Será que há jogos só para meninos ou só para meninas? Página 3
Felipe Machado
CAREN RODRIGUES
Karina Verona
Brincadeiras
Direitos
O trabalho infantil deve ser evitado. Página 5
IMAGINAÇÃO
Crianças que leem desde cedo desenvolvem diversas potencialidades. Página 8
ENFOQUE VICENTINA
SÃO LEOPOLDO / rs ABRIL DE 2016
EDIÇÃO
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Nínive Girardi
ETERNA CRIANÇA O amor incondicional de mãe de Maria Elizabete faz com que Janaína possa enfrentar com dignidade uma doença que a estacionou nos primeiros anos de vida. página 16
2. EDITORIAL
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O direito de ser criança e adolescente
D
edicamos esta edição do Enfoque à infância e à juventude do bairro Vicentina. Não a uma infância ou a uma juventude fantasiosas, mas nas diferentes formas como se apresentam e são construídas, tendo consciência das infinitas possibilidades que o ser criança, ou adolescente, podem alcançar. Num momento em que nos deparamos com estatísticas que indicam um cenário preocupante com relação aos protagonistas das reportagens a seguir, voltar os olhares a esse universo se faz não apenas necessário, como também decisivo se queremos pensar em tempos melhores. O nosso país tem hoje 61 milhões de crianças e adolescentes com idade até 19 anos, de acordo com a quarta edição do estudo Cenário da Infância e Adolescência no Brasil. A pesquisa, divulgada em abril de 2016, revela que desse total de jovens, apenas 25% das crianças de 0 a 3 anos têm acesso a creches. Mais de três milhões, com idade entre cinco e 17 anos, estão em situação de trabalho infantil e quase 19% dos homicídios cometidos no país são contra crianças e adolescentes, a maioria com uso de arma de fogo. Para entender esses números, que são a soma de acontecimentos que se repetem em diferentes estados e comunidades, o Enfoque foi atrás de histórias no bairro Vicentina. Algumas revelam os rostos que estão por trás dessas estatísticas, outras nos provam que podemos acreditar em chances de mudança. As matérias que vocês vão encontrar nesta edição englobam diversos temas. Entre eles, educação, saúde e lazer, áreas que aparecem como direitos e deveres em um documento voltado especialmente aos jovens: o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). No ECA consta que: “É dever da família, da sociedade e do Estado asse-
gurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (Art. 227 da Constituição Federal Brasileira). Recentemente, mais um texto foi aprovado no sentido de garantir di-
reitos a crianças de zero a seis anos no Brasil. O Marco Legal da Primeira Infância (PLC 14/2015), entre outras medidas, aumenta a licença paternidade para 20 dias, colocando em pauta a importância da participação do pai nos primeiros dias de vida do filho. A aplicabilidade das leis, entretanto, depende da criação de políticas públicas, por parte dos municípios, que validem os direitos previstos. Ainda que, em muitos casos, o conteúdo do papel não reflita a realidade,
Bruna Mattana, Gabriel Machado Pureza, Joyce Heurich, Priscila Serpa e Rafaela Dilly Kich
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DATAS DE CIRCULAÇÃO 10
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percebemos que, estamos avançando à medida que o tema criança e adolescente passa a ser o foco de discussões. Por isso, nesta edição do Enfoque, procuramos trazer nossa parcela de contribuição para impulsionar as transformações necessárias. Aqui estão alguns olhares sobre as alegrias e os desafios de ser criança ou jovem no Vicentina. Esperamos que essas histórias possam promover a reflexão e que sejam úteis e informativas à comunidade. Boa leitura!
CAREN RODRIGUES
QUEM FAZ O JORNAL O Enfoque Vicentina é um jornal experimental dirigido à comunidade do bairro Vicentina, em São Leopoldo (RS). Com tiragem de mil exemplares, é publicado a cada dois meses e distribuído gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos São Leopoldo.
E D I Ç Ã O E R E P O R TA G E M
FOTOGRAFIA
ARTE
IMPRESSÃO
Disciplina: Jornalismo Cidadão. Orientação: Sonia Montaño Edição de textos: Bruna Mattana, Gabriel Machado Pureza, Joyce Heurich, Priscila Serpa e Rafaela Dilly Kich. Reportagem: Aline Santos, Ana Paula Zandoná, Bárbara Bengua, Bruna Mattana, Caubi Scarpato, David Farias, Denise Morato, Gabriel Machado Pureza, Gustavo Schenkel, Jayme Magalhães, Joyce Heurich, Lucas Möller, Mailsom Portalete, Marcelli Pedroso, Matheus Beck, Matheus Freitas, Michelle Oliveira, Nicole Cavallin, Nicole Fritzen, Pâmella Atkinson da Silva, Priscila Serpa, Rafaela Dilly Kich e Victoria Silva.
Realização: Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Projeto gráfico, diagramação e arte-finalização: Marcelo Garcia
Disciplina: Fotojornalismo. Orientação: Flávio Dutra. Fotos: Amanda Oliveira, Aniele Cerutti, Bruna Monique, Caren Rodrigues, Dyessica Abadi, Eduarda Moraes, Ellen Renner, Eric Machado, Felipe Machado, Fernanda Stecanela, Franciele Costa, Gustavo Bauer, Jéssica Martins, Júlia Bozzetto, Julia Viana, Karina de Freitas, Karina Verona, Lidiane Bortoli, Lidiane Menezes, Liege Barcelos, Maquiel Santos, Maria Carolina de Melo, Maria Júlia Pozzobon, Nínive Girardi, Raique Ramos, Stefay Rocha, Tamires de Souza, Thais Montin e Thomas Graef.
Realização: Gráfica UMA / Grupo RBS Tiragem: 1.000 exemplares
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Avenida Unisinos, 950. Bairro Cristo Rei. São Leopoldo (RS). Cep: 93022 000. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Pró-reitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Pró-reitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente de Bacharelados: Vinícius Souza. Coordenador do Curso de Jornalismo: Edelberto Behs.
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Brincadeira de menino ou de menina? As brincadeiras infantis e adolescentes, tecnológicas ou analógicas, revelam características comuns da educação
é algo presente e identificado na casa dos Veríssimo. Enquanto a entrevista transcorria, Genifer ajudava na limpeza da louça do café. Ao mesmo tempo, a adolescente mostrava um ensaio fotográfico que ganhou no último aniversário. A irmã do meio, Érika, circulava sob a troca de sorrisos tímidos e brincadeiras com a superativa e mais nova menina da casa, a Renata. Com energia, ela agita a residência e demonstra toda a capacidade dos pequenos, alternando os brinquedos sob incentivos de seguir no pátio, nas ruas, não se rendendo à realidade digital, presente, mas ainda secundária nos lares do bairro.
“D
e boneca nunca brinquei, isso é coisa de mulher”, exclamou Ismael de Castro Salazar, 15, sob risos de seu irmão William, 19, sua única irmã Suelen Maria, 10, e de sua mãe, Márcia Maria Salazar, 47, que trabalha no setor de limpeza de uma escola. Da instituição de ensino, a mãe dos cinco filhos (há ainda os meninos Vítor, 13 e Robson, 16), busca lidar com os desafios financeiros e psicológicos para educar os jovens para o mundo. Desde cedo a convivência de todos foi intercalada com momentos de brincadeiras no pátio, contato com animais de estimação e objetos de construção. Atualmente, eles ainda recebem a adição de elementos tecnológicos como celulares, tablets e computadores. Com a constante alternação entre o digital e o analógico, as fronteiras de gênero também aparecem na realidade da comunidade do Vicentina, de modo a desafiar a função dos pais na hora de educar. Quando Márcia vai para o trabalho, os filhos sabem bem como agir. Na parte das brincadeiras, quem se destaca é a sorridente Suelen. As bonecas, aos poucos, estão ficando de lado. Ela prefere o celular, mas claro, somente quando não tem a parceria de seus amigos. “Mas menina brinca com menina”, garante Suelen. Os posicionamentos dos filhos são muito parecidos. Tais referências poderiam contribuir para uma lógica repressiva da mãe da família, entretanto, segundo Márcia, não é o que ocorre. “Estou sempre de olho para saber onde eles estão, mas é mais por questões de segurança. Dou bastante liberdade, tanto que meus filhos frequentam a igreja e eu não”, justifica. A fé dos irmãos Lembrando das brincadeiras que praticava pelo bairro, enquanto assiste Suelen fazer carinho na nova filhote de cachorro da família, a Belinha, de apenas dois meses, William, o mais velho de todos, fala de seus
A educação, as brincadeiras e as diferenças As irmãs Rena ta e Érika são companhias co para brincade ntantes iras no pátio
antigos amigos. “Muitos dos que brincavam comigo, hoje estão presos. Por isso a gente fica preocupado e, as brincadeiras, por vezes, precisam terminar mais cedo”, lamenta William. Em cima da realidade do bairro, ele salienta as necessidades básicas da juventude local. Da mesma forma, relata a fé dos irmãos Salazar que, juntos, frequentam quase que diariamente a igreja, de maneira a pedir proteção, agradecer por todas as graças e seguir com a possibilidade da pureza das brincadeiras que tanto contribuem para a formação de cidadãos. Seguindo pelas estradas do bairro, muitos brinquedos são avistados nos quintais, bicicletas, campos de futebol e também as próprias crianças circulando pelas ruas. A realidade é menos comum nos Centros urbanos
e, carrega uma certa nostalgia para quem circula pela região. A dona de casa Daniela Carolina Veríssimo, mãe de Renata Verônica, 4, Érika Karolainy, 9 e Genifer Vitória, 15, traduz a força feminina em lições importantes para as três filhas de gerações diferentes. Como as poesias do famoso que carrega o mesmo sobrenome que o dela, Daniela tenta driblar as dificuldades financeiras e frisa a valorização do espaço que os abriga atualmente. “Comecei a trabalhar com 14 anos e passei muitas dificuldades, por isso acho importante que elas tenham responsabilidades. Moramos por bastante tempo em barracos de lona em área de invasão até que conseguimos a casa que temos hoje”, enfatiza a dona de casa, ao se orgulhar da atual residência.
Pedaladas da liberdade Ainda que os perigos de circular pelas ruas sejam iminentes, a vantagem do Vicentina é a confiança dos vizinhos, uns nos outros. Daniela acompanha a filha Renata nas voltas de bicicleta e deixa a menina aproveitar o que de melhor tem na infância. “Elas jogam vôlei no portão, aproveitam o pátio e não ficam somente presas em computadores e celulares. Só libero o uso dos equipamentos aos finais de semana.” Quando fala de smartphones, Daniela retrata principalmente a situação de sua filha mais velha. As redes sociais integram o cotidiano de grande parte de adolescentes. A transição entre os tempos de brincadeiras e o amadurecimento dos jovens
Em publicação que trata do assunto, no site Brasil Escola, a psicóloga e mestranda em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP, Juliana Spinelli Ferrari, explica os percursos trilhados pelas brincadeiras e suas influências nas concepções das crianças. O ato de brincar, segundo a profissional de Psicologia, reproduz a representação do mundo a partir dos olhos dos pequenos. Quando o assunto ruma para as questões de gênero, as compreensões e imitações de realidade são as situações constatadas. “Para os pais, diferenciar brincadeiras de meninos e meninas é uma forma de dominar a relação que os filhos estabelecem com o mundo, eliminando a ansiedade diante do desconhecido mundo da criança”, aponta. Já para as próprias crianças, de acordo com a autora, a diferenciação, muitas vezes, não faz sentido. As punições pela transgressão, que seria o não cumprimento do que é definido pelos pais, pode aparecer como um fator complicador. Definir e desconstruir, de acordo com Spinelli, é a melhor forma de reagir e quebrar o paradigma. Independente da relação com a realidade, a psicóloga salienta que a criança tem que ter liberdade de escolher como e com o que quer brincar. Dessa forma, a educação é aplicada de maneira mais completa e potencializa a possibilidade de um crescimento pessoal, formando, a partir de então, o cidadão na plenitude do ser humano. Matheus Beck Karina Verona
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Uma paixão de gerações Por incentivo do pai, Diovana faz aulas de violão e vê na música a oportunidade para fazer o que gosta
Diovana se apresentou pela primeira vez este ano
A
pequena Diovana da Silva de Lima, de 9 anos, tem a música como herança familiar. Com o violão cor de rosa em mãos, presente que ganhou do pai no dia das crianças de 2014, ela relata como iniciou o envolvimentomusical.“Meapaixonei pelo violão e sempre tive muito incentivo para começar a tocar um instrumento”, explica. Aluna da quarta série da escola Rui Barbosa, a música entrou na vida de Diovana por influência do pai, Paulo Rodrigues de Lima, e do avô, Antônio, que também toca violão e foi quem introduziu o instrumento à menina. “O sonho do pai era que a Diovana cantasse. Pode ser que isso ainda aconteça, mas ela está apenas no início”, relata a irmã, Débora Silva de Lima, de 20 anos. Fã de músicas gauchescas, seu Paulo passou para Diovana a paixão pelo estilo tradicionalista. Apesar de ainda não saber tocar, ela conta que tem muito desejo de aprender.“Gosto muito e meu pai ficaria muito feliz”, exclama. Acompanhada da irmã, a tímida moradoradobairroVicentinamostra um dos vídeos que fez tocando
o instrumento. Na gravação, ela canta e toca a música “Aquele 1%”, uma de suas preferidas. Por conta da timidez, as apresentações para familiares são raras.“Ela gosta é de gravar vídeos dentro do quarto, sem ninguém ao lado. Depois, mostra pra todo mundo”, comenta Débora, aos risos. A primeira apresentação da menina foi neste ano, em um evento para familiares e moradores da Vila Paim. Ela confessa que ficou nervosa, mas que foi gratificante tocar e
cantar para muitas pessoas. Diovana começou a fazer aulas de violão há um ano, no Instituto Lenon Joel Pela Paz, entidade que oferece cursos gratuitos a crianças e adolescentes de seis a 17 anos de idade. As atividades envolvem esportes, cultura e lazer. Fundada há 10 anos, a ONG atende mais de 200 jovens moradores dos bairros Vicentina e São Miguel. Paulo Gomes da Silva é professor de Diovana e coordena as aulas de teclado, violão e baixo.
Ele elogia o interesse da aluna: “Ela é iniciante ainda, mas tem muita vontade de aprender. É bem carismática, se dá bem com todos os colegas”, relata. Segundo o professor, a atividade musical mudou a rotina de muitas crianças e adolescentes.“É muito gratificante ver o interesse deles e perceber como os projetos culturais os transformam”, coloca. Para Débora, o trabalho da entidade dentro do bairro foi muito positivo. “A ONG fez com que muitas crian-
ças saíssem da rua para participar dos cursos. Hoje, elas possuem uma formação melhor por causa desse trabalho”, aponta. As aulas de música são semanais e ocorrem sempre nas quartas e quintas-feiras. Ao todo, Silva atende 40 crianças, que são separadas por níveis.“Temos muitos jovens na fila de espera, pois nossas salas estão lotadas”, conta. Os instrumentos são doados para a instituição e emprestados aos alunos. Algumas pesquisas realizadas em vários países ao longo dos anos apontaram a importância do ensino de música na formação de uma criança. Para a psicóloga Vera Pessagno Bréscia, a musicalização estimula a criatividade, sensibilidade, memória e concentração das crianças. Além disso, o contato com a música contribue para o desenvolvimento linguístico, socioafetivo e psicomotor dos pequenos. Sonhadora, Diovana conta que quer fazer algo relacionado à música quando crescer. Incentivo é o que não vai faltar. “Desde que começou a fazer as aulas, notamos que ela mudou. Está bem mais feliz”, comenta Débora. Enquanto ainda amadurece o lado musical, ela segue dando orgulho ao pai e permitindo que a música continue viva na história da família. NICOLE FRITZEN Aniele Cerutti Pereira
Infância feliz Quando a pergunta é o que ela mais gosta de fazer, a resposta é simples e direta: brincar. As bonecas são suas preferidas, mas a caixa de brinquedos também tem espaço para bichos de pelúcia, jogos de montar e uma infinidade de itens que sempre estão prontos para dar asas à imaginação da pequena Isabella Oliveira dos Passos, 3 anos. Moradora do bairro Vicentina, em São Leopoldo, a menina de cabelos crespos, olhar cativante e sorriso largo constrói sua realidade através dos momentos vividos com seus amigos de brinquedo e a diversão em família. Junto com a mãe, a dona de casa Josi Soares de Oliveira, 36 anos, as irmãs Júlia, 8 e Emili, 11 e a sobrinha Jordana, 1 ano e 11 meses, Isabella aproveita seus dias de criança para garantir, mesmo que não tenha consciência ainda, um direito constitucional. Sim, brincar é um direito garantido à criança através do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA). E incentivar esse momento lúdico é a tarefa de sua mãe, Josi.“Estimular minhas filhas e neta a brincar é muito bom. Sempre que dá brinco com elas. A Isabella adora bonecas e espalha todos os brinquedos pelo chão”, conta Josi, que ressalta que a diversão dentro de casa é um espaço de união da família
de incentivar os filhos Cauê Rodrigues Lopes, 8 anos, e Nicollas Rodrigues Lopes, 8 meses, a brincar. “Com o Nicollas tão pequeno brincar é tarefa diária, ainda mais nessa fase de descobertas. O Cauê também brinca com ele. É um momento especial onde a família está junta: eu, meus filhos e meu marido, o Vinicius Geog Lopes”, afirma Patrícia. Dos jogos da infância dos pais aos dias atuais muita coisa mudou. Hoje mais tecnológicas, as crianças se divertem com tablets, celulares Isabella e e jogos de videogame, Jordana se divertem em meio mas a presença dos pais e um momento para aos brinquedos e seus ensinamentos recordar a infância.“Eu ainda fazem a diferença. gostava de jogar bola, a rua era O brincar em família, segundo um lugar de diversão, mas hoje especialistas, é primordial para o nem sempre temos espaços para desenvolvimentodacriança. os filhos brincarem, então o jeito Conforme a professora de é fazer isso dentro de casa.” Psicologia e Pedagogia da UniAssim como Josi, a dona de sinos Melissa Hickmann Müller, casa Patrícia Fagundes Rodrigues, que também tem mestrado em 26 anos, também não abre mão Educação, brincar não é só funda-
mental para o desenvolvimento cognitivo, mas para o desenvolvimento social e afetivo. Além disso, o brincar está relacionado com a possibilidade de criar. “Coisas muito simples do nosso cotidiano e até mesmo aquilo que aparentemente pode não parecer um brinquedo, adquire um caráter lúdico em uma brincadeira. Não é à toa, por exemplo, que muitas vezes os bebês preferem mais as caixas dos brinquedos do que o próprio brinquedo.” Mas para que a brincadeira seja estimulante, a especialista salienta a importância de respeitar o tempo da criança. “Certamente todo o tempo que o pai, a mãe ou o responsável por essa criança tiver disponível para viver esta relação será bem vindo. Mas deve ser um tempo verdadeiro, onde estejam‘inteiros’ nesta relação”, conclui. Denise Morato Amanda de Oliveira
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Paola (à esquerda) costuma ajudar a família na separação do lixo. Já Rayane Larissa passa a manhã e a tarde na escola
Direitos iguais, realidades diferentes Aprender e brincar devem ser as prioridades da criança, mas o disposto na lei não alcança todas as famílias
V
estida com roupa azul e calçando chinelos, Paola Vitória empurrava um carrinho cor-de-rosa levando sua boneca dentro. Era um sábado de céu nublado e a menina de seis anos estava indo ao encontro do irmão e de uma amiga da vizinhança. Hora de brincar. No trajeto de chão batido, no bairro Vicentina, em São Leopoldo, ela tentava desviar as rodinhas dos buracos, mas o bebê insistia em pular para fora da cadeira. Entre uma parada e outra para juntar a boneca, o trio falava sobre escola e as brincadeiras preferidas: pega -pega e esconde-esconde. Das três crianças do grupo, Paola é a única que não frequenta o colégio. “Minha mãe não tem o papel”, tentou explicar. Distante algumas quadras da casa dela, ainda no mesmo bairro, mas em ruas já asfaltadas, outra menina, esta de dez anos, estava tendo uma manhã parecida. Ao lado de alguns amigos, Rayane
Larissa brincava em frente à casa, onde mora com a avó de 60 anos. Aluna do quinto ano, ela tem aulas no turno da tarde e, pela manhã, participa de atividades oferecidas pelo Instituto Lenon Joel pela Paz. A ONG promove ações educativas e recreativas para crianças no contraturno escolar. Foi numa dessas oportunidades que ouviu falar no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “A gente aprendeu sobre os direitos e deveres das crianças”, ela explicou. Rayane sabe que tem direitos e reivindica a todo tempo, especialmente, um deles: o de brincar. Aos finais de semana, e sempre que há tempo livre, ela reúne as primas de faixa etária aproximada na comunidade e elas partem para a brincadeira eleita a favorita: escolinha. Paola não conhece a escolinha. Nem a da brincadeira, nem a de verdade. Para ela, a expressão “eca” nada tem a ver com educação, criança ou direitos. Mal sabe ela que, além de brincar, aprender também é um direito garantido por lei. Enquanto vê os irmãos e vizinhos indo para a escola, fica sem entender, exatamente, por que está de fora desse universo e não vê a
hora de poder participar. A mãe de Paola, que além dela possui outros cinco filhos e os cria sozinha, esclarece o motivo. No dia da matrícula, Maristela Souza dos Santos, de 29 anos, estava no hospital para dar à luz ao caçula, que hoje tem dois meses. “Pedi para minha irmã ir no meu lugar, mas a escola alegou que apenas o pai ou a mãe poderiam fazer a matrícula”, justificou. Mais tarde, já com o filho recém-nascido em casa, Maristela decidiu ir até o colégio para tentar a vaga para Paola. “Eles disseram que não dava mais para fazer e que eu deveria tentar alguma vaga em outra escola, mas aí eu teria que me deslocar para longe, no centro da cidade, e tenho dois filhos pequenos para cuidar, então, decidi deixar pro ano que vem”, disse a mãe, conformada. Brincadeira ou trabalho? Longe da escola, é em meio ao lixo que Paola passa a maior parte do dia e é dele que vem a renda de sua família. A mãe trabalha com separação de resíduos. Com a venda, consegue
tirar de R$100,00 a R$150,00 por quinzena. “Faço isso desde que me conheço por gente”, diz Maristela, que aprendeu o ofício com o pai e já conta com a ajuda de alguns filhos no trabalho. No lugar de lápis e papel, Paola manuseia embalagens plásticas e papelão. Não faltam tarefas em casa: separar os materiais recicláveis e tomar conta dos irmãos mais novos – esse é o dia-a-dia da pequena. Segurar a irmã de um ano e dois meses no colo é uma brincadeira para Paola, como se fosse brincar de boneca, só que de verdade. Troca fralda, troca roupa e dá mamadeira. A mãe encara como uma ajuda, mas, aos olhos da lei, se a função desempenhada pela menina for rotineira, o cenário passa a ser preocupante. “A infância é a época de ouro, é a melhor época para adquirir conhecimento. Um trabalho mecânico pode tirar das crianças essa oportunidade de aquisição de conhecimento”, defende Roberto Padilha Guimarães, auditor fiscal do trabalho. Ainda que não seja a intenção dos responsáveis, Padilha explica que a realização periódica de tarefas domésticas por crianças e
adolescentes no âmbito familiar é considerada trabalho infantil, o que é proibido pela constituição. A participação nos negócios da família também é ilegal. Esse compromisso dos jovens com determinadas atividades acaba comprometendo os direitos previstos pelo ECA, que estabelece como prioridades da criança o aprender e o brincar. Além disso, os impactos psicológicos na criança e no adolescente que trabalham podem reduzir a capacidade de aprendizagem e afetar a forma como se relacionam com os colegas. Uma pesquisa feita pela consultoria Tendências, e apresentada em 2013, aponta que a cada 4 crianças que trabalham, uma é prejudicada no desempenho escolar. Artigo sob artigo, tudo está registrado, em detalhes, nos livros. Livros que Paola desconhece. Distante de seus direitos, a menina se contenta em brincar nos finais de semana e sonhar com o dia em que vai descobrir aquele lugar já conhecido por Rayane: a escola. Joyce Heurich Caren Rodrigues
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Escola, amor e medo Famílias enfrentam contexto violento, desafios de acessibilidade e intervenção do Conselho Tutelar
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odos os dias, depoisda hora do almoço, a estudante Ana Júlia da Silva segue uma rotina de preparativos importantes. Às 12h30, ela precisa estar arrumada e com a mochila pronta para caminhar até a escola. No trajeto, encontra suas quatro primas e, juntas, elas fazem o percurso de segunda a sexta. Aos 15 anos, a jovem sonha em cursar a faculdade de Psicologia. Para chegar ao Ensino Superior, porém, Ana reconhece que há outra trajetória a ser percorrida. É por isso que se dedica intensamente à rotina escolar. “Eu gosto de ir à escola. Adoro a disciplina de Português e faço todos os temas de casa”, afirma a estudante. Entretanto, a relação de afeto com o ambiente de aprendizagem não é unanimidade entre os moradores do Vicentina. A pequena Agata dos Santos, de 4 anos, simula até estar com febre para evitar ir à escolinha. Quem afirma isso é a avó, Alvina dos Santos, de 54 anos.“Sabemos que às vezes as crianças levam chutes e tapas dos colegas, mas mesmo quando ela chora para não ir, eu levo igual. Senão as professoras ameaçam chamar o Conselho Tutelar”, revela. Na opinião de Alvina, crianças da
idade de Agata precisam de liberdade para brincar e não deveriam ter a obrigação de passar horas nas creches. “Acho errado isso de obrigar elas a irem para a escola”, critica, referindo-se à lei sancionada em 2013, que tornou o ensino obrigatório dos 4 aos 17 anos. A família se queixa também da extensa lista de materiais escolares exigida ano após ano. “Chega a dar pena da menina. Com aquelas perninhas, caminhando cheia de cadernos nas costas”, reclama o avô Juraci dos Santos, de 63 anos. Mas nem por isso a educação é subestimada na casa. Também neto de Alvina, Mar-
situação é outra. Eric, de 10 anos, adora ir para a escola. Mas os pais, Luiz, 33 anos, e Andreia, 35, estão enfrentando um desafio. É que o filho foi atropelado por um caminhão dentro do Ana Júlia quer estudar bairro Vicentina e des-de Psicologia na então depende de muletas faculdade para se locomover. “Eu tenho problema de visão, por isso não pude estudar. Mas quero que meus filhos estudem”, afirma Andreia. O problema é que, no acidente, Eric quebrou o fêmur, o que acaba dificultando o deslocamento dele até a escola. Primeiro, o jovem ficou dependente da cadeira de rodas. Quando começou a andar de muletas, sofreu um tombo e ficou, novamente, debilitado. “Agora, as professoras dizem que ele não deve ir à escola, porque não tem nenhuma pessoa lá para ajudar celo dos Santos, 17 anos, concilia ele a ir de um andar para o outro. É a rotina entre o trabalho e o curso perigoso”, reconhece a mãe. de fresador mecânico pelo Serviço Em geral, conforme relatam NacionaldeAprendizagemIndustrial os pais do menino, a relação da (Senai). Aos sábados de manhã, família com a escola é boa. “Nós o jovem estuda. “É para tentar conversamos com as professoras um emprego que pague mais, para saber como o Eric está indo nos né?”, compartilha o avô. estudos”, garantem. O desafio agora Mesmo com a perspectiva é enfrentar o dilema de colocar em de uma formação pelo Senai no risco a saúde física do jovem, em currículo, Juraci ainda tem suas nome de sua evolução intelectual: preocupações em relação ao futuro um reflexo da falta de assistência e de Marcelo. “Hoje eles pedem se- acessibilidade. Por enquanto, Eric gundo grau completo em qualquer segue indo para a escola – mesmo emprego. Mas só tem vaga mes- sem receber ajuda no local. mo para caixa de supermercado Rafaela Dilly Kich ou açougueiro”, reclama. Eduarda Moraes Já na casa dos Fortunato, a
Escola é obrigação Uma alteração feita na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), por meio da Lei nº 12.796 de 2013, estabelece que é responsabilidade dos pais matricularem as crianças na Educação Infantil a partir dos 4 anos e garantir sua permanência na escola até os 17. A pena para quem descumprir essa regra é de multa ou prisão por 15 dias a um mês. Muitas vezes, porém, os pais encontram dificuldades para conseguir vagas. A orientação é que os responsáveis procurem a vaga com antecedência, quando o filho tiver 3 anos. A capacidade de acolhimento de todas as crianças, conforme a lei, é de responsabilidade dos gestores públicos, sob pena de crime de responsabilidade, no caso de negligência em sua implementação. Escola e Bolsa Família Para as famílias que usufruem do Programa Bolsa Família, matricular os filhos na escola é uma exigência para receber o benefício. A frequência escolar deve ser de, no mínimo, 85% da carga horária mensal, sob pena de exclusão do programa. Mensalmente, o fiscal do Bolsa Família vai à escola, registra a frequência do filho que recebe o benefício e informa ao Governo Federal.
Reforço escolar no bairro Não é tarefa fácil encontrar quem dê reforço escolar no Vicentina. Quando os filhos enfrentam dificuldades na escola, muitos pais não sabem que atitude tomar ou a quem recorrer para ajudá-los. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional pede que a jornada escolar no ensino fundamental seja progressivamente ampliada, com atividades no contra turno, por exemplo. No entanto, nem todas as escolas dispõem desse recurso, obrigando familiares a buscarem outras alternativas. Ao serem perguntados sobre o que faziam quando iam mal na escola, os amigos Cauê (8), Edimilson (13) e Jonathan (13), calaram-se. A resposta veio em forma de silêncio, e um olhar de dúvida estampava os seus rostos. Jonathan dos
Santos, aluno da Escola Municipal Paulo Beck, do bairro São Miguel, com um sorriso travesso, foi o primeiro a se manifestar; confessou que, na hora do sufoco, chama a irmã mais velha. Já Edimilson, da Municipal Castro Alves, diz que, no aperto, já teve que ficar na escola no turno inverso. Mas o assunto não os preocupava naquele momento, e a conversa não durou muito – a rua, molhada da chuva, os chamava para brincar. Após algumas voltas pelo bairro, uma moradora relatou que uma menina já havia dado aulas de reforço para o seu filho, e indicou o caminho para encontrá-la. O nome dela era Sabrina dos Reis. A jovem, de 22 anos, estudara Magistério e fez estágio em algumas escolas, mas não chegou a se formar.
No último ano de curso, relata, era preciso fazer um estágio: “eu fiz um plano de aula para pegar uma turma de 3º ano, aí no dia que iam começar as aulas, Então estudante me colocaram para de Magistério, dar aula para um Sabrina dava aulas 5º ano, e eu não de reforço como tinha nada prepa- uma forma de atua na indústria rado. Eu já estava complementar a renda ZP Arte, instalada cansada, porque no bairro. fazia quatro anos e meio que Já a psicopedagoga Sabrina estudava à tarde e trabalhava em Rosa do Amaral (36), que ainda escolinhas de manhã”, lembra. é orientadora e supervisora, Nessa época, as aulas de reforço atua, entre outros projetos, na escolar complementavam a Escola Municipal Rui Barbosa, renda, mas o mais gratificante do bairro Vicentina. A escola era saber que um aluno tinha oferece reforço no contra turno bom rendimento, “eu não fui lá aos alunos que têm dificuldades e fiquei parada, eu fiz alguma – normalmente, relacionadas à coisa por ele”, orgulha-se. Hoje, alfabetização e à matemática. Sabrina não leciona mais por De acordo com ela, além de falta de tempo, mas estuda lidar com famílias, muitas vezes, Recursos Humanos, área onde ausentes, o maior desafio é
enfrentar a má administração dos recursos públicos: “A nível de município, Estado e Brasil, o que a gente tem visto é essa dificuldade da aplicação dos recursos que vem para a educação, na educação. Não são aplicadas as verbas devidas. Por consequência, a gente tem toda uma desvalorização, um desgaste. Há todo um trabalho com o qual as famílias também devem colaborar”, sinaliza. VICTORIA SILVA Tamires Trescastro
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Vanessa exibe pedido de inscrição de Camille para ensino regular
Mãe ensina filha em casa após matrícula ser negada Vanessa não consegue vaga para sua filha na escola e decide alfabetizá-la em casa
“E
u sei escrever o meu nome”, diz Camille, de cinco anos, moradora do Vicentina. Ela já consegue escrever e está aprendendo a ler com a ajuda de sua mãe, Vanessa Viviane Azevedo. Como a pequena não pode frequentar o ensino escolar regular devido à falta de vagas na Escola Municipal Rui Barbosa, a mãe decidiu ensinar a filha em casa para não atrasar os estudos. Em janeiro deste ano, Vanessa foi à Escola Municipal Rui Barbosa para inscrever a pequena no primeiro ano. Apesar de terem informado anteriormente que a vaga da criança era garantida, a mãe recebeu a notícia de que não haveria possibilidade de Camille ingressar na escola: “Foi um absurdo. Todos os dias, agora, minha filha pergunta: ‘Hoje vou para a escola, mãe?’”, lamenta Vanessa. Ela se preocupa com o futuro de Camille, por isso, optou por ensiná-la atividades como
leitura, escrita, pintura, entre outras atividades escolares. “Eu não quero deixar a minha filha para trás, por isso, ajudo
como posso em casa. Não sei muito, mas ensino as cores, a escrever o nome”, conta. A família achava que a menina
Aprendendo a escrever Junte as sílabas e forme palavras:
frequentaria as aulas regulares do colégio. Desse modo, adquiriram materiais escolares especiais para o primeiro ano: “Compramos de tudo: cartolina, canetas coloridas, mochila”, relata Vanessa. No entanto, ela utiliza os materiais para o aprendizado em casa: “Eu pego as folhas, lápis de cor e cartolina para pintar, desenhar e escrever”, relata Camille. O ensino domiciliar, todavia, é considerado ilegal no Brasil desde 2013. Para o Ministério Público, o Estado deve oferecer a escola formal como a única opção de ensino, sendo direito da criança e adolescente. Inclusive, na época, um casal mineiro foi acusado de abandono intelectual por estar educando os filhos em casa. Embora o ensino em casa seja considerado fora da lei, Vanessa se viu sem opções, já que não há ofertas de vagas na escola formal: “Eu fui à escola, à Secretaria Municipal de Educação de São Leopoldo, reclamei, xinguei. Mas agora não há mais o que eu possa fazer”, desabafa. Além deVanessa,outrascrianças não puderam ser matriculadas devido à falta de liberação de vagas. Nilva Machado, mãe de Artur, de cinco anos, também moradora do Vicentina, relata
que muitas mães dormiram em frente à Escola para conseguir fichas de inscrição: “Como eu trabalho à noite, chamei alguém para ficar lá por mim, mas disseram que havia muitas pessoas dormindo no local”, ressalta Nilva. Vanessa ainda acrescenta: “Eu vi brigas entre as mães por causa das fichas”. Há cerca de três anos, tornouse obrigatório o ensino entre 4 e 17 anos. Segundo o portal do MEC, os pais são responsáveis por colocar as crianças na educação infantil e garantir sua permanência até os 17. Aos municípios e Estados, conferem-lhes o dever de garantir a inclusão dessas crianças na escola pública. Em abril, a SMED e a Escola Municipal Rui Barbosa prometeram dar uma resposta para as reivindicações das mães das crianças em relação às vagas na escola pública. Muitas clamam por um estudo formal, mas Vanessa está indo além: “Faço meu papel de mãe. Por isso, sento com ela para ajudar no que posso”. O sorriso no rosto de Camille ao escrever o seu nome é ímpar – e o orgulho da mãe também. ANA PAULA ZANDONÁ Jéssica Martins
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Ler também é um esporte Crianças destacam o gosto pelos livros e o incentivo das escolas
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ra sábado pela manhã e Gabriela Vitória Rodrigues Neves assistia televisão quando teve seu momento de lazer interrompido por um repórter, que desejava saber mais sobre seu gosto por leitura. Caminhando lentamente, a menina, de oito anos, se aproximou com um sorriso tímido no rosto. Momentos antes, sua mãe, Sara Roberta Rodrigues, havia dito que a filha adorava ler. Gabriela é uma das crianças do bairro Vicentina que vai na contramão das estatísticas no Brasil e tenta fazer a sua parte para que o país venha a melhorar a colocação no ranking mundial. Segundo o índice de leitura per capita, divulgado em 2015, a população brasileira lê em média 1,7 livro por ano, número considerado baixo se comparado à média de outros países. Estudante do terceiro ano do Ensino Fundamental, ela conta que, a partir do momento em que leu seu primeiro livro, passou a ler outros títulos por vontade própria, sem esperar que a escola a convidasse a
visitar a biblioteca para retirar alguma obra. Gabriela não tem um livro favorito, mas diz que gosta bastante de “A Bela Adormecida” e “aquele do Chapeleiro Maluco”, fazendo referência ao clássico “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll. Ainda que não tenha precisado de muitos incentivos para se tornar uma leitora voraz, a menina reconhece o esforço do colégio onde estuda para fomentar a leitura entre os colegas. Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Paulo Beck, localizada num bairro vizinho, os professores procuram aproximar os alunos da biblioteca e contadores de histórias das salas de aula. “Até uma autora de livros já foi lá”, conta Gabriela, lembrando-se da visita da escritora carioca Anna Claudia Ramos à escola. A diretora do colégio, Valéria Lima, conta que os estudantes das séries iniciais são os que mais procuram o espaço reservado aos livros, que abriga mais de 670 títulos, todos à disposição dos alunos. A leitura é essencial para a construção da personalidade da criança como ser humano e para o seu desenvolvimento racional. O psicólogo e pesquisador norte-americano,
Bruno Bettelheim (1903-1990), afirmava que a partir do contato com um texto literário, a criança consegue desenvolver o potencial crítico e reflexivo, além de ser capaz de, indagar, questionar, articular e reformular seu pensamento. Quadrinhos e games podem ser o primeiro passo Ainda no bairro Vicentina, o repórter se depara com outras duas meninas: Maria Eduarda Azevedo e Elisama Vitória. Ambas com oito anos de idade e estudantes do terceiro ano da EMEF. Rui Barbosa, as meninas relataram que gostam de ler, mas que não recordavam nenhum título de livro específico. A pre ferência da dupla, de modo geral, é pelos gibis da Turma da Mônica, Chico Bento, Moranguinho e Princesinha Sofia. “Os livros são tri”, diz Maria Eduarda ao ser perguntada por que gosta de ler. Enquanto os quadrinhos foram os responsáveis por despertar o interesse pela leitura entre as meninas, um jogo colocou Arthur Flôres em contato com os livros. Aos nove anos, ele confessa que não gosta muito de ler.
Gabriela Vitória (à esquerda) prefere os contos de fadas. Já Maria Eduarda gosta de ler gibis
“Li um livro chamado O Diário de um Zumbi, mas foi mais por causa do “Minecraft” do que por vontade de ler”, revela o menino, referindo-se ao seu game favorito. A irmã Nicoli Flôres, de 16 anos, é Arthur virado do avesso. A adolescente diz que aprendeu a ler aos quatro anos de idade e, hoje, lê, em média, um livro por mês. Apesar do irmão caçula não ter adquirido o mesmo gosto
pelos livros, ela conta que em casa não faltam exemplos. “Minha mãe lê até bula de remédio”, brinca a jovem. Não à toa, Nicoli decidiu cursar Magistério no Instituto Estadual de Educação Professor Pedro Schneider, vislumbrando atuar como professora e tentar passar adiante o prazer que é ler um livro. Matheus Freitas Felipe Machado
Aprendendo as palavras Pinte o nome das figuras:
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Quando a brincadeira se transforma em agressão O bullying é uma prática recorrente nas escolas e pode afetar diretamente o desenvolvimento das crianças
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rincadeiras dos mais variados tipos são consideradas normais no universo escolar. Uma piadinha para cá, um apelido para lá, e o que alguns jovens chamam de“zoeira” vai ganhando espaço e sendo naturalizado, lentamente, no dia a dia de crianças e adolescentes. À primeira vista, tudo parece sob controle, mas nem sempre está. Alguns desses casos podem gerar danos graves no desenvolvimento do jovem, seja ele o agredido ou o agressor. No caso da estudante Vitória Correa Peres, de 15 anos, moradora do bairro Vicentina, o que começou parecendo uma brincadeira acabou passando dos limites. Ela relata ter sido vítima de bullying durante alguns anos quando era mais nova. “As piadas eram sobre ser gordinha, baixinha e dentuça, mas normalmente eu tentava encarar como se fosse uma brincadeira”, desabafa. O bullying caracteriza-se por um conjunto de atos violentos, sejam eles físicos, ou psicológicos, praticados contra uma pessoa ou um grupo. Tais atitudes são intencionais e têm como objetivo intimidar ou humilhar a vítima perante os demais. Normalmente, os principais alvos são crianças e jovens que possuem algum tipo de característica física ou psicológica que se destaca. Embora a estudante afirme que as ofensas não tenham afetado diretamente o seu aprendizado, a dor de ser zombada pelos colegas não foi totalmente ignorada. “Com certeza me incomodava. Eu pensava, por que fazer isso? Se fosse com eles, não iriam gostar. Eram sempre dois ou três que faziam este tipo de brincadeira. Os que se achavam melhores do que os outros”, conclui Vitória. A mestre em Psicologia Clínica, especialista em Psicoterapia Infantil e Adolescente e professora do curso de Psicologia da Unisinos, Bibiana Godoi Malgarim, explica que o bullying pode causar as mais diversas consequências em uma pessoa. “Isso pode variar dependendo dos recursos emocionais e de interpretação que o jovem possui. O mais comum é que desenvolvam características depressivas, retraimento e ansiedade. Po-
Vitória, 15 anos, superou o bullying com a ajuda dos pais
rém, existem diversos tipos de expressão desse sofrimento”, esclarece a especialista. Grande parte das crianças que sofrem este tipo de agressão se sente excluída pelo meio onde vive. Seja na rua, na escola, no parque, na pracinha ou até mesmo em casa, o jovem tem a autoestima prejudicada e acaba se sentindo inferior aos que estão na posição de agressores. Papel dos pais Os pais têm papel fundamental no diagnóstico de uma criança ou adolescente que possa estar sofrendo bullying. Malgarim relata que é importante que eles estejam atentosparaalgumtipodemudança de comportamento em seu filho. Para isso, é preciso que os pais dediquem tempo para que haja um diálogo com as crianças sobre o ambiente escolar e o relacionamento com os colegas. Isso vale tanto para casos em que o filho é agredido, quanto para casos em que o filho é o agressor. Esse acompanhamento de perto por parte dos pais de Vi-
tória foi essencial para que ela pudesse superar o problema. Sua mãe, Rejane Correa Peres, de 47 anos, conta que percebeu uma alteração comportamental na filha. “Foi quando ela tinha sete anos. Ela começou a chegar em casa muito triste, chorando e se sentindo magoada com alguns coleguinhas de escola”, lembra. Rejane sempre esteve aberta ao diálogo e procurava conversar com a filha a respeito dos desafios no colégio. Assim, foi possível diagnosticar a situação e encaminhar uma saída. “Por meio de muita conversa, minha filha foi entendendo que as pessoas são diferentes umas das outras. Não importa o que os outros pensam, você tem que se gostar da maneira que você é”, recorda. Função da escola A lei n° 13.185, de 2015, tem como objetivo instituir nas escolas e clubes o denominado Programa de Combate à Intimidação Sistêmica. O texto prevê a capacitação de professores e equipes pedagógicas no sen-
tido de prevenir e solucionar o problema do bullying nesses ambientes e orientar pais a identificarem vítimas e agressores. Além disso, o documento estabelece que sejam feitas campanhas educativas e que seja oferecida ajuda psicológica, jurídica e social aos jovens. A pedagoga Rosane Simão, diretora da Escola de Educação Infantil Juad, localizada no bairro Vicentina, coordena um projeto que a instituição realiza junto a crianças e adolescentes no turno inverso. Ela conta que a escola faz um trabalho com os alunos para que esses casos venham a diminuir. “Uma criança é diferente da outra. A gente procura desenvolver os pontos da individualidade de cada criança para que ela seja inserida no grande grupo”, explica. A instituição trabalha sete princípios básicos com os alunos: caráter, mordomia, união, individualidade, autogoverno, semear/colher e a soberania de Deus. Segundo Rosane, os princípios se complementam para a formação da criança. Ela relata que os casos de bullying
não se repetem muito na escola, mas disse lembrar de um específico. “Uma menina chamou a coleguinha de gorda durante uma das aulas. A professora me acionou e eu conversei com as duas meninas, explicando que, independentemente da nossa aparência, somos amados por Deus da mesma forma. Elas acabaram se abraçando e se tornaram amigas depois do ocorrido”, conta. Na opinião de Melgarim, o educador tem diversas formas de colaborar na diminuição das agressões. “Entendo que se inteirar da lei, promover discussões sobre o tema com a finalidade de compreender exatamente o que está explícito e implícito nela, compreender a realidade da escola e dos alunos que a frequentam e promover espaços de conversa e acolhimento são pontos de partida interessantes”, exemplifica. Entretanto, a especialista sustenta que isso não deve ser feito de forma pontual, mas sim, estar inserido na rotina escolar. Lucas Möller KARINA DE FREITAS
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As redes sociais invadem a vida dos jovens O mundo virtual ganha cada vez mais força entre crianças e adolescentes e traz à tona o debate sobre os cuidados on-line
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maioria dos jovens brasileiros usa redes sociais. No Vicentina, é claro, não é diferente. Segundo uma pesquisa da TIC Kids Online Brasil, realizada em julho de 2015, 90% dos adolescentes do País possuem pelo menos um perfil on-line. Isto comprova, sem dúvida, a força que as mídias possuem entre este público. O principal meio de acesso às redes é o smartphone, que em 2015 registrou crescimento de 29% em relação a 2014. Este mesmo movimento pode ser observado dentro do bairro, onde as crianças se mantêm superconectadas, principalmente através de celulares. Desde pequenos, os jovens são acostumados com as novas tecnologias e se deixam seduzir pelas novidades virtuais. Contudo, vale ressaltar que a idade mínima para criar um perfil no Facebook, por exemplo, é 13 anos e, em outras plataformas, 18. Mesmo assim, menores de idade se proliferam nas redes. É o caso de Daniela Rodrigues, 12 anos, que mora no Vicentina há cerca de um ano. Suas plataformas preferidas são o Facebook e o Instagram. “Gosto muito das redes sociais. Adoro postar fotos, conversar por inbox e ver as postagens dos outros”, comenta. Já o WhatsApp, aplicativo de mensagens instantâneas, talvez também estivesse na sua lista, caso seu pai não a proibisse de usar. “Ele diz que isso é frescura”, revela a garota. O pai, Tiago Teixeira, 29 anos, em contrapartida, se mostra preocupado com essa plataforma. “Acho o Whats muito instantâneo, sem falar que rola muita pornografia. No Facebook, tenho como controlar mais o que a Daniela faz on-line”, aponta, ressaltando sua cautela. Ele relembra casos em que adolescentes se mataram por terem sua intimidade exposta e recorda uma situação parecida que aconteceu em sua família. “Já soube de um rapaz que queria namorar minha filha e pediu que ela enviasse fotos íntimas. As meninas são muito ingênuas, não têm noção que isso se espalha e pode acabar
para falar com a família. “Eu trazendo experiências muito ruins, e meu namorado, de 17 anos, acarretando em traumas para decidimos ter apenas conta o resto da vida”, alerta. no Facebook”, explica. Outro cuidado de Tiago é Os perfis são separados, não deixar a filha dormir com o mas, mesmo assim, os dois têm celular. “À noite, ela precisa me acesso livre à conta um do ouentregar o aparelho e me passar tro. “Temos quase os mesmos a senha do Faceamigos na rede, e eu utilizo book. Dessa forma, Tiago mantém os praticamente só pra falar com consigo monitorar olhos bem abertos a minha mãe, que mora longe”, um pouco. Ela é quando o assunto são comenta. “Já ele usa para o muito novinha e as redes sociais de sua trabalho, além de estar semacredito que meu filha, Daniela pre vendo oportunidades nos papel como pai briques de carros”, diz. é educar e ensiOutra utilidade que Carinar as boas práticas na vida na encontrou no Facebook foi real e virtual”, assegura. para os estudos. O professor A punição quando sua de Geografia da escola onde filha Daniela não obedece estuda, o Instituto Estadual não poderia ser outra: “Esses Parque do Trabalhador, possui dias ela não deixou o apareuma página chamada Geogralho em cima da mesa antes fia do Marcos. “Nesse portal, de ir para o quarto, como é o ele posta vídeos, textos, rescombinado, e ficou cinco dias ponde dúvidas. É muito bom sem o celular”, recorda. para os alunos”, opina. Andar com os smartphones nas mãos ou nos bolsos também CUIDADOS é uma prática comum no Vicentina. As postagens não param, A preocupação assim como as notificações, que dos pais, noentanto, trazem curtidas e comentários O amor pelas tem fundamento. nos perfis particulares. mídias sociais é Por se tratarem de As irmãs Vanessa, 12 anos, de família. Vanessa e e Vanusa Lopes, 17 anos, por Vanusa são apaixonadas plataformas que admitem pessoas exemplo, não largam os apapelo WhatsApp, Facebook e Instagram das mais variadas relhos. Facebook, Instagram e idades – e não há, WhatsApp são as plataformas a princípio, filtro -, as crianças preferidas das meninas. Segundo e adolescentes têm acesso a as adolescentes, é quase impostodo o tipo de informação, insível não estar conectado. cluindo conteúdos impróprios “É uma forma de comunicapara menores de idade. ção. Todo mundo está lá, então Inclusive, se alguém mente o podemos falar com todo o pesano de nascimento ao criar uma soal. Temos, inclusive, grupos conta on-line e comete algum da escola, no qual trocamos delito virtual, as consequências informações sobre as matérias podem ser severas, principalmente e conteúdos das disciplinas”, aos genitores. Outro problema exemplifica Vanessa. Já Vanusa de menores no mundo virtucurte páginas de jornais – para al recai sob o velho conselho se informar – e destaca a “São “não fale com estranhos”. Léo da Deprê”, comunidade que Luciara adora Na Internet, a maioria dos compartilha fatos e sátiras diverprincipalmente o mada de Yasmin pais não consegue ter con“Não posso nem Facebook. Já sua filha, tidas sobre o município. Por outro lado, Vanusa faz adicionar meni- de nove meses, gosta de Santos da Silva, trole integral sobre as ações também é ultrali- dos filhos, nem saber quem uma ressalva: “Só considero um nos, ele não deixa”, ver vídeos no Youtube gada nas tecnolo- são as pessoas com quem eles pouco negativo o fato de que, conta a mais nova. Com 20 anos e uma filha gias, mas prefere vídeos. conversam. E é preciso lembrar quando estamos reunidos com “Ela não pode ver o celu- que há muitos cidadãos mal-inoutras pessoas, ninguém sai do de 9 meses, Luciara Santos celular para dialogar com quem da Silva, dona de casa, usa as lar que quer apertar na tela tencionados tanto no mundo está no local”, opina. Aliás, os redes sociais o tempo todo. e pede pra ver desenho no on-line como off-line. Por fim, mas não menos pais das garotas – a mãe de Facebook, Instagram e What- YouTube”,explica a jovem mãe. 41 anos e o pai, 42 – também sApp são as que estão no topo Para Luciara, as crianças estão importante, vale lembrar que da sua lista. “Curto páginas cada vez mais conectadas. “Ela a vida real também pode ser não saem das redes. “A minha mãe não quer mais de frases, de novelas e adoro já sabe mexer em tudo”, insiste a muito divertida. E principalmente cozinhar porque fica o tempo postar tudo”, confessa, enfa- jovem que possui Internet tanto quando falamos de crianças e adolescentes, não há nada que todo no Facebook”, brinca a tizando sua preferência pela em casa, como no celular. Em compensação, há ado- supere a sensação de estar ao adolescente. Quando o assunto rede de Mark Zuckerberg. A propósito, segundo a pes- lescentes que não se deixam ar livre e curtindo os amigos são os cuidados que os pais têm com as garotas, elas explicam quisa da TIC Kids Online Brasil, o levar pela febre de mídias so- fora das telas dos celulares, que, com a mais velha, são um Facebook é a rede mais acessada ciais. Carina da Silva, 15 anos, tablets e computadores. pouco menos rígidos, mas, com pelos jovens brasileiros, com é um exemplo disso. A garoBárbara Bengua Vanessa, que tem apenas 12 69% do total em comparação ta só possui perfil no FaceThomas Graef anos, o pai faz vista grossa. com as demais. Já a bebê, cha- book e revela utilizá-lo mais
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O esporte como aliado das famílias Pais buscam alternativas para garantir atividades extracurriculares aos filhos
PEI Programa Esporte Integral - PEI/ Unisinos
G
abriel Tremarin tem 12 anos, pratica esporte três vezes por semana e dança no CTG Tapera Velha. Nada de extraordinário para um menino dessa idade, exceto pela motivação que levou sua mãe a inscrevê-lo nessas atividades. Manter o filho ocupado foi a saída encontrada por Deise Tremarin, de 41 anos, para não o deixar vulnerável à insegurança do local onde residem - o bairro Vicentina. “Semana passada teve troca de tiros aqui, na esquina da minha casa. Como minha mãe é moradora do bairro há mais de 60 anos, somos uma família respeitada pelos assaltantes. Mesmo assim, isso não diminui nosso medo”, conta a mãe do jovem. Desempregada, Deise cuida sozinha dos dois filhos há cinco anos, desde que o marido saiu de casa. “Hoje sobrevivemos com a renda da minha filha mais velha, que tem 22 anos. A Bruna teve que trancar a faculdade para sustentar a casa”, desabafa. Ela conta que, mesmo diante das dificuldades, nunca deixou de se preocupar com a educação
l Atendimento: 3ª, 4ª, 5ª e 6ª fei-
ra, das 13h30 às 16h30, na AABB São Leopoldo (Rua Cristopher Levalley, 774 - São Borja). l Transporte: ônibus para mora-
dores do bairro Vicentina sai às 13h da EMEF. Paulo Beck. Gabriel pratica esportes em projeto gratuito para crianças e adolescentes
dos filhos. “Dos 8 aos 12 anos, o Gabriel participava do Instituto Lenon Joel pela Paz, onde desenvolvia diversas atividades no contra turno escolar. Por causa da idade, ele teve que sair e aí fui buscar outras alternativas extracurriculares”, explica. Foi então que o filho tomou conhecimento do Programa Esporte Integral (PEI), através de um colega do CTG, no final do ano passado. O estudante do oitavo ano conta que pratica atletismo, futsal e hóquei sobre grama. “Eu gosto muito
de participar. Tem um ônibus que busca a gente aqui no bairro e leva até a AABB (Associação Atlética Banco do Brasil), onde tem o centro esportivo. Como tenho hipertensão, o médico recomendou que eu praticasse esportes. Se não fosse o projeto, eu não teria como fazer”, enfatiza Gabriel. Desenvolvendo potencialidades Com ações voltadas ao atendimento da comunida-
de desde 1988, o Programa de Esporte e Lazer (PEI) acolhe crianças e adolescentes, com idade entre seis e 17 anos, residentes no município de São Leopoldo. O PEI oferece atividades esportivas, recreativas e ligadas à percussão e à dança. Vinculado ao Centro de Cidadania e Ação Social Unisinos (CCIAS), o projeto possui parceria institucional com a Fundação Banco do Brasil, através do Programa Integração AABB Comunidade e da Prefeitura
l Informações e inscrições:
Fone: 3590-8789 Página na internet: facebook/pei-unisinos Municipal de São Leopoldo. Segundo o coordenador executivo, Augusto Dotto, o principal objetivo do PEI é prevenir situações de risco e vulnerabilidade. “Investimos no desenvolvimento de potencialidades, no fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, através de vivências coletivas e individuais por meio da prática do esporte educacional”, esclarece. Bruna Mattana raique ramos
Futuro traçado a partir de uma escolha Em um bairro com mais de 15 mil habitantes, é comum encontrar famílias com diferentes realidades. Apesar de muitos pais tentarem driblar a insegurança e garantir uma infância saudável aos filhos, muitas vezes, o futuro dos pequenos já está condenado a uma escolha: dar seguimento aos estudos ou trabalhar. E essa decisão está atrelada às necessidades de cada família. Em raras ocasiões, é possível conciliar as duas atividades. Josete Souza dos Santos, 40 anos, mora nos fundos da casa de sua mãe. Dos seus quatro filhos, dois ainda estudam. O mais novo, Cauã, de 11 anos, sonha em ser goleiro do Internacional. Na escola gosta das aulas de matemática, mas confessa: “prefiro jogar bola”. Seu irmão
mais velho, Max, de 20 anos, deixou a escola no final do Ensino Fundamental. Desempregado há um mês, o jovem conta que o
salário de R$ 1 mil que ganhava no emprego anterior faz falta. “Se não conseguir outro emprego volto a estudar, mas se conseguir
prefiro trabalhar”, confirma. Na “nova ocupação”, fica localizada a casa de Ari Manoel Pires, de 37 anos, e Lucimara Soares Albuquerque, de 39, pais de quatro filhos. Desses, cinco ainda moram com eles. O mais velho terminou o Ensino Médio, foi morar Apesar das com a namorada e dificuldades, Bianca se esforça para não deu continuimanter seu caderno dade aos estudos. bem cuidado Os demais seguem na escola. Uma das filhas, Bianca, 14 anos, convive com uma leve deficiência mental. A mãe relata que, apesar das dificuldades, ela é muito dedicada aos estudos, faz questão de manter seu caderno sempre bem cuidado e se orgulha disso. Para que a jovem conseguisse frequentar
as aulas normalmente, contudo, a família precisou da ajuda do Conselho Tutelar e da Defensoria Pública. Mas parece que a solução é provisória, pois o colégio só possui turmas até o sexto ano. “Ano que vem, terei que procurar uma nova instituição de ensino e começar tudo de novo”, lamenta Lucimara. Preocupada com o futuro da filha, a mãe teme que a menina não consiga realizar o sonho de ser professora. “Eu sempre oriento meus outros filhos que, no futuro, serão eles que vão ter que ser o apoio da Bianca. Quando a gente bota um filho no mundo, tem que lutar por ele até o fim”, conclui. Jayme Magalhães julia viana
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Transição para a vida adulta Jovens procuram espaço no mercado de trabalho
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transição da juventude para a idade adulta nunca é fácil. Uma das marcas dessa passagem é a capacidade e a necessidade de se sustentar sozinho. O primeiro, segundo ou até terceiro emprego é causa de empolgação e preocupação no Vicentina. Empolgação define os pensamentos de Júnior Azevedo, 16 anos. O jovem é aluno do ensino médio, e participa do Senai, há um semestre, no curso de mecânica de usinagem. Ele conta que começou o curso “para não ficar parado”. A experiência tem sido boa até o momento e Júnior aprendeu bastante, principalmente no estágio que fez nas férias escolares na Gedore. A matemática, matéria na qual ele sempre se deu bem na escola, ajudou na escolha do curso profissionalizante, entretanto, não é com a mecânica que Júnior sonha. Ainda que ele não queira abandonar o curso, pretende encerrá-lo no ensino médio, completando os dois de duração e, após, quer realizar o seu sonho: fazer faculdade de Educação Física. “A ideia surgiu quando eu comecei a fazer academia há uns três anos”, revela. Desde então, vem levando cada vez mais a sério essa escolha. Caso não siga na área, pensa em talvez cursar Engenharia Mecânica, que
é mais próxima do que ele faz atualmente. Indagado no que pretende trabalhar, ele responde: “Gostaria de ser um educador. Trabalhar no ensino médio, de preferência. Ser personal trainer também seria bom”. Quando perguntado o motivo a escolha, ele responde, com um sorriso:“Gosto de trabalhar com pessoas”. Ultimamente, não existem muitos sorrisos na vida de Indiara Otero Fagundes, 20 anos. A jovem, que mora em uma casa na ocupação Cerâmica Anita, no
A hora da entrevista não tem experiência 1sobreQuem profissional pode sempre falar qualidades como trabalho em equipe, boa comunicação ou facilidade com algum tipo de atividade.
Conhecer como funciona 2 o lugar em que se quer trabalhar e o que esperam dos funcionários.
Nunca mentir. Os 3 entrevistadores são treinados para perceber mentiras. Ir vestido com algo compatível 4 com o ambiente de trabalho. Ser sempre gentil e 5 educado com todas as pessoas.
Vicentina, está desempregada há quatro meses. Indiara estudou até a 6ª série e tem uma filha de 3 anos, Yasmim Vitória. Já trabalhou em vários lugares, como lancherias de fast food, em mercados, como atendente em restaurante e, no seu último emprego, uma vaga temporária em uma loja de roupas. “Tá difícil. Eu largo currículo, eles dizem que vão ligar de volta e nunca ligam”, desabafa. E quando ligam e marcam entrevista, normalmente as coisas não passam desse ponto. Morando sozinha com a filha, sem ajuda de parentes e sem condições de pagar aluguel, pois sua única renda vem do Bolsa Família que ela Indiara e Júnior recebe, Indiara teve que se Azevedo vivem mudar. Desde então, vive realidades diferentes na ocupação e se sustenta em relação ao futuro como pode. Ela ainda é jovem e tem esperança que as coisas melhorem, mas enquanto isso não acontece, continua na procura, enviando currículos e indo no Sistema Nacional de Empregos (Sine) na busca de colocação no mercado. O Sine de São Leopoldo fica no Centro, na rua Independência, 490. O fone é 9553-7501.Vagas também podem ser encontradas no site: http://www.sine.com.br. Cursos técnicos para jovens podem ser encontrados em programas como Senai, Senac e Pronatec. Gabriel Machado Pureza Lidiane Menezes
Maternidade compartilhada Ainda que a oferta de instituições de ensino infantil tenha aumentado nos últimos anos no Vicentina, uma prática de tempos antigos segue existindo no bairro: a função de cuidadora de crianças. A dona de casa Jecilda Lourenço, 42 anos, por exemplo, estima ter cuidado, em sua própria residência, de aproximadamente 300 crianças desde que começou a prestar esse serviço à comunidade, há cerca de 15 anos. Moradora do bairro há mais de vinte anos, a ideia de cuidar de bebês e crianças da vizinhança, segundo Jecilda, surgiu como uma alternativa de companhia para seu primeiro filho, Eduardo, hoje com 21 anos (seu irmão, Henrique, atualmente tem 10 anos).Também contribuiu para a decisão, o fato de o seu marido trabalhar fora em horário comercial, o que acabava gerando nela uma sensação de solidão.
Além disso, Jecilda argumenta que ‘cuidar das crianças acaba complementando a renda familiar’. Apesar de já ter atendido até 6 crianças ao mesmo tempo, desde recém-nascidos a crianças de 13 anos, Jecilda recebe em sua casa
hoje apenas um bebê de 1 ano e 6 meses.Filhadeumavizinha,amenina chamada Andrieli permanece na casa da cuidadora pelas manhãs e tardes de segunda a sexta-feira. Para isso, além do pagamento de um valor mensal previamente com-
Jecilda faz da sua casa um local de aprendizado às crianças
binado pelo serviço, Jecilda lembra que as despesas de alimentação com a criança também são pagas pelos pais de Andrieli. Além da jovem, ela espera receber uma nova criança em sua casa nas próximas semanas, dando sequência ao trabalho que vem prestando à comunidadehátantotempo. Ainda de acordo com Jecilda, o que leva as pessoas a procurarem o seu trabalho é a confiança que os pais tem no cuidado individualizado que ela tem a oferecer. Diferentemente das creches e escolas infantis, que tem um grande número de crianças para atender ao mesmo tempo, e, portanto, não conseguem prestar toda a atenção e cuidado demandada por elas. Por outro lado, instituições que oferecem um serviço mais personalizado como creches particulares, por exemplo, estão localizadas em bairros distantes do Vicentina e cobram valores
muitomaisaltospeloserviço. Acostumada a acompanhar o crescimento das crianças no bairro há tantos anos, Jecilda faz uma ponderação em relação ao período de licença-maternidade concedido por lei, considerado por ela inadequado. “Justamente quando a criança está ‘trocando o chip’, absorvendo o máximo de informações ao seu redor, ela tem que deixar a mãe de lado e passar para os cuidados de uma babá, creche ou instituição, prejudicando o aprendizado’, salienta. Ela garante, contudo,queoslaçoscriadosdurante o período em que as crianças ficam aos seus cuidados permanecem ao longo do tempo, mesmo quando elas já não estejam sob sua tutela, resultando numa relação de proximidade mesmo à distância. CAUBI SCARPATO ERIC MACHADO DE FREITAS
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A escolha pela família Quatro jovens, uma história em comum: a opção pelos filhos
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m uma casa simples de frente para o arroio que separa os bairrosVicentinaeSãoMiguel mora Marlise Machado, de 18 anos. A moça decidiu sair de casa aos 14 anos para se casar. Certa de sua escolha, não teve o apoio da mãe. “Ela me deu uma surra, não queria que eu saísse de casa. Achava que era cedo. Mas aí mesmo que eu quis sair”, conta. Depois de quatro anos, a relação das duas melhorou e hoje elas convivem tranquilamente. Atualmente ela vive junto com João Claudio Mar, 32, trabalhador da coleta seletiva do bairro com quem tem uma filha, Mariele Machado da Silva. Claudio apoia o desejo da moça de voltar para a escola, mas quer que ela espere um pouco mais, até a filha do casal completar um ano. Quando indagada sobre a opção de engravidar, Mariele expõe: “Minhas amigas todas têm filhos e eu sempre quis ter também”. Perto dali, caminhando com a filha nos braços, Luciara Santos, 20, ia até o mercado buscar ingredientes para o almoço. Natural de Sobradinho, a menina resolveu largar os estudos e sair de casa logo depois de
iniciar um relacionamento com o atual esposo, Fabiano Pereira, de 30 anos. Conforme ela lembra, mais de um ano se passou até ela conseguir engravidar, aos 18 anos. “Sempre foi uma vontade nossa ter filhos, eu não me arrependo ”, ressalta. Agora, a jovem passa os dias em casa cuidando da filha, Yasmin Santos da Silva. “Hoje tenho vontade de estudar, antes eu não queria voltar à escola
nem trabalhar”, pondera. Algumas casas à frente, um som alto se ouvia: era funk. Carregando a caixa de som para a varanda, Liliane Souza Quella, 23, talvez seja uma das poucas donas de casa que sinta falta da época em que era solteira e não tinha filhos. Liliane conheceu seu marido, Marcelo Lemos, 35, quando tinha 16 anos. Por pressão dele e de seus pais, aceitou casar. “Eu me arrependo de ter casa-
do e engravidado cedo, agora eu não posso trabalhar e tenho que ficar em casa só cuidando das crianças”, constata. Mas ela não se arrepende de ter dado à luz Eloi Quella Lemos e Mery Tereza Quella Lemos, pois os considera as coisas mais importante na sua vida. Liliane planejou a gravidez contra a sua própria vontade. “Engravidei por um motivo: chantagem emocional da mãe e do mari-
do. Ele disse que ia me deixar e arranjar outra se eu não desse filhos para ele”, explica. Diferentemente das histórias anteriores, o casal Andressa Oliveira, 23 e Junior Lima, 24, decidiu casar e ter filhos apenas depois de namorar e noivar. Lima faz parte da Igreja há oito anos e lá conheceu sua esposa.“Nós namoramos, noivamos e casamos, tudo certinho como manda a Bíblia”, salientam Andressa e Lima. Agora o casal tem uma filha, Emanuelle de Lima, 3, que já segue os passos dos pais. Frequenta os cultos e o grupo para crianças, e conta, timidamente, que gosta muito. Lima e Andressa esperam que“ela cresça e venha a agradecer a vida dela ao lado de Deus”. Marlise, Liliane, Andressa e Luciara carregam uma coisa em comum: a escolha pela família. Hoje elas são mães, Marlise cuidam de suas casas mostra com e vivem a vida que orgulho a filha que escolheram para si ao teve aos 17anos lado de seus esposos. Todas fizeram essa opção ainda na fase de transição para a vida adulta, indo na contramão das tendências da atual formação familiar brasileira, em que as mulheres casam e têm filhos mais tardiamente. David Farias Gustavo Bauer
A troca dos livros pela maternidade Estudar, casar, ter filhos. Aparentemente, essa ordem é tão natural quanto nascer, crescer e se reproduzir. Mas não é esse o caminho percorrido por todos, como demonstram as jovens Taís, de 17 anos, Keila, 18, e Tainá Caroline Rodrigues de Oliveira, 19. Todas tiveram filhos ainda na adolescência, sem nenhuma surpresa: os bebês já eram esperados com ansiedade e amor. Taís já tem dois filhos: Amanda, de 2 anos, e David, com 9 meses. Os dois vieram após o casamento e antes que a jovem completasse o Ensino Fundamental. Ela parou de estudar no 7° ano. Hoje, Taís dedica-se a cuidar da casa e das crianças. Amanda nasceu prematura, com sete meses de gestação, e foi diagnosticada com hemangioma nos primeiros dias de vida. Trata-se de uma doença que afeta principalmente bebês prematuros. São marcas de nascença que, por causa da má formação dos vasos
sanguíneos, tornam-se manchas arroxeadas que crescem à medida que a criança envelhece. Amanda agora espera a perícia para conseguir uma cirurgia. Até lá, Desde que Taís prefere ficar em descobriu a casa cuidando dela gravidez, Tainá e de seu irmão. “Eu dedica-se a cuidar fico para cuidar dela de Alice em tempo por causa do rostinho. integral Como ela não vai para a creche, o David também fica com a gente”, diz. Tainá está casada há três anos e dessa união nasceu Alice, de 1 ano e 9 meses. A mãe cursava o 6° ano do Ensino Fundamen- filho, Calebe, que nascerá em abril. tal quando descobriu a gravi- A jovem também trocou os estudos dez e largou os estudos. no 6° ano do Ensino Fundamental Hoje, a jovem está à procura de pela vida doméstica. Ela já haum emprego, mas sabe que não via sofrido um aborto há pouco será fácil por causa da sua baixa mais de um ano e agora aguarda escolaridade. Por isso, pretende seu bebê ansiosamente. voltar aos estudos, desde que seja Sobre o futuro, a menina se à noite, para poder trabalhar e mostra insegura e com olhar ficar mais tempo com Alice. distante. “A gente se acostuma Já Keila ainda espera o primeiro a viver sem pensar no amanhã,
um dia de cada vez”, relata a jovem. Entre tantas incertezas, uma certeza: a de que Calebe é esperado com muito amor. Todas as meninas realizaram em seus bebês o sonho de ser mãe, que veio muito cedo, ainda no início da adolescência. Seus esposos partilhavam do mesmo sentimento e desejavam que os filhos viessem logo. Quando isso aconteceu, as
crianças tornaram-se a alegria de seus pais, tios e avós, que dão apoio e suporte aos jovens casais nos cuidados com os pequenos. A vida no bairro Vicentina, porém, não tem sido fácil para nenhuma das três famílias. O esposo de Taís vive de bicos, normalmente como auxiliar de pedreiro. O esposo de Tainá tem emprego fixo, é operário em uma indústria de plásticos. E o companheiro de Keila é catador de papelão. Mesmo com toda a dificuldade financeira, as crianças crescem com muito amor e as mães seguem convictas de que fizeram a escolha certa. “Ela é tudo para nós”, diz Tainá sobre a pequena Alice. As jovens mamães agora preocupam-se com o término dos estudos e a busca pelo primeiro emprego, sonhando em dar uma vida melhor para seus filhos ao lado de seus maridos. Pâmella Atkinson da Silva Maria Júlia Pozzobon
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Das bonecas às fraldas: os desafios da gravidez precoce Adolescentes do bairro Vicentina contam suas histórias de vida e expectativas para o futuro
morarjuntosemumapacatacasinha próxima à família dela. Quando questionada sobre o enxoval do bebê, Luana responde triste. “Eu não ganhei quase nada. Não tenho berço e quase nada de roupinhas. Também ainda não sei o sexo do bebê.Eleestádecostas”,revela. Apesar de não ter usado nenhum tipo de prevenção contra a gravidez, Luana tem feito o pré-natal corretamente. Quando questionada sobre o futuro, se perde na resposta. “Eu não sei dizer como vai ser daqui pra frente e quando o neném nascer. Eu e meu namorado não terminamos o Ensino Fundamental, ele tem mais um filho que mora conosco e nós sabemos que não é e não vai ser fácil conseguir emprego. O que precisamos agora é fazer o nosso melhor todo dia para criarmos nosso filho do melhor jeito possível”, encerra ela.
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ra uma vez uma bela princesa que vivia em um reino distante. A vida dela e de sua família, porém, nunca foi das mais fáceis. Eles sempre tiveram que driblar dificuldades financeiras em busca de um futuro melhor. O nome dela é Luana Daniele Santos de Souza, tem 14 anos e é moradora do bairro Vicentina. Filha mais velha da família, a princesa divide seu lar com mais quatro irmãos pequenos, o que sempre impediu sua mãe de trabalhar fora. Mas sua vida mudou realmente quando ela descobriu que estava à espera de seu primeiro filho. Grávida de 7 meses, Luana conta que planejava engravidar, mas que sabia que ainda não era o momento certo. Assim que soube da gestação, Lucas, 25 anos, seu namorado desde 2014, coincidentemente, perdeu seu emprego em um ferro velho do bairro. Luana e o namorado decidiram morar juntos após a descoberta da gravidez e a menina comenta que suas dificuldades financeiras os deixam receosos. “Antes da gravidez, a gente até tinha um dinheirinho, mas parece que quando engravidei tudo ficou ruim do nada”, explica ela. “Agora, meu namorado precisa catar lixo com o meu avô e como tô grávida não consigo trabalhar. O lixo é nossa única renda. Minha família nos ajuda, mas é difícil para eles também”, lamenta. AlexandraSouzaSantos,32anos, mãe de Luana, se mostra muito desapontada com a gravidez da filha. “Achei que, com ela vendo as dificuldades que nós passamos aqui, entenderia que deveria se prevenir. Eu tenho muito medo pelo futurodessebebê”,desabafa. Ela acrescenta, ainda, que costumava levar a menina no posto de saúde para tomar injeção contraceptiva. “No início ela ia tranquilamente, mas desde que começou a namorar este rapaz, começou a enrolar para ir. E, desde então, não tomou mais nada”, explica a futura avó. A mãe de Luana também lembra que a filha já queria ser mãe desde muito cedo.“Desde os 12 anos ela já inventava gravidez psicológica e falava para todo mundo. Fui até chamada na escola por conta disso”, diz Alexandra. Após a descoberta da gravidez, Luana e o namorado decidiram
MATERNIDADE SURPRESA No Bairro Vicentina também moram outras jovens princesas, mas com uma realidade mais dura do que a dos contos de fada. Gabriela Matos da Trindade, de 15 anos, está grávida de quatro meses. A menina está à espera de Vinícius Cauã. Nossa segunda princesa namorava há dois meses quando descobriu a gestação. Apesar da surpresa, Gabriela diz estar muito feliz com a espera.“Posso dizer que estou bem. Eu e meu namorado viemos morar juntos, já tenho muitas roupinhas pro meu bebê, ganhei até berço”, conta ela. Porém, assim como Luana, Gabriela também passa por grandes dificuldades financeiras.“Quando engravidei, meu namorado perdeu o emprego. Ele trabalhava em um posto de reciclagem e agora nossa única renda é o seguro desemprego”, explica. Gabriela torce para que o companheiroconsigaumnovoemprego logo. A menina revela, também, que nunca usou nenhum método contraceptivoequetemmuitomedo do que o futuro lhe reserva. “Eu não tenho certeza de que vou saber cuidar desse bebê sozinha. Minha mãe mora na Vila Duque e minha irmã de 14 anos logo vai ganhar neném também. Ela não vai poder me ajudar como eu gostaria”, afirma. As precárias condições financeiras da família dão à Luana (acima) e sua mãe muito receio sobre o futuro do bebê. Já Gabriela se diz muito feliz com a chegada de Vinícius, apesar do medo em não conseguir cuidar do recém-nascido sozinha
Ser mãe jovem no Brasil Os anseios são comuns entre as jovens futuras mães, princesas que já carregam sobre as costas
o peso da responsabilidade por um novo ser. No Brasil, os números são expressivos. Segundo levantamento do Movimento Todos Pela Educação, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2013, mais de 309 mil mães adolescentes estão fora da escola. A Pnad mostrou que o Brasil tinha 5,2 milhões de meninas de 15 a 17 anos. Dessas, 414.105 tinham pelo menos um filho. Neste grupo, apenas 104.731 estudam. As outras 309.374 estão fora da escola. O índice de gravidez na adolescência diminuiu ao longo dos anos no Brasil e, em contradição, subiu 14 posições, em 20 anos, na lista de 213 países com fecundidade precoce. Hoje, o país está na 49º colocação: são 70 a cada mil meninas entre 15 e 19 anos que deram à luz em 2013, de acordo com a última pesquisa do Banco Mundial. Acima do Brasil, encontram-se, principalmente, países africanos que têm uma cultura permissível ao casamento infantil. O Níger, por exemplo, adota essa tradição e 71% das mulheres se casam antes dos 18 anos. Ele se encontra no topo da lista, com 205 meninas a cada mil de 15 a 19 anos que são mães. Mas e a prevenção? Não se pode ignorar que a experiência de engravidar, ser mãe e criar filhos é única. O não uso de métodos contraceptivos nem sempre significa que as adolescentes não têm conhecimento de sua existência. Conhecê-los e ter habilidades no seu uso são duas coisas distintas. Na maioria das vezes, as meninas têm um pensamento mágico de que a gravidez não acontece com ela, de que transar sem camisinha é prova de amor, de confiança no parceiro e de que o uso de pílulas implicaria no conhecimento dos pais sobre sua vida sexual ativa. Mas nem toda gravidez é um conto de fadas. Atualmente, há diversos métodos contraceptivos à disposição: pílula anticoncepcional, dispositivo intrauterino, contracepção hormonal injetável e camisinha masculina e feminina são apenas alguns. Por isso, é importante se informar e, se necessário, buscar orientação adicional em qualquer posto de saúde sobre métodos preventivos. Michelle Oliveira Ellen Renner
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Saúde é assunto sério Famílias e profissionais da área refletem sobre atual cenário do bairro
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saúde infantil é uma preocupação constante para diferentes pais e profissionais do segmento médico no bairro Vicentina. No local, onde muitos pequenos podem ser vistos correndo e brincando livremente pelos arredores, as famílias assistem atentas a esta frequente interação. Em alguns espaços abertos como quadras e terrenos desocupados, as crianças brincam descalças e têm contato com a terra, muito utilizada para construção de castelinhos de barro, intervençõesdeaspirantes a craques do Ana Júlia de futebol, bem como Souza e o pai, diversos outros jo- Rodrigo Souza, gos que nascem da concordam que saúde imaginação infantil. é prioridade na família Souza, 36 anos, a Neste mesmo saúde dos filhos é cenário, por deficiências na in- uma prioridade, tanto que optou fra-estrutura do bairro, ainda pela cobertura de um plano de podem ser vistas grandes poças saúde que atendesse boa parte de água resultantes da chuva das necessidades de sua família. anterior que tornam-se redu- “O plano é importante para que tos de bactérias e mosquitos, não fiquemos desamparados um perigo que passa desper- e termos acesso a um melhor cebido perante à inocência do atendimento, o que é fundaolhar de uma criança. mental hoje em dia”, salienta. Pai Para o metalúrgico Rodrigo de Ana Júlia de Souza, 7 anos
e Bruno de Souza, 15 anos, Rodrigo relata que os familiares tomam os cuidados básicos em prol do desenvolvimento saudável das crianças. “Minha mãe sempre me leva para tomar vacina quando chega a época. A carteira de vacinação está certinha e não é sempre que fico doente, às vezes só me dá uma gripe”, comenta Ana Júlia, com semblante atento à conversa. A
pequena também conta que, na escola, seus professores orientam sobre os cuidados que as crianças devem tomar para não atrair o mosquito Aedes Aegypti em suas residências. Segundo a médica Lisiane Bitencourt, diretora do núcleo de Atenção Básica da Família, setor integrante da Secretaria Municipal da Saúde de São Leopoldo, a comunidade do
bairro Vicentina conta com diferentes tipos de atendimentos. Esta assistência é prestada pela Unidade Básica de Saúde (UBS) Vicentina e pelo Centro de Apoio Psico Social Infantil (CAPS I). “A UBS da região possui uma cobertura de atendimento para um contingente local de 4 mil pessoas e atualmente conta com uma equipe de saúde da família. O posto também possui um pediatra. Todos se mobilizam para atender as crianças nos períodos corretos de vacinação”, explica a responsável. Lisiane também cita alguns serviços de intervenção prática no bairro, como as visitas dos agentes de saúde que realizam a prevenção e conscientização dos moradores em relação à dengue, Zika Vírus e a febre Chikungunya. Além disso, o projeto Blitz da Saúde, uma iniciativa realizada duas vezes por mês pela secretaria, visa oferecer às comunidades carentes do município alguns dos serviços básicos do Sistema Único de Saúde (SUS). Na Blitz os moradores têm acesso a pesagem do Bolsa Família, testes rápidos e vacina da gripe, orientações com nutricionistas e outros atendimentos que cobrem a demanda infantil local. Aline Santos Bruna Monique
Atendimento odontológico para os pequenos Tentando lidar com a fuga das crianças ao chegar perto da sala odontológica, mães, tias e avós não perdem a esperança em levar os pequenos ao dentista. O consultório é dentro de um ônibus que vai até o Vicentina aos sábados durante quatro meses seguidos por ano. Uma dentista e uma auxiliar ficam das 9h às 12h realizando consultas, avaliações e procedimentos como extração, limpeza e “colocam massinha”, como contam algumas crianças do Projeto Caminhada. Fora do ônibus ficam outros voluntários brincando com a criançada, conversando e administrando o uso nos computadores. A fujona do grupo é Larissa Muniz, 10 anos. Junto com a tia, Marta Martins, foi tentar realizar a primeira consulta no local. “Ela precisa consultar, pois sente muita dor de dente. Tem noites que ela nem consegue dormir”, conta. Enquanto não chegava sua vez, Larissa criava histórias para que não fosse a
consulta. Ao abrir a porta do consultório, enquanto sua tia conversava com a dentista sobre a avaliação, Larissa não hesitou e saiu correndo. A moça foi encontrada em seguida numa fila e se explicou. “Tenho muito medo de ir ao dentista”. As consultas acontecem desde 2013. Todo o material utilizado vem de doações ou rifas. As dentistas se revezam entre oito doutoras e quatro assistentes, cada Douglas Rafael dupla em um fim realiza as de semana. Muitas consultas desde o das crianças não início do atendimento têm o hábito de ir no Vicentina A moça vai às ao dentista. Algumas consultas com só vão nas consultas oferecidas sua mãe, que aproveita para pelo grupo. Outras revezam as conversar com as vizinhas que consultas oferecidas pelo pro- acompanham os filhos enquanto jeto com agendamentos no sua filha brinca. Ela conta que posto do bairro. Este é o caso faz as consultas pelo projeto e da Anelise Lucas, 10 anos, que no posto para agilizar todo o colocará aparelho ortodôntico, processo. “Estamos ao lado de mas antes realiza as consultas casa, temos é que aproveitar”, alternando entre o posto e o diz. Quem também acompanha consultório do ônibus. o filho no local é Amelina Ma-
acompanhadas dos pais nas consultas. Dienifer Amanda, 13 anos, vai acompanhada de sua irmã Mirela, de 5. A jovem não vai com os pais pois sua mãe é cadeirante e seu pai trabalha de manhã. Para realizar as consultas, Dienifer precisou levar um bilhete dos pais a autorizando a realizar os procedimentos, dentre eles, os três dentes já arrancados. Sobre o projeto
chado, mãe do Douglas Rafael, 6 anos. O pequeno utiliza apenas o consultório móvel para cuidar dos dentes. Ao ser chamado, Rafa entra sorridente no consultório já conversando com a doutora, que ainda brinca: “esse aqui é nosso conhecido. Foi o nosso primeiro cliente”. O moço conta que gosta muito de ir ao dentista, mas às vezes dói. Nem todas as crianças vão
O projeto Caminhada é promovido por um grupo de amigos, ligados a uma instituição de São Leopoldo, que se voluntariou para levar nas manhãs de sábado brincadeiras, entretenimento e consultas odontológicas e sopa ao meio-dia. O ônibus foi adquirido por meio de rifas e doações. Além do Vicentina, os atendimentos ocorrem ainda entre os bairros Coréia, Progresso e Aldeia. Marcelli Pedroso Franciele Costa
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Maria Carolina de Melo
Nínive Girardi
O amor entre Maria Elizabete e a filha, Janaína, está presente em todos os momentos
Quando crescer não é opção Vítima de uma doença desde o nascimento, Janaína Beatriz da Costa vive forçadamente vinculada à infância
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oladodesuasinseparáveis bonecas, Janaína vive um mundo particular. Priscila, Kátia, Mara e Paloma são suas companheiras em toda parte. Com o papel e o lápis à mão, ela rabisca alguns traços com a imaginação à solta. Presta atenção em tudo que se fala ao redor. Pouco entende. Limita-se a dizer algumas sílabas, intercaladas com algumas risadas que enchem o espaço. Essa poderia ser a história de muitas das crianças do bairro Vicentina, porém Janaína Beatriz da Costa tem 40 anos, mais de um metro e sessenta e pouco menos de 100 kg. Peter Pan, segundo o conto, negou-se a encarar a vida adulta. Também pudera: a infância geralmente reserva a pureza e provavelmente a melhor época para se viver. Mas ao contrário do personagem, Janaína não pode crescer, embora seu corpo diga o contrário. Vítima de paralisia cerebral desde o nascimento, ela convive com a indiferença e com o preconceito - mas tem ao seu lado um amor incondicional de mãe. Maria Elizabete da Costa, 58 anos, abriu mão da própria vida para, segundo ela, cumprir uma “obrigação”: cuidar da filha até o dia em que não puderem mais estar juntas. O tapete da boneca Barbie dá as boas-vindas a quem chega ao quarto de Janaína. Nas paredes,
prateleiras com suas bonecas – todas muito bem vestidas e limpas. A poltrona, logo abaixo da janela, é feita de garrafas pet e recebeu uma capa com estampa de zebra. Janaína gosta de sentar ali com seus brinquedos. Mãe e filha dormem juntas, em uma cama de casal. A casa é simples e acolhedora, assim como são essas resistentes mulheres. O drama de Janaína começou antes mesmo de nascer. Com oito meses de gravidez, Maria Elizabete foi atacada pelo ex-marido, com uma facada. O golpe atingiu sua barriga. Para fugir da agressão, ela pulou a janela de casa e foi amparada por um amigo, que a levou de charrete até o hospital mais próximo. As consequências seriam irreparáveis – para mãe e filha: Janaína ficou 48 dias na incubadora de uma UTI e com uma sequela sem fim. Segundo estudos da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais, em parceria com as Nações Unidas, o Brasil é um dos cinco países do mundo com os maiores índices de violência contra a mulher. Treze são assassinadas por dia no País – uma a cada duas horas. As maiores vítimas são negras e pobres. Após a separação do marido, depois de 31 anos de casamento - e de muito sofrimento – especialmente quando ele, alcoólatra, a agredia, Maria Elizabete abandonou a família. Foram 15 dias longe de casa. Mas ela voltou para buscar Janaína. “Eu suportei esses anos todos pela minha família. Nunca o denunciei à Polícia. Assim que meus dois outros filhos casaram, e saíram de
casa, eu abandonei ele para ficar A mãe, que sempre foi faxineicom a minha filha”, conta. ra, decidiu fazer um curso de Nesse cenário de violência enfermagem para melhorar a familiar, a infância, como Janaína condição da família e para enrelata ao seu modo, não foi uma tender melhor como ajudar sua época fácil. Ela lembra, quando filha. Resolveu, então, por conta perguntada, da vontade de estu- própria, cortar a medicação. “Ela dar e de algumas brincadeiras. ficava tonta, não enxergava, caía. Mas só responde com sim ou Eles eram muito fortes. Hoje em não, pois não faz associações de dia ela está bem melhor.” palavras e dificilmente completa Elas moram no Vicentina há uma frase. A mãe, receosa com o dois anos. Há três meses, depois preconceito que ela poderia sofrer, de passar dias extremamente nunca a incentivou a frequentar difíceis, como Maria Elizabete o colégio. “Ela me pedia para ir define, devido às enchentes, ela à escola. Tive decidiureformar medo do que a casa de mapoderiaacontedeira. Para isso, cer. Ela é muito se encheu de ingênua.”,ressalta. contas – foram Em São Leopoldo, as mulheres em Janaína, porém, R$6milaotodo. situação de risco domiciliar devem frequentou a “Estoudevendo procurar o Centro Jacobina, APAE (Associaos cartões de ao lado da Prefeitura Municipal, ou ção de Pais e crédito e não fazer contato pelo telefone Amigos dos tenhovergonha Excepcionais) de falar. Fiz por poralgunsanos, mim e por mimas também nha filha. Vou não se sentiu à vontade no meio pagando como consigo. A gente das demais crianças; a essa al- parcela, paga juros, mas não deixa tura já chamava atenção pelo de dar um pouco todo mês”, retamanho e pelo peso. A solu- lata. Elas vivem com dois salários ção, segundo a mãe, foi isolar mínimos, ambos benefícios do a filha dentro de casa. Governo Federal. Janaína está Outro drama acompanhou enquadrada no BPC-Loas (BeJanaína durante toda a infância nefício de Prestação Continuada e a adolescência foi a epilepsia, da Assistência Social) e Maria decorrente da paralisia cerebral. Elizabete está“encostada”, devido Foram quase 30 anos tomando ao pré-câncer nas axilas. doses diárias de medicação, que Se as dificuldades fora de a deixavam com dificuldades casa sempre foram gigantes, no para caminhar – ela andou so- lar não são muito diferentes. Até mente aos seis anos. Porém a hoje Janaína precisa de ajuda rotina de Janaina mudou nos em quase todas as tarefas do últimos anos. Ela deixou de lado dia a dia. O pão e a carne, por o coquetel de remédios a que exemplo, só come depois de era submetida desde criança. cortados em pequenos pedaços,
Ajude
(51) 3558-8224.
para não se engasgar. A ida ao banheiro é um capítulo à parte. A mãe precisa conduzi-la, ligar a luz, sentá-la e limpá-la. O banho, que adora, só acompanhada pela fiel escudeira. “São 72 horas de dedicação por dia”, brinca. Mas não é apenas Janaína que sofre com o olhar preconceituoso do vizinho. A família e os amigos questionam, segundo Maria Elizabete, a sua atitude de manter a filha “isolada” do convívio social, a acusando de uma “superproteção”. Ela conta que tentou dar liberdade à filha. Como resultado, Janaína se queimou no fogão quando tentou cozinhar e quase se afogou no banho, na única vez em que fez isso sozinha. A mãe relembra, também, que embora o comportamento infantil, a filha é uma mulher de 40 anos e com desejos íntimos comuns à idade. “Ela vê casais se beijando e me pergunta porque não pode fazer o mesmo. Eu desconverso. Ela não saberia lidar com essa situação”, justifica a mãe. Janaína não faz associações e não consegue lembrar de muitas coisas de sua vida. Sobre o passado, apenas menciona o desejo de estudar. Se diz feliz. Gosta de estar em casa. Ama a mãe, que chama de seu“tudo”. Mas essa mãe muitas vezes já pensou em jogar tudo para o alto. “Se eu penso em largar essa situação? Sim. Quase todos os dias. Não é fácil, mas também não é difícil. Faria tudo de novo pela minha filha.” Gustavo Schenkel Maria Carolina de Melo Nínive Girardi
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Juventude consciente Em ano de eleições municipais, a juventude do bairro está antenada e ciente de seu papel
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m meio a ruas esburacadas e o barro que se forma após a chuva, é possível encontrar no Vicentina jovens que ainda pensam em política, apesar do furacão que passa por Brasília e pelas ruas do país. O bairro, com mais de 13 mil habitantes, conforme Censo do IBGE (2010), possui 64,6% dos moradores com poder de voto, entre eles, muitos jovens. As principais reclamações sobre o descaso dos políticos do município são em relação à insegurança, saúde precária e falta de saneamento básico. Luiz Gustavo dos Santos Ventura, 14 anos, ainda não pode votar, mas pensa em fazê-lo somente aos 18 anos, quando o voto é obrigatório. “Não vou votar com 16 anos pela atual situação do país. Não tenho certeza em quem votar. Se as coisas mudarem até lá, posso mudar de ideia”, desabafa. Em 1881, a Lei Saraiva criou as primeiras eleições diretas, ou
seja, quando os ocupantes dos cargos legislativos e executivos são escolhidos pelos eleitores. Muitas vezes, a interferência de alguém em sua liberdade de escolha pode deixar o jovem com uma sensação de negligência, como é o caso de Daniel Felipe Cruz, 16 anos. “Vou votar agora por influência da minha tia. Eu queria esperar, porque acho que é muita responsabilidade”, afirma. Já o estudante Douglas Martins da Rosa, 18 anos, diz que votou aos 16 anos e foi além, filiou-se a um partido. “Eu era filiado à juventude de um partido aos 17 anos, mas saí. Eles só queriam fazer festa para ajudar um ou outro e acabavam não conseguindo ajudar ninguém. Achei que não tinha futuro.” De acordo com Douglas, a influência da televisão e de seus amigos fez com que votasse aos 16 anos. “Eu queria mostrar minha voz”, lembra. Hoje, Douglas frequenta uma das igrejas do bairro, e acredita que está fazendo mais pelos outros agora do que quando foi filiado ao partido. As mulheres, somente puderam votar em 1932, na mesma época em que foi introduzido
Luiz Gustavo pensa em votar somente com 18 anos
o voto secreto. Aos 16 anos, Shaiana Santos Alves diz que votará nas próximas eleições. “Acho importante para o país”, opina. Ela tem consciência de que o dinheiro roubado pelos políticos poderia ser utilizado a favor dos menos favorecidos. “Eu pegaria todo esse dinheiro que estão roubando para investir nos pobres, nas invasões”,afirma. Apesar da precariedade do bairro, as crianças ainda possuem
Daniel diz que votará por influência da tia
a sua pureza. A esperança brilha nos olhos e a inocência transborda nas palavras de Gabriel Luis da Silva, 12 anos. Ele já sabe o que faria se fosse eleito Presidente do Brasil. Enquanto brincava de virar cambalhotas com seus amigos, disse: “Eu ia mandar pôr grama sintética nos lugares para eu poder virar mortal”, brinca. Seu amigo Cassiel Heidt Rodrigues, 10 anos, também adiantou qual seria sua primeira ordem.“Eu faria
Shaiana acha o voto importante para o País
uma pista de skate para os meus amigos andarem”, sonha. Muita coisa mudou desde o início das eleições, mas os jovens do Vicentina ainda têm a mesma esperança nos olhos de crianças como Gabriel e Cassiel, que acreditam que as coisas podem mudar, afinal, eles são o futuro do país. Priscila Serpa Fernanda Stecanela
Por uma vida acessível Quando Andreo de Souza Muniz tinha quatro meses de idade precisou ficar na UTI do Hospital Centenário por um mês e quinze dias, devido uma forte pontada. Desde então, ele não tem mais os movimentos da parte esquerda do corpo. Hoje, aos 12 anos de idade, Andreo vai de segunda a sexta para a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), que fica no centro da cidade. Para sua sorte, a van da APAE o busca todos os dias na porta de casa, pois a Rua Almerinda Gentila Fidélis, onde mora, não conta com asfaltamento, calçamento e nem qualquer tipo de acessibilidade à deficientes físicos. No entanto, a Lei Municipal nº 7737, de 1º de agosto de 2012, que dispõe das normas e direitos básicos de acessibilidade diz que “o planejamento e a urbanização das vias públicas, dos parques e dos demais espaços de uso público deverão ser concebidos e executados de forma a torná-los acessíveis para as
pessoas com deficiência e/ou com mobilidade reduzida”. A mãe de Andreo, Claudete Souza, 52 anos, afirma que o menino tem apenas uma cadeira de rodas e que precisa levá-la para a APAE na segunda-feira e pegar somente na sexta-feira. Claudete já encaminhou o pedido de uma cadeira extra através da APAE. Enquanto o equipamento adequado não vem, Andreo utiliza em casa uma cadeira emprestada pela entidade, bem menor que o seu tamanho. “Essa cadeira não dá. Ele se joga para trás. Ela quebra o galho, mas por causa dos buracos é ainda pior que a outra para passar aqui na rua”, explica a mãe. Para que Andreo não ficasse sem uma cadeira adequada em casa, algumas vezes Claudete o levou para a escola com o transporte público, o qual ela pega na Rua Visconde de São Leopoldo. Para ela, uma das soluções para o problema seria que tivessem ônibus escolares adaptados para o transporte de cadeirantes. “Deixei de levar
ele um tempo na escola por não existir este serviço”. Ela ainda faz uma reclamação e diz que muitos motoristas e cobradores a ajudam na hora de utilizar o transporte público, mas que Rua Almerinda sempre tem alguns Gentila Fidélis, que os tratam de próxima à Rua Visconde forma grosseira. de São Leopoldo, que é “ Teve uma vez toda asfaltada que o motoristumaram com a ta não queria nem ajudar a falta de grande parte da visão colocar o cinto de segurança e se locomovem sem o auxílio no meu filho”, desabafa. de bengala. Os médicos que A história de Valquíria Franco Valquíria consultou dizem que, Vieira de Souza, 34 anos, tem nem óculos ou cirurgia auximuitos pontos em comum liariam na cura da visão. Pelo com a história de Claudete. Ela contrário, eles alertam que o mora com o esposo Esequiel grau de dificuldade visual pode Corrêa de Souza, 34 anos, e aumentar com o tempo. com os sete filhos na Travessa Valquíria conta que há C1, onde também não tem pouco tempo conseguiu o asfaltamento ou qualquer tipo Passe Livre para os filhos, mas de pavimento tátil para dois de que eles nunca vão sozinhos seus filhos, Adrian, de 10 anos, pegar o ônibus, tanto pela e Luiz Alberto, de 13 anos, que falta de segurança quanto pela possuem deficiência visual. dificuldade de visão. “É meio Adrian e Luiz tem parte da complicado. Eles têm algum visão comprometida desde grau de visão, conseguem enque nasceram, mas segundo xergar um pouco, mas quem a mãe os meninos já se acos- leva eles para a escola é a irmã
mais velha Kathleen”, diz. Além disso, até pouco tempo atrás, uma das grandes dificuldades dos garotos estava na escola, pois não havia um atendimento especial para eles. Tanto para Adrian que está no 4º ano da Escola Municipal Rui Barbosa quanto para Luiz que está no 7º ano do Instituto Estadual Parque do Trabalhador. “Agora a Secretaria de Educação mandou um caderno amplificado e também colocou uma lupa na sala de aula para que eles consigam ver o conteúdo”, comemora a mãe. Nicole Cavallin Lidiane Bortoli
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Esgoto invade casa e preocupa família A água contaminada expõe os moradores da residência a doenças
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família de Elisângela Barbosa Saraiva, 38 anos, está enfrentando um problema grave em casa toda vez que chove: o esgoto está jorrando para dentro da moradia da família. A água contaminada alaga a cozinha. Para a dona de casa, o motivo do problema são os bueiros entupidos. “Sempre que chove minha cozinha se enche de esgoto”, desabafa Elizângela. A razão de todo esse transtorno é o lixo depositado de forma irregular nos arredores da casa. Quando chove, os detritos são empurrados pela água e acabam entrando no esgoto, que, entupido, transborda. Como a água residual inunda a cozinha, existe o risco iminente de proliferação de pragas, como ratos, baratas e demais insetos. Além disso, o contato com a água do esgoto pode causar inúmeras doenças, principalmente para as crianças. Elisângela é mãe de seis filhos, dos quais cinco moram com ela. Compõe a casa Júnior, de 8 meses, Júlia, de 5 anos, Morgana, de 6, João, de 8, Maria, de 10, e Jean, de 12 – esse último mora com a irmã de Elisângela. O marido, Paulo,
completa o time, que ainda conta com duas cadelas e um gato. Assim como boa parte das pessoas de baixa renda, eles moram de aluguel. Quando a família veio morar no Vicentina, a situação era calamitosa: além da cozinha, existiam pontos de alagamento em um dos quartos e no banheiro. “Quando chovia, entrava esgoto no quarto e, se era demais, subia pelas paredes do banheiro e jorrava do teto. Caía água suja como uma cachoeira ao lado da lâmpada”, relembra Elisângela. Ela conta que, aos poucos, foram reforçando o chão do quarto e reformando o banheiro, o que sanou o problema. Porém, não será possível resolver a situação da cozinha. “O dono da casa disse que não vai arrumar, e, se eu consertar, ele não vai descontar do aluguel”, lamentou. A renda restrita da família dificulta ainda mais as mudanças estruturais necessárias na residência. O sustento da casa vem de Paulo, que trabalha em um cemitério. Elisângela, que antes era auxiliar de cozinha, agora está desempregada. Ela afirma não poder trabalhar porque precisa cuidar dos filhos. “Não adianta eu ir para o serviço e deixar meus filhos sozinhos. E se eu trabalhasse, teria que pagar alguém para cuidar deles.
Daria no mesmo”, alega a dona de casa, preocupada. Somando os gastos com aluguel, luz e água, a despesa mensal chega a R$ 900. As cinco crianças estão cadastradas no Bolsa Família – programa do Governo Federal destinado às famílias em situação de vulnerabilidade social e com filhos menores de 18 anos devidamente matriculados na escola. Segundo Elisângela, os R$ 252 que recebe mensalmente do programa contribuem para comprar os ingredientes do café da manhã, mas não acrescentam muito se levar em conta o total das despesas mensais. “Está tudo muito caro. Esse dinheiro nos ajuda a comprar material escolar para eles e uma mistura para o café, mas não é nada demais”, lamenta. Doenças causadas pelo esgoto aberto Nos arredores da casa de Elisângela, assim como em vários outros locais do Vicentina, existe o descarte irregular de resíduos. “Ao lado da minha casa os outros moradores colocam sofá velho, pedaços de madeira, de borracha e outras sucatas”, reclama. Ela conta que já limpou os detritos várias vezes e, frequentemente, paga para o lixo ser recolhido. Os descartes são removidos regularmente.
Cuidado para não se contaminar O contato com a água contaminada, proveniente dos esgotos, expõe as pessoas e, principalmente, as crianças a uma série de doenças. Conheça quais são elas e os sintomas: Diarreia infecciosa: pode ser provocada por micróbios, que são adquiridos por meio da ingestão de comida ou água contaminada. Os grupos mais afetados pelas diarreias são as crianças e os idosos que, se não tratados a tempo, podem vir a falecer em virtude da desidratação;
dor de cabeça forte. Quando não tratada pode afetar os rins, provocar meninge e problemas respiratórios;
Cólera: originária da Ásia, é uma doença infecciosa que ataca principalmente o intestino dos seres humanos. A bactéria que a provoca é transmitida principalmente pela água. Seus sintomas são: diarreia abundante, cãibras, cólicas abdominais, náuseas e vômitos;
Hepatite: inflamação no fígado causada por vários tipos de vírus. Sua transmissão é fecal-oral, por contato entre indivíduos ou por meio de água ou alimentos contaminados pelo vírus. Geralmente, não apresenta sintomas. Porém, os mais frequentes são: cansaço, tontura, enjoo e/ou vômitos, febre, dor abdominal, pele e olhos amarelados, urina escura e fezes claras. Quando surgem, costumam aparecer de 15 a 50 dias após a infecção.
Leptospirose: doença bacteriana transmitida pela água e por alimentos contaminados pela urina de animais, principalmente o rato. Seus sintomas incluem febre alta, calafrio, dor muscular, vômito e
Esquistossomose:tambémconhecida como doença do caramujo, é provocada pelo verme esquistossomo. Sintomas: diarreia, dores e problemas em vários órgãos internos do corpo humano.
No entanto, os entulhos maiores sempre ficam lá. “A Prefeitura nunca se preocupou em limpar os depósitos de lixo”, desabafa Elizângela. Para reduzir casos de doenças provocadas pelo esgoto a céu aberto (veja quadro), é fundamental que a população tenha acesso a água boa, tratamento correto do esgoto
(seja ele doméstico, industrial, hospitalar ou de qualquer outro tipo), destinação e tratamento do lixo, drenagem urbana, instalações sanitárias adequadas e promoção da educação sanitária (que inclui hábitos de higiene), entre outras ações. Mailsom Portalete Stefany Rocha
Esgoto verte do chão e alaga cozinha de Elisângela. A causa do problema são os bueiros cheios de lixo, que entopem quando chove
ENFOQUE VICENTINA | SÃO LEOPOLDO (RS) | ABRIL / 2016 |
OLHAR DE REPÓRTER
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O dia em que conheci Janaína
aquele sábado em que peguei o ônibus para o Vicentina não sabia o que me esperava. Eu e minhas repórteres fotográficas, Nínive Girardi e Maria Carolina de Melo, estávamos sem pauta definida. Caminhamos alguns quarteirões do bairro em busca do desconhecido. Chovia. Elas ficaram fazendo fotos de algumas crianças brincando de bola – para termos algum material para essa edição. Mas eu não podia ficar ali. Algo me chamava. Era Janaína. Cheguei em frente à sua casa e logo perguntei à mãe, Maria Elizabete: “Há alguma criança na casa?”. Ela prontamente respondeu: “Só este ‘bebezão’ aqui do lado”. Era ela. Me apresentei e contei o motivo de estar ali. Logo estava sentando na varanda com as duas e uma prima. “Ela tem 40 anos, filho, mas é isso aí: uma criança grande”. Ela começou contando sobre como era cuidar da filha, as principais dificuldades e também da alegria que ela trazia à sua vida. Ela realmente parecia estar feliz. A naturalidade com que falou da situação da filha e de tudo que elas vêm enfrentando nas últimas quatro décadas me impressionou. Maria Elizabete é uma guerreira – na forma de falar, de se portar e de enfrentar o preconceito. Janaína, ao seu modo, a admira: “Meu tudo”. Janaína também nos recebeu de coração aberto
e com os ouvidos atentos. Ela estava feliz por estarmos ali. Qualquer manifestação que fazíamos ela nos olhava imediatamente, como quem não podia esperar. Quase sempre sorria – muitas vezes dando gargalhadas imensas. Uma alegria só. Não chega a ser novidade conviver com pessoas em condições parecidas com a de Janaína. Diferente da paralisia cerebral, tenho uma prima, de 12 anos, com autismo. Ela é o xodó da família. É incrível ver a doçura misturada à ingenuidade com que levam a vida, minha prima e Janaína, apesar das visíveis dificuldades. E essa foi, mais uma vez, a grande lição do dia. Por isso, conhecer Janaína e entrar no seu mundo foi uma experiência desafiadora. Saber das dificuldades que ela e sua mãe, duas guerreiras, passaram por 40 anos, e vê-las com um sorriso no rosto num sábado chuvoso de outono, foi significativo e recompensador. Antes de sair e voltar à minha rotina, Maria Elizabete, que se disse incapaz de agradecer aqueles minutos que passamos juntos, puxou um cartão, que logo se abriu com a seguinte frase: “Todos os dias são especiais quando temos ao lado pessoas que preenchem a nossa vida com momentos inesquecíveis, iguais ao deste dia.” Foi mais especial ainda para mim, Maria. Até breve. Gustavo Schenkel Nínive Girardi
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ENFOQUE VICENTINA
SÃO LEOPOLDO (RS) ABRIL DE 2016
EDIÇÃO
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ENSAIO FOTOGRÁFICO DYESSICA ABADI
Entre brinquedos e cambalhotas
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través das lentes de nossos fotógrafos, podemos ver um mundo onde as dificuldades não impedem a diversão. Entre amigos, brinquedos e cambalhotas a alegria está estampada no rosto das crianças do Vicentina. A imaginação dos pequenos não permite que os dias sejam monótonos e suas invenções podem se transformar em sonhos. Que esses sonhos se realizem e que essas, junto com outras crianças, possam transformar o mundo em que vivemos em um lugar melhor. Priscila Serpa
AMANDA OLIVEIRA
CAREN RODRIGUES
JÉSSICA MARTINS
FRANCIELE COSTA
CAREN RODRIGUES