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Artistas
Caracterizado como anjo, Abraham Ponce, o argentino que é estátua-viva há 18 anos em Porto Alegre, entrega mensagens positivas após contribuição voluntária das pessoas que passam pela Esquina Democrática de segunda a sábado a partir das 15h
Se a Andradas fosse nossa
O Centro Histórico é repleto de personagens enigmáticos que fazem parte do cenário e da identidade da Capital. Entre eles, estão os artistas de rua, que são vistos diariamente em muitas calçadas e esquinas
Diogo Zanella
ARua dos Andradas é uma das mais ocupadas por artistas, onde encontramos figuras ícones na arte de rua da Capital. É ao longo desta rua que trabalham Abraham Ponce, Marco Antônio e Silvio Miguel.
Pioneiro como estátua-viva em Porto Alegre, o argentino, de 43 anos, mora há 18 na Capital, desde que largou a Faculdade de Arquitetura, vendeu seu apartamento e entregou todo o dinheiro à mãe para conhecer o mundo, começando pelo Rio Grande do Sul. Entretanto, parou em Porto Alegre, desistindo de seguir adiante, e assim, autodidata, criou o anjo para ganhar a vida. Na Argentina, já era “artista de palco”, como costuma dizer. Atuava em espetáculos como ator. Foi em Porto Alegre que também encontrou o amor e a segunda família. Ponce é casado, mas não gosta de falar sobre a vida pessoal. Não dá informações sobre o relacionamento ou quanto fatura como estátua-viva, mas revela que não depende mais economicamente do dinheiro da rua por ter amparo dos familiares que ganhou com o casamento. Entretanto, preferiu não deixar as ruas. Durante a semana fica no centro, na Esquina Democrática, entre 15h e 18h, de segunda a sábado, e, aos domingos, trabalha na feira do parque Farroupilha, o Brique da Redenção. É o amor pela arte que o faz ficar três horas em pé, imóvel na maior parte do tempo, distribuindo mensagens de autoajuda para quem faz alguma contribuição voluntária.
Para Ponce, não é necessário preparo físico nem técnica alguma. Segundo ele, o segredo para ficar parado é ser calmo, concentrado, gostar de pessoas e de estar na rua. Um mágico boa-praça
Seguindo pela Rua dos Andradas, em direção ao Lago Guaíba, ao passar em frente à Praça da Alfândega, é possível conhecer Marco Antônio, 52 anos, que é paulistano e mora há 23 anos em Guaíba, na Região Metropolitana. Ele vende brinquedos de mágica, expondo sobre a mesinha que traz de casa, de ônibus.
Passa o dia demonstrando os truques que aprendeu quando começou a trabalhar em uma loja de artigos de mágica na capital paulista. Mudou de cidade para fugir da concorrência que, segundo ele, não existe em Porto Alegre. Marco afirma não haver um outro profissional que venda e ensine as mesmas mágicas dos brinquedos, que chegam de uma fábrica de São Paulo.
O sustento da família vem do trabalho realizado na rua, somado à renda da esposa, que cuida de pessoas idosas. Em 2005, com o boom na venda de DVDs falsificados chegou a ser notificado quando, na época, a Smic realizou ações em conjunto com a Brigada Militar para combater a pirataria, mas nunca teve algo apreendido. “Esse é o único lugar em que a Smic deixa trabalhar”, revela. Ele trabalha entre 9h e 18h, de segunda-feira a sábado.
Deixou dois filhos que teve no relacionamento anterior, uma menina, hoje com 35 anos, que já morou no Estado mas voltou a São Paulo, e um menino, hoje com 33 anos, do qual Marco Antônio nunca mais teve notícias depois que deixou a cidade natal. “A mãe dele era policial, durona. Depois que terminamos, ela fez a cabeça dele. Quando vim pra cá, nunca mais os vi”, explica. O filho tem o mesmo nome: Marco Antônio.
Desenhos realistas
Poucos metros adiante, em frente ao Shopping Rua da Praia, há 30 anos trabalha o desenhista Silvio Miguel Alves, 59 anos, natural de Porto Alegre. Ele lembra ter gosto pelo desenho desde os seis anos, quando, depois de acompanhar histórias em quadrinhos, começou a reproduzir os personagens que via nos gibis.
Passou a infância em Canoas, estudou na Escola Santos Dumont, bairro Niterói. Recorda que não teve aulas de desenho quando era criança, aprendeu por
foto: Diogo Zanella

Marco Antônio demonstra as mágicas dos brinquedos que vende em frente à Praça da Alfândega para chamar a atenção. Para quem comprar um produto, ele ensina como fazer
conta própria, mas aos 19 anos estudou na Escola Nacional de Desenho (ENDE), que funciona até hoje no mesmo local, na Rua Vigário José Inácio. Nunca casou nem teve filhos. Mora sozinho. Ele possui o cadastro da Smic, intitulado “Relação dos Artistas Plásticos e Ambulantes do Espaço Cultural Francisco Brilhante”, que garante o direito de expor e comercializar as pinturas que realiza a partir das fotografias dos clientes. Miguel deixa vários retratos de celebridades expostos ao longo do canteiro da praça, pintados a partir de imagens recortadas de revistas e jornais, para quem passar pelo local observar os desenhos e imaginar como ficaria um desenho realista a partir de uma fotografia. Minuta da prefeitura tentou mudar a lei No dia 5 de março de 2014, foi sancionada, pelo prefeito José Fortunati, a lei 11.586, conhecida como a lei dos artistas de rua, que tornou menos burocrática e mais livre a ocupação dos es paços. Porém, em julho deste ano, houve uma tentativa de mudar o texto da lei, através de minuta do Executivo, que par tiu do gabinete do vice-prefeito Sebastião Melo. As principais alterações eram a exigência de autorização, com dez dias de antecedência, para qualquer manifestação artística e cultural, alvará para comercialização de obras de arte e proibição do uso de instrumentos de percussão na rua. A medida, no en tanto, não foi adiante devido à reação contrária dos artistas com apoio do Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos de Diversões do Rio Grande do Sul (SATEDRS), que responde pelos profissionais de artes cênicas, circo e dança e pelos ar tistas de ruas que podem, inclusive, serem sindicalizados.

Sobre o SATED A sede fica na Praça Osvaldo Cruz, nº 15, sala 912, centro. Para informações sobre re gistro profissional na área artística e sindicalização, o atendimento é de segun da a sexta-feira, das 13h às 18h30min, pelo telefone (51) 3226-1921.
Sílvio Miguel Alves ocupa o Espaço Cultural Francisco Brilhante, onde faz retratos realistas de clientes