Interrogado sobre os roubos no local, ele afirma: “Aqui dentro, ocorrem pelo menos uns dez assaltos por dia, menos que isso é impossível!”, alertou o funcionário.
Segundo o Sargento Ubirajara Ramos, a Brigada Militar auxilia na segurança dos banheiros públicos da melhor maneira possível. “A rotina de furtos no Terminal Parobé é intensa, mas procuramos sempre agir da maneira mais rápida para que a situação de perigo seja amenizada”, conta.
A auxiliar de limpeza Maria, que trabalha há seis meses no local, conta o que já encontrou no ambiente: “No dia-a-dia aqui, a gente depara com mulheres tendo relações sexuais umas com as outras, tomando banho nas pias e usando drogas”, relata.
A placa escrita “Elas” em uma parede identifica que ali funciona o banheiro feminino. No final de setembro, durante a apuração da reportagem, em um dos três boxes, havia uma mulher praticando masturbação, com a porta aberta, e a presença alheia não parecia lhe atrapalhar.
Segundo o DMLU, o período de maior ocorrência de vandalismo e agressões a funcionários e usuários acontecia das 1h às 5h. Com o intuito de prevenir os cidadãos, desde janeiro deste ano os sanitários passaram a fechar às 20h. “O auxílio dado pelo DMLU é na orientação de seus funcionários, a fim de evitar que haja algum tipo de reação que possa colocar a própria integridade e a dos demais em situação de perigo”, salientou Lucas Pasquatto, responsável pela Comunicação do Departamento.
Além de assaltos, outra situação bem comum é a procura de sexo por parte de homens da terceira idade. Engravatados, eles circulam no corredor em frente às portas dos banheiros femininos e masculinos em busca de parceiros sexuais. André Benites, mais conhecido como “Tio”, é auxiliar de limpeza no local há dois anos. Questionado sobre como agia quando via senhores buscando prazer, ele responde: “Eu mando vazar na hora, eles estão pensando o quê? Aqui é um banheiro e não ponto de prostituição!”, desabafa.
No portão de saída dos banheiros, Danilo, que trabalha há 36 anos no lugar, passava a vassoura e sorria recepcionando os usuários que ali entravam. Questionado sobre a aposentadoria, ele afirma: “Eu ainda trabalho aqui pois eu aprendo diariamente sobre os limites de um homem e de uma mulher, aqui vemos tudo o que nós, seres humanos, somos capazes de fazer”, exclama o auxiliar.
“PUS MEUS SAPATOS NA JANELA ALTA”
Nas janelas dos Arcos da Borges
Um dos locais mais marcantes de Porto Alegre retratado pelo olhar de quem está do outro lado da janela
Clarissa Müller
Uma cidade do interior no centro histórico de Porto Alegre. É assim que os moradores ao redor do Viaduto Otávio Rocha, mais conhecido por Arcos da Borges, definem a convivência entre eles.
O Viaduto divide-se em quatro escadarias, cada passeio tem o nome de uma estação do ano: verão, outono, inverno e primavera. Em uma das quatro esquinas da Avenida Borges de Medeiros com a Rua Duque de Caxias, está o edifício São Salvador, tombado pela prefeitura e o xodó dos moradores. Ao redor, muitos bistrôs e referências ao Viaduto e seus arcos. Todos os anos, os moradores comemoram o aniversário do Viaduto na primeira semana de dezembro. Cada um contribui com o que pode, mesmo que só com a presença pela janela.
Assim como nas cidades do interior, os moradores e comerciantes do local se distraem e descobrem as novidades da capital apoiados no parapeito das janelas ou nos arcos das portas que dão para o Viaduto.

O viaduto Otávio Rocha foi inaugurado em 1932 com a função de ligar as zonas leste, sul e central de Porto Alegre. Entre os anos de 2000 e 2001, foi recuperado e as 36 lojas foram revitalizadas

Clarissa Ourique mora há 14 anos no oitavo andar de um dos prédios com janela para o Passeio Verão do Viaduto. Para ela, os Arcos da Borges são um marco da cidade. “Eu acho lindo. Ele tem a sua história”, conta. Pela janela, ela vê desde ensaios de fotos de casamento e de revistas até gente ajoelhada fazendo pedido de casamento ou namoro. Lembra também de ter assistido às pessoas pelo Caminho do Gol durante a Copa, assim como os protestos de 2013 na Capital. “Todas as manifestações, na verdade, passam por aqui. Então tudo o que acontece a gente fica sabendo pelo Viaduto”, explica.
Porém, além do lado bom, Clarissa também vê os assaltos, a violência e os suicídios, muito presentes nas arcadas do Viaduto. Ela conta que, com a crise no país, mais um problema apareceu: usuários de crack embaixo do viaduto. “Nós nunca tínhamos tido e agora tem uma turma que está bem complicada”, lastima. Além disso, a própria Clarissa já foi vítima, quando voltava da faculdade à noite. “Já fui assaltada, mas usei o spray de pimenta que meu marido trouxe de viagem.”
No entanto, apesar da violência presente no local, os moradores acabam ajudando uns aos outros nos momentos difíceis. “Então, o bom disso aqui é que todo mundo se conhece, acaba se tornando um bairro pequeno”, explica Clarissa.
Gerente do Hotel Everest há 20 anos, Joseane Pinto ama seu trabalho, assim como ama o Viaduto. Em seu primeiro dia no hotel, apaixonou-se pela vista da cidade do décimo sexto andar. “Eu pensei: minha nossa, como eu quero trabalhar aqui”, conta Joseane, orgulhosa.
Com muitas janelas, houve situações curiosas vistas através delas. Elas são baixas, permitindo que as pessoas que passam por lá vejam o que acontece dentro do hotel. “É quase uma vitrine. Tu vai ver as pessoas como elas querem ser vistas. Porque as pessoas se deixam ser vistas. É a maneira de elas se comunicarem com o mundo, através de suas janelas”, comenta a gerente.
Jose lembra que, durante a
Renato Pereira Júnior é publicitário e dono do Armazém Porto Alegre, no Passeio Outono do Viaduto, embaixo do prédio São Salvador. O pub leva como tema a capital do Rio Grande do Sul.
Desde que morou na Rua Duque de Caxias, há 10 anos, se apaixonou por esse canto da cidade. “Achei que morar no centro seria uma coisa ruim, sempre fui da zona sul, e, bá, curti pra caramba! E, desde então, eu venho fazendo trabalhos voluntários em prol da valorização, do cuidado do Viaduto”, comenta. “A beleza arquitetônica, única, que resgata ares europeus da Copa, uma banda holandesa se hospedou no Everest. Na volta de um dos jogos, eles começaram a tocar na Rua Duque de Caxias. “Todo mundo veio ver da sua janela. Então dá uma interação, dá uma sinergia quando essas coisas acontecem.”
Porém, nem tudo no Viaduto é bonito. Muitas pessoas dormem e consomem drogas embaixo dele. Porém, para Jose, o primeiro passo na direção de resolver o problema é reconhecendo-o. “É melhor que todas as pessoas enxerguem. Existe um problema que nós precisamos tratar. Não é bonito o turista ver, mas lá na cidade do turista isso também existe”, ela explica.
Em 2014, o hotel completou 50
No bar, quase tudo é artesanal: desde as cervejas produzidas no sul do Brasil aos paninis de costela e aos pãezinhos com alho

anos, mesmo ano em que o Viaduto cidade. Não tem outra obra que traga esse ar. O pessoal se apaixona, adora esse canto aqui.”
O pub também atrai os amantes por fotografias, pela decoração do local, com imagens da cidade. “É ponto para fotógrafos. Eles adoram ficar por aqui”, comenta.
Renato conta que a noite ali surpreende muitos. “Tem o estigma de que é um espaço abandonado e nada seguro de passar. Então o pessoal acaba se surpreendendo com um espaço público tão bem frequentado”, explica o publicitário. “Esse canto a gente cuida para trazer vida nesse horário.”
O restaurante do hotel fica no último andar e conta com uma vista panorâmica da cidade, um dos lugares preferidos de Jose

fez 82. Buscando atrair olhares dos jovens, o hotel, juntamente com a Secretaria Municipal de Cultura e o Núcleo Urbanóide, grafitou um painel 3D na parede Passeio Primavera. “Nós precisamos que a juventude também ame o viaduto e quei
No térreo do prédio São Salvador, Sérgio Luís da Silva trabalha no Salão de Beleza Núcleo Estética. Ele sempre cede o espaço para espetáculos e eventos. “Tiveram algumas peças de teatro que usaram a nossa sacada. Uma foi a prefeitura que fez sobre a Rapunzel, fizeram uma encenação com bailarinos. Bandas também já tocaram na nossa sacada, fizeram uma serenata ao contrário”, conta.
Serginho lembra também que o Porto Alegre em Cena passou por ali, com teatro e dança de rua, quando ele pôde assistir de camarote. Outra vantagem da região é a ra lutar por ele”, explica a gerente. Diante da vista do último andar do hotel, onde as cores do céu e das ruas se misturam, a gerente reforça o motivo de tanta dedicação. “Entendeu agora por que eu amo isso
aqui?”, reflete Jose. facilidade de pegar transporte coletivo, a variedade de bistrôs e a Igreja Matriz de N. Sra. da Madre de Deus. “É com as batidas do sino da Catedral que a gente vê as horas”, comenta o cabeleireiro.
Além disso, para ele, a Rua Duque de Caxias é um local diferenciado em Porto Alegre. De sua sacada, ele vê quem passa por ali. “Gosto da vista, acho muito bonita, os prédios, o visual daqui de cima é muito bom. As pessoas aqui são mais elegantes também. Ficamos muito tempo na sacada, é um lugar para repor as energias”, acrescenta Serginho, sorrindo.
