RICHARD BRUNO
CUIDADORES
TREM
DESREGRADA
Bairro conta com poucos agentes comunitários
Reforma da estação Santo Afonso agrada aos usuários
Má alimentação causa problemas de saúde à população
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ENFOQUE VILA BRÁS
SÃO LEOPOLDO / RS
OUTUBRO DE 2014
BETINA VEPPO
EDIÇÃO
148
SÃO PEDRO NÃO DÁ TRÉGUA
INUNDAÇÕES E PROBLEMAS ESTRUTURAIS LEVAM PREJUÍZO E DOENÇAS AOS MORADORES PÁGINA CENTRAL NATHALIA FEIJÓ
DISPUTA DE ESPAÇO
CALÇADAS PRECÁRIAS FORÇAM MÃES A DIVIDIR AVENIDA COM OS CARROS PÁGINA 11
2. CLIQUE
" FELIPE GAEDKE
VOU DE BIKE RICHARD BRUNO
De acordo com a Associação Brasileira da Indústria, Comércio, Importação e Exportação de Bicicletas, Peças e Acessórios (Abradibi), a venda anual de bicicletas se mantém na faixa de cinco milhões desde 2006. E os moradores da Vila Brás fazem parte dessa estatística. Sozinhos ou em grupo, adultos e crianças pedalam pelas ruas do bairro, assim como Nicolas, João e Lucas, que não desgrudam de suas magrelas.
- KAROLINE CARDOSO
RECADO DA REDAÇÃO
Abrem-se as cortinas. Ato dois: dez anos de Brás. O projeto que começou timidamente em setembro de 2004 tomou forma e hoje é um estandarte carregado pelo eco das vozes dos moradores da Vila. Por dez anos o jornal foi um instrumento de resposta da comunidade, dos seus e para os seus. Essa é uma marca que orgulhamo-nos em ostentar e um legado que temos a obrigação de manter. Na última década, a Vila cresceu espetacularmente, em todos os sentidos. Deixou de ser um bairro pobre, largado a sua própria sorte. Expandiu-se territorial e economicamente. Casas com um, dois andares começaram a aparecer por todos os lados. Os automóveis, motos e carros, que antes eram artigo de luxo, se multiplicaram exponencialmente ao mesmo tempo em que os antigos meios de locomoção, como bicicletas e carroças, continuam sendo usados por boa parte dos moradores do bairro. A Brás se recheou de empreendedores. Mini mercados, lan houses, lojas de conveniência, salões de beleza, os mais variados tipos de comércio surgiram no bairro. Centenas de pessoas deixaram as camadas baixas da sociedade e foram abraçadas pela classe média. A Vila se desenvolveu, sua realidade mudou, porém, nem tanto. Muitos dos problemas encontrados no primeiro sábado em que estivemos na comunidade continuam até hoje, boa parte causados por falhas sistêmicas na saúde e na mobilidade, os dois assuntos abordados nas matérias dessa edição. O presente do bairro é novo, os moradores ainda estão se acostumando com o dia a dia da nova classe. Nós acompanhamos o crescimento da Vila, somos testemunhas oculares da sua escalada social, porém, também presenciamos e relatamos seus visíveis problemas decorrentes de uma infraestrutura precária e dos escassos recursos para saúde. Nas próximas páginas, você, leitor, poderá ter uma ideia dessa mudança. Boa leitura!
- FELIPE GAEDKE EDITOR-CHEFE
ENFOQUE VILA BRÁS
O Enfoque Vila Brás é um jornal experimental dirigido à comunidade da Vila Brás, em São Leopoldo (RS). Com tiragem de mil exemplares, é publicado a cada dois meses e distribuído gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos São Leopoldo.
FALE CONOSCO (51) 3590 8463
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DATAS DE CIRCULAÇÃO 147
13 / 09 / 2014
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04 / 10 / 2014
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NOVEMBRO
LEGENDAS - REPÓRTER
FOTÓGRAFO
" EDITOR
EQUIPE REDAÇÃO – Redação Experimental em Jornal e Jornalismo Cidadão – Orientação: Luiz Antônio Nikão Duarte. Edição e Reportagem: Carolina Chaves, Daiane Trein, Daniela Flores, Fabricia Bogoni, Felipe Gaedke (chefia), Gabriela Clemente, Juliana Borba, Karoline Cardoso (fotografia) e Matheus D’Avila. Reportagem: Aline Casiragui, Angelo Daudt, Audrey Lockmann Barbosa, Bruna Arndt, Camila Mayuri, Cassio Pereira, Douglas Ripel, Eduardo Friedrich, Felipe Gaedke, Gabriela Boesel, Giovana Peinado, Guilherme Neis, Izadora Meyer, Joana Dias, Júlia Bondan, Karina Sgarbi, Luísa Venter, Maurício Wolf, Méurin Fassini, Natália Dalla Nora, Natália Mingotti, Pedro Kessler e Sabrina Martins. FOTOGRAFIA – Fotojornalismo – Orientação: Flávio Dutra. Fotos: Ana Fukui, Aline Santos, Beliza Lazzarotto, Betina Veppo, Bruna Mattana, Bruno Lois, Carolina Schaefer, Daniela Tremarin, Elizangela Basile, Fernanda Forner, Guilherme Ricardo, Graziele Iaronka, Jéssica Schaefer, Júlio Hanauer, Maria Ximena, Nathalia Feijó, Paola Sartori, Richard Bruno, Rudinei Machado, Tainá Hessler, Victória Freire e William Mansque. ARTE – Agência Experimental de Comunicação (Agexcom) – Projeto gráfico e arte-finalização: Marcelo Garcia. Diagramação: Gabriele Menezes. IMPRESSÃO – Grupo RBS. Tiragem: 1.000 exemplares. Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Avenida Unisinos, 950, Bairro Cristo Rei - São Leopoldo/RS. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Pró-reitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Pró-reitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente de Bacharelados: Gustavo Fischer. Coordenador do Curso de Jornalismo: Edelberto Behs.
ALIMENTAÇÃO .3
" CAROLINA CHAVES
Bons hábitos ajudam na saúde
preciso ter à Éalguns cuidados
BETINA VEPPO
na escolha e preparo das refeições para evitar problemas no futuro
N
de Santa Catarina, Djéssica de Matos, 10 anos, almoça sempre com a avó, mantém hábitos saudáveis comendo frutas e tomando suco (de caixinha), mas nunca toma café da manhã. “Às vezes eu até levo uma fruta ou compro um pastel no recreio da escola de manhã, mas antes de sair de casa, nunca como nada”, ressalta a menina. Com outras crianças não é diferente, esse hábito variado se mantém. Eduarda de Freitas, 12 anos, gosta de comer frutas pela manhã, no lanche da tarde o suco industrializado é a bebida que acompanha as refeições. Entretanto, como
toda criança, adora quando pode fugir do cardápio saudável. “Fritura? Eu adoro fritura e quando tem, eu prefiro refrigerante do que suco”, fala entre risos. A mãe, Tais de Freitas, 31 anos, admite que raramente come frutas ou verduras, mas sempre procura fazer com que os filhos ingiram esses alimentos. Samuel e Miguel, também filhos de Tais, gêmeos de dois anos, comem de tudo, mas ela procura fazer com que ele consuma frutas e sucos e nunca serve frituras para os pequenos. “Eles são muito novos para isso”, enfatiza. O mesmo acontece com
Kaleb, quatro anos. Durante a semana a mesa é repleta de sucos, saladas, frutas e carnes leves. Já nos sábados e domingos, a situação muda um pouco. O refrigerante fica liberado e quando ele vai ao armazém do tio, pega um pacote de salgadinho para o fim de semana ficar completo. “Ele não vem aqui se comer salgadinho, ele adora, mas é só quando vem aqui que ele come”, ressalta o pai, Alceu Nogueira, de 37 anos. Apesar de os moradores da Vila Brás apresentarem, em alguns casos, uma alimentação balanceada e com as principais refeições, ela ainda não é adequada devido
ao grande número de produtos industrializados. Para que essa situação melhore e a população se torne mais saudável, a nutricionista Vanessa ressalta que é preciso retomar os hábitos das gerações anteriores, voltar a ter uma alimentação baseada em produtos naturais, em alimentos preparados em casa e diminuir o consumo de produtos industrializados. “Digo produto, pois nem de alimento podemos chamá-los, pois muitos têm tanto produto químico, que estão longe de serem considerados alimentos”, conclui ela.
Santa Catarina procura ingerir os nutrientes corretos para uma dieta balanceada
à
a correria do dia a dia e na facilidade de produtos prontos, as pessoas têm substituído as duas refeições principais por lanches e o café da manhã tem sido esquecido. “No mínimo estas três refeições devem ser realizadas por todos nós, são fundamentais para um bom estado físico”, ressalta a nutricionista da UBS Vila Brás e professora do curso de Nutrição da Unisinos, Vanessa Backes. A refeição principal de Clair Tonolli, 43 anos, sempre é composta de arroz, feijão e algum tipo de carne. Apesar de gostar de salada, não come verduras todos os dias. Ao acordar, nada de comida, só o café preto seguido do chimarrão. A falta de cuidados também aparece na hora de escolher a bebida servida junto com as refeições, nada de sucos ou água. “Aqui em casa a gente toma só refri”, diz Clair. Bruno Schneider, 68 anos, teve que cortar doces, gorduras e maneirar por ordens médicas devido a uma gastrite. Além disso, ele também não toma refrigerante, café e nem ingere bebidas alcoólicas há mais de 10 anos. No almoço batatas ou arroz e uma carne leve são o prato ideal, e na janta apenas pão, alimentos leves para noite. “Antes do chimarrão preciso comer alguma coisa, nem que seja um pãozinho com margarina, o doutor que mandou”, brinca ele. Na casa de Santa Catarina de Matos, 53 anos, o almoço não varia muito, carne e arroz (ou massa) são servidos todos os dias. A salada sempre fica de fora. “A gente não come salada nunca, frutas e sucos sim, mas salada ninguém gosta aqui”, conta. A neta
- IZADORA MEYER
NUTRIÇÃO
Oficinas promovem cuidados com o corpo
Desde julho deste ano, os moradores da Vila Brás recebem orientações sobre alimentação saudável, por meio de oficinas de Nutrição. Idealizado pelo Departamento de Nutrição da Secretaria da Saúde, o projeto tem como objetivo prevenir problemas de saúde derivados da má alimentação, além de atender aos moradores
da localidade que necessitem acompanhamento nutricional. O projeto faz parte do programa de Estratégia de Saúde da Família, do Ministério da Saúde, que trabalha na prevenção de doenças e busca resgatar o vínculo entre os profissionais da saúde e os usuários. As oficinas são ministradas por um nutri-
cionista e um estagiário, que fornecem informações diversas sobre alimentação saudável. A unidade oferece ainda atendimento a grupos prioritários, como idosos, gestantes, crianças e pacientes crônicos. Atividades físicas organizadas por educadores físicos, como caminhadas, são realizadas duas vezes por semana,
das quais a comunidade é convidada a participar. Oito mil pessoas da Vila Brás são atendidas pelas duas equipes da UBS, número estipulado pela Portaria nº 2.488 de outubro de 2011, do Ministério da Saúde. Os demais moradores encontram atendimento nos outros postos de saúde da região. Formadas por profis-
sionais da área da saúde e agentes comunitários, cada equipe é composta por um médico, um enfermeiro, dois técnicos de enfermagem, um dentista, um auxiliar de saúde bucal e oito agentes comunitários. Estes últimos são escolhidos em processo seletivo e devem obedecer alguns critérios, como escolaridade e idade pré-de-
terminada pela Secretaria da Saúde, e deve residir na localidade. Conforme Lisiane da Silva, médica e ex-funcionária da UBS Vila Brás, eles fazem toda a diferença: “eles resgatam o antigo médico da família, além de reaproximar esses profissionais da saúde e os próprios usuários”.
- GABRIELA BOESEL
4. MÉTODO benzedura à Acomo alternativa
" GABRIELA CLEMENTE
Outras formas de curar BELISA LAZZAROTTO
para o tratamento de enfermidades
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de vida. Sua neta Camila conta que Lolita Silva dos Santos, mais conhecida como Dona Lola, é uma das primeiras moradoras da Brás, e que acompanhava o trabalho de sua avó, que há dois anos não realiza mais benzeduras. “Hoje eu não benzo mais, mas eu curava cobreiro, quebrante, sapi-
nho, essas coisas. O que eu continuo a fazer, pois eu entrei para a igreja, é uma simpatia para a cura da asma, bronquite”. Dona Lola conta que, iniciou o trabalho de ajudar ao próximo depois que seu filho foi curado da asma. “Eu tinha 40 anos e depois que meu filho foi curado, essa cumadre
Dona Lola em frente à sua casa, onde ainda recebe pessoas para fazer simpatias contra doenças alérgicas
à
uem nunca ouviu falar a expressão: “vai te benzer”? As benzedeiras tem remédio para tudo. Para elas, não há doença que não tenha cura. Espinhela caída, carne quebrada, cobreiro, quebranto, mal olhado, doenças nervosas, encosto, doenças físicas, todos esses males possuem um tratamento. Com a tradição de cura através de rezas, banhos, chás e efusões, a procura para “se benzer” ainda é presente na sociedade moderna, na crença que “ser benzido” também é um método de cura para as diversas enfermidades. Através de cantos silenciosos, do chacoalhar de ramos de ervas, as rezas são feitas. Gripe, mal estar, doenças crônicas, ou até mesmo doenças sem cura, tem sido amenizadas pela utilização de receitas caseiras. E na Vila Brás, essa tradição ainda perpetua. Dona Lola mora em uma residência simples, com uma roseira na frente. Sua filha e neta estão no portão aguardando a sua chegada. Ela surge na rua, com o passo devagar, carregando seus 73 anos
da minha amiga me perguntou se eu não queria aprender e cuidar outras pessoas. Eu aceitei, depois de ver que meu filho estava totalmente curado da asma”. A procura por Dona Lola não se restringe apenas na Vila Brás e nos bairros vizinhos. Ela conta que muita gente
do interior vem trazer as crianças para fazer a simpatia. “Vem gente de Caxias do Sul até aqui buscar o tratamento”, comenta. A maioria dos atendimentos são voltados para as crianças de até sete anos, pois segundo ela, é quando o tratamento ainda funciona. “Nos adultos eu faço a mesma simpatia, não cura das doenças, mas ameniza as crises de asma e bronquite”, revela. “Eu sou conhecida aqui no bairro, as pessoas me procuram, mas também aqui na Brás tinha uma vizinha aqui perto, a Francisca, que já faleceu há uns cinco anos, que também fazia o mesmo trabalho”, conta. Relutante a dar entrevista, ela conversou e explicou que muitas pessoas não comentam sobre esse tipo de assunto e nem contam que procuram essa alternativa para buscar a cura para as doenças, principalmente as alérgicas. Mas com um sorriso no rosto, ela fala que nunca disse não para ninguém, e que se sente realizada ao ver que as pessoas que ajudou hoje estão bem e saudáveis. E de ver que muitas ainda voltam para agradecê-la. “Nada é cobrado, Deus está vendo que eu estou ajudando essas pessoas a ficarem curadas”.
- JOANA DIAS
BELEZA
O público dos salões está mudando a conversa em dia. Mas existe uma mudança de comportamento social que tem chamado a atenção quanto a cuidados com a estética e a saúde do corpo. Os salões de beleza não são mais ambientes de exclusividade feminina. Maria Lenir Brummelha, 50 anos, que há 10 anos atende em seu próprio salão, o Lena Cabeleireira, observa que a preocupação com a higiene das unhas, aparar de pelos e sobrancelha, além dos cortes de cabelo, têm crescido entre os homens. Atendendo principalmente a um público mais jovem, Maria ressalta que grande parte de seus clientes é formada por homens que periodicamente visitam o salão em busca de cuidados estéticos. “Eles fazem as sobrancelhas, as mãos, os pés, fazem
ANA FUKUI
reflexo, fazem escova progressiva quando têm o cabelo crespo. Estão se cuidando. Às vezes mais do que as mulheres.” Lena ressalta que o cuidado dos jovens é uma busca pela saúde. “ Tem rapazes que depilam o peito, depilam as costas. Na juventude de hoje em dia, os rapazes estão mais cuidadosos que as mulheres. Claro que são vaidosos, lógico, mas a maior parte é uma questão de saúde”, acredita
Eliane em seu encontro quinzenal no Salão Lena
à
Unhas bem feitas, sobrancelhas, limpeza de pele, luzes e cuidados com os cabelos. A atenção com higiene e beleza do corpo tem crescido entre os moradores da Vila Brás. Eliane da Motta, 33 anos, visita o salão da Lena a cada quinze dias. Seu cuidado com os cabelos é periódico e algo do qual ela não abre mão. Embora controle os gastos com a pintura das unhas, e demais serviços dedicados às mãos e aos pés, seus cabelos compridos estão sempre bem cuidados. Historicamente o zelo pela aparência e pela saúde do corpo sempre foi marcado pela presença feminina. Salões de beleza são conhecidos pontos de encontro entre as mulheres para um bom bate papo. O lugar é o preferido para se cuidar e colocar
Ivanete Betinardi, que trabalha há 20 anos no ramo da estética e saúde do corpo, atende há dois anos no salão Espaço da Beleza. Segundo ela, sua clientela é dividida de forma uniforme entre homens e mulheres. E os cuidados para ambos os sexos são semelhantes. Betinardi também tem notado um crescimento no volume de clientes homens que buscam uma atenção maior a saúde do corpo como sobrancelhas e limpeza de pele. “Acredito que as pessoas estejam progredindo, tendo mais amor próprio e gostando de se cuidarem. Acho que é uma questão de auto-estima, porque somente para a vaidade tem que se ter muito dinheiro”.
- ÂNGELO DAUDT
AUTOMEDICAÇÃO .5
" MATHEUS D’AVILA
“Sem receita? Não vendemos”
de vender por falta de prescrição médica
D
uas farmácias são responsáveis pela comercialização de medicamentos na Vila Brás e ambas têm um inimigo em comum. Trata-se de um velho hábito dos brasileiros: a automedicação. Acostumados a ingerirem todo tipo de remédio ao longo dos anos sem o aconselhamento de um profissional de saúde, muitos moradores não se conformam ao saber que só podem comprar determinados medicamentos com a apresentação da receita médica. “Alguns nos xingam, saem reclamando, mas não podemos fazer nada. Tomar remédios por conta própria pode ser extremamente grave e não podemos colocar a vida de ninguém em risco”, afirma Leda Oro, 38 anos, que gerencia uma farmácia localizada na entrada principal da Vila Brás. Segundo dados do Ministério da Saúde, a automedicação levou ao hospital mais de 60 mil pessoas nos últimos cinco anos no Brasil. “Nós ficamos de mãos atadas, pois o cliente não procura um medicamento, ele vem até a farmácia querendo uma solução para o seu problema, para a sua dor”, completa Leda. De acordo com ela, a falta de profissionais e de infraes-
trutura no posto de saúde da Brás, além dos plantões lotados nos hospitais, obriga os moradores a buscarem primeiramente a farmácia. “Alguns não têm sequer o nome do remédio. Dizem a cor da caixa ou mostram o tamanho do comprimido”, ressalta Leda. O problema de clientes sem receita em busca de antibióticos e outros medicamentos diferenciados também é enfrentado na farmácia gerida pelo casal Marilei e Valmo Vieira. “Nestes casos, não podemos vender. Não dá para analisar só a questão financeira, estamos pensando na saúde deles ao não vender este ou aquele medicamento sem prescrição”, afirma Marilei. “Muitos chegam desesperados, querendo até remédios faixa preta. Ficam revoltados quando não conseguem comprar por falta da receita”, completa. O casal está aguardado autorização para inaugurar o espaço onde aplicarão injeções e realizarão outros procedimentos. MUDANÇA DE COMPORTAMENTO Leda Oro atua há 16 anos na Farmácia que foi fundada pelo pai. Durante muito tempo, foi o único estabelecimento do ramo na Vila Brás. Hoje ela cursa Farmácia na universidade Feevale e revela que os hábitos dos moradores do bairro mudaram considera-
ANA FUKUI
velmente nos últimos anos. Segundo Leda, diminuiu o número de clientes que procuram pelos tradicionais chás, receitados pelas avós, e, em contrapartida, outros 10% já optam pelos fitoterápicos (medicamentos oriundos de plantas medicinais, nos quais são utilizados, exclusivamente, derivados de drogas vegetais). “E investimos em produtos que aliem cuidado com a saúde e com a estética, cada vez mais procurados por homens e mulheres.”
Segundo Leda, alguns clientes não têm sequer o nome do remédio quando vão à farmácia
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da à Farmácias Vila Brás deixam
- CASSIO PEREIRA
POSTO DE SAÚDE
Moradora critica atendimento balha em uma firma metalúrgica, pediu para que suas vizinhas fossem até o posto de saúde para convencer o médico, que era um profissional cubano, a atender Luan. A unidade não possui pronto atendimento, mas a equipe, formada por duas técnicas de enfermagem e um médico, se mobilizou para atender o rapaz após tomar conhecimento de que o SAMU havia sido chamado e que não viria ao local. Depois de realizado o exame, o diagnóstico apresentado pelo médico surpreendeu a mãe do paciente. “O médico tirou a pressão do meu filho e disse que ele não tinha ‘nada’, que devia ser uma intoxicação por algo que ele comeu”. Júlia conta que desconfiou que o filho não estivesse somente com uma indisposição. Porém, de
acordo com o a Secretaria de Saúde de São Leopoldo, o médico responsável constatou que, no momento do atendimento não havia condições de se confirmar que, de fato, o paciente estava com meningite, já que não foram constatados sinais como rigidez na nuca - diferente do que foi relatado pela mãe da vítima - ou vômito. Diante da situação, a moradora resolveu levar o filho ao hospital, pois acreditava que a situação poderia ser grave. “Depois de ser examinado lá em casa e antes de ser levado para o hospital, o Luan até delirando estava”. No Hospital Geral, em Novo Hamburgo, o parecer do médico deixou Júlia assustada. Ela foi informada de que o jovem realmente tinha meningi-
WILLIAM MANSQUE
Família e Secretaria da Saúde têm versões diferentes sobre exame em jovem paciente
à
O descontentamento da moradora Júlia Damaceno com o atendimento da Unidade Básica de Saúde (UBS) da Vila Brás se resume em uma história preocupante. No início do mês de agosto, o filho dela, o estudante Luan, de 18 anos, estava se sentindo mal em casa, com fortes dores na cabeça e na nuca, além de apresentar febre alta. De acordo com a mãe, o jovem também tinha muitas dificuldades para caminhar, o que impossibilitava a sua ida até o posto de saúde (localizado a menos de um quilômetro de sua moradia). Júlia ligou para a UBS para solicitar a ida de um médico até a sua casa. Porém, ela foi informada que, naquele momento, nenhum profissional poderia deixar o local de trabalho. A moradora de 33 anos, que tra-
te. “O médico disse que se eu não tivesse levado meu filho naquele mesmo dia, ele poderia ter morrido, e que muita gente estava morrendo disso nos últimos tempos”. Segundo a Secretaria de Saúde, o médico da UBS Vila Brás havia pedido para que Luan fosse levado até o
posto para ser examinado. A avó falou que não tinha como levá-lo, então foi solicitado que ao menos fosse retirada uma solicitação de exames na própria Unidade de Saúde. A família também foi orientada a procurar o hospital caso não houvesse melhoras. Como os familiares não foram buscar os pedidos de exame, a agente de saúde retornou à casa de Luan e foi informada pela mãe que o rapaz havia sido levado ao hospital e que estava com meningite. O jovem ficou internado 15 dias após ser tratado. Tanto ela quanto o filho preferiram não apresentar nenhum tipo de reclamação contra o atendimento prestado na Unidade Básica de Saúde da Vila Brás.
- DOUGLAS RIPEL
6. OMBRO AMIGO
" DANIELA FLORES
Conversar para sentir-se bem
quem deseja falar e, com isso, cria vínculos com os moradores da vila
D
esde que começou a trabalhar como agente de saúde comunitária na Vila Brás, há cinco anos, a técnica de enfermagem Marilda de Fátima Nunes Matheus, 49 anos, faz mais do que as atribuições profissionais exigem. Além de realizar ações de promoção à saúde com as famílias residentes próximo ao Arroio Gauchinho e da Avenida 14 Bis, ela oferece auxílio para quem precisa desabafar problemas pessoais ou, simplesmente, entreter-se na companhia de alguém. “É preciso ter olho muito bom, ouvido enorme”, comenta Marilda. A percepção sobre os sentimentos dos outros é uma qualidade desenvolvida no exercício de suas atividades. A relação de companhia que estabelece com os moradores faz com que seja procurada com frequência em sua própria casa. “Se eles abrem as casas para mim, como não vou abrir a minha para eles?” Como se não bastasse proporcionar conforto e bem-estar por meio de uma conversa, Marilda ainda realiza encontros informais com
as vizinhas para se divertir, aprender e confeccionar artesanato. A ideia de criar um grupo para compartilhar experiências surgiu de uma amiga que percebeu como a técnica de enfermagem buscava aliviar o estresse. “Quando ficava estressada, eu fazia fuxico, pano de prato”, conta. Essa ocupação com o trabalho manual funcionava como terapia. Logo, outras pessoas também se interessaram nas atividades. Atualmente, as reuniões são realizadas a cada 15 dias na residência de Marilda ou na de alguma integrante do grupo. Junto com outras mulheres, Marilda cria produtos artesanais a partir de técnicas como Patchwork. “Uma aprende com a outra. Sei fazer Patchcolagem por causa da Márcia, que sabe fazer”, diz a agente de saúde. Os artesanatos estão espalhados em vários lugares da casa de Marilda e alguns até cumprem a função de artigos de decoração. É o caso das flores de tecido colorido que ornamentam a porta de entrada, o molho de chaves e o arranjo sobre o armário da cozinha. Na sala, tem almofada rosa em estilo capitonê. E, para a vaidade feminina, fez uma bolsa de tecido para trabalhar e uma nécessaire para carregar os pertences. Em breve, ela terminará o bordado de um pano de prato
DANIELA TREMARIN
com a técnica de Patchcolagem. E, enquanto costura frutas vermelhas com linha verde sobre o tecido branco, esboça um sorriso. Essa expressão reflete o entendimento de Marilda sobre a manutenção da saúde. Para ela, não é preciso falar sobre o tema apenas quando já se está debilitado. “Saúde não é só ter problema, não é só estar doente. Falar ajuda na
vida saudável”, salienta ao enfatizar a convivência. A agente de saúde comunitária se sente bem ao assumir o compromisso de visitar famílias para levar orientação. “Gosto demais de fazer isso”, compartilha emocionada. “Não quero trabalhar como técnica de enfermagem. Eu me envolvo com as pessoas.” Por conta dessa ligação, Marilda
PRÉ-NATAL
Gestantes buscam atendimento JÚLIO HANAUER
à
São nove meses de espera até que elas possam tê-los nos braços. Durante este período, as futuras mamães realizam o pré-natal, muito importante para o acompanhamento da saúde da gestante e do bebê. É o caso de Jéssica Alessandra Ferreira da Silva, 23 anos, que está em sua terceira gravidez. Desempregada, ela já é mãe de Sofia Eduarda de seis anos, e Ygor, três. Quando descobriu a gravidez, Jéssica procurou atendimento no Centro de São Leopoldo. Porém, após a primeira consulta, descobriu que poderia ser atendida na Unidade Básica de Saúde (UBS) da Vila Brás. Desde então, passou a frequentar o espaço e agendar as consultas. Para realizar exames, como a ecografia, por exemplo, Jéssica vai até o posto e o médico realiza o encaminhamento para o hospital ou clínica, no Centro. A jovem, que nasceu na Brás, recebe frequentemente visitas das
Atendimento do Posto de Saúde é motivo de divergência entre gestantes
agentes de saúde e agora também participa do grupo de gestantes do bairro. Prestes a ter o terceiro filho, Jéssica quer fazer laqueadura e já se informou sobre o assunto. Mas, segundo ela, o procedimento não é realizado junto com o parto normal. “Depois que ganhamos o bebê é preciso ir em outra ocasião fazer a cirurgia. Para mim, fica
muito complicado. Gostaria que fizessem tudo junto”, explica. A dona de casa Nilza Camargo da Silva, 32 anos, espera a chegada de Sara, prevista para novembro. Na terceira gestação ela faz o acompanhamento no bairro Santos Dumont. “Durante a minha segunda gravidez enfrentei alguns problemas no posto da Brás e não gostei
do atendimento que recebi, faltou assistência”, diz. Apesar disso, Nilza recebe a visita da agente de saúde em sua residência. “Geralmente o posto possui somente um médico para atender todos os moradores. Em minha opinião, faltam profissionais para atender a demanda”, comenta.
- DAIANE TREIN
reconhece quando carecem de ajuda. “As pessoas vem me procurar. Tu sabe quando elas precisam.” Ela percebe uma necessidade do ser humano que tenta suprir. “É preciso criar vínculos com as pessoas”, sintetiza sobre o bem-estar proporcionado pela atenção de alguém interessado em ajudar.
Além de cuidar da saúde física, Marilda trata do psíquico dos moradores da Vila atuando como ouvinte
à
se à Marilda propõe a ouvir
- FABRÍCIA BOGONI
PRECÁRIO
Rota de Fuga O posto de saúde parece não resolver os problemas mais complexos que podem ocorrer na vila. A Unidade Básica de Saúde (UBS) é motivo de reclamações por parte dos moradores, que precisam peregrinar por atendimento médico. A dona de casa Regina Rodrigues, 34 anos, explica que a UBS não resolve seus problemas quando precisa. “Quando eu preciso levar meus filhos no postinho, o médico só da uma olhada nas crianças e já os manda pra casa”. Diante dessa situação, ela diz que se vê obrigada a procurar o bairro Scharlau, que conta com uma emergência 24 horas. “Lá é diferente. Eu sempre consigo atendimento. Tudo é rápido na Scharlau. E a minha sorte é que vamos de carro, em 10 minutos estamos lá”, conta Regina. O comerciante Ari dos Santos, 60 anos, diz que desistiu de procurar aten-
dimento na Brás. “Acordo às 3 ou 4 horas da manhã para tentar ter uma consulta e quando chego lá, eles tem seis fichas só”. Diferente de Regina, Santos não tem a sorte de ir de carro em busca de atendimento. “Eu consulto sempre no bairro Campina. Lá tem uma emergência 24 horas. O problema é que daqui da Brás para lá não existe um ônibus direto. Preciso pegar duas conduções, mas pelo menos na Campina sou atendido.”, afirma Santos. Os moradores dizem que a situação da saúde na Brás piorou desde a troca do prefeito de São Leopoldo. Todos esperavam que mudanças expressivas pudessem ocorrer na cidade, já que o novo prefeito é médico. Mas a mudança ainda não aconteceu na Brás. Entramos em contato com a Secretaria de Saúde de São Leopoldo e não obtivemos retorno.
- PEDRO KESSLER
ASSISTÊNCIA .7
" DAIANE TREIN
Saúde é acompanhada de perto
não supre à UBS as necessidades,
RICHARD BRUNO
mas agentes visitam e orientam os moradores
E
grande benefício do atendimento é difundir informações importantes. “Somos o acesso que a comunidade tem à informação sobre saúde”, diz. Quando aparece um problema mais sério, ou uma doença crônica na família, o agente auxilia no encaminhamento do paciente. “Conduzimos as pessoas com problemas de saúde ao posto, para terem um primeiro atendimento com o clínico geral, que depois passa o paciente para um médico especialista”, explica. MAIS QUE UMA AGENTE “Amo muito a Silvane. Ela é uma pessoa especial,
uma amiga”. A declaração é da dona de casa Ana Maria Cardoso da Rosa, de 58 anos, que recebe as visitas de Silvane há seis anos. Na casa, a agente acompanha ainda o marido, as duas filhas e os quatro netos de Ana, além da mãe, Marcelina Cardoso, de 89 anos. Marcelina é cadeirante desde que sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC), há 15 anos, e hoje passa boa parte do tempo na cama, precisando de cuidados. Ana conta que recebeu orientações de Silvane que ajudaram a cuidar de sua mãe. “Aprendi muita coisa. Ela nos ensinou como lidar com o doente, a ter paciência, me incentivou
muito”, afirma. Os anos de convivência trouxeram confiança e a família se sente bem atendida. “A Silvane é ótima, sempre prestativa. Vem falar com a gente, traz o médico, a enfermeira, tudo que precisamos”, diz Ana. POSTO NÃO É SUFICIENTE “Os médicos são bons. Não fazem melhor porque não tem como”, acredita Ana. Ela conta que sempre teve atendimento, mas muitas vezes suas filhas tiveram que parar de madrugada na fila por uma ficha para serem atendidas. Além disso, o horário é bastante reduzido, das 8 às 17 horas, mas
o atendimento segue tendo uma boa avaliação. “O posto é muito bom. Quando a mãe precisava de mais cuidados, os médicos vinham até aqui”, afirma. Como agente de saúde e moradora, Silvane reconhece que falta espaço e profissionais na UBS: “temos um bom posto de saúde. A Brás é grande, às vezes não podemos atender a todos, mas fazemos o que podemos”, explica. Porém, há esperança de melhora. “Para o futuro, espero a ampliação da unidade, com mais espaço físico e mais profissionais para atender a demanda”, ressalta.
A agente de saúde Silvane Cavalheiro (esquerda) visita a família de Marcelina Cardoso há seis anos. Ana Maria (direita) agradece tudo que aprendeu sobre os cuidados com a mãe
à
ntre a comunidade e a Unidade Básica de Saúde (UBS) Vila Brás, há um facilitador: os agentes de saúde. O bairro conta com 15 agentes, em duas equipes de Estratégias de Saúde da Família (ESF). Estes profissionais atuam diretamente com os moradores, fazendo visitas mensais, orientando sobre cuidados com a saúde e avaliando os casos que precisam de atendimento domiciliar. É uma garantia de que os problemas recebam atenção, em um cenário em que há muitas pessoas para pouca capacidade de atendimento. Há seis anos atuando como agente de saúde, Silvane Cavalheiro, de 39 anos, atende 140 famílias, aproximadamente 600 pessoas. Faz acompanhamento mensal, confere as carteiras de vacinação das crianças, orienta, verifica se estão indo ao médico e tomando os remédios. “Gosto do trabalho, já me acostumei. Trabalho sempre com as mesmas famílias, já criei um vínculo com as pessoas”, conta Silvane. Segundo ela, os agentes funcionam como os olhos do posto de saúde. “Se necessário, chamamos um médico ou técnico para vir até a casa da pessoa”. Conforme Silvane, o
- LUÍSA VENTER
TERCEIRA IDADE
Idosos recebem atenção especial caminhado para outro lugar a fim de ter o devido atendimento. “Todos os exames que eu preciso eu faço aqui mesmo.” Assim como Rosa, Silva faz elogios à assistente que vai até sua casa. “Ela é ótima, muito atenciosa”, comenta. Apesar de ainda não ter a idade que o classificaria como idoso, ele já utiliza o serviço oferecido para combater três doenças. O mestre de obras também destaca o trabalho realizado no posto de saúde, não havendo necessidade de sair da Vila para realizar exames. Silva precisa pagar apenas pelos medicamentos necessários aos cuidados com seu coração, o restante recebe de forma gratuita. OUTRA OPINIÃO Em contrapartida, Odete Wilborn, 62 anos, “encostada” na Previdência Social desde 1999, não enxerga o atendimento à saúde sendo tão bem
feito assim. “O posto só tem um médico, e a gente nem entende o que ele diz. Pra marcar uma consulta, tem que esperar uma semana.” Odete tem problemas de colesterol, pressão e diabetes, além de ter passado por uma cirurgia para implantação de ponte de safena. Ela reclama que, para conseguir os remédios, é necessário comprá-los. “Só ganho o pra diabetes”, lamenta. REDE DE ATENDIMENTO Conforme informações da Secretaria de Saúde de São Leopoldo, o posto de saúde da Brás conta com duas equipes de atenção à saúde familiar. Cada equipe é formada por um médico, um enfermeiro, pelo menos um técnico em Enfermagem, dois dentistas, um orientador em saúde bucal, além dos agentes comunitários,
principais responsáveis pelas visitas a domicílio. Segundo Lisiane Machado da Silva, membro da Direção de Atenção Básica à Saúde do município, cada equipe que hoje trabalha no posto da Vila atende em média quatro mil pessoas. Para o atendimento específico aos idosos, o posto conta com agendamentos de consulta especiais, voltados para pessoas acima de 60 anos ou que sofram de doenças crônicas (como hipertensão e diabetes). O tempo de espera para o atendimento varia conforme a procura dos pacientes. Os medicamentos gratuitos disponibilizados para a população fazem parte do programa federal Farmácia Popular. Para ter acesso ao benefício, a pessoa que precisa de determinados medicamentos deve se dirigir às farmácias cadastradas no programa, tendo em mãos a receita médica prescrevendo o tratamento.
GUILHERME RICARDO
Nem todos os remédios são ofertados pelo programa, apenas aqueles que atendam aos problemas de saúde mais comuns da população brasileira.
- EDUARDO FRIEDRICH
Odete discorda da qualidade do atendimentos prestado ao idoso
à
Ao contrário do que se costuma ouvir, o atendimento e a atenção à saúde do idoso na Brás são elogiáveis. Tanto para o aposentado Dalmiro da Rosa, 74 anos, quanto para o mestre de obras Leonel Mário da Silva, 55, o trabalho realizado na Vila não deixa a desejar. Ambos têm problemas cardíacos, de colesterol e de pressão, mas na hora de buscar tratamento o quadro não evolui para uma dor de cabeça. Conforme seus relatos, são prontamente atendidos sempre que necessário. Morador da Vila há mais de 30 anos, Rosa destaca a facilidade com que consegue os remédios para seu tratamento. “Não preciso gastar nada, é só passar na farmácia popular ou no ‘ginasião’e pegar.” Ele elogia tanto a atenção que recebe no posto como também nas visitas feitas pelas assistentes sociais. O aposentado ainda chama a atenção para o fato de uma única vez ter sido en-
8. INUNDAÇÃO
" FABRICIA BOGONI
Enchentes espalham doenças
materiais, as águas que transbordam do Arroio Gauchinho causam moléstias na população atingida
N
os últimos meses, os moradores da Rua Alegria de Jardim não tiveram muitos motivos para sorrir. O alto volume de chuvas, aliado à obra de canalização do Arroio Gauchinho – que teve início em 2011 e que ainda está em andamento –, tem causado preocupação aos moradores, tanto em relação à perda de bens materiais quanto à saúde, como é o caso da passadeira de cola Noeli Pinto Lauxen, 47 anos. Somente neste ano, Noeli já teve sua casa invadida pelas águas que transbordaram do arroio quatro vezes. A residência é uma das mais próximas das obras e, por isso, uma das mais atingidas. “Na outra vez, eu perdi roupas, cama, sofá, cobertas, comida. Nem colchão para dormir eu tinha. Caiu tudo dentro d’água”, relembra, referindo-se à enchente que atingiu o bairro no mês de junho. Noeli conta que as chuvas que vêm com mais intensidade e duração são as que mais preocupam, mas que as pancadas
que duram algumas horas também são motivos para angústia. “Moro aqui há sete anos e sempre foi assim. Qualquer chuva alaga.” Com a enchente do mês de setembro, ela e a família contabilizam os prejuízos: dois roupeiros novos – comprados após a enchente anterior –, um colchão, a geladeira, os armários da cozinha, o freezer e o suporte do microondas foram danificados. Entre esses móveis e eletrodomésticos, muitos precisarão ser substituídos e outros, reformados. “O freezer molhou e eu ainda estou pagando”, lamenta.
FERNANDA FORNER
SAÚDE TAMBÉM É PREOCUPAÇÃO Além das perdas materiais, outra preocupação que surge com a cheia do arroio é em relação à saúde dos moradores. As águas transbordam, misturam-se com o esgoto e o lixo das ruas e invadem as casas. Ao limpar as residências, por exemplo, o contato é constante, e a contaminação, muitas vezes, é inevitável. As águas poluídas podem causar infecções e doenças como a leptospirose. Na manhã de sábado, 13 de setembro, Andrea Ramos, 32 anos, dividiu seu tempo entre a limpeza da serralheria do marido e os cuidados de sua mãe, que teve uma
infecção renal causada pelo contato com a enchente. Vizinha da mãe de Andrea, Noeli também teve problemas de saúde pelo mesmo motivo. Ela teve infecções na bexiga e nos pulmões. “O médico falou que a infecção pulmonar aconteceu por causa de um resfriado que eu peguei por
ficar muito tempo em contato com a água e por eu apresentar baixa imunidade. Tive falta de ar e, numa sexta-feira, nem consegui trabalhar”, relembra. Para o tratamento da infecção, Noeli gastou cerca de R$ 300 em remédios – que ainda estão sendo pagos. Arno Lauxen, marido de
Noeli, ressalta que as enchentes também ocasionam a infestação de animais. Ele diz que, além do lixo que vem das ruas, junto com a água, entram em sua casa bichos como lesmas, sapos e, principalmente, os que mais preocupam, ratos.
Além de prejuízos materiais, as seguidas enchentes trazem muitas doenças às pessoas com residência próxima ao Arroio Gauchinho
à
dos à Além prejuízos
- SABRINA MARTINS
CHUVA
Falta de escoamento prejudica comunidade O contato com a água das enchentes pode trazer doenças transmitidas por animais. No mês de setembro, a Vila Brás enfrentou fortes chuvas. O que pode se tornar um risco para a saúde, já que as chances de contágio aumentam em situações como essas. Há anos, os moradores convivem com o problema e reivindicam constantemente melhorias para resolver os transtornos. Dirceu Santos Souza, 48 anos, trabalha em uma transportadora e mora há 22 anos na Brás. Sua residência, na Rua Epomeias, não foi atingida pelas cheias, porém, logo no outro lado da rua, a visão é de lixo e muita água. De forma indireta, ele também sofre com os alagamentos. “Ontem meu filho matou um rato aqui”, diz. O rato é transmissor de doenças como, por exemplo, a leptospirose. Dirceu, no entanto, afirma que a família toma todas as providências para evitar a proliferação desse animal. Aresidência de Nilton Luis Ferreira, 35 anos, localizada na “Invasão do Aírton”, área comumente alagada que recebeu esse nome por pertencer ao ex-prefeito de Novo Hamburgo José Aírton dos Santos, foi
atingida pela enchente e ainda está cercada por poças e barro. Feliz pela trégua na chuva, ele explica que a situação não é novidade para a sua família composta por cinco filhos e sua esposa. “Morávamos na vila dos Tocos, em Novo Hamburgo, e saímos de lá exatamente por causa das enchentes. Aqui é menos ruim”, diz. Uma medida que pretende tomar para melhorar a situação é o aterramento do terreno. Quanto à presença de ratos, Wellington Ferreira, de 14 anos, filho de Nilton, afirma que os animais de estimação auxiliam caçando os roedores. Porém, Nilton lembra que um de seus vizinhos morreu recentemente pelo contágio da leptospirose. Há o compromisso de políticos de que será resolvida a questão do tratamento de esgoto e escoamento da água no local, mas por enquanto, segundo os moradores, são de lixo à Acúmulo nos córregos e ruas impede o escoamento da água das chuvas. Moradores reivindicam melhorias
PAOLA SARTORI
apenas promessas de época de eleição. “Eles só vem limpar e colocar britas aqui perto da eleição”, afirma Nilton. MORADORES REIVINDICAM MELHORIAS Michele Scheer, 28 anos, mora ao lado de um terreno baldio e vê os córregos transbordarem por causa da quantidade de lixo descartado nesses locais. Ela convive com o problema há quatro anos. “Quando chove forte, os arroios transbordam, e as bocas de lobo não dão conta. Ficamos dias convivendo com ratos e detritos espalhados pelas ruas. Quando a chuva vai embora, só restam a su-
jeira e o mau cheiro.” Os moradores reivindicam obras de saneamento que serviriam para impedir o transbordamento dos córregos, dando vazão às águas da chuva, mesmo quando são fortes. “A sujeira provocada pelas chuvas é atrativo para ratos e baratas, animais transmissores de diversas doenças”, diz Michele. O Serviço Municipal de Água e Esgotos (Semae) de São Leopoldo diz que realiza a manutenção de bocas de lobo com frequência. O Semae também afirma ter realizado obras de extensão de redes de esgoto a fim de reduzir os alagamentos.
- DANIELA FLORES - GUILHERME NEIS
ILHADOS .9
" DANIELA FLORES
Excesso de água traz prejuízos
a falta de à Quando amparo vira uma
bola de neve em meio a tantos problemas públicos, a comunidade se une para agir por si mesma
E
reni Muchenski Tavares, 52 anos, já perdeu as contas de quantas vezes sua casa foi atingida pela água. Água esta que vem trazendo lixo, entulho e muito barro para dentro da sua residência. O esposo, José Leonir Tavares, de 55 anos, já perdeu as contas de quantas vezes foi obrigada a faltar o serviço por ficar ilhado em casa ou por acordar com a água aos pés da cama e, por conta disso, ter que perder o dia de trabalho para ajudar a família e os vizinhos a salvarem seus bens. A enchente do dia 12 de setembro foi, mais uma vez, causada pelo não ligamento das bombas que fazem o serviço essencial para o processo de escoamento da água do Arroio Gauchinho. A família já perdeu guarda roupas, armários, geladeira, cama e outros móveis diversas vezes e nunca recebeu ajuda para repor, apenas promessas. Na enchente de março de 2013 a prefeitura foi até a rua de Ereni e prometeu ajudar a família a repor os móveis perdidos, mas depois disso ninguém mais apareceu. A família procurou a prefeitura e receberam a informação de que a situação estava sendo resolvida, contudo, 15 dias depois nada havia se resolvido e
a família buscou reposição por conta própria em uma loja de móveis usados. Mais de um ano depois, o problema com as inundações continua. Trabalhando como pedreiro, o chefe da família é o único, atualmente, com renda fixa na casa onde mora com a esposa, uma filha de 14 anos, um filho de 19, uma nora de 20 e a neta de quatro meses. Ao acordar na manhã do alagamento, Ereni percebeu o problema logo que saiu para a rua. Desta vez sua casa não fora atingida na parte interna, apenas na calçada, onde ela ainda apontava o barro no dia seguinte. O problema, que é recorrente, foi mais uma vez causado pelo não ligamento das bombas. “O rapaz das bombas não estava lá para ligar. Eram três horas da tarde e estava tudo cheio de água ainda. As pessoas tiraram os carros para não estragar. Carro é uma coisa que a gente tem que priorizar por causa do serviço”, contou ela. O esposo utiliza o carro diariamente para se deslocar até o trabalho, porém o que era para ser atípico vem se repetindo nos últimos anos: sua falta no serviço por causa dos alagamentos. “Ontem quando ele acordou para trabalhar não deu para sair. Ele encostou o carro aí pra cima e já foi ajudar as pessoas a levantar as coisas”, completou. Tavares perde quase R$ 200 por dia sem trabalhar, o que acaba faltando no final do mês. Há 27 anos o casal mora na Rua das Gardênias, e contam que os problemas não
são só com água. A promessa de asfaltamento na via de paralelepípedo é alimentada a cada vez que prefeitura vai medir a rua, o que Ereni diz que acontece seguidamente, mas com o passar dos dias os moradores percebem que é sempre mais uma ilusão. Os moradores da rua se ajudam muito e, segundo Ereni, “se não é os vizinhos fazerem as coisas nada acontece”. Até mesmo a responsabilidade de ligar as bombas de água acaba ficando com a população. “O pessoal da vila tem que ir atrás do rapaz que liga as bombas, porque ele nunca está ali quando chove”, revela. Como a água sobe rapidamente, o receio é sempre com os bens. Os veículos são sempre uma das maiores preocupações, já que quem possui utiliza para trabalhar e no momento que estes estragarem também já se perderia o trabalho, ou pelo menos se dificultaria o deslocamento. Além disso, geraria maior transtorno para as famílias, por ser mais uma coisa para se arrumar e gastar. Mas se ninguém dá assistência aos moradores que sofrem com todos estes problemas a cada enchente, o que farão por seus meios de locomoção?
ELIZANGELA BASILE
- GIOVANA PEINADO
e José Leonir à Ereni já perderam as
contas de tudo que as seguidas enchentes levaram da família
CHÃO BATIDO
Uma década de espera Nessas vias, os terrenos não possuem calçadas - impedindo que as pessoas andem em segurança - e em alguns terrenos a lama chega até a porta de casa. O lixo, outro problema constante nessas áreas, que é trazido pelas chuvas vai se acumulando em frente as residências dificultando ainda mais a situação. Na Rua 26, Marlene Antunes da Silva, 38 anos, doméstica, lava a área de concreto construída na frente de casa. A água leva a sujeira, mas o esforço acaba sendo em vão, é só colocar o pé para o lado de fora para sujar tudo novamente. “A rua é puro barro. Não tem o que fazer, não tem como andar sem se sujar. Para entrar em casa tem que tirar o sapato”, diz enquanto continua a limpeza. Desde que se mudou para a Brás, há 10 anos,
JÉSSICA SCHAEFER
crianças brincarem, isso é ruim”, observa Marlene. ESCLARECIMENTO AOS MORADORES
à
Apesar da evolução em mobilidade urbana, que pode ser observada na avenida principal, Lepoldo Wasun, asfaltada, sinalizada, com calçadas em boas condições para os pedestres, um antigo problema em determinadas áreas da Vila Brás dificulta a vida de moradores: a falta de calçamento e demais infraestrutura das ruas. Cerca de quinze ruas permanecem da mesma maneira de quando os primeiros moradores chegaram ao local: chão batido. Quem convive com a situação sofre com duas realidades de um mesmo problema: barro em dias de chuva e pó em dias secos. Basta dois dias de chuva para a situação ficar crítica, o grande acúmulo de água impede a travessia de moradores a pé e até mesmo de carro.
Falta de pavimentação das ruas é uma das principais reclamações dos moradores
Marlene e os vizinhos aguardam o calçamento das ruas e as melhorias. A cada eleição a esperança se renova. Segundo Marlene o discurso candidatos políticos é sempre o mesmo:
comprometimento com o bairro, moradores e a solução para o problema das ruas. Passa a gestão. O problema permanece. As crianças já estão acostumadas a ter que
brincar dentro de casa durante o inverno. As que não conseguem se distrair ficam na porta de casa, com olhar triste, observando o movimento da rua. “Não tem nem condições para as
Segundo a Prefeitura Municipal de São Leopoldo, que se manifestou sobre o assunto por meio do setor de Mobilidade Urbana, a Vila Brás está na lista de áreas com prioridade para regularização e investimentos. As tratativas estão feitas junto as demais secretarias envolvidas e outros órgãos como o Semae (Serviço Municipal de Água e Esgotos de São Leopoldo). Após a regularização das áreas, a demanda dos calçamentos entra em votação na pauta da Secretaria Municipal do Orçamento Participativo para ser aprovada pela comunidade.
- NATÁLIA MINGOTTI
10. ACESSIBILIDADE
" MATHEUS D’AVILA
Calçamento ruim dificulta locomoção
e comércio nas calçadas prejudicam passeio
Q
uem transita pela Vila Brás deparase com situações em que precisa desviar de entulhos deixados nas calçadas, de comércio exposto e até de obras mal acabadas. Para os idosos e crianças pequenas, a dificuldade é dobrada. A aposentada Sena Unzer, de 78 anos, quebrou o fêmur em uma queda dentro de casa há três anos, e precisa usar um andador e uma cadeira de rodas para sair. Sena, que mora com o filho Edmar, 45, precisa de ajuda toda vez que sai de casa. “As calçadas aqui são muito complicadas. Preciso de ajuda sempre que quero sair. A limpeza das vias os próprios moradores realizam e está sempre tudo bem limpinho, mas as calçadas precisam de reparos”, destaca. O filho, que procura sempre estar por perto, vê a realidade como algo natural. “As dificuldades sempre existem”, diz. Já para a aposentada, os cuidados devem ser redobrados. “Procuro nem sair mais tanto para não acontecer nada”, diz ela. A dona de casa Ana Rosangela Souza Franco, de 30 anos, é mãe de Andrielly, de apenas um ano e dois meses. Para sair de casa com a filha, Ana utiliza um carrinho.
“As dificuldades são muito grandes. Isso sem contar o perigo, pois às vezes precisamos andar no asfalto, pela má condição das calçadas ou por estarem ocupadas, e com criança pequena é perigoso”, conta. A dona de casa revela que mora há quatro anos na Vila Brás e que as calçadas sempre foram ruins, principalmente para quem depende de rampas para subir com carrinhos ou cadeiras. “Mas eu venho notando que de uns dois meses pra cá, algumas rampinhas de acesso às calçadas foram arrumados ou até instaladas”. Fabiana Andréa da Silva, 31 anos, dona de casa, também tem mãe cadeirante. Em sua opinião, as ruas na Vila estão cada vez piores. “Muita gente promete fazer, vem aqui, pede voto e depois nunca mais aparece”, diz. Fabiana conta que a mãe, que precisa da cadeira de rodas há dois meses devido a uma cirurgia no pé, estranha bastante essa condição. “Minha mãe nunca precisou de ajuda para andar, agora que ela precisa, está vendo as dificuldades de locomoção aqui”, conta. “Sem contar os carros que estacionam em cima das calçadas e as pedras de obras que são colocadas no meio da passagem dos moradores”, reivindica a moradora Andrea Alves da Silva, 30 anos. A auxiliar de limpeza mora na Vila Brás há 28 anos e diz que já presenciou quedas de
BETINA VEPPO
pessoas na calçada, devido às más condições. Procurada pela redação do Enfoque Vila Brás, a Prefeitura de São Leopoldo, através da Secretaria de Obras destacou que as obras de melhorias na Vila se dão por meio da solicitação do contribuinte, assim como os pedidos de acessibilidade, que a partir do interesse busca-se fazer um projeto e executá-lo. Os pedidos de reparo podem ser feito através do número 0800 6443300. Já a previsão de construções de novas rampas, assim como outros acessos, dá-se pela Secretaria de Mobilidade Urbana, que não respondeu ao contato feito pela redação do Enfoque.
- GABRIELA CLEMENTE
Moradores reivindicam melhorias nas calçadas e rampas de acesso
à
mal à Obras feitas, entulhos
ADAPTAÇÃO
Sorrisos sobre rodas CAROLINE SCHAEFER
Geremias também faz fisioterapia semanalmente com a intenção de um dia voltar a andar. Ele acredita que seus movimentos já melhoraram muito e tem a esperança de
Geremias gosta de passear pela Brás mesmo enfrentando a má infraestrutura das ruas
à
Geremias Cruz dos Santos, estudante de 16 anos, vence diariamente uma dificuldade física: só consegue se locomover em cima de uma cadeira de rodas. O jovem, que mora na Brás desde que nasceu, sofreu uma paralisia no momento do parto, o que o impossibilitou de caminhar. Cursando o Ensino Médio em uma escola de São Leopoldo, Geremias mora com o pai, a mãe, um irmão e o tio que dividem as dificuldades geradas pela deficiência. O adolescente utiliza um micro-ônibus adaptado para cadeirantes que a Secretaria da Educação disponibilizou para facilitar o transporte até a escola. “O transporte me ajuda muito, pois meus pais não podem me levar de carro todos os dias e nem todos os ônibus municipais da Brás são adaptados para deficientes físicos,” conta.
conseguir ficar de pé. “A fisioterapia me ajudou a desenvolver alguns movimentos, mas eu não tenho força para ficar de pé. Se ficar sem a cadeira, preciso ficar me
arrastando e suportando meu corpo nos móveis ao meu redor”, explica o jovem. A cadeira de rodas que ele utiliza hoje foi doada por uma amiga. Está sem freios e não consegue ultrapassar os muitos obstáculos da rua onde mora. Essa, de paralelepípedo, esburacada e embarrada. Acostumado com as dificuldades do dia a dia, o cadeirante apontou algumas necessidades de melhorias para que haja a evolução da acessibilidade na comunidade: “Se tivesse um guarda de trânsito na rótula principal da Brás, iria ajudar não só a mim, mas a todos os moradores”. Segundo ele, dependendo da velocidade em quem se atravessa a rua, seja ele, com a cadeira, ou até mesmo os pedestres, os condutores dos carros não respeitam. Geremias se considera
feliz, pois já foi duas vezes ao cinema e já ganhou uma festa surpresa na escola. “Foi no meu aniversário, minha professora e meus colegas preparam tudo para mim sem eu nem desconfiar”, relata o estudante. Os seus sonhos são o combustível para que ele nunca desista. Ele acredita que um dia vai conseguir caminhar e quer fundar uma ONG e ajudar os outros tantos cadeirantes que precisam de acompanhamento no desenvolvimento pessoal e profissional. O jovem, que ambiciona entrar na faculdade, já fez sua primeira entrevista de emprego. “Estou esperando eles me chamarem, quero começar a trabalhar logo para guardar dinheiro e pagar um curso de administração”, planeja o jovem.
- CAMILA MAYURI
LOCOMOÇÃO .11
" FABRICIA BOGONI
Carrinhos de bebê buscam espaço mães andem com seus filhos na calçada
A
ndar pela Vila Brás parece ser algo fácil num primeiro momento, mas, ao observar as ruas e os calçamentos, é possível perceber que se locomover pode ser um desafio. As calçadas possuem muitos desníveis, além de objetos expostos pelos bazares. Isso dificulta a locomoção de mães com seus filhos nos carrinhos de bebê. Por isso, algumas preferem andar pela Avenida Leopoldo Wasun, que é uma das poucas opções de trajeto com asfalto. A maioria das ruas é formada de paralelepípedo ou de chão batido, o que faz com que os carrinhos trepidem. Os pedestres precisam desviar dos obstáculos que encontram pelo caminho como por exemplo, pedras soltas, desníveis, carros, cadeiras, uma infinidade de objetos. As mães que precisam andar com seus filhos em carrinhos de bebê encontram dificuldades quando precisam percorrer a vila. Aline Fontoura da Silva, de 26 anos, mãe de Yuri Henrique Lima da Silva, de sete meses, conta
como é se deslocar com o filho: “Eu ando somente pela avenida, mas é perigoso. Não tem como andar na calçada porque tem lomba. Então, preciso ficar desviando o carrinho sempre”. Cassiana Fontoura da Silva, de 58 anos, mãe de Aline, também tem esse costume: “Eu ando com o carrinho somente pela avenida. É perigoso, mas as calçadas são ruins e ficar desviando, cansa os braços”. Lucas Tainan Mateis de Oliveira têm apenas nove dias, mas é transportado no carrinho pelas ruas da Brás. Pâmela de Fátima Mateis, de 18 anos, mãe de Lucas, acha ruim ter que andar com o filho pelas ruas de paralelepípedos, pois o carrinho sacode muito. Já Ivonete Aparecida Mateis, de 35 anos, avó de Lucas, tem uma opinião diferente da filha. “Pra mim, é normal andar com o carrinho, vou pela calçada, as pedras incomodam um pouco, mas não acho ruim”, conta Ivonete. Catia Caroline Braz, de 26 anos, mãe de Lorenzo Gabriel Braz de Almeida, de oito meses, faz uma observação sobre as calçadas em frente aos bazares que existem no local. “Eu ando com o carrinho pela Avenida, é tranquilo, pois saio com o Lorenzo só no
WILLIAM MANSQUE
domingo, que é meu dia de folga. Quando dá, vou pela calçada. Tenho que desviar sempre de alguma coisa. É comum os produtos dos bazares estarem ali e isso dificulta a passagem. Por isso, vou pela beira da estrada”, declara Catia.
Mesmo sendo perigoso, algumas mães e avós preferem dividir o espaço com os carros ao invés de ocupar a calçada. Assim como Ivonete, Catia não considera o calçamento tão ruim. Na opinião dela, o que mais atrapalha são
os objetos dispostos pela rua. Isso acaba fazendo com que ela desvie pela Avenida Leopoldo Wasun, pois não há como passar, principalmente, entre os produtos dos bazares.
Condições precárias das calçadas força mães a dividir espaço com os carros nas vias
à
à Obstáculos impedem que
- KAROLINE CARDOSO
CIRCULAÇÃO
Duas vidas, o mesmo meio de sobrevivência WILLIAM MANSQUE
Wagner, em datas festivas como o Natal, eles chegam a faturar juntos R$ 700. Apesar das dificuldades financeiras, conta orgulhoso como é sua família: “São sete filhos e já temos 18 netos”. Segundo o catador, mesmo com a coleta seletiva e a concorrência entre os catadores, ele sempre consegue garantir material reciclável para vender. Sobre o fato de trabalhar exposto
às mudanças climáticas, comenta: “É bom andar pelo bairro, faz bem para saúde. Eu gosto”. Sousa veio do sertão cearense, mais especificamente, da cidade de Panambu (distante a 400 km de Fortaleza), para o bairro, pois já tinha conhecidos instalados na Vila Brás. De acordo com o vendedor, as pessoas compram bastante, principalmente, nos
finais de semana. A forma de pagamento dos produtos geralmente é parcelada e a cobrança feita de maneira informal. “Vou à casa de cada um e recebo o valor”, explica. Para ele, o mercado no bairro está cada vez mais concorrido. “A concorrência é grande. Ganha quem tem melhor preço e lábia”, afirma. Sobre a locomoção em trechos não asfaltados, Sousa conta:
“Tem lugar que é ruim de andar com carrinho, mas tem que dar um jeito”. Ele trabalha de terça a domingo, das 9h às 17h. A segunda-feira é o único dia de folga. Apesar das dificuldades de acesso em alguns trechos da vila, o vendedor encontrou na Brás um caminho mais próspero do que em Panambu.
- JULIANA BORBA
O cearense Sousa (à esquerda) encontrou na Brás oportunidade de trabalho. Entre uma coleta e outra, Wagner aproveita para garantir presentes aos netos. “Esses balões não são para reciclagem, são para eles”.
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Nas ruas estreitas da Vila Brás, Valentin Wagner, 57 anos, e Adalberto Henrique Sousa, 21 anos, percorrem diariamente o bairro com seus carrinhos. O primeiro ─ puxando o carrinho de bicicleta ─ para coletar material reciclável e revender em empresa especializada na cidade de Novo Hamburgo. Já Sousa utiliza seu carrinho para comercializar produtos como, por exemplo, tapetes, cadeiras de praia e espetos vindos de São Paulo. Além do meio de trabalho, ambos não são naturais da vila. Wagner é de Santa Catarina e está há 15 anos na Vila Brás, enquanto Sousa veio do Ceará em busca de oportunidades de trabalho e há seis anos encontrou na vila seu sustento. Wagner é casado há 38 anos com Eugênia Leocilda da Silva Wagner, de 56 anos, que também trabalha nas ruas do bairro coletando material reciclável, em outro carrinho. O casal mantém uma renda média de R$ 400 por mês. De acordo com
12. TRABALHO
" DAIANE TREIN
Buracos dificultam dia a dia
à Diversos moradores
RICHARD BRUNO
usam veículos para realizar trabalhos na Vila, mas, a má infraestrutura das ruas dificulta a locomoção e prejudica a saúde
A
ra batida, e isso dificulta muito o trabalho”, conta a moradora, que sofre de dores crônicas na coluna. Em seu rosto, castigado pelo sol, percebe-se o trabalho duro que é percorrer o bairro coletando sucatas para revender em uma pequena cooperativa na Brás. “Com esses bura-
Clair percorre a Brás mas encontra dificuldade devido às ruas esburacadas
à
falta de ruas asfaltadas e as más condições das vias afetam o dia-a-dia de diversos moradores da Vila Brás, como o da catadora de sucatas Clair Pires da Silva. Aos 51 anos, mudou-se para a Vila em busca de oportunidades de trabalho e de um bom lugar para criar os filhos. Divorciada, ela divide uma pequena casa com Jeferson, seu filho mais velho, que também trabalha como catador de sucata. Eles compartilham uma pequena carroça que comporta cerca de 30 quilos de garrafas pet, papelão e plásticos em geral. A catadora trabalha todos os dias da semana e muitas vezes aos sábados, para sustentar a família e garantir que nada falte nas refeições. Apesar de gostar de seu trabalho, ela relata a falta de cuidados e o descaso com a infraestrutura das ruas da Brás. “Tem rua esburacada, asfalto mal feito e chão de ter-
cos nas vias, preciso fazer mais força para manobrar o carrinho e aí a saúde não aguenta”, confessa. Alguns dias da semana Clair começa seu trajeto na Rua 29 de Julho, onde reside, e puxa sua carroça até o bairro Santo Afonso, em Novo Hamburgo, passando pela Vila Santos Dumont.
Em um dia de trabalho normal, a catadora puxa cerca de 30 quilos em seu carrinho, por mais de dez quilômetros por rodovias federais, como a BR 116 e pequenas ruas de chão batido, dentro da Brás. Enfrentando diariamente sedimentos e poças d´água, Clair conta
que a maior dificuldade é sair para trabalhar em dias de chuva. “No meu bairro, quando chove, alaga toda a frente da minha casa. Os buracos são tão grandes que não consigo sair com o carrinho, perdendo um dia inteiro de sucata”, afirma a moradora, que diz rezar para dar sol e poder trabalhar. Conhecida no bairro, ela recebe a ajuda de alguns vizinhos e moradores, que auxiliam na separação da sucata, facilitando o trabalho da catadora. Ao ser questionada sobre os cuidados com sua saúde, especificamente sobre o problema na coluna, Clair informa que sua carteira do SUS é da cidade de Novo Hamburgo, pois é lá que ela residiu durante bom tempo de sua vida, e portando, não consegue ser atendida no posto de saúde do bairro onde reside, em São Leopoldo. “Preciso é trabalhar. Se fico em casa, cuidando da coluna, fico pior ainda, então continuo empurrando meu carrinho para ter o que comer”, desabafa. Contudo, o sonho da moradora é que as estradas sejam melhoradas para que isso facilite o trabalho e a própria vida das pessoas.
- JÚLIA BONDAN
EXPECTATIVA
Comunidade aguarda finalização de obras ALINE SANTOS
Obras no arroio Gauchinho devem melhorar problemas com enchentes na Vila
à
Uma das principais obras que tem por objetivo atenuar o problema das enchentes, é a contenção e desassoreamento do arroio Gauchinho, que corta os limites dos municípios de São Leopoldo e Novo Hamburgo. Os trabalhos tiveram início em 2010 e por falta de recursos não transcorreram dentro dos prazos. Foram retomados no início deste ano e devem ser concluídos, de acordo com a Secretaria Municipal de Obras e Viação (SEMOV), nos próximos dias. O investimento total é de R$ 32 milhões, provenientes do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), e inclui ações também no arroio João Corrêa. Conforme o Secretário de Obras de São Leopoldo, Rudimar Couto, entre as etapas concluídas estão o recuo de moradias localizadas na beira do arroio, limpeza, drenagem, alargamento e construção de barrancos de concreto. Já as etapas a serem concluídas são a cons-
trução de um talude, para a contenção de terra e a troca das pontes de travessia, além da construção de um calçamento da rua lateral para melhorar o deslocamento dos moradores. Volnei Rodrigues que mora às margens do arroio conta que a situação está me-
lhorando, mas que quando há chuva intensa teme que o arroio transborde. “Quando chove muito, ainda ficamos com receio de que entre água nas nossas casas. Melhorou bastante já, mas ainda corremos risco. A gente tem esperança de não ter mais que passar por essas situações”, diz.
Para o Presidente da Associação de Moradores da Vila Brás, Cleber da Silveira, as mudanças decorrentes da obra já amenizaram o problema, no entanto, outras medidas ainda precisam ser tomadas, como a normalização do funcionamento da Casa de Bombas (já pertencente ao município de Novo Hamburgo), que tem um papel essencial na drenagem da água. “Na última chuva que deu, fomos verificar e só três das sete bombas estavam funcionando, isso agrava muito a situação, porque toda a água desce para cá e as chances de inundação são muitas”, conta. Outro ponto importante lembrado por Silveira é a importância da conscientização da população em relação ao depósito de lixo dentro do arroio. “É frequente ver todo o tipo de lixo dentro do córrego, até sofás que os próprios moradores atiram, sem pensar que aquilo prejudica a comunidade como
um todo, e que é um dos motivos da ocorrência de alagamentos. É necessário uma fiscalização mais rígida nesse sentido”, sugere, afirmando que pretende organizar para os próximos meses, uma audiência pública com representantes das prefeituras de São Leopoldo e Novo Hamburgo para tratar da problemática. Entre as propostas sugeridas por Silveira, está o desenvolvimento de campanhas educativas de conscientização e a adoção de nova legislação punitiva. Silveira conta ainda que uma outra obra importante será iniciada em breve no bairro Santos Dumond que também deverá contribuir para desafogar o arroio gauchinho. “Acho que aos poucos estamos avançando e solucionando antigos problemas. Todo o resultado é positivo com a ajuda das prefeituras envolvidas e da colaboração dos moradores”, completa.
- MÉURIN FASSINI
INSEGURANÇA .13
" CAROLINA CHAVES
Motoristas ignoram sinalização
entorno da Escola Municipal de Ensino Fundamental João Goulart são constantemente desrespeitadas e ameaçam a segurança das crianças
T
em lugar para todo mundo na Avenida Leopoldo Wasun. Carros, bicicletas, pedestres e até cachorros dividem espaço na via. A situação exige atenção de quem transita no local para evitar acidentes. A falta de mais faixas de segurança e o desrespeito à sinalização é a maior preocupação dos moradores, que precisam ter cuidados redobrados, especialmente com as crianças. Para Miriam Pinheiro Tavares, de 20 anos, o número de acidentes é baixo porque as pessoas já conhecem o bairro e estão acostumadas com a mobilidade urbana. No entanto, a jovem acredita que deveria haver mais faixas de segurança na avenida principal da Vila Brás. “As crianças saem da escola e andam no meio da rua, entre os carros”, conta. São duas faixas na Avenida Leopoldo Wasun e uma na rua que dá acesso à frente da Escola Municipal de Ensino Fundamental João Goulart. Com movimento intenso no local, principalmente durante a semana, a dona de casa
Lenir Barroso, de 59 anos, procura sempre orientar a neta de seis anos no momento de atravessar a rua. “São poucos que respeitam as faixas de segurança, por isso acho importante conscientizarmos as crianças desses cuidados”, explica. Para Dario Correa, dono da barbearia localizada na esquina da escola, a prefeitura de São Leopoldo deveria dar mais atenção à área. “É um colégio, precisa ter um cuidado maior, mas não tem. Chega a dar acidente, mas nada grave, o pessoal daqui é muito cuidadoso. Normalmente acontece com gente de fora da Vila, que anda em velocidade alta sem nem conhecer o local direito”, afirma. Uma solução apontada por Correa é a implementação de um quebra-mola nos arredores da escola. Apesar do descontentamento dos moradores, a Prefeitura de São Leopoldo informou que nenhuma reclamação chegou até o Executivo, que disponibiliza a Central de Serviços Urbanos (CSU) para atender solicitações da população. As três faixas de pedestre localizadas no entorno da escola estavam com a pintura precária no dia em que a equipe de reportagem esteve no local, mas a sinalização foi revitalizada pela prefeitura na semana seguinte. A CSU recebe demandas de iluminação, manutenção de sinalização, administração de cemitérios,
limpeza urbana, patrolamento e ensaibramento, tapa-buracos, calçamento e calçadas. O atendimento é diário, das 7h às 19h de segunda a sexta-feira. Aos
sábados, das 7h às 13h. Os pedidos devem ser feitos gratuitamente pelo número 0800 644 3300.
- NATÁLIA DALLA NORA
NATHALIA FEIJÓ
AUTOMÓVEIS
Em busca da independência A precariedade do transporte público em todo o território nacional não é novidade. Trens lotados, ônibus que não cumprem horários, e a atual política econômica que facilitou para grande parcela da população a aquisição de veículos automotores. O desejo de independência motivou diversos moradores da Vila Brás a realizar o sonho de obter o primeiro carro próprio. Esse é o caso de Maurício Langner Amaral, de 23 anos. O jovem, que reside na Brás desde que nasceu, juntou os salários de metalúrgico, profissão que exercia desde os dezessete, e comprou um Chevrolet Corsa. “A melhor coisa é não depender de ninguém”, afirma Langner enquanto lava o veículo bordô, fabricado em 1996. “Já veio rebaixado”, conta Langner,
que recebeu a Carteira Nacional de Habilitação há apenas três meses, e incrementou o bem instalando um rádio com conexão USB e autofalantes potentes no porta-malas, de onde emana um funk sobre mulheres e ostentação. “Agora, só falta colocar rodas e suspensão a ar, se a lei permitir”, revela o rapaz. Vivendo atualmente apenas da renda do seguro desemprego, Maurício relata que já tem um trabalho em vista e que, após concluir o ensino médio, pretende prestar concursos públicos. Apesar de ter adquirido o veículo há apenas um mês, o jovem já tem planos para o futuro: “Em, no máximo, cinco anos compro um Honda Civic”. Até lá, o jovem segue passeando com os amigos e a namorada no carro obtido apenas com o próprio esforço: “Paguei
Pintura precária dificulta visibilidade das faixas de segurança
à
de à Faixas pedestre no
o carro sozinho. Não tive ajuda de ninguém”, afirma orgulhoso. Diferente de Maurício, que conseguiu o primeiro carro recentemente, Nédio Santos Martins, natural da Brás. O empresário, de 27 anos, pretende trocar logo o Volkwagen Gol e não se importa muito com o som do veículo. “Estou tirando a poeira porque pretendo leva-lo à tarde para a revenda”, conta Martins enquanto limpa o automóvel branco ano 2005. O jovem, que além de atuar na empresa Bela Arte Pinturas LTDA, é cantor gospel na dupla Nando & Nédio, e já foi dono de Chevette, de Escort e de um Ford Mondeo. Na Vila há quem sonhe com o primeiro carro, há quem deseje trocar de veículo e há histórias como a de Paulo Roberto Silva
dos Santos. O senhor de 55 anos reside na Brás há 49 e possui um Buggy Leblon 67. Santos afirma que está satisfeito com o veículo adquirido em 2008 e revela: “Quem dirige mais são meus genros”.
- MAURÍCIO WOLF
cantor à Nédio, e empresário,
não vê a hora de trocar de carro
WILLIAN MANSQUE
14. TRANSPORTE
" JULIANA BORBA
Estação Santo Afonso reformada
virou uma à Trem das principais
MARIA XIMENA
alternativas para as pessoas que trabalham em municípios da Região Metropolitana
A
ALINE SANTOS
e não precisamos ficar esperando muito. Deveríamos ter mais linhas espalhadas como outros lugares têm”, afirma. Jorge Armando Bernardes, 53 anos, precisava pegar a linha de ônibus Estrada Velha para chegar à Rodoviária de São Leopoldo e lá pegar o ônibus
Central, com passagem que custa R$ 3,45, para conseguir chegar a outros municípios da Região Metropolitana. Outra forma era caminhar até o distante bairro Scharlau, em São Leopoldo, para usar o ônibus Central ou gastar uma grande quantia de gasolina para o
deslocamento com seu carro, o que se tornava muito caro. A Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre realiza estudos para ampliar a Linha 1 até Sapiranga. Segundo a Tr e n s u r b , a e m p r e s a contratada para realizar as obras desenvolve um
ALINE SANTOS
relatório das possíveis alternativas de itinerário. Atualmente, a Linha 1 tem 22 estações, sendo que as três últimas – Industrial, Fenac e Novo Hamburgo – foram inauguradas em novembro de 2013.
- BRUNA ARNDT - MATHEUS D’AVILA
Jorge e Marinês ficam contentes por economizarem no valor da passagem e no tempo de deslocamento
à
estação Santo Afonso fica na Av e n i d a P r i meiro de Março e contempla a população da comunidade da Vila Brás. No passado, era o terminal da Linha 1, uma das paradas obrigatórias dos trens que se deslocam entre Porto Alegre e Novo Hamburgo. O ponto foi reformado e modernizado na busca por qualificar o espaço destinado aos usuários e contempla alguns pequenos comércios. Tais reformas agradaram e são motivos de elogios, como o de Roger Duarte. “Em relação às estações lá de Porto Alegre, a Santo Afonso está muito mais conservada e cuidada. O movimento de pessoas é menor, isso facilita a limpeza, por exemplo, mas em relação ao que era, melhorou muito”, diz. O transporte é utilizado principalmente por trabalhadores da Brás e das comunidades ao redor que necessitam de maiores deslocamentos. A conexão via ferrovia é uma das formas mais rápidas de se transitar nos horários de pico. Henrique Pereira, 27 anos, que trabalha em Canoas, ressalta, porém, as dificuldades dos usuários. “Há sim vantagens, mas há também como realizar muitas melhorias. Os trens são antigos, são barulhentos, no horário de pico não comportam todo mundo. Sempre tem um estresse para voltar para casa”, revela. Adroaldo Meirelles, 45 anos, morador da comunidade há 20 anos, é outro que comemora a presença do meio de transporte perto de casa. “Hoje eu e minha família trabalhamos aqui na Brás, mas se o trem já existisse quando eu ainda trabalhava em Novo Hamburgo, teria a possibilidade de utilizá-lo todos os dias”, destaca. Mas há também aqueles que utilizam os serviços para o lazer. Nelci da Silva, 62 anos, por exemplo, visita as irmãs em Porto Alegre aos finais de semana. Segundo ela, o valor da passagem sai em conta, tendo em vista a quantidade de vezes que se desloca e o seu salário de aposentada. “O serviço é bom e barato. Os horários são bem flexíveis
RÚSTICO .15
" GABRIELA CLEMENTE
Transporte animal ainda é comum com à Mesmo o aumento do
poder aquisitivo dos moradores, alguns habitantes da Vila parecem mais cômodos com uma vida simples e rudimentar
O
desenvolvimento está por todos os cantos da Brás. É possível vê-lo nas casas recém-reformadas, nas garagens com bons carros e no novo estilo de vida, cada vez mais classe média, levado pelos moradores da Vila. Porém, existem pessoas que ainda vivem uma vida simples e pacata, por necessidade ou gosto, à margem do crescimento de seus pares. É o caso dos carroceiros André Augusto da Silva, 32 anos, e Giovani Vital, 41. Os dois possuem uma realidade muito parecida: ambos se locomovem e ganham a vida sobre as quatro rodas de uma carroça. Enquanto Silva tira o sustento de sua família coletando materiais recicláveis como garrafas plásticas, latas e diferentes tipos de papeis e papelões, Vital trabalha com jardinagem, recolhendo entulhos e resto de obras para levar comida ao prato de seus filhos e netos. Silva, morador de berço da Brás, trabalha como catador desde os 10 anos e sempre uti-
lizou a carroça como meio de transporte. Por ter começado a trabalhar tão cedo, nunca frequentou a escola. A carroça e os dois cavalos que possui, um com seis e outro com oito anos, são os únicos meios de locomoção que ele e a família, a esposa Vania Natalino Galvão da Silva (43) e o irmão Fabiano Fagundes da Silva (20), utilizam. Sempre que precisam ir ao centro de São Leopoldo ou Novo Hamburgo, utilizam a carroça. “É mais rápido que ir de ônibus”, afirma Silva. Segundo ele, o valor para manter os dois cavalos e a carroça prontos para o trabalho não é baixo. Além dos R$ 3 mil gastos para adquirir a carroça e os R$ 2 mil investidos em um dos cavalos, ele ainda utiliza R$ 300 dos cerca de R$ 1 mil que ganha com as coletas para comprar ração e vitaminas para o animal. Além de cuidar da saúde e alimentação do animal, Silva afirma que é preciso deixa-lo trancado na garagem durante a noite. “Me roubaram quatro cavalos nos últimos três anos”, praguejou Silva. Assim como Silva, Vital também mora na Vila Brás desde o nascimento, porém, possui uma família consideravelmente maior. Todo o dinheiro que recebe da venda de terra adubada, coleta de entulho e jardinagem vai para o sustento da esposa Cátia Luciane (36 anos), dos quatro filhos, Tamires (21), Taís (19), Jean (17) e
carroça continua à Asendo utilizada como
VICTÓRIA FREIRE
meio de transporte e ferramenta de trabalho de algumas pessoas na Vila Brás, como Vital, que utiliza o recurso para o sustento da família
Tamara (13), e os dois netos Cauê (1) e Távisson (11 meses). Isso depois de descontado o investimento para manter o cavalo “Mouro”, que já passa dos R$ 400 mensais. Ferrenho protetor dos animais, Vital cuida de Mouro, por quem pagou R$ 1 mil mais sua antiga égua, como se fosse um filho. “Meu pai me disse, cuida bem dos animais, porque cavalo de carroça não se judia”, contou Vital. A insegurança das ruas também foi um ponto do relato de Vital. “Tem que deixar o cavalo trancado dentro da cocheira, senão eles vêm e levam”, apontou Vital, que já teve dois cavalos levados por ladrões. Assim como a de Silva, a família de Vital também utiliza a carroça como único meio de transporte. Pra onde quer que precisem ir, vão de carroça. Apesar do alto valor investido para comprar e manter cavalos e carroça, nem Silva, tão pouco Vital, os trocariam por um carro. “No final, eles trabalham só pela comida. Dou valor a isso”, pontuou Vital.
- FELIPE GAEDKE
TRÂNSITO
Bicicleta como transporte WILLIAM MANSQUE
pega novamente sua magrela e vai para casa. Ramos fala que não tem medo de deixá-la na estação, e que nunca teve problema nenhum como roubo ou depredação. Morador da Vila Brás há uma década, Amauri Cabral da Silva, de 38 anos, fica de segunda à sexta-feira na Serra Gaúcha, aonde trabalha como pintor. Separado e pai de três filhos, ele tem a bicicleta como único meio de transporte, e é com ela que leva seus filhos para alguns passeios. TENDÊNCIA MUNDIAL Em muitos países, onde a bicicleta é uma das principais formas de transporte, o trânsito nas cidades é adaptado e por toda parte há ciclovias. Nas metrópoles brasileiras é bem diferente: quem tenta se locomover com as bicicletas encontra dificuldades, pois nem sempre há espaço destinado a elas e muitas vezes os ciclistas disputam espaços
com os carros. Em diversos lugares ela é utilizada porque é uma forma barata de ir e vir. Em outros casos, as pessoas usam a bicicleta para praticar algum tipo de exercício e ainda contribuem para preservação do meio ambiente, sem causar os transtornos e engarrafamentos no trânsito.
- CAROLINA CHAVES
Amauri Cabral, aproveita em seus dias de folga para passear com o filho
à
Assim como em outros bairros, na Vila Brás a bicicleta é cada vez mais uma opção de transporte alternativo. É o caso de João Costa, 58 anos, industriário no ramo de sapatos. Há 29 anos ele mora no bairro e não possui carro. Atualmente afastado pelo INSS devido a um acidente que sofreu no percurso até o local em que trabalha em Novo Hamburgo, ele percorria cerca de dois quilômetros desde sua casa. O trajeto era feito quatro vezes por dia, pois ele almoçava em casa e voltava à indústria. Costa teve uma fratura no pulso que o afastou temporariamente do trabalho, mas ele diz que assim que puder vai voltar ao trabalho e pedalando como sempre fez e continua fazendo mesmo após o acidente. O industriário Adolar Pereira Ramos, 41 anos, trabalha em Canoas e utiliza a bicicleta para se deslocar pela Brás e ir até a estação do trem, aonde a deixa enquanto está no trabalho. Na volta, quando desembarca do trem,
OPÇÃO
Alternativa de mobilidade Apesar de a venda de bicicletas no País se manter na faixa de cinco milhões de unidades desde 2006, a indústria e o comércio estão otimistas com o futuro. Dados da Associação Brasileira da Indústria, Comércio, Importação e Exportação de Bicicletas, Peças e Acessórios (Abradibi), mostram que em 2011 foram vendidas 6 milhões de unidades. Lucindo Valentin, 36 anos, aprendeu andar de bicicleta há dez anos. Ele a utiliza para ir ao trabalho, fazer compras e visitar os amigos. “Apesar de não possuir uma ciclo faixa, o que facilitaria para nos locomovermos, na Brás é muito bom de transitar por ter ruas asfaltadas e calçadas bem largas.” conta. Márcia Silveira, 40 anos, usa a bicicleta desde os 35, quando se viu obrigada a fazer exercícios físicos para emagrecer. “Vi nela uma oportunidade de manter a
minha saúde em dia. Além da questão do bem estar, também é um transporte ecologicamente correto, que não polui o meio ambiente.” O comerciante Luís Ferreira, 50, viu a necessidade de colocar um guardador para seus clientes estacioná-las. “Quando já tinha meu comércio estabilizado, percebi que muitos dos meus clientes vinham de bicicleta, por isso vi a necessidade de instalar um guardador para melhor recepcioná-los.” explica. Além dos adultos, as crianças também desfilam com as suas magrelas pelas ruas. Nicolas da Silva, 10, conta que não consegue viver sem ela, pois a utiliza para passear, se divertir e ir a diversos lugares. “A minha bicicleta é muito simples. Tenho amigos que têm melhores que a minha, mas com ela sou muito feliz.” relata Nicolas.
- ALINE CASIRAGHI
ENFOQUE VILA BRÁS Gente que faz acontecer
SÃO LEOPOLDO / RS OUTUBRO DE 2014
leopoldense, vila se destaca por potencial empreendedor
O
coração é igual ao de uma mãe, sempre aberto para acolher um novo filho que chega ou aquele que retorna após uma aventura distante. A força é como a de um jovem que luta e corre atrás de seus sonhos sem desistir diante da primeira adversidade. O pensamento é o mesmo de um pai, sempre sensato, correto, detentor de grandes aspirações e que sempre dá um empurrãozinho para que seus filhos construam uma história de sucesso. A memória carrega a experiência dos mais velhos e a sabedoria de quem viveu e viu muito nesta vida. Já a alegria é igual a das crianças que tomam banho de chuva, sentem o vento bater forte no rosto ao andar de bicicleta e são detentoras dos sorrisos mais encantadores do mundo. Estas são algumas das principais características que fazem da Vila Brás um recanto singular dentro da cidade de São Leopoldo. O povo da Brás é batalhador e se destaca em meio ao município por sua atividade independente. Talvez seja esta a grande definição da vila: um lugar de gente que faz acontecer. Tem quem veio de longe para começar a realização de um sonho ali e há também quem nasceu, cresceu e construiu um negócio de sucesso na Brás. As histórias de empreendedorismo se espalham principalmente pela Avenida Leopoldo Wasun, mas, de uma forma ou de outra, acabam passando por todo o território da vila. Além daqueles que deixaram de ser empregados para se tornarem patrões, há também na Brás muitas pessoas que estão conseguindo realizar o sonho da casa própria como é o caso da professora Jéssica da Rosa, 21 anos. O seu novo lar ainda está sendo mobiliado, mas o sorriso ao ver a casa concluída demonstra a conquista de um grande objetivo. Enquanto a mudança não ocorre, seu filho Erick Henrique da Rosa, 4 anos, se diverte andando de bicicleta em frente ao novo lar. Enquanto o menino se aventura em rápidas pedaladas, ela relaxa escorada na janela, tendo a certeza de que a Vila Brás vai lhe trazer muitas outras realizações. “Eu morei de aluguel por muito tempo e agora estou muito feliz que vou ter o meu próprio canto para viver com meu marido e meus filhos Erick e Ana Luiza. Não vejo a hora de nos mudarmos”, relata Jéssica.
BRUNO LOIS
QUEM É A BRÁS DENTRO DE SÃO LEOPOLDO Segundo a prefeitura, a população da vila representa 5% do total dos moradores leopoldenses, com aproximadamente 10 mil pessoas. Porém, a Associação de Moradores da vila estima que existam cerca de 16 mil pessoas vivendo ali. De acordo com a Lei dos Bairros do município de São Leopoldo (nº6260/2007), a Brás é considerada um loteamento pertencente ao bairro Santos Dumont. Mas a sua representatividade no município do Vale do Sinos é mais destacada pelas pequenas atividades econômicas para atendimento do próprio loteamento, que geram circulação econômica local com atividades de comércio. Para São Leopoldo, a Brás é um importante alvo do Microempreendedor Individual (MEI), uma vez que possui diversos prestadores de serviço e pequenos empreendedores. Dentro das ações desenvolvidas pela prefeitura de São Leopoldo na vila estão o Programa de Capacitação da Economia Solidária, que começa a ser desenvolvido a partir deste mês, além de ações de microcrédito. Na área de saúde, há várias atividades principalmente dentro do Estratégia Saúde da Família, que conta com visitas de agentes de saúde, incentivos à amamentação, cuidados com gestantes, nutrição, atividades físicas (caminhadas), entre outros serviços que resultam em uma grande rede de atendimento. O CORAÇÃO DE MÃE A população da Brás é considerada flutuante, justamente porque a todo o momento chegam e partem novos e velhos moradores. Vindos de outros municípios e até mesmo de estados distantes, muitas pessoas escolhem a vila para começar ou recomeçar suas vidas. Alguns chegam por convite de amigos ou familiares; outros, por instinto. Mas a todos, independente da origem, a Brás abre os braços e acolhe como o coração de uma mãe. Exemplo disso é o comerciante Sildo Pompeu, 37 anos, que mora há 5 anos na vila. A
Sildo e Solange são empreendedores. Erick e Kauane alimentam os sonhos de seus pais
à
5% da à Com população
EDIÇÃO
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oportunidade de ter seu próprio negócio, oferecida pela cunhada, foi o que motivou sua vinda para a Brás. Antes de abrir seu bazar, ele morava na cidade de Feliz, no Vale do Caí, e trabalhava em uma indústria. Com a proposta, ele e a esposa Janete Roseli Lorscheiter, 34 anos, decidiram arrumar as malas e assumir o desafio de montar a própria empresa. “Pagamos ele parcelado. O negócio começou pequeninho e aos poucos foi crescendo. Somos muito orgulhosos por termos conseguido fazer com que o bazar crescesse”, afirma Pompeu. O bazar localizado na Avenida Leopoldo Wasun tem de tudo um pouco: desde potes plásticos a brinquedos e lápis de cor. Pelos corredores, a filha do casal, a pequena Kauane Pompeu, 2 anos, se diverte enquanto os pais batalham para manter o negócio. “Tem dias que não são fáceis, porque manter um negócio não é tão simples. Mas é a realização de um sonho para nós”, destaca o proprietário. INCENTIVO PARA CONSTRUIR A PRÓPRIA HISTÓRIA Para chegar à realização, um sonho precisa passar por muitas etapas. Algumas são curtas, outras bem rápidas, mas todas representam uma parte importante da conquista que é alcançada. A comerciante Solange Blauth, 40 anos, é proprietária de uma loja de roupas na Avenida Leopoldo Wasun, e serve como ótimo exemplo para os inúmeros casos de sucesso em empreendedorismo na vila. Com apenas seis anos, ela veio morar com a família na Brás. Quando começou a trabalhar, atuava como doméstica durante o dia e nas horas vagas saía para vender roupas. Popularmente chamada de “sacoleira”, a atividade que ela realizava consistia em levar diversas vestimentas, lingerie e bijuteria até a casa de seus clientes em sacolas. Com a sua monareta, fazia as vendas. Anos depois, conseguiu comprar um fusca branco e foi prosperando pouco a pouco no trabalho. “Criei meus três filhos assim. Aqui na Brás tem muita gente que, como eu, começou do zero a sua empresa”, afirma. Por 16 anos ela exerceu a profissão de doméstica e há oito se tornou proprietária da Sol Modas Roupas e Calçados, loja que mantém junto com a filha, Camila Blauth Lopes, 23, anos. “Trabalhamos aqui de domingo a domingo, sem férias. Para ter o negócio próprio é preciso muita dedicação e isso não nos falta”, diz Solange.
- KARINA SGARBI