ELISA PONCIANO
GABRIELA STÄHLER
SUPERAÇÃO
Mãe aprende lições de vida com as necessidades especiais do filho. Página 4
TRADIÇÃO
A história de quem traz na mala as saudades da terra. Página 8
DANIEL ROHR
MASCOTE
Orgulho de sua dona, o bode Mimo é conhecido por todos no bairro. Página 9
ENFOQUE VICENTINA
SÃO LEOPOLDO / RS JUNHO DE 2015
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EDIÇÃO
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m e d i u m . c o m / e n f o q u e - v i c e n t i n a
CRÉDITO DO FOTÓGRAFO
TODA FORMA DE AMOR AS MAIS DIVERSAS PAIXÕES E AFETOS QUE ANIMAM AS RUAS DO VICENTINA PÁGINA 5
2. RECADO DA REDAÇÃO
É
ENFOQUE VICENTINA | SÃO LEOPOLDO | JUNHO / 2015 | http://olharesevozes.wix.com/vicentina
Paixões que dão vida a um bairro
junho, tempo de mudanças climáticas e tempo de amor. No mês dos namorados e chegada das temperaturas mais frias, pensamos em uma edição de aquecer o coração. Inspirados nos diversos sentidos e definições não definidas sobre o amor, escolhemos mostrar as inúmeras faces do sentimento mais complexo que permeia os seres. Cazuza cantava “eu quero a sorte de um amor tranquilo, com sabor de fruta mordida”. É Cazuza, nós também. Infelizmente, a vida real é bem mais complicada do que isso. A sexta edição do Enfoque Vicentina apresenta lindas histórias de amor. De mãe para filho, de casal com desafios físicos, de casal homossexual, com os animais e pela fé. Entretanto, nem tudo são flores, ou frutas mordidas, e é possível ver que o amor também tem seus dias de vilão. O amor pode ser cruel, frio e possessivo, roubando de nós a velha história de contos de fadas. Aqui, as histórias de verdade são bem mais complicadas. Um erro médico, uma bala perdida e o mistério de uma doença desconhecida podem mudar completamente o rumo de
quem é atingido. Apesar da dor, o amor acaba prevalecendo em quase todas as situações. Pensar na inocência das crianças do Vicentina em meio a tantas dificuldades que as famílias enfrentam para a manter seus lares é questionar que o mundo pode ser melhor, sim. A vida vista dos olhos do inocente que brinca com um carrinho e já decidiu ser mecânico no futuro. Ou a menina apaixonada pelos animais que decide desde cedo cuidá-los quando crescer. Essa pureza de criança que deixamos de lado e esquecemos do quanto é prazeroso ser feliz da forma mais simples. O caminhar de cada homem esconde histórias que nossa mente é incapaz de imaginar. Essa é a lição de vida dos irmãos Nass que vieram do interior para conquistar uma vida melhor. Hoje eles sonham em retornar para o campo e viver do que a terra dá. Na forma mais simples e tranquila que um homem pode escolher. Fugindo do convencional, dona Eliane deixou os gatos e cachorros de lado para dedicar-se aos cuidados de um bode. Uma verdadeira história de amor que pode ser o drama da
próxima novela das seis, Mimo e Ela. Nessa nova edição, buscamos os amores do Vicentina, em suas várias formas e histórias. Desde os mais inusitados até os mais comoventes. Buscamos mostrar qual o sabor da fruta mordida que canta Cazuza porém no paladar dos moradores desse bairro. Às vezes um sabor amargo, às vezes suave e doce. No Vicentina encontramos amores platônicos, amores que se marcam na pele. Conhecemos até o amor que transformou uma vida controversa em adoração e paz. Em junho, quando tudo em volta se torna corações em vitrines para o dia dos namorados, viemos buscar o que é amor e descobrimos amores verdadeiros em seus vários significados e em suas muitas formas.
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VIRGINIA MACHADO DOMINIQUE NUNES KARINA DE FREITAS JULIA VIANA EDITORES
BÁRBARA BENGUA
Amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer. É um não querer mais que bem querer; é um andar solitário entre a gente; é nunca contentar-se de contente; é um cuidar que ganha em se perder. É querer estar preso por vontade; é servir a quem vence, o vencedor; é ter com quem nos mata, lealdade. Mas como causar pode seu favor nos corações humanos amizade, se tão contrário a si é o mesmo Amor?
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Luís Vaz de Camões
O excesso de lixo, a falta de saneamento básico e os problemas de saúde pública impactam. Mas é só prestar um pouco de atenção para notar que não são os problemas que definem a ocupação, mas sim a perseverança de seus moradores
ENFOQUE VICENTINA O Enfoque Vicentina é um jornal experimental dirigido à comunidade da Vila Vicentina, de São Leopoldo (RS). Com tiragem de mil exemplares, é distribuído gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos São Leopoldo.
REDAÇÃO – Jornalismo Cidadão – Orientação: Sonia Montaño. Edição: Virgínia Machado, Dominique Nunes, Karina de Freitas e Julia Viana. Reportagem: Anne Caroline Kunzler, Bruna Schneider, Caroline Paiva, Henrique Standt, Jean Peixoto, Joellen Soares, José Francisco Jr., Karla Oliveira, Larissa Hoffmeister, Paloma Griesang, Priscila Boeira, Rafaella Rosar, Thaís Montin e Thomas Bauer. FOTOGRAFIA – Fotojornalismo – Orientação: Flávio Dutra. Fotos: Amanda Büneker, Anderson Azevedo, Andressa Dorneles, Andressa Puliesi, Bárbara Bengua, Bruna Arndt, Daniel Rohr, Denis Machado, Eduardo Zanotti, Elisa Ponciano, Emilene Lopes, Franciele Wenzel, Gabriela Stähler, Gabriela Wenzel, Joyce Heurich, Juliana Borgmann, Katerine Scholles, Kazumi Orita, Lucas Rodrigues, Luiz Schenkel, Marcelli Pedroso, Márcia Ribeiro, Pâmela Oliveira, Priscilla Mella, Rafaela Kich, Sabrina Martins, Rodrigo Freitas, Sabrina Martins, Thamyres Thomazini e Tuanny Prado. ARTE – Agência Experimental de Comunicação (Agexcom) – Projeto gráfico e finalização: Marcelo Garcia. Diagramação: Gabriele Menezes. IMPRESSÃO – Grupo RBS. Tiragem: 1.000 exemplares.
VICENTINA NA INTERNET w w w. f a c e b o o k . c o m / e n f o q u e v i c e n t i n a m e d i u m . c o m / e n f o q u e - v i c e n t i n a Universidade do Vale do Rio dos Sinos- UNISINOS. Av. Luiz Manoel Gonzaga, 744 – Bairro Três Figueiras – Porto Alegre/RS. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos. br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Pró-reitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Pró-reitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente de Bacharelados: Vinicius Souza. Coordenador do Curso de Jornalismo: Edelberto Behs.
ESTILO .3
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GABRIELA WENZEL
Laços marcados na pele a namorados, à Homenagens companheiros e pais em
forma de tatuagem são comuns entre moradores
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mbora muitos a vejam como sinônimo de modernidade, a tatuagem está presente nos corpos a mais tempo do que imaginam. Os primeiros desenhos na pele surgiram a cerca de 3500 anos, e eram uma forma de diferenciar clãs e tribos. Hoje em dia, tatuagens podem ter várias funções, e uma das principais é marcar na pele o amor por namorados, pais, filhos e entes queridos. Evelin Jardim, de apenas 21 anos, já conta com nove tatuagens do tipo. A primeira, feita aos 14 anos sem que seus pais soubessem, é uma estrela no pulso com as letras E, A e D. “São as iniciais do meu nome, da minha mãe (Adriana) e da minha amiga (Deiva), que foi quem fez o desenho”, explicou a jovem. A mais recente, no pescoço, marcou a chegada do filho Henry Gabriell, de um ano. Outras tatuagens com referências aos pais, à avó e aos amigos são visíveis, espalhadas pelo corpo de Evelin. Quando Daiane Guimarães decidiu tatuar o nome do marido no pulso, alguns amigos e familiares estranharam. “Me disseram que era loucura”, relatou a moradora. Porém, para ela, a paixão pelo esposo Jorge é mais importante que a reprovação dos conhecidos. “Tem muita gente que quer fazer e não faz com medo de se arrepender. Isso nunca foi problema pra mim. Sei que não é coisa do momento”, justificou a jovem, de 24 anos. Entre as cinco tatuagens nos braços de Lucas Vasconcelos, de 19 anos, é possível encontrar o nome da namorada Bruna. Juntos há quatro anos, os dois decidiram fazer uma tatuagem para demonstrar o
amor que um sente pelo outro. “Não tenho medo de não dar certo. Qualquer coisa, é só apagar”, brincou o jovem, que já não pensa em fazer novas tatuagens. PLANEJAMENTO É ESSENCIAL Ao contrário do que pensa Lucas, a remoção dos pigmentos injetados na pele não é tão simples. Segundo a dermatologista Nara dos Santos, o procedimento que apaga tatuagens é muito mais dolorido do que tatuar-se. Dependendo do tamanho e da localização da tattoo, o médico pode aplicar anestesia, mas casos em que isso é feito são raros. Atualmente, a técnica mais utilizada e recomendada para quem não deseja mais suas tatuagens é a remoção a laser. São necessárias de seis a 15 sessões de 15 a 30 minutos cada, com intervalos de aproximadamente 30 dias entre uma aplicação e outra. Isso significa que uma tatuagem pequena pode levar até um ano para ser totalmente apagada. O custo desse tipo de tratamento é alto, podendo chegar a R$ 60,00 a cada 2cm quadrados. Por isso, Nara explicou que é necessário um planejamento extenso. “Quem deseja muito fazer uma tatuagem deve analisar tudo, desde o desenho escolhido ao estúdio e o tatuador que o colocará na pele. Muitos que chegam ao consultório não reclamam da tatuagem em si, mas sim da má qualidade do trabalho”, contou a dermatologista. Uma dica interessante para quem tem medo de se arrepender é fazer uma tattoo temporária primeiro, para ter certeza de que a gravura escolhida é a ideal. De acordo com a médica, esse tipo de atitude pode evitar muitas dores de cabeça futuras.
- THAÍS MONTIN
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Moradores escrevem na pele os nomes das pessoas mais amadas como forma de gratidão e homenagem
CUIDADOS AO SE TATUAR Confira as dicas do tatuador Angelo Diehl
ANDRESSA DORNELES
ESCOLHA UM ESTÚDIO DE CONFIANÇA
QUEM NÃO PODE FAZER TATUAGENS
Bons tatuadores podem até cobrar um pouco mais caro, mas é fundamental procurar um estúdio de confiança. “Materiais de qualidade, como tintas de marcas certificadas e agulhas novas, não são baratos. Além disso, desenhos exclusivos e a mão de obra contam muito na hora de fechar o preço”, esclareceu Angelo. Nem sempre quem cobra mais barato fará um bom trabalho; portanto, faça orçamentos em diferentes locais e peça para ver as tattoos já feitas pelo artista.
O processo não é recomendado a mulheres grávidas e a qualquer pessoa que apresente hemofilia - doença hereditária que causa problemas na coagulação do sangue. Quem apresenta alergias aos materiais utilizados para fazer a tatuagem, como látex, metais e substâncias presentes nas tintas também deve evitá-las. As reações alérgicas podem causar inflamações crônicas, vermelhidão, inchaço ou eczema.
CERTIFIQUE-SE DE QUE OS MATERIAIS SÃO NOVOS
O período de cicatrização pode durar até 15 dias. Durante os primeiros dias, é recomendado o uso de curativos, para evitar infecções. Depois disso, pomadas a base de pantenol são utilizadas para manter a área hidratada. “Na segunda fase da cicatrização, a pele descasca, o que costuma causar coceira. Isso é normal, e a pomada evita maiores desconfortos”, apontou o tatuador. O uso de protetor solar é recomendado para cuidados posteriores, para evitar que os pigmentos desbotem.
A reutilização de agulhas é algo perigoso: materiais infectados podem transmitir doenças virais, como Hepatite B, Hepatite C e AIDS, ou bacterianas, como estafilococos e estreptococos. Por isso, preste atenção e não aceite se tatuar com quem não usa agulhas novas, luvas e cápsulas de tinta descartáveis. “Geralmente o tatuador vai abrir a embalagem dos materiais na frente de quem está se tatuando, para dar mais segurança e mostrar que é tudo novo”, informou Diehl.
PRECAUÇÕES DURANTE A CICATRIZAÇÃO
4. COMPANHEIRISMO
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Na dificuldade, o amor os à Sem movimentos
ELISA PONCIANO
das pernas desde os 16 anos, Juliane encontrou no marido o seu porto seguro
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queza nas pernas, até não conseguir me manter em pé”, conta a dona de casa, sentada em uma cadeira de roda doada pelo irmão. Após os primeiros indícios Juliane tentou procurar auxilio médico, mas as dificuldades em conseguir encaminhamento para um especialista por meio do sistema público de saúde as fizeram ter de esperar por mais tempo. “Depois disso tive melhoras, pioras e melhoras de novo. Até que, recentemente, acabei perdendo a visão do olho direito também”, lembra. Extravio de exames, espera para marcar uma reconsulta com o médico, viagens para a capital e dificuldade na locomoção. Por todos esses processos Juliane teve de passar, porém sempre teve a companhia do marido. “Ele me ajuda em tudo. Nas tarefas de casa, cui-
dado com os filhos. Me carrega para lá e para cá. É um ótimo marido”, reflete Juliane. Ela, que apesar de conseguir fazer algumas atividades sozinha, como tomar banho, por exemplo, não obteve o diagnóstico exato de seu problema por nenhum médico. “Eles não sabem dizer o que eu tenho. Acho que é por isso que alguns não me indicam fazer fisioterapia, pois preciso ter o diagnóstico da minha doença primeiro”, lembra. Escorado no marco da porta da casa, Jocemar mantém o sorriso ao ver que, junto da esposa, construiu a família que desejavam, mesmo diante das dificuldades. “Nossos filhos estão bem e conseguimos nos manter unidos, é isso o que importa”, relembra. O pai da família, que faz “bicos” como pedreiro,
hidráulico e carpinteiro, conseguiu, junto à Caixa Econômica Federal – financiadora da moradia –, a construção da rampa de acesso e da instalação de uma barra de segurança no banheiro, o que melhorou as condições de locomoção e segurança da esposa. “Eles (CEF) vinham aqui, olhavam e não faziam nada. Fiquei pedindo pela construção dessa rampa e pela colocação das barras uns três meses até que consegui”, conta aliviado. Sobre a ajuda com os cuidados da casa e dos filhos, Jocemar não vê problemas e faz por amor. “Sei que ela (Juliane) faria o mesmo por mim. Por isso, faço o que for preciso para ajudá-la”, diz. Por um lado, o sofrimento trouxe bastante “dor de cabeça” mas, por outro, os aperfeiçoou como casal.
“Estamos muito mais unidos, companheiros, amigos e namorados”, conta Jocemar sorrindo ao olhar para a esposa, já envergonhada. Para o marido, os filhos e as dificuldades de Juliane não são problemas quando o casal quer ficar sozinho. “Deixamos as crianças com a avó, como a maioria dos casais fazem”, lembra. A rotina corrida de visita aos médicos, o surgimento de mais uma doença e a falta de dinheiro funcionaram apenas como pano de fundo dessa história de amor da vida real. Nessa história, o casal não foi separado pela madrasta e nem pela diferença de classe social. Aqui, o vilão não venceu. Juliane e Jocemar conseguiram construir o seu próprio final feliz.
- RAFAELLA ROSAR
Juliane e Jocemar são a prova de que as dificuldades podem fortalecer um casamento
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ntre as ruas de paralelepípedo e de chão batido da Ocupação Cerâmica, no bairro Vicentina, há uma pequena residência que se diferencia das demais. Com um portão construído em madeira, que sequer abre com facilidade, tampouco é capaz de fazer a segurança de alguém, há uma casa que tem algo que as outras não possuem: uma rampa de acesso até a porta de entrada. Próxima à entrada da comunidade e praticamente ao lado do terreno onde dizem que será construída a nova creche do Município. Essa é a localização da residência onde moram, há um pouco mais de três anos, Juliane dos Santos Ferraz e Jocemar dos Santos Alves. Ela, de 29 anos, é dona de casa e cadeirante desde os 16 anos e mora no bairro desde que nasceu. Ele, de 33 anos, está desempregado, mas trabalha fazendo “bicos” para complementar a renda e também sempre morou no bairro. Juliane e Jocemar são pais de quatro filhos - isto por que o descaso médico em um trabalho de parto os fizeram perder um -, Jenifer, de 13 anos, Alan (9), Mirela (4) e Lorrana, de 11 meses. Atualmente, a família consegue se manter através do Bolsa Família – Programa de Transferência direta de Renda criado pelo governo Federal para auxiliar famílias em situação de pobreza e extrema pobreza- e os trabalhos que marido consegue fazer “por fora”. Até aí, a família de Juliane e Jocemar representa apenas uma parcela da situação vivida pela maioria dos moradores da Ocupação Cerâmica. Porém, não é isso que torna a história de vida deste casal “algo impactante”. Unido às dificuldades financeiras e de saúde, há a perseverança e confiança em um relacionamento que se consolidou, apesar de todos os empecilhos. Juntos há treze anos, o casal teve de passar por cima de muitos problemas em prol do casamento e dos filhos. Quando tinha 16 anos, Juliane teve os primeiros sintomas de um problema que tirou seus movimentos das pernas. “Não sei bem explicar como foi. Apenas lembro de sentir tremores e fra-
DEFICIENTES NO BRASIL n 45,6 milhões têm pelo menos uma deficiência n Dos deficientes, 25,8 milhões são mulheres (26,5% da população feminina) n 46,4% dos que trabalham ganham, no máximo, 1 salário mínimo Fonte: Censo IBGE 2010
DIVERSIDADE .5
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O direito à diferença
luta para vencer as barreiras do preconceito de familiares e vizinhos
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sta é uma história de amor. É também uma história de intolerância, de preconceito e medo. Passase no bairro Vicentina. Seus protagonistas são Daniel do Amaral, o Dani, de 23 anos e o namorado que prefere ficar anônimo. Tem razões de sobra para isso. Liberdade não é exatamente um predicado deste romance, porque não basta ter amor para frequentar as salas de estar. Há amores que, por vezes, são confinados aos pátios, às esquinas, às sombras. Em “Para viver um grande amor”, ensinou o poeta Vinicius de Moraes, “não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador”. É o que fazem Dani e o seu amor.
Os longos braços da saudade nunca os encontram em casa. É para bem longe dos limites do lar e da família e, principalmente, do Vicentina, que eles vivem essa história. Dani tem viva na memória a lembrança do dia em que conheceu o parceiro. Foi há seis meses numa balada. “Foi paixão à primeira vista”, lembra Daniel, Poderia ser diferente? Poderia. Eles queriam ter acesso à casa um do outro aos domingos juntos. Se a rua se mostra hostil com a sua orientação sexual, é em casa que Dani tem todo o apoio. A mãe, Vilma do Amaral, de 37 anos, não liga para o “diz-que-me-disse”. Tem os pudores tradicionais de mãe: “O namoro deles é recente, por isso eu ainda não autorizei a vinda do menino aqui em casa”. Compreensão e carinho também são os sentimentos de Jaqueline do Amaral, 15 anos, irmã de Dani. Enquanto amamenta o primogênito, o pequeno Lorenzo, de
apenas um mês, conta com carinho que sentiu a transformação de comportamento do irmão desde que ele contou para a família que era gay. “Antes, ele passava três, quatro dias na rua. E a gente ficava sem saber dele. Ele continua saindo bastante, mas agora sempre volta pra casa”, afirma. Nem sempre os ventos caseiros sopraram a favor de Dani. O primeiro a demonstrar contrariedade foi o padrasto, que hoje já não faz parte da família. Dona Vilma admite que de início ficou assustada quando ouviu do filho que ele era gay: “Quando o Dani veio me dizer, fiquei inconsolável. Eu não esperava. Ele nunca deu nenhum sinal”. Com franqueza, admite: “Preferiria que Daniel gostasse de meninas. Seria menos doloroso para ele. Sei de todas as coisas ruins que ele passa por aí por causa do pré-conceito das pessoas”. A mãe abraçou a opção do filho, mas teve de abrir
AMANDA BÜNEKER
mão de participar do coral de uma igreja evangélica. Mais do que a paixão, outra coincidência une o casal. Fazem aniversário no mesmo mês. E não é um mês qualquer. É o Mês dos Namorados. No dia em que a reportagem es-
teve na Vicentina, os dois faziam planos para conseguir emprego. Objetivo? Ter um espaço só deles. Porque as ruas do bairro ainda não os acolhem com o devido respeito.
O respeito à diversidade sexual é ainda um desafio que afeta a vida de Daniel de Amaral
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de à Casal homossexuais
- LARISSA HOFFMEISTER
Paixões
de muitas caras, com muitas formas, de muitas cores e naturezas BÁRBARA BENGUA
BÁRBARA BENGUA
RAFAELA KICH
BÁRBARA BENGUA
6. DEDICAÇÃO
ENFOQUE VICENTINA | SÃO LEOPOLDO | JUNHO / 2015 | http://olharesevozes.wix.com/vicentina
A vida que resiste num olhar
levar um à Após tiro e ficar em
MÁRCIA SOUZA
estado vegetativo, Luciana conta com o cuidado incondicional da família
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dados são como se ela fosse um bebê”, diz. Era ela quem levava a mãe para as sessões de fisioterapia. Porém, quando a moça grávida, chegou ao nono mês de gestação teve que parar. Agora, com o bebê de apenas um mês, ela divide a atenção entre a mãe e o pequeno, e conta com a ajuda dos irmãos e do pai. A família poderia internar Luciana em uma clínica, onde receberia os cuidados, porém, prefere mantê-la perto. “Como o estado dela é irreversível, em um hospital eles tratam assim como só mais um”, avalia Gabriela. Para Ronaldo, o amor da família é o diferencial no cuidado que ela recebe. “Em um hospital não se dá essa importância. Em casa tem o amor, já estamos acostumados e sabemos como lidar com ela”, conclui. Para os médicos, Luciana não vê e não entende o que se passa a sua volta, o que caracteriza o estado vegetativo. Porém, a família discorda. A filha Gabriela garante que a mãe entende tudo que acontece. Os tiros podem ter tirado de Luciana a sua capacidade física e mental, porém, não lhe tiraram os sentimentos. É o que garantem a filha e o marido. Segundo eles, ela expressa a necessidade de ter a família por perto. “Ela tenta chamar a atenção, gosta de ter a gente por perto. Quando ela se agita e tenta chamar
Marido e filha se dividem no cuidado e atenção cotidianos
à
mulher que costumava andar pelo Vicentina, conversando e ajudando a todos, agora vive presa a uma cama, em estado vegetativo, dependente da família que, antes, ela cuidava. Um tiro e posterior uma parada cardiorrespiratória a deixaram à Luciana apenas a oportunidade de viver, os olhos que acompanham todo e qualquer movimento dentro de seu quarto e o cuidado incondicional da família. Há cerca de um ano que a vida da família Souza Oliveira se transformou totalmente. Na noite de 21 de abril de 2014, a casa dela e do marido Ronaldo de Oliveira, foi alvo de um ataque. Foram 11 tiros disparados contra a residência, mas bastou apenas um para transformar a rotina daquelas pessoas. “A casa estava cheia, tínhamos uma reunião aqui, tinha, inclusive crianças, quando começaram a atirar. Todos se assustaram e correram para dentro de casa. Quando ela [Luciana] levantou de onde estava para sair dali, o tiro acertou e ela caiu”, relembra Ronaldo. A reunião a que ele se refere era da Associação das casas populares do Vicentina, da qual ele era presidente. A motivação dos tiros seria, de acordo com ele, impasses causados por denúncias de irregularidades nas casas. A bala atingiu o olho de Luciana e ficou alojado na cabeça. Durante os procedimentos de resgate no hospital uma parada cardiorrespiratória complicou mais ainda o quadro. As situações somadas condenaram a mulher a viver em uma cama, sem movimentos. “O tiro em si não causou isso, mas sim a parada. O médico disse que as células de metade do cérebro dela morreram”, explica o marido. O momento de descoberta da nova condição de Luciana foi um dos mais difíceis já vividos por Ronaldo. “Foi um choque, parecia que tinham puxado o meu tapete”, lembra. Contar para o resto da família exigiu ainda mais força dele. “Foi difícil para todos. Aquela foi a semana decisiva, até falar e ter que explicar aquilo para todos. Isso desestrutura toda a família”, lamenta. Inicialmente quem cuidou de Luciana foi a filha Gabriela Fernanda de Oliveira, 18 anos. Era ela quem alimentava a mãe por meio de sonda, aspirava as vias respiratórias, dava banho e trocava as fraldas. “Os cui-
atenção temos que fazer um carinho, daí ela se acalma”, afirma Ronaldo. A filha conta que a mãe, inclusive, chora. De fato, Luciana parece manter consciência da vida ao seu redor. A menor movimentação diferente dentro do quarto é motivo para que os olhos percorram o recinto e ela tente identificar do que se trata. Marido e filha contam também que a recuperação de Luciana já surpreendeu os médicos, que não acreditavam que ela chegaria tão longe, que não aguentaria tanto tempo. “A imunidade dela é baixa, qualquer coisa ataca. Mas ela é forte, os médicos disseram que pessoas nessa condição não costumam aguentar tanto tempo”, comemora Ronaldo.
AMOR QUE NÃO MEDE ESFORÇOS A calma com que Ronaldo recebe os visitantes e a serenidade com que conta a história não demonstra todo o sentimento escondido por trás do rosto cansado dele e da filha, que diariamente dirigem os cuidados à Luciana e ainda se dividem com outras tarefas. Ainda que depois de um ano a família já tenha aprendido como cuidar dela, o sentimento de dor ainda é suficientemente forte. O marido até hoje não se conforma com o que ele acredita ser uma injustiça. Segundo ele, Luciana era bem vista na vizinhança e ajudava a todos. “Você quer aceitar, mas não consegue. Sabe que aquilo ali já aconte-
ceu, mas não consegue aceitar. Ainda mais com ela, que não fazia mal para ninguém, ela não merecia”, lamenta. De acordo com o marido o amor que dá forças para ele e para à família. “Você sabe que ela ainda está ali e que precisa cuidar dela. Isso não tem limite. Quando cansa e você tem vontade de parar, logo já tem que começar de novo. Você vai vivendo por ela, faz tudo que pode e o que não pode, mas ainda não sabe se é suficiente”, reflete. Ronaldo gosta de diferenciar o que se pensa sobre o amor. Na opinião dele, se fala muito de amor de forma romântica e abstrata. Um amor que ele chama de “colegial”, aquele amor romantizado de filmes e TV, onde tudo é fácil e bonito.
Porém, ele ressalta que amor mesmo é aquele regado pela convivência, e que não se desfaz ao menor problema. “O primeiro é paixão. Amor é esse de filho e marido. Amor é convivência, vai se construindo com o tempo. Isso é importante, o tempo. Dizem que esse amor não existe, mas é isso que nos segura, que faz ser forte, a convivência”, defende. Ele afirma que a troca de amor gerada na convivência e no cuidado com Luciana não é benefício apenas para o tratamento da esposa, mas para a própria família. “Ela nos deixa fortes, e ela sabe disso”, conclui, juntamente com mais um carinho e um olhar de amor para a esposa.
- PALOMA GRIESANG
DESPERTAR .7
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Ilusão do conto de fadas KAZUMI ORITA
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Graziele não fica presa no passado. O abraço da filha significa um gesto de amor único para ela
marca à Decepção o caminho entre
o “amor perfeito” e o pesadelo da violência na vida de Graziele que, hoje, supera o trauma e vê com outros olhos as relações humanas
O
que é amor? Essa pergunta já é um clássico e já foi tema de inspiração para muita coisa. Mas teria o amor um só significado? Alguns o descrevem como o sentimento de um casal que se sente bem um com o outro, que se une e constitui uma família. Porém, para a jovem Graziele da Silva, de 22 anos, esse sentimento deixou de se definir assim. “Não acredito mais nesse amor entre um homem e uma mulher. Para mim só o amor de minha família e da minha familha”, explica decepcionada a jovem. Quando tinha 17 anos, Graziele se casou com seu então namorado. Para ela esse era o início de um conto de fadas. O homem a quem ela amava, o amor de sua vida, alguém de quem a família toda gos-
tava. Nessa época, o amor significava estar com a pessoa que a fazia feliz, e que agora se tornara seu marido. Graziele imaginava agora estar com seu príncipe. No começo do casamento ele não tinha ciúmes, a família toda gostava do rapaz. Toda mudança começou quando Graziele e seu príncipe se mudaram então para a casinha na ocupação Cerâmica Anita. “Quando saímos da casa da minha mãe, eu descobri quem ele realmente era”, desabafa Graziele. Ao se afastar da casa da família, também moradora do Vicentina, o encanto do conto de fadas se transformou em uma verdadeira história de terror. O ciúme, que antes não se via, agora se fazia presente a todo o momento. Grziela, que antes era a princesa, se transformou em prisioneira, encarcerada em sua própria casa. O marido se tornou violento, tomado por um ciúme doentio. Ele e Graziela já não saiam mais de casa, e se o faziam tudo terminava em discussão e agressão. Ela conta que, quando iam passear, olhar para o lado era motivo de
fúria para o marido. A família passou a se preocupar com o comportamento do rapaz, que já a agrediu, inclusive em frente à mãe de Graziele. A jovem ainda acreditava que amor significava aquilo que fez com que os namorados se tornassem marido e mulher, por isso quis realizar o desejo do marido violento, “Ele sempre quis um filho, e eu ainda amava ele. O que ele sempre falava era que me batia por que amava. Pensei que se eu engravidasse, daria para ele o filho que tanto queria e isso faria ele mudar, mas até quando eu estava com nossa filha no colo ele me batia. Até hoje ela tem trauma”, lembra. Nesse ponto, o amor significava sacrifício, realizar o sonho de seu agressor na esperança de resgatar o sentido inicial que o amor possuía. A filha, uma criança de menos de três anos de idade, já foi testemunha de muitas surras sofridas pela mãe. Hoje ao ouvir alguém erguer a voz ela entra em pânico, seja em qualquer situação “até mesmo quando meu pai ergue a voz com o cachorro, ela se desespera”, explica a mãe.
Durante os últimos anos de casamento, o significado de amor ficava cada vez mais distante da visão romântica de um casal apaixonado. Agora, o que realmente era amor para Graziele era, e continua sendo, o sentimento que ela tem pela filha e que a família tem por elas. “Eu nunca mais vou ter um relacionamento. Não acredito mais no amor de um homem. Para mim isso não existe”, admite a jovem desacreditada. Não são poucas as mulheres que vivem a mesma dor de Graziele, que só conseguiu definitivamente se separar do marido e se ver livre da sina de prisioneira através da Lei 11.340/06, a Lei Maria da Penha. Na maioria dos casos a causa da violência é a mesma que levava à ira o ex-marido de Graziele: o ciúme. Acusações sem sentido de traição são a justificativa para socos, empurrões e todos os tipos de violência, que, em alguns casos terminam tragicamente. No Brasil a lei trouxe resultados, no primeiro semestre de 2014, oito anos após entrar em vigor, a Lei Maria da Penha contribuiu para que dimi-
nuísse em 13% o número de incidentes como lesão corporal, agressão, estupro e assassinatos de mulheres no Rio Grande do Sul. A Lei 11.340/06 é um instrumento de defesa para mulheres, que assim como Graziele, vivem o terror dentro de suas próprias casas. Outra medida de proteção e acolhimento são as coordenadorias e secretarias direcionada exclusivamente para a defesa e direitos da mulher. Após acionar a lei, a jovem mãe enxerga a vida com outros olhos. “O único amor verdadeiro que eu conheço é o que minha família tem por mim”, insiste. A LEI MARIA DA PENHA A Lei Maria da Penha foi criada em 2006, a partir do caso de Maria da Penha Maia Fernandes, uma farmacêutica que sofreu tentativas de assassinato pelo ex-marido, sendo que uma delas resultou em uma lesão que a deixou paraplégica. De acordo com a definição da Lei, o que se caracteriza como violência doméstica contra a mulher que cause sofrimento físico, psicológico ou sexual, lesão
corporal, dano moral ou ao patrimônio. Mulheres que passam por essas situações podem procurar a delegacia de polícia mais próxima, ou ainda pode contar com o acolhimento de delegacias especiais para a mulher e as Coordenadorias Municipais da Mulher. Em São Leopoldo a Coordenadoria existe de fica na Rua Saldanha da Gama, no Bairro Centro, o telefone do local é o 3592-2184. O município ainda conta com a Secretaria Municipal de Políticas para a Mulher, que, além do desenvolvimento e fiscalização de políticas públicas contra a descriminação feminina, realiza ações de combate à violência doméstica contra a mulher. E para auxiliar àquelas que já lidam com casos enquadrados na Lei Maria da Penha, desde 10 de março deste ano, a Comarca de São Leopoldo conta com uma vara exclusiva para tratar e cuidar dos casos de violência doméstica enquadrados nessa legislação. Segundo a Prefeitura do município, já são mais de 3.500 casos tramitando no foro.
- JULIA BOENO VIANA
8. TRADIÇÃO irmãos à Dois cultivam as
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Saudades da terra DENIS MACHADO
tradições e sonham com a vida no interior
Q
GABRIELA STÄHLER
de galinha”, relembra Elvino. Além da relação com a criação de animais e com a lida em lavouras, a família Nass herdou uma riqueza artístico-cultural iniciada por um tio. Os familiares fundaram, no final dos anos 60, o Trio Alma Gaúcha, que percorreu a região Noroeste do Estado, além de municípios próximos, em Santa Catarina, até o início dos anos 80, apresentando-se em bailes noturnos e matinés. Eloi e Elvino garantem que são talentosos instrumentistas na gaita e no violão. “Tocávamos nos bailes músicas que não são feitas hoje em dia. Agora ouvimos coisas do tipo ‘o cowboy vai te pegar’. Nossos bailes eram
regidos por valsa, xote, rancheira, tango e outros ritmos gauchescos. Compomos mais de 2,6 mil músicas. Até o Teixeirinha e o Gildo de Freitas quiseram comprar nossas músicas, mas não vendemos!”, afirma Nene, reiterando que, a produção musical do Trio Alma Gaúcha é um patrimônio que nunca esteve e nem estará à venda. Os irmãos atreveram-se a versar um trecho de uma música, intitulada “24 de setembro”, que dizia assim: “Isso foi no ano de 80, cantando para os meus fãs, meu coração lamenta, a minha esposa fugiu com um homem sem talento”. Em meio a entrevista ao Enfoque Vicentina, ao cantar, o irmão mais velho
fica emocionado, lembrando dos tempos de boemia: “Sempre choro ouvindo as músicas dessa época no rádio”, completa. Porém, a vontade de voltar para o interior é o que realmente empolga os irmãos. Os dois sonham em vender as suas casas e comprar uma área rural. O foco agora é a região de Bagé e Uruguaiana. O mais jovem quer voltar para o interior por uma questão de saúde. Elvino sofreu um infarto, durante o retorno para casa, depois de uma jornada de trabalho, à serviço de obras do governo federal, na construção civil. “Fiquei 25 dias na UTI. O Nene já havia comprado o caixão. Meu maior sonho é voltar para o
GABRIELA STÄHLER
Os Nass descobriram que é em coisas simples da natureza ou do convívio humano onde se esconde a felicidade
à
uantas pessoas, em um universo de quase 20 mil moradores, têm as suas origens marcadas por uma distante saudade? Moradores do Vicentina, próximos da área da Ocupação Cerâmica Anita, lembram-se de um tempo em que faziam matinés aos domingos e que não existia televisão, apenas o rádio ligado na bateria. Época em que as tradições passavam de pais para filhos. Muitas lembranças permanecem vivas na memória desses homens. Eloi Langner Nass, 60 anos, mais conhecido como “Nene”, e Elvino Nass, 54 anos, o “Toco”, são inseparáveis e sonham em retornar, juntos, à lida de campo. O mais velho, natural de Júlio de Castilhos, e o outro, de Quaraí, viveram a infância e a juventude no interior do Estado. “Fomos criados na colônia!”, explicam. Dois dos treze filhos da mesma mãe e do mesmo pai, e mais quinze irmãos, frutos de relações extraconjugais do pai, criaram-se em uma zona rural de Quaraí. A família realizava tarefas relacionadas à criação de gado e porco e plantação de alimentos, como feijão, milho e soja. Nene, separado e pai de três filhos; Toco, na quinta união, com sete filhos, são os legítimos “gauchões”, próximos aos personagens coadjuvantes de Erico Veríssmo, em “O Tempo e o Vento”. Eloi Nass chegou a São Leopoldo, em 1977, em busca de uma nova vida. Em 1992, mudou-se para o Vicentina, dividindo, com Elvino, um terreno. Os dois vivem no bairro há 23 anos. Conforme eles relatam, naquela época, em frente às casas, era possível pescar traíras em um banhado, hoje inexistente. Os irmãos aprenderam a prestar serviços na construção civil, além de jardinagem e zeladoria, em sítios próximos, como na Lomba Grande, em Novo Hamburgo. Toco revela traços da culinária alemã, ao lembrar a falecida mãe que os ensinou a fazer cucas, pães, doces, manteiga e queijos, além de especiarias como carne de porco em conserva. Acredite, carne suína armazenada da mesma forma que pepinos, cebolas e azeitonas! Também, em razão da criação de animais, os churrascos eram comuns, assim como a produção de salame e toucinho. Os irmãos lembram, que tudo o que comiam, na infância e juventude, era produzido pela família. “Minha comida predileta era polenta ao molho
meio do mato. Já sofri demais aqui”, revela. Toco, apesar de jovem, está aposentado como incapaz para o trabalho, pois não pode realizar atividades que exijam esforço físico, e vive de pensão do governo. Eloi atua como prestador de serviços e chacareiro, durante a semana. Aos finais de semana, os dois não se desgrudam.
Chinelos nos pés, mesmo com calça comprida, mãos calejadas da roça, sotaque carregado, uma cuia de chimarrão e uma bituca de cigarro nos dedos. Homens comuns, de uma simplicidade acentuada, que costumam dizer coisas engraçadas, embasadas em ditos populares. Para eles, dor de barriga se cura com losna e arruda. Não costumam olhar televisão, mas o rádio passa ligado 24 horas por dia. Após longos anos de vida, a felicidade para Eloi e Elvino Nass está em coisas simples, como a vida rural, uma polenta ao molho de galinha e uma longa conversa.
- JOSÉ FRANCISCO JR.
MUNDO PET .9
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DANIEL ROHR
à
Uma mascote diferente do usual chama a atenção dos moradores. O bode da dona Eliane atrai os vizinhos com sua ternura
Mimo & Eu engana quem à Se pensa que só o
cachorro pode ser o melhor amigo do homem. O bode Mimo faz repensar este ditado
“Q
uanto mais conheço os homens, mais amo os animais”. Quem nunca ouviu essa frase, que atire a primeira pedra. De fato, muitos levam ao pé da letra os ditos populares que ouvimos desde o tempo da vovó. E por falar em animais... Existem, sim, aquelas pessoas que trocam a companhia de seres de duas pernas, por outros de quatro patas. Talvez este seja o caso de Eliane Soares que, por escolha própria, resolveu viver só com seus animais. Ela saiu do sítio onde morava em Guaíba e está há três meses no bairro Vicentina. A senhora, de 52 anos, tem
duas filhas e um filho. Mas, na casa onde mora, conta mesmo é com a companhia de seus queridos bichinhos. O curioso é que a dona de casa não tem somente cachorros, galinhas e gansos. Ela ainda conta com o Mimo, um bode de apenas um ano de idade, completado em 15 de março. Impossível não chamar a atenção o animalzinho que, preso a uma corda no portão de casa, tomava banho de sol e ruminava na grama da calçada. BÉÉÉ De pelos e barbas totalmente brancas, rabo curto e chifres em espiral, Mimo apresenta-se encantador. Embora seus atributos físicos possam representar perigo, Mimo é bastante carinhoso. “Ele é dócil com todos, até o momento em que não judiem dele”, comenta. O bode, que deve pesar em torno de 50 quilos, já possui naturalmen-
te características afins de domesticação: bastante resistente e facilmente adaptável aos mais diversos ambientes. Os bodes foram os primeiros animais a serem domesticados, por volta de 7 mil anos antes de Cristo. Eles têm expectativa de vida de cerca de 20 anos e alguns machos podem ter o chifre de até um metro de comprimento. A gestação é de aproximadamente 150 dias e são difíceis de “pegar cria”. “A cabra entra no cio um dia só, se não cobrir naquele dia, não pega mais”, acrescenta a dona. CRIADO GUAXO A história de Mimo começou quando, com apenas 15 dias, ele foi doado para Eliane. “Meu genro comprou uma remessa de cabritas. E eu gostei dele. Aí o rapaz pegou o bodezinho e disse: ‘pode levar pra senhora’. Só que aí não tinha nenhuma cabrita para
dar de mamar”. Então ela criou o pequeno “guaxo”. Por não ter a mãe biológica, Mimo tomava o leite na mamadeira. Só que ele cresceu. E despertou ciúme nos outros bodes do sítio. “Mimo não podia ficar junto com os bodes e as cabras, porque acabava apanhando dos outros por ser muito pequeno”, comenta. Para não o deixar passando por maus lençóis, a moradora do Vicentina trouxe-o junto para a nova casa. “Como peguei o bichinho pequeno, senti pena de deixar sozinho lá. O bode mais velho se dava melhor com as cabras, e ele não ia receber o mesmo cuidado se estivesse comigo”, relata. Agora, no novo lar, Mimo nunca fica solto. Ele é muito carinhoso, mas...“Quando embraba é difícil até de segurar”, alerta a dona. E para isso, dar uma palmada no traseiro já é suficiente.
PET SHOP Os cuidados com o animal vão além da alimentação (bem balanceada, por sinal). Mimo “come de tudo” – ração, pasto, verduras e legumes, mas às vezes também precisa de atenção especial. A proprietária leva-o ao veterinário se for necessário, dá remédio para vermes a cada três meses, e “casqueia” ele mensalmente. “Casquear” é tirar o casco velho das patas, limpar e esterilizar, para não pegar fungos. Quase uma manicure veterinária! E você aí pensando que era moleza cuidar de um bodezinho! Dona Eliane “se vira”. É autodidata na criação de animais. “Sempre tive bichos. Tudo o que eu aprendi foi por experiência própria, cuidando deles. Morei dois anos no sítio, mas antes disso já cuidava de animais, resgatava das ruas”, explica. Já a limpeza na calçada é diária, pois Mimo gosta de ficar no pátio, tomando
sol. De noite, dorme dentro da garagem para sua própria segurança, conforme afirma a sua dona. “Nunca tentaram roubar Mimo, mas já apareceu muitas pessoas querendo comprar. Só que, claro, ele não está à venda”, relata. Um bode como Mimo deve custar cerca de R$ 800, mas o valor sentimental é infinito. “Se fosse alguém que tivesse lugar e que eu soubesse que ele ia ter espaço e ser bem cuidado, até pensava. Mas a maioria das pessoas que vêm perguntar, não tem condições de ter um lugar melhor pra ele. Ou elas querem comer ou para outro tipo de serviço”, comenta. A vida da senhora de cabelos brancos, semblante sereno e bastante energia, é dedicada, em boa parte, a dar tempo, atenção, e um pouco de carinho àqueles que são seus amigos e companheiros. De quatro patas, também.
- CAROLINE PAIVA
10. ESCOLHAS história de à Avida de um
homem temido pela sociedade e que afirma ter encontrado na religião um motivo para viver
A
SABRINA MARTINS
Redenção no cárcere Jordana, 6 e Rafael, 7. No total, César tem 19 filhos (oito do primeiro casamento, oito de um casamento no Pará e três com Lisiane). O polêmico pastor nasceu em São Leopoldo e cresceu no Bairro São Miguel, onde vive até hoje. Vizinho do Bairro Vicentina foi criado por pais amorosos junto com mais 11 irmãos. Trabalhou até os 17 anos com o pai em uma barraca de couro, mas quando conheceu as drogas, se desvirtuou e foi para o mau caminho. Aos 22 anos, largou os estudos e o trabalho, cometeu diversos delitos, foi preso e fugiu do presídio de São Leopoldo. A essas alturas, ele já era um dos bandidos mais procurados pela polícia e apanhava muito quando era pego. Condenado a 17 anos de prisão por participação em um homicídio, César culpa as drogas por tudo que fez de errado. “Já usei tudo que é tipo de substância”, comenta. Deixando São Leopoldo, ele foi morar em Itaituba, no Estado do Pará,
onde ficou por 25 anos e constituiu uma nova família. Lá trabalhou com pequenos aviões, transportando dinheiro e ouro para os garimpos em voos que eram, na maioria das vezes, clandestinos. “Os coronéis da Serra Pelada me tinham como homem de confiança”, comenta César. “Certo dia, mataram alguém e colocaram a culpa em mim, mas eu não tinha matado ninguém”, alega. Ele chegou a retornar para sua cidade natal, mas voltou a Itaituba onde foi julgado, respondendo por 70 homicídios e condenado a dez anos de prisão. “Ali eu perdi tudo que tinha, inclusive minha família. Eu fui preso por um crime que não cometi”, insiste. Solto em 2004, após cumprir quatro anos, César passou a repensar sua vida, se culpando por tudo que havia feito consigo e com os outros. “Havia muitos processos contra mim. Somando tudo, daria uns 100 de prisão”, explica. De volta a São Leopoldo, foi preso novamente em 2009, dessa vez com mais
três irmãos. Segundo ele, a polícia teria entrado em sua casa procurando por drogas que não tinham, plantando, então, provas contra os quatro e os levando diretamente para o Presídio de Segurança Máxima de Charqueadas. Foi então, dentro da cela, que César diz ter tido um sonho que iria mudar sua vida. Na visão, ele havia sido cercado por policiais no espaço onde hoje se encontra a igreja. Era levado para fora por muitas pessoas que o seguravam e gritavam “pegamo o Césão”, quando levou a mão ao peito e pediu misericórdia a Deus. Nesse momento, os braços que o cercavam se tornaram correntes que se quebraram e ele enfim se libertou. Com o sonho, César acreditou que lhe fora enviada uma mensagem divina. Caminhando até a igreja do presídio, o então detento conta que se ajoelhou e pediu perdão, rezando por sabedoria para que pudesse se tornar um novo homem, longe dos pecados. “De repente, fui
tocado pelo Espírito Santo. Meu corpo pegou fogo e comecei a suar. Falei com o pastor sobre o que aconteceu e ele me disse que Deus tinha planos para mim, planos grandes que só iam acontecer no tempo Dele”. Dali em diante, resolveu que deixaria o mundo das drogas para trás. Ele alega ter informado os companheiros de crime que precisava mudar sua vida e que o primeiro passo era abandonar o uso de entorpecentes. “Pedi que não me oferecessem mais. Acho que eles entenderam que eu precisava dessa chance e me deixaram livre. Alguns até vieram pedir conselhos depois”, afirma. Fora da cadeia, César montou um templo ao lado de sua casa. A Igreja “Assembleia de Deus - Estrela do Cárcere” reúne os fiéis as segundas, quartas e sextas-feiras, das 20 às 22 horas, recebendo cerca de 100 pessoas no espaço. “Não tem dinheiro que pague o que acontece aqui. Esse é um espaço de busca,
as pessoas entram e encontram a paz que procuram. O lugar é aberto para que todos possam dar seu testemunho.” César afirma que demorou 58 anos para conhecer o outro lado da vida. Como um homem que andava armado, batia em pessoas e era muito temido pela sociedade, o pastor desabafa: “Deus me tirou do pecado, da mentira, das drogas. Todos somos amados por Ele”, conclui.
- ANNE KUNZLER
De traficante a pastor, a vida de César passou por mudanças profundas
à
lgumas das marcas estão na pele, como tiros, facadas e outros ferimentos sofridos nas prisões e nas ruas. Outras estão na alma, como o arrependimento que assegura carregar por ter levado muitas pessoas para o mau caminho. Ironia ou não, foi na cadeia onde ele diz ter recebido o sinal para que mudasse sua vida. Passou por diversas cadeias dentro e fora do Rio Grande do Sul, a maioria de segurança máxima, por tráfico de drogas, crimes e violência. Césão, como é popularmente conhecido, Paulo César Pereira da Silva tem 64 anos e há quatro é pastor. Ao lado da igreja onde prega a palavra, ele mora com a atual esposa Lisiane Pereira da Silva, 27 anos, e os filhos Emanuel, 4, Maria
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que os à Mesmo deuses dissessem
COMPORTAMENTO .11
Meteoro da paixão ANDERSON HUBER
o contrário, para ela, ele é perfeito
K
seu cabelo cacheado. Em uma página no Facebook chamada “Sogrão caprichou na hora de fazer você, Luan”, existe uma lista com 85 curiosidades sobre o artista. Uma delas é que ele prefere garotas de cabelo longo e liso “então, se você não tem, usa chapinha ou faz progressiva”, orienta o administrador. Em novembro de 2014, Kauana esteve muito perto de realizar o sonho de ir a um show de Luan, em Esteio, mas o ingresso estava muito além do que a família podia pagar. O sonho da jovem, agora, passou a ser também o desejo da família. Morgana fica atenta a qualquer oportunidade em que possa realizar o desejo da caçula. “Assim que eu souber que vai ter show, pretendo levar ela”, diz.
A PSICOLOGIA EXPLICA A adolescência é uma importante fase do desenvolvimento humano, momento em que acontecem muitos conflitos e alterações comportamentais, físicas e hormonais. Os traços da criação e a relação de mãe, pai e filho são refletidas no comportamento do adolescente. De acordo com a psicóloga Clarissa Pasqualotto, nesta fase ocorre a identificação com grupos. É a partir deles que as relações se iniciam na infância e firmam-se na adolescência, podendo ser com diferentes pessoas, desde que haja semelhança de crenças e pensamentos, além do afeto. “As paixões começam a tomar forma nesta fase. É na
adolescência que elas ganham proporções diferentes na vida de todos nós, tornando-se por muitas vezes conflituosas, em função dos embates sentimentais. Por vezes o adolescente se sente eufórico e realizado, em outras situações, angustiado e decepcionado”, explica. É na adolescência também que presenciamos as grandes e por vezes doentias relações por ídolos, conhecidas como paixão platônica. Estas surgem a partir da identificação entre o jovem e seu ídolo, através da música, dos esportes ou simplesmente pela atração física. “Faz parte do desenvolvimento e amadurecimento do adolescente, pois todos precisam de uma figura para ter como referência, além da pessoa que convive consigo diariamente, como os pais,
por exemplo. Isso ocorre por estarem ampliando ainda mais os seus meios de convivência e, consequentemente, criando relações”, afirma a psicóloga. Mas será que esse amor platônico por um artista pode chegar a ser prejudicial? Clarissa dá dicas de como os pais podem identificar comportamentos doentios. “Como qualquer situação, tudo em exagero se torna prejudicial, até mesmo o amor. Quando platônico, o amor provoca, normalmente, o esquecimento de si para viver em função do outro. Justamente por não ser correspondido é entendido como algo que deve-se lutar incessantemente para manter”, salienta. Quando percebido o exagero de ações em função de um ídolo, é importante que os pais fiquem de
O maior sonho de Kauana é assistir ao show de Luan Santana
à
auana Martins de Lima é uma escorpiana que nasceu no dia 16 de novembro de 1999. Luan Rafael Domingos Santana é um pisciano nascido no dia 13 de março de 1991. A numerologia diz que o casal tem tudo para dar certo, já que ela é regida pelo número 1, tem instinto protetor forte, e Luan, sob o numeral 9, confia em todas as pessoas. “O relacionamento tende a ser mais emocional, agindo sem usar a razão, oscilando entre sentimentos opostos”, explica o site da numeróloga Aparecida Liberato. Mesmo que os deuses dissessem o contrário, para Kauana, a palavra mais apropriada para definir aquele que considera o homem mais lindo do mundo é perfeição. Para quem não sabe, o sujeito descrito acima é o sertanejo Luan Santana, de 24 anos, atualmente um dos cantores mais bem pagos do Brasil. Seu cachê por apresentação passa dos R$ 300 mil. Kauana é o tipo de fã que conhece cada detalhe da vida de seu ídolo. Sabe que seu apelido é gurizinho, que não sabe dar nó em bexiga e que odeia tarefas domésticas. Sabe também que, quando criança, tocava a campainha dos vizinhos e saía correndo, ama brigadeiro e certa vez perdeu um chinelo no mar. Tudo começou em 2009, quando a estudante tinha nove anos e a sua irmã, Cassiane Felles, emprestou um DVD ao vivo do cantor. Foi amor à primeira vista. “Eu senti uma sensação muito especial. A voz dele, o jeito e o carinho com os fãs me conquistaram. Naquele dia eu chorei”, recorda. A mãe da Kauana, Thais, se diverte com o modo em que a filha vivencia sua paixão pelo ídolo. “Dias atrás ela estava no banho quando o Luan apareceu na TV. Ela se enrolou na toalha e correu para a sala”. Não importa o que esteja fazendo, se o assunto é Luan Santana, Kauana corre para ver o que estão falando. Questionada se também é fã de algum artista, Cassiane diz que foi fã da banda NX Zero, quando adolescente, mas que agora, adulta, nem sabe se a banda ainda existe. A irmã mais velha, Morgana Felles, responde “Só sou fã de Jesus”. A garota residente no Vicentina segue todas as páginas na internet disponíveis sobre a vida do cantor. Somente no Facebook já passam de 104 perfis, entre comunidades, grupos, página oficial e perfis falsos. Talvez seja por isso que Kauana não gosta de
olho, o que não significa lutar contra, pois a tendência do jovem é reforçar ainda mais a sua obsessão. “O indicado é que haja acompanhamento dos familiares e preferencialmente de um profissional, com o intuito de orientá-lo, mas não inibi-lo ou puni-lo”, conclui.
- PRISCILA BOEIRA
12. FAMÍLIA de quatro à Mãe filhos dedica-se
aos cuidados do caçula com necessidades especiais
T
TUANNY PRADO
Um filho especial ta. Claudete acredita que tenha sido erro médico. De acordo com ela, o pediatra informou que o menino ficou com uma sequela que paralisou o lado direito de seu corpo. A rotina da família mudou a partir da alta de Andreo. A amamentação foi alterada, o leite passou a sair da mamadeira para alimentar o filho que não tinha forças para sugar no peito. As cartelas de remédios passaram acompanhar o cotidiano da mãe. “Os primeiros anos foram de muito luta, e a cada dia uma nova vitória em nossas vidas”, relembra. VIDA DE MÃE Claudete também tem outro filho, o Anderson, 15 anos, estudante da sexta série do ensino fundamental da Escola Rui Barbosa, ela cuida dos dois filhos sozinha há pelo menos sete anos, desde que o marido resolveu se separar e não colaborar com a situação sequer financeiramente. Além de mãe, ela também é avó, são dois netos de suas filhas mais velhas que já são casadas e moram ali perto, no bairro Paim. Moradora do Loteamento Minha Casa Minha Vida, no bairro Vicentina, há três anos, Claudete recebeu a casa planejada para atender as neces-
sidades do filho. A residência possui cinco cômodos. As portas e os corredores são mais largos para a passagem da cadeira de rodas. As dimensões do banheiro são maiores que o normal, não há desnível no chuveiro, possui barras de segurança e o vaso sanitário é especial. Essas alterações internas que a moradia recebeu facilitam no cotidiano da mãe. Porém, a parte externa da pequena área em frente à casa não foi adaptada. A saída da porta da sala tem um degrau que atrapalha a retirada da cadeira de rodas. A falta de nivelamento e o chão de terra da porta até a entrada do terreno é outro obstáculo quando a mãe sai de casa com o filho. É preciso retirar Andreo da cadeira e descer com ela, após buscar o garoto e carregá-lo nos braços para acomodá-lo novamente na cadeira. A renda da família é de um salário mínimo vindo do benefício do INSS de Andreo. Deste valor, a mãe precisa retirar o pagamento das despesas mensais e a alimentação da família. O menino necessita usar fraldas, e há dois meses ela recebe seis pacotes com oito unidades, no Ginásio Municipal, pela Secretaria de Saúde. A cadeira de rodas adaptada foi recebida há quase dois anos
pelo Centro de Referência em Assistência Social, CRAS. Ela lembra que antes não tinha a cadeira ”Carreguei durante anos o Andreo no colo para sair de casa”, conta. ACOMPANHAMENTO DA APAE Com menos de 2 anos,Andreo passou a receber acompanhamento da associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – Apae, localizada no Centro do município. A Apae é uma entidade filantrópica, sem fins lucrativos, de caráter educacional, cultural, assistencial, de saúde, estudo e pesquisa que recebe as pessoas com necessidades especiais. A associação é mantenedora da Clínica de Reabilitação e Escola de Educação Especial que atende cerca de 240 alunos com duração indeterminada de tratamento. Sem movimentos do lado direito, sem caminhar e falar, Claudete faz o papel das pernas, as mãos e a fala do filho. “A cada evolução dele tenho certeza que o esforço vale a pena”, ressalta. O menino vai para a associação de segunda a sexta-feira, das 13h às 16h45. A mãe não descuida dos cuidados e passa as tardes na entidade. Ela leva o lanche de Andreo que precisa
ser preparado com atenção, pois a sua dieta alimentar deve ser líquida. Durante as aulas são realizados diversos programas de atendimento com especialistas para estimular o desenvolvimento intelectual e motor. Andreo recebe acompanhamento de fonoaudióloga, neurologista, nutricionista e fisioterapeuta. Além do acompanhamento na associação, Claudete realiza algumas atividades de incitação aos movimentos e a fala do filho. Segundo ela, os médicos avaliam que Andreo está apresentando melhoras em seu estado. Um exemplo disso é quando o menino é colocado de pé ao lado de duas pessoas e consegue ficar parado firme com suas próprias pernas. Entre esses exercícios orientados pelos médicos, a fala é uma das que mais emociona Claudete, que pode escutar seu filho falar ‘mamãe’. Orgulhosa a mãe mostra os cartões pintados por seu filho, trabalho realizado na Apae em homenagem ao dia das mães. “Meu maior sonho é ver ele caminhando e falando. É com esse pedido que colocou meus joelhos no chão e peço a Deus”, desabafa.
- KARINA DE FREITAS
Claudete se emociona ao mostrar o presente que ganhou do filho Andreo no dia das mães
à
em mulheres que ultrapassam todos os limites por amor, mais ainda quando se trata de filhos. Esse é o caso da dona de casa, Claudete de Souza, 51 anos, que dedica sua vida aos cuidados do filhoAndreo de Souza Muniz, 11 anos. O garoto tem necessidades especiais que requerem atenção integral da mãe que deixou de trabalhar para cuidar do caçula. A dona de casa conta que o parto de Andreo foi tranquilo e o bebê nasceu saudável, com medidas e peso ideais. Porém, aos quatro meses de vida, apresentou uma gripe forte. Preocupada com a saúde do filho, ela procurou atendimento no hospital Centenário, em São Leopoldo. A gripe evoluiu para uma pneumonia. O recém-nascido ficou 35 dias internado, destes, 15 dias permaneceu na Unidade de Terapia Intensiva. “Quando ele saiu da UTI, notei meu filho diferente, pouco se mexia e não movimentava os bracinhos. Perguntei ao médico o que havia ocorrido”, con-
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que somar à Por objetos diversos
COLECIONADORES .13
Loucura por objetos MARCELLI PEDROSO
de uma mesma classe produz tanta adrenalina
P
a sua coleção. Lorena de Oliveira, 36 anos, tem em média 100 vidros de esmalte em casa. “Há seis anos comecei a guardar por paixão, fui comprando um, dois vidrinhos e depois que vi, já estava comprando vários de uma vez só. A gente cria um vício”, destaca. A dona de casa é mãe de dois filhos, Letícia, 19 anos, e João Lucas, de apenas um mês, a quem carregava no colo. Como divide muito os esmaltes com a filha, criou o hábito de toda vez que passa em farmácia ou alguma loja, comprar várias cores diferentes. “Faço as unhas, por conta própria e, em média duas vezes na semana. Se vejo que estragou, vou lá e faço de novo”, conta.
Lorena frisa que faz as unhas em casa, já que tem mais tempo e, que no salão de beleza, nunca conseguia um horário. Recentemente havia pintado as unhas, dessa vez, optou por uma cor em cada unha, deixando bem colorido. “Gosto de variar bastante, mas, amo a cor vermelha”, ressalta. A filha, contudo, já destaca que prefere cores mais claras, como o branco ou rosa. Apesar do custo e do espaço que toma a coleção de Lorena, os filhos já se acostumaram com o hábito da mãe. A dona de casa não deixa de usar seus esmaltes, e nessa variação de cores, não se esquece de nenhum vidrinho.
- JOELLEN SOARES
OUTROS COLECIONADORES Várias são as opções de coleções famosas e vários os donos famosos também. No Brasil, temos o exemplo da apresentadora Adriane Galisteu, que é colecionadora de biquínis. Além dela, temos também, o cantor Marcelo D2, que possui uma coleção de tênis que aumenta a cada nova viagem. Fora do Brasil, o exemplo é o ator Johny Depp, que coleciona diversas bonecas da Barbie, além de de guardar esqueletos de pombos. O
cantor Elton John conta com uma coleção particular de 250 mil pares de óculos. Esses são só alguns dos famosos nacionais que possuem suas coleções, mas muitos outros estão espalhados pelo Brasil e pelo mundo afora. Os especialistas neste assunto explicam que, é normal isso acontecer, todos nós gostaríamos de colecionar algo, basta apenas definir o seu gosto e, o que você gostaria de colecionar.
Gilson sempre encontra mais uma caneta perdida por aí e Lorena não tem nenhum vidro de esmalte repetido
à
odem ser carrinhos, figurinhas, os tazos ou até mesmo camisetas de futebol, existem vários tipos de coleções por todo o mundo. E, tudo isso por paixão. Na ocupação Cerâmica Anita não é diferente, também se encontram alguns colecionadores. Em um sábado de manhã e com um sol forte batendo, Gilson Roberto da Silveira, 44 anos, estava girando as galinhas assadas para logo mais vender para a comunidade. Questionado se conhecia alguém que colecionava algum tipo de objeto por paixão, ele se pronunciou, envergonhadamente: “olha, se servir, eu coleciono canetas! O Gilson, que é motorista, foi até seu quarto e pegou a caixa onde guarda pelo menos 400 canetas e mostrou para a reportagem. “Em dois meses comecei a colecionar as canetas, pego uma aqui, outra ali e, agora já está nesta quantidade. Pretendo continuar colecionado, é uma paixão que tenho, já que as acho bonitas”, destaca. O motorista conta que começou a colecionar as canetas de diferentes formatos e cores, e como visita muitas fábricas, pede as canetas assim que assina um documento. Em qualquer lugar que vá, sempre consegue uma para a sua coleção. “Eu também empresto para meus filhos e minha esposa as canetas, mas desde que coloquem no mesmo lugar onde estavam”, ressalta. Ao caminhar mais um pouco pelo bairro, encontramos uma mulher que pintava as unhas no pátio de sua casa. Em um banquinho perto dela a presença de diversos vidros de esmalte. Questionada se colecionava algum objeto, abriu o portão de sua casa e nos mostrou
Os desafios do jornalismo cidadão Delicadeza, sensibilidade, apuração e observação são apenas alguns dos quesitos necessários na prática do jornalismo cidadão. É o que todo o semestre, desde 2014, que alunos de Jornalismo da Unisinos procuram durante três sábados no bairro Vicentina, em São Leopoldo. A comunicação alternativa é caracterizada como expressão das lutas populares por melhores condições de
vida, que ocorrem a partir de movimentos e representam um espaço para a construção da democracia. O jornalismo cidadão busca criar um conteúdo crítico, emancipador e reivindicativo, tendo as pessoas comuns como protagonistas de suas próprias histórias e abrindo espaço para que sejam ouvidos. Mais do que isso, nosso desafio é encontrar o diferente, fugir do nosso universo
rotineiro e ter a experiência de viver a realidade de outras pessoas, mesmo que seja por algumas horas. Na verdade disso se trata o jornalismo em qualquer outro âmbito também: ouvir as histórias dos outros com todos nossos sentidos. Muito além do “colocar o pé no barro”, ouvir as fontes com atenção e mergulhar na pauta proposta, o jornalismo cidadão exige carinho pelos detalhes. É
olhar nos olhos do entrevistado, perguntar além do que está anotado no bloquinho, prestar atenção em suas expressões corporais, no tom de voz, no som do ambiente, nos silêncios. Nosso trabalho consiste em mostrar outros mundos com sensibilidade. Em um local violento, onde a vida é difícil para a maioria, a cidadania não consiste somente em dar voz aos moradores do bair-
ro para que seus problemas se tornem públicos. O jornalismo em si não pretende “salvar” aquele pequeno mundo ou solucionar lutas de anos em algumas horas. O exercício serve como instrumento para as minorias e muda a visão que a comunidade tem de si mesma, de forma que ela se fortaleça para lutar por seus direitos e avançar em conjunto. Fazer jornalismo cidadão nos permite
compartilhar: aprender e ensinar. A experiência enriquece e muda visões de mundo dos dois lados, caso contrário, algo está errado. O jornal Enfoque Vicentina deve ser um instrumento de prestação de serviços e formação do cidadão, mas com a preocupação de estar em sintonia com os temas da realidade local.
- DOMINIQUE NUNES ESTUDANTE DE JORNALISMO
14. RECADOS
ENFOQUE VICENTINA | SÃO LEOPOLDO | JUNHO / 2015 | http://olharesevozes.wix.com/vicentina
Mural do Enfoque
- KARLA OLIVEIRA
Moradores do Vicentina deixam seus recados neste espaço aberto PARA OS POLÍTICOS BRASILEIROS
PARA A PREFEITURA
“Se eu pudesse não votava. Essa política não tem mais sentido, nada muda. Não se sabe direito em quem se está votando. É uma palhaçada. ”
chove tudo vira barro e ninguém gosta de viver na lama! Claro as coisas melhoraram, mas ainda é preciso mais. ”
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que melhorar o à “Tem calçamento. Quando
Valmir da Rosa, 61anos, aposentado. Mora no bairro há 30 anos. PARA O SEMAE
KATERINE SCHOLLES
Magéria Alves, recicladora, 57 anos. Mora há mais de 10 anos no bairro. PARA O PREFEITO
inadmissível isso saber quando à “É à Quero que está acontecené que o senhor vai
do. Eles (SEMAE) vem aqui, abrem um buraco e deixam ele a céu aberto. É perigoso, pode dar um acidente, crianças se machucarem. Já faz um ano e meio que eles não completam a obra, isso é um absurdo! Eu e outros moradores já tapamos um buraco, não é justo a gente ter que terminar algo por eles. ”
PARA A POPULAÇÃO
arrumar o asfaltamento? SE elegeu prometendo melhorar e até agora nada! Eu nasci, vivo e vou morrer aqui. A única coisa que quero é que as ruas melhorem, de resto o lugar é bom.
um brechó com à “Fazemos um intuito social. Se vocês
querem comprar peças por um preço acessível, venham nos visitar. O brechó acontece todos os sábados, na Igreja Assembleia de Deus, na Travessa 4. O preço único das peças é de 1 real. Participem e nos ajudem! ”
Elisabeti Soares, dona de casa, 46 anos. Mora há 46 anos no bairro.
Elaine da Silva, 36 anos, dona de casa e participa do Departamento de Mulheres da Igreja Assembleia de Deus.
Elmuth Nass, 47 anos, eletricista. Mora no bairro há 35 anos.
CRÔNICA
ogo no começo da manhã, quando a neblina ainda está densa, a cara de sono dos alunos da disciplina de Jornalismo Cidadão da Unisinos é nítida. Claro, a rotina que muitos enfrentam de trabalhos e estudos acaba tornando o sábado pesado e, ainda assim, é preciso acordar cedo e disposto a contar histórias. Tudo fica diferente ao chegar ao bairro Vicentina. Os rostos vão se iluminando e a alma de repórter começa a despertar logo que o ônibus chega ao seu destino. O sono decide dar espaço para a empolgação e o cansaço dá espaço para o foco. As pautas já vão surgindo. O desafio para os jovens estudantes não é só decidir quais histórias, dentre tantas que precisam ser contadas, merecem o destaque das poucas edições que temos no semestre. São apenas três visitas para viver nem que seja um pouquinho da realidade dos moradores de uma das regiões mais precárias de São Leopoldo. Não é preciso andar muito para perceber o que estamos fazendo lá. Moradias irregulares, muitas vezes mantidas por lonas improvisadas e pedaços de madeira, formam a região da Ocupação Cerâmica Anita. Adentrando o emaranhado de casas, colocando o pé no barro e conversando, já
Dar visibilidade às histórias que ainda não foram contadas e estão sendo silenciosamente construídas
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A difícil tarefa de contar histórias podemos nos sentir em casa pelo simples fato de ser bem recebidos. Os moradores não só possuem uma grande necessidade de nos mostrar as veias abertas do lugar onde vivem, com esgoto a céu aberto e lixo por todos os lados. Eles também necessitam de atenção, como se ao observá-los, ouvi-los e fotografá-los, tirássemos da invisibilidade e concedêssemos a importância muitas vezes esquecida àquele canto do mundo. Para os alunos de Jornalismo Cidadão, o maior desafio não é encontrar histórias, pois são tantas as tristezas e alegrias, que fica difícil escolher uma só para narrar. Aqui, neste espacinho do mundo muitas vezes esquecido pelos governantes o desafio maior é fazer com que todo o resto do mundo entenda sua importância. É mostrar a eles o poder para que mudem suas histórias, através de um direito previsto na Constituição Federal: o direito à comunicação. É conceder o devido espaço. Conquistar seu protagonismo junto a tantas realidades parecidas em um país grande e rico e ao mesmo tempo muito pequeno e pobre. O trabalho aqui não é apenas ser jornalista, é ser humano, é ser brasileiro.
- VIRGÍNIA MACHADO
BAIXINHOS .15
ENFOQUE VICENTINA | SÃO LEOPOLDO | JUNHO / 2015 | http://olharesevozes.wix.com/vicentina
GUSTAVO SCHENKEL
futuro, por que não escolher os dois?
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á quem diga que o coração mais puro é o de uma criança. Também, pudera. Com poucos anos de idade, descobrem a vida com um ponto de vista único, repleto de uma inocência infantil. Mas, apesar de não serem tão experientes quanto os calejados adultos, possuem um coração cheio de amores, seja pela família, pelos amigos, pela escola ou pelo futuro. Afinal, quem foi que disse que os pequenos não sabem amar? Isaías Mendes, de apenas 7 anos, não tem receio de esconder seu jeito traquina, dividindo seu tempo entre brincar pelo bairro Vicentina e estudar, atividades que podem soar de forma comum, mas que possuem importância enorme para quem, desde muito cedo, enfrenta dificuldades de adulto no bairro Vicentina. Sua lista de amores é preenchida pela sua família e pelos filhotes que sua cachorrinha acabou de ganhar. Apesar da aparente ingenuidade infantil, já pensa em seu futuro: “quero ser professor”, mas admite que não gosta de estudar. Talvez este hábito se torne uma paixão com o tempo. Diferente de seu sobrinho Isaías, Elisandro Mendes, 12 anos, gosta mesmo é de jogar futebol. Ele é tão apaixonado pelo esporte que sonha em ser um jogador profissional e, inclusive, já está treinando em um campinho irregular de terra, que mesmo não tendo grama, traves e marcações, para ele é como se fosse o Maracanã. O garoto adianta que, caso ele não consiga realizar este desejo, quer ajudar a família no comércio de entrega de gás, atividade que ele já realiza aos finais de semana. Dedicação não lhe falta. Empenho também tem de sobra para Carolaine Torman, 12 anos. Mesmo tão jovem, dedica-se de corpo e alma para a religião. Frequentadora da “Igreja Viva”, do bairro Vicentina, participa de todos os encontros e, inclusive, deseja levar a família consigo. “Gosto muito de ir ao culto. Vou com minhas amigas aos finais de semana e é sempre muito bom. Estou tentando convencer a minha mãe a ir junto comigo, mas por enquanto não está dando certo”, lastima. Carolaine é tão apaixonada pela religião que faz pequenos sacrifícios, como o jejum, por exemplo. Mas ela garante: “é gratificante”. Já a irmã
EMILENE LOPES
Ana Julia, 3 anos, esconde atrás de sua timidez o gosto pela dança. Está até começando a praticar balé. Mas será que ela quer seguir com esta paixão pelos próximos anos? “Quero ser dançarina quando crescer”, responde a pequena. Mesmo de longe é possível ouvir o barulho de batidas, conversas e algumas reclamações. Afinal, quando os irmãos Cauã, 6 anos, Vitória e Natha, 4 anos, se reúnem para brincar, a diversão se torna coisa séria. Ladeando um pequeno carro de plástico e aguardando o almoço que está sendo preparado em um humilde fogão à lenha, os três simu-
lam um conserto de veículo, com olhares atentos às peças e discutindo o melhor jeito de resolver o problema da roda, que aparentemente está quebrada. “Preciso dar um jeito nesse carro porque queremos andar depois. E, para não estragar de novo, precisamos arrumar bem direitinho”, ressalta Cauã. O irmão mais velho pode até estar com as chaves de fenda nas mãos, mas quem dita as regras é a pequena Vitória. Segundo Silvia Patrícia de Melo, 43 anos e mãe das crianças, Vitória é a mais bagunceira dos três: “É ela quem ensina as brincadeiras e as ‘artes’ para os irmãos. Ela é bem esperta”.
Mesmo traquina, Vitória ama a religião. Silvia comenta que, nos cultos, a pequena adora cantar os louvores e aprende os refrões com facilidade, repetindo com frequência em casa, enquanto brinca. Se Vitória é espontânea e nada tímida, seu irmão gêmeo Nathan é exatamente o oposto. Mais observando do que se envolvendo no conserto do carro, ele revela, meio baixinho, que sua paixão são as bicicletas. “Quando eu crescer, quero consertar bicicletas, é bem legal”, revela. “Bicicleta nada! Legal mesmo é consertar carros”, interrompe Cauã, que ama tanto suas brincadeiras que sonha em
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brincar e à seEntre apaixonar pelo
Quando eu crescer... Professor, jogador de futebol, veterinária, missionária. As crianças levam a sério seu direito de sonhar
EMILENE LOPES
poder se divertir com isso quando não for mais criança. Não é só no caso dos três irmãos que a paixão de hoje é o combustível para o sonho de amanhã. Eduarda Santos, 7 anos, é apaixonada pelos animais e sonha em ser veterinária. O amor pelos bichos é incentivo de sua mãe, que possui em casa diversos cachorros e gatos, que são mais do que animais de estimação para a pequena Duda, são amigos. Aparentemente ela parece estar sozinha brincando na terra, mas, na verdade, está acompanhada pelo travesso Bidu, cachorro que a família resgatou da rua e que hoje é um grande parceiro dos passatempos de
Eduarda. “Amo os animais, principalmente os que moram comigo. Meu sonho é ser veterinária para poder cuidar bem deles”, revela, sem tirar os olhos de Bidu. As brincadeiras infantis podem até soarem despreocupadas. Afinal, é só uma diversão, certo? Errado. Estas atividades imprimem não apenas a inocência infantil, mas também a paixão por um futuro melhor. A aparente ingenuidade de Isaías, Elisandro, Carolaine, Ana Julia, Cauã, Vitória, Nathan e Eduarda incentiva: o futuro pode ser repleto de paixão. Afinal, o presente também o é.
- BRUNA SCHNEIDER
ENFOQUE VICENTINA
SÃO LEOPOLDO (RS) JUNHO DE 2015
EDIÇÃO
PALAVRA DE REPÓRTER, OLHAR DE FOTÓGRAFO uando chegamos ao Vicentina com o Enfoque impresso, temos o hábito de entregá-lo aos moradores, sobretudo àqueles que entrevistamos para compor a edição. Numa dessas saídas, retornei à residência de uma menina que havia fotografado dias antes e fui pega desprevenida. Letícia já havia recebido o jornal e aguardava, apreensiva, em frente à sua casa. Nem bem me aproximei, ela perguntou: “Tia, por que eu não apareci?”. Fiquei sem resposta. Afinal, como explicar a uma criança de oito anos que existem delimitadores no jornalismo? Como esclarecer que o jornal é feito em partes que dialogam com o todo e que certas definições editoriais independem do querer individual do repórter? Como dizer que mesmo as melhores histórias podem ficar de fora? A situação me fez pensar e compreender que entrevistados não são apenas personagens de uma narrativa, mas pessoas cujas expectativas nos são confiadas; que matérias transcendem a condição de palavras contabilizadas em caracteres, são registros de vida compartilhados; e que nós, repórteres, carregamos uma responsabilidade maior do que por vezes imaginamos. O que aprendi em termos de fotografia pode ter sido temporário. Talvez logo ali eu esqueça o que hoje sei sobre obturador, diafragma e medição de luz. Uma coisa é certa, entretanto: o que aprendi com Letícia será permanente. Não espero que entendas por que tua história não apareceu no Enfoque, Letícia, só espero que aceites minha gratidão. Obrigada por ensinar à tia aqui que o jornalismo está na experiência, ainda que ela não caiba nas páginas do jornal.
- PÂMELA OLIVEIRA REPÓRTER FOTOGRÁFICA
PÂMELA OLIVEIRA
Entrevistados como a Letícia contribuem para que os repórteres aprendam os segredos da profissão
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O jornalismo além das páginas
Pés no barro vermelho A produção de um jornal passa por muitas etapas. Em resumo, o repórter decide e planeja a pauta de acordo com as características do impresso e vai à luta em busca de uma boa reportagem. Jamais podia imaginar que em apenas três visitas, a percepção sobre uma realidade completamente diferente da minha, seria capaz de transformar o meu pensamento e envolvimento. Eu, repórter, não estava mais à procura de reportagens para obter a aprovação na disciplina de Jornalismo Cidadão. Eu estaDENIS MAC HADO va com os pés no barro vermelho em busca de histórias. Depareime com carência, abandono e outras coisas tristes da realidade do nosso município, estado e país. Dura realidade. Mas e aí? O que fica de
O bairro Vicentina na internet
tudo isso? Fica uma vontade de permanecer, produzindo em prol de uma comunidade carente de ser ouvida, enxergada e compreendida. Fica o desejo de retornar e promover cidadania através da palavra escrita. As boas matérias estão eternizadas na memória. Lembranças dos garotos do grupo Divina Inspiração, da entrega do jornal na igreja deles e a reação das pessoas. O brilho nos olhos. Lembranças de dois homens rudes e humildes. Nene e Toco e suas intermináveis histórias. Recordação dos colegas repórteres e suas belas matérias sobre as pessoas do bairro. Pescadores de ilusões em busca de bons motivos que nos tragam fé.
- JOSÉ FRANCISCO JR. REPÓRTER
Nesta terceira edição do Enfoque, um novo desafio foi lançado aos alunos da disciplina de Jornalismo Cidadão: traduzir em vídeo as percepções sobre a comunidade, até então, expressas somente através de textos e fotos, pelos alunos de jornalismo da Unisinos. A proposta inicial era essencialmente a produção de um conteúdo online, ainda indefinido. Com o tempo, a ideia ganhou forma e resultou em uma matéria com duas repórteres, registros de bastidores e depoimentos dos alunos que participaram do processo. Além de oferecer uma perspectiva mais aprofundada sobre o processo de produção para os futuros alunos da disciplina, o documentário tem o objetivo de compartilhar com a comunidade Vicentina a visão e o trabalho dos repórteres. Com a produção de Henrique Standt e edição de Thomas Bauer, o vídeo mostra os processos de produção das reportagens que são publicadas no Enfoque Vicentina. Para Bauer a tarefa foi um grande desafio. “Produzir o vídeo envolveu duas equipes e muito mais energia. Além disso, não tínhamos uma receita de como fazer esse documentário e nem muita experiência com telejorna-
lismo em campo”, explica o estudante de jornalismo. Henrique Standt aprova o resultado final. “Foi bem bacana ver o produto tomando corpo. Ver que conseguimos fazer exatamente o que queríamos. Estávamos empolgados para produzir o vídeo, tivemos várias ideias interessantes que foram se somando ao longo do trajeto até o bairro” comemora. Além do vídeo, as matérias das últimas edições do Enfoque foram disponibilizadas na internet através da plataforma digital, Medium. O documentário estará disponível no You Tube e na página do Jornal Enfoque no Facebook. Acompanhe o trabalho feito pelos alunos ao longo do semestre acessando: No medium: https://medium.com/ enfoque-vicentina No Facebook: www.facebook.com/ enfoquevicentina. No YouTube: http://migre.me/q27JJ Confira também as primeiras três edições do jornal e alguns vídeos em: http://olharesevozes.wix.com/vicentina#!impresses/c10cm
- JEAN PEIXOTO REPÓRTER
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