Jornal SôFoca 2017.2

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Universidade Federal de Mato Grosso

Mato Grosso é o estado com mais processos de violência doméstica Pg. 6

O contínuo debate feminino Pg. 9

Miss Gay enfrenta os mesmos tabus do gênero feminino Pg. 11

Mulheres não ocupam lugares de poder pg. 17

Produto elaborado na diciplina Jornal Laboratório - Jornalismo 2017

Distribuição gratuita Cuiabá, 2018


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Editorial

Alunos da diciplina de jornal laboratório 2017/2

Em Mato Grosso, a média de assassinatos de mulheres é de 7,3 casos a cada 100 mil habitantes, o que leva nosso estado ao patamar de terceiro do Brasil em casos de feminicídio, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Ainda dentro desta perspectiva, nosso estado é o primeiro no número de denúncias de casos de violência doméstica, ficando à frente, inclusive, de estados considerados “grandes centros”, como Rio de Janeiro e São Paulo. Esta edição do jornal Sô Foca é pu-

blicada com o objetivo de mostrar a realidade e a vivência de nossas mulheres dentro deste contexto. É evidente que o cenário de insegurança influencia o cotidiano de todas as mulheres, independente de classe social, cor ou orientação sexual. Queremos mostrar como nossas mulheres resistem, sobrevivem e perseveram em meio a um cenário desfavorável que as ameaça todos os dias. Das ribeirinhas às delegadas, as mulheres mato-grossenses lutam para conquistar seu espaço na política, na universidade e no

mercado de trabalho. O movimento feminista, também representado nesta edição, busca minimizar estes efeitos de discrepância entre os gêneros, fazendo com que as mulheres tenham os mesmos direitos que os homens não só na legislação, mas também na prática. Com isso, a figura da mulher na sociedade atual exerce um papel cada vez mais importante. Esta edição do Sô Foca abre espaço para discussão do papel e da trajetória de todas as mulheres que lutam diariamente para provar o seu valor.

Expediente

Editoria de Entrevista e Opinião: Vitória Lopes

Repórteres: Ana Carolina Gouvêa, Ana Flávia Corrêa, Bruna Maciel, Erick Freitas, Fernanda Trindade, Morgana Lemanski, Pedro Barros, Suelen Alves, Tainara Léia, Vitória Lopes

Editoria geral: Professora Janaína Pedrotti, Professora Juliana Arini e Ana Carolina Gouvêa Editoria adjunta/Secretaria de redação: Tainara Léia e Ana Flávia Corrêa

Editoria de Política: Fernanda Trindade e Pedro Barros Editoria de Ciência e Sociedade: Erick Freitas Editoria de Cultura: Bruna Maciel e Ana Carolina Gouvêa

Planejamento Gráfico: Turma do 4° Semestre (2015/2) de Criação e Redação Publicitária (Professor Aclyse de Mattos )

Editoria de Planejamento Gráfico: Suelen Alves

Editor de Cotidiano: Ana Flávia Corrêa

Coordenador de Jornalismo: José da Costa Marques Filho

Editoria Online: Suelen Alves

Reitora: Myrian Serra

Chefe de Departamento: Javier Lopez Díaz

Revisão Final: Professor José da Costa Marques Filho

Vice-reitor: Evandro Soares.

Revisão: Ana Flávia Corrêa

Acesse o conteúdo na íntegra pelo blog: focasdafederal.blogspot.com


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Nós

Vocês não sabem nada da minha tristeza e busca É mais fácil acreditar: “não passa de uma louca, de uma bruxa” A ferro e fogo sigo a correnteza. Dorme em mim A escrava e a princesa No mesmo corpo, pele e substância Caminham de mãos dadas Desde a infância Brincaram sob as mesmas Saias rodadas. Andam em mim a plebe e a realeza Como um acaso bipolar da natureza Sim e não Vida e nada O horror e a beleza Uma quer! A outra espera Uma é santa; a outra vira fera Uma é chão; a outra é quimera Uma planta lágrimas no sonho A outra lê pro mundo os versos que componho

Grandalhona, preta, intensa, afeita à literatura, especialmente à poesia. Luciene Carvalho, nascida em Corumbá, Mato Grosso do Sul, é a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira da Academia Mato-Grossense de Letras.

Circunstâncias agravantes no feminicídio

Rosana Leite Antunes de Barros

O Núcleo de Defesa da Mulher (Nudem) foi criado nas Defensorias Públicas Estaduais, Brasil a fora. Desde a década de 80, e, após, com o advento da Lei Maria da Penha, houve a percepção desse nosso viés na mencionada instituição. O primeiro grande desafio da Lei Maria da Penha foi mostrar para a sociedade que os delitos ocorridos no âmbito doméstico e familiar devem ser enfrentados. Na atualidade, o atendimento à mulher é prioridade. No início, a lei foi tão aviltada quanto ao gênero feminino, sendo chamada de inconstitucional. O que antes era invisível, passa a fazer parte da realidade. O poder público, até o surgimento da referida norma, pouco se importava em quantificar e apresentar números de violência contra a mulher. Surge o Nudem em cada Estado da Federação, como ação afirmativa da Defensoria Pública. A atribuição é ampla. Além da defesa processual,

administrativa, realização de campanhas e palestras informativas, representação dos direitos humanos das mulheres, o atendimento à vítima é primordial para a segurança que necessita. É inegável o maior número de mulheres, com aproximadamente 52,9% da população. Os delitos contra a mulher acontecem em grande escala. E dentro dos lares a incidência é maior. Faz-se claro o artigo 8º, da Lei Maria da Penha, como uma das políticas públicas de proteção à mulher, a integração operacional do Poder Judiciário, Defensoria Pública, Ministério Público e Poder Executivo na rede de defesa em prol da mulher vítima de violência doméstica. [...] Ouvir comentário obsceno sobre o corpo, ser “encoxada” nos transportes públicos, ser assediada sexualmente no ambiente de trabalho são situações desagradáveis e que configuram abusos, constrangimentos e humilhações. A Defensoria Pública,

Rosana Leite Antunes de Barros é defensora pública estadual.

como instituição promotora dos direitos humanos, vela para que os direitos mínimos dos Seres Humanos sejam respeitados. [...] Atualmente, a violência contra a mulher é reconhecida como epidemia. E doença se cura combatendo de forma eficaz. Enfrentar o machismo é premissa do Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública.


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“Nós mulheres temos que estar sempre provando duplamente nossa capacidade”

O perfil da delegada que atua no combate à criminalidade em uma das cidades mais violentas do país Ana Carolina Gouvêa

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aroma do perfume delicado toma conta do terceiro andar da Delegacia de Proteção à Pessoa de Mato Grosso (DHPP-MT). No fim de um longo e estreito corredor, do lado esquerdo, uma mulher alta, de calça social branca, salto e unhas pintadas de vermelho me aguarda em frente à porta. Gentilmente, me convida a entrar. Uma sala modesta, cheia de livros, uma televisão antiga, uma estátua da Sagrada Família e centenas de pastas e processos espalhados pela mesa, marcados com post its cor de rosa repletos de anotações. É neste lugar que trabalha a delegada de polícia Juliana Palhares Chiquito, uma das delegadas responsáveis por combater a criminalidade em uma das cidades mais violentas do país. Natural da cidade de Bauru, interior de São Paulo, Juliana tem 39 anos, e é formada em Direito pela Instituição Toledo de Ensino. Pós-graduada pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) em Direitos Humanos e Segurança Pública e com curso superior de polícia em gestão pública, a delegada tem um currículo extenso. Na Polícia Civil de Mato Grosso, trabalhou na Delegacia da Mulher, em Várzea Grande, e em Cuiabá atuou no Centro Integrado de Segurança e Cidadania (Cisc) Planalto e na Delegacia de Entorpecente. Juliana também já esteve no setor de inteligência da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), em Brasília e na Secre-

Foto: Ana Carolina Gouvêa

taria de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso (SESP-MT). Desde fevereiro de 2016 atua como delegada adjunta da Delegacia de Homicídios, uma opção não muito comum para mulheres. “Depois de 10 anos, olho para trás e vejo que fiz a escolha acertada. É uma carreira difícil. Os desafios da polícia são enormes, mas optar pela carreira policial foi a decisão mais acertada que tomei em minha vida.” Um trabalho difícil, mas, segundo Juliana, o contato com a violência e dificuldades que o trabalho impôs, a tornaram uma pessoa mais sensível. “Tive vivências que eu jamais teria em outros setores, conheci realidades muito distantes da que eu passei na minha vida, realidades muito dolorosas, e isso nos faz perceber o outro com mais sensibilidade”. A delegada se sensibilizava enquanto conta sobre sua trajetória. “A polícia como um todo é, durante 24 horas, a salvaguarda da sociedade, e essa atividade é muito nobre.” Consciente de seu papel e da esperança nela depositada por parentes e amigos de vítimas dos crimes mortais, Juliana é uma grande defensora da premissa de Justiça para todos. Ela não mede esforços para que os casos que estão sob sua competência sejam solucionados. “Aqui nós lidamos com o pior tipo de violência, a morte, mas não importa quem seja a vítima, o sentimento de perda da mãe de um cidadão de bem que foi morto é igual ao da mãe que perdeu um filho que

tinha antecedentes criminais, que vivia do crime, então, nosso empenho deve ser o mesmo.” Questionada se já sentiu que o fato de ser mulher interfere ou diminui a sua autoridade como delegada, Chiquito conta que ainda existe preconceitos na profissão. “Certa vez atendi um senhor que me contou toda a problemática com o vizinho, nada muito sério, mas ele gostaria de ser ouvido. Comecei a fazer as orientações sobre a confecção do Boletim de Ocorrência e ao fim ele me disse: Olha, mocinha, muito obrigada pelo seu atendimento, mas agora eu queria falar com o delegado.” Apesar de afirmar nunca ter sofrido discriminação de gênero entre os seus colegas durante a sua vida profissional, a delegada reconhece a necessidade de se impor no exercício de função. “Nós mulheres temos que estar sempre provando duplamente nossa capacidade”. Hoje, as mulheres são a maioria na unidade onde ela atua. Juliana conta que aprendeu a dedicação ao serviço público com a mãe, que também era servidora e fez parte da primeira geração de mulheres que tiveram que conciliar trabalho e vida familiar. “Ela me ensinou que as nossas ações reflete diretamente na vida das pessoas. Um papel em cima de nossa mesa que não foi analisado ou resolvido, pode acabar tirando a paz de uma família, que aguarda justamente a solução daquele problema”.


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Maria da Penha Mato Grosso é o estado com mais processos de violência doméstica Sílvia* e Maria* compartilharam suas histórias de abuso físico, sexual e psicológico Ana Flávia Corrêa

Foto: Reprodução


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ílvia*, 41, levou o primeiro tapa na cara de seu marido durante uma briga no carro, na presença de seus dois filhos. Já Maria*, 40, percebeu que havia se casado com seu agressor depois que ele, por ciúmes, disparou uma arma em direção à janela de sua casa. A violência doméstica é uma constante na vida das mulheres mato-grossenses. Segundo pesquisa divulgada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2017, Mato Grosso é o estado com mais processos relacionados a este tipo de crime, ultrapassando, inclusive, estados considerados de grande porte como Rio de Janeiro e São Paulo. Com 26,5 processos a cada mil mulheres, Mato Grosso é seguido por Mato Grosso do Sul, com 21,1, Distrito Federal, com 20,8 e Rio de Janeiro, com 20,4. Sílvia e Maria são apenas algumas das personagens deste enredo que está longe de chegar ao fim. Elas decidiram compartilhar suas histórias sob a segurança do anonimato, pois ainda temem seus agressores. Em 2004, Sílvia começou a se relacionar com Francisco*, seu ex-marido, e durante dez anos viveu o que chamou de “ciclo da violência”. Primeiro veio a psicológica, depois a física e por último o abuso contra a filha mais velha. Seu agressor era usuário de drogas e a batia diariamente quando estava sob efeitos de entorpecen-

tes. Ela alegou, no entanto, que as agressões também ocorriam quando ele estava são. “Na primeira vez em que ele me bateu eu havia encontrado um pacote de cocaína dentro de casa e disse que queria a separação”, lembra. Apesar das agressões psicológicas que aconteciam desde o começo do relacionamento, Sílvia relatou nunca ter pensado que Francisco chegaria a agredi-la, mas desde aquele dia as coisas só pioraram. “Ele já quebrou televisão, computador, geladeira”, contou mostrando uma marca na altura da mão, feita pelo agressor com um golpe de faca. A vítima, de cabelos pretos e olheiras profundas, relatou que as cicatrizes psicológicas marcam mais do que as físicas. No auge das agressões, ela desenvolveu síndrome do pânico e chegou a pesar 42 quilos. Hoje, tempos depois do ocorrido, ela e seus dois filhos passam por tratamento psicológico a fim de diminuir os traumas da violência doméstica. Sílvia decidiu denunciar seu agressor em 2014, quando descobriu um diário em que ele relatava ter desejos sexuais pela sua filha Ana*, de 9 anos na época. A vítima relatou que em diversas ocasiões viu que Francisco pedia para que Ana deitasse no sofá para que ela fosse massageada e então abusava da menor apalpando seu corpo. “Eu já desconfiava, mas sem-

“Na primeira vez que ele me bateu eu havia encontrado um pacote de cocaína dentro de casa e disse que queria a separação” pre que questionava ele dizia que eu estava louca. Quando eu encontrei o diário eu percebi que não. Foi quando decidi denunciar”, comentou. A partir da primeira denúncia, outros três processos foram abertos. Sílvia e Ana foram amparadas pela lei por meio de três medidas protetivas: o agressor teve de usar tornozeleiraeletrônica, foi proibido de se aproximar das vítimas e as duas, mais o filho de Sílvia com o agressor, Théo*, passaram alguns dias em uma casa de amparo. Sílvia, no entanto, alegou que nenhuma das medidas foi o suficiente para que ela tivesse paz e pudesse se sentir livre. Francisco, segundo relatos de vizinhos e pessoas próximas, não carregava a bateria da tornozeleira e continuava transitando livremente em seu bairro com o sentimento da impunidade. “Eu nunca vou me sentir livre.

Foto: Reprodução


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Foto: Reprodução

Eu ando pela cidade pedindo a Deus para que eu não o encontre”, diz. “Se você perguntar para vinte mulheres que denunciaram pela Lei Maria da Penha, vinte e uma dirão que ela não funciona na prática”, finalizou. Já Maria, passou dois anos sob a constante ameaça de Waner dos Santos Neves, seu ex-marido e delegado de Sapezal, cidade no interior de Mato Grosso onde eles moravam. Segundo a vítima, bastava que ela discordasse do agressor em qualquer circunstância para levar um tapa na cara. Além da violência física, Waner costumava agredi-la verbalmente ou com seu silêncio. Quando não a chamava de “vagabunda” ou “puta”, deixava bilhetes no espelho do banheiro dizendo que não estava para o diálogo. “Não adianta ajoelhar e pedir perdão a Deus se você continua fazendo maldades para os outros”, diz trecho de um dos recados. A vítima chegou a acreditar que a culpa das agressões seria da depressão e do alcoolismo gerados após ter ele sido exonerado da polícia –e mais tarde recuperado o cargo com uma liminar. “Ele ficou depressivo. E de vez

em quando ele bebia e metia a mão na minha cara. E eu achava que era por conta da depressão. A gente sempre acha que tem um motivo, nunca encarei o problema como eu encaro agora”, contou a advogada. Em maio de 2017 foi quando a última agressão aconteceu. Maria teve a costela quebrada e ficou com hematomas por todo o corpo. A briga teria sido motivada por ciúmes e a vítima, muito menor do que o agressor, não teve como se defender. Em uma cidade rodeada pelo protecionismo dos poderosos, nem mesmo a PM atendeu ao chamado de Maria por medo do delegado. “Para eles, eu poderia morrer e o importante seria evitar conflito com o Waner”, explica. Foi necessário que Maria viesse para Cuiabá registrar o boletim de ocorrência e buscar ajuda no Núcleo de Combate à Violência Doméstica da Defensoria Pública.

Mato Grosso lidera o ranking de processos e ocupa o terceiro em casos de feminicídio – segundo dados do Ipea – por uma associação entre cultura patriarcal e desinteresse do estado nas políticas públicas de proteção à mulher. No quesito delegacias, por exemplo, Mato Grosso possui apenas uma inteiramente destinada às mulheres, em Barra do Garças, enquanto que as outras acumulam funções de defesa de idosos, crianças e adolescentes. Segundo ela, a verba do governo federal para in-

“Nós temos profissionais aguerridos”

centivo à proteção da mulher está sendo utilizada também para essas outras funções. “Todos os secretários de segurança pública dizem que não há mais orçamento do estado. Nós temos profissionais aguerridos, sensíveis à causa, mas não existe orçaViolência cultural A defensora pública Rosana Lei- mento para manter as delegacias te acredita que os casos de violên- de defesa da mulher como eram cia doméstica sempre acontece- antes.” *Os nomes foram alterados para ram, mas que a Lei Maria da Penha, implementada em 2006, serviu preservar a identidade dos entrepara dar luz a esses casos. Para ela, vistados.


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Foto: Alair Ribeiro

As mulheres invisíveis da sociedade mato-grossense Falta de higiene e privacidade e a questão da segurança são os males mais cruéis para as mulheres em situação de rua Vitória Lopes

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ma barraca de camping chamou atenção ao amanhecer na Avenida Filinto Muller, em julho. Feita de lona, a moradia improvisada na rua denuncia a invisibilidade de Anisia de Arruda, de 63 anos, que vive debaixo da árvore do Posto Petrobrás, da Praça Oito de Abril. Anisia reivindica o seu direito de existir – e de ser mulher. O termômetro daquela madrugada marcou 9 graus. Foi quando as pessoas em situação de rua sofreram muito com a queda da temperatura. Dentro da barraquinha azul, dona Anisia descansa com o zíper (a sua porta) aberto. Ela machucou os pés recentemente. Em alguns dias, Anísia está disposta para conversar – ela até fala sozinha pelos cotovelos. Em outros, está de cara amarrada. A reportagem tentou conversar com ela pela tarde. “Estou muito cansada agora. Tenho ferida nos meus pés e ontem fui tratar. Tomei medicamento e estou sonolenta”, afirmou, sem muita disposição para a conversa. Ela informa que tem parentes em Cuiabá, mas que teve a casa invadida próxima ao Colégio Coração de Jesus. Cuiabana, retornou de Porto Velho e aguarda por um caminhão para se mudar para Rondônia. Hoje é ajudada por parentes, amigos e pessoas que costumam passar na avenida. A mulher, que está na região há

seis meses, informa ainda que sua neta é dona do Posto, onde ela costuma dormir. “Se você perguntar quem é Maria Vitória, que é minha neta, ela vai responder que é dona do Posto da Petrobrás. Agora, estou muito cansada, não posso atender e quando puder, eu te chamo”. Fecha a porta-zíper da sua “casa”.

“Acredito que já tem mais ou menos uns seis meses que ela está aqui.” Delírios e ajuda

Gerente há 17 anos do posto da Oito de Abril, José Rodrigues informa que a barraca apareceu um dia de manhã, quando ele chegou para trabalhar, provavelmente doação de algum morador do região. Ele relata que até a Prefeitura já tentou tirar a mulher dali. “Acredito que já tem mais ou menos uns seis meses que ela está aqui. Uma assistente social da prefeitura já veio para tentar levá-la para um abrigo, mas ela não arreda o pé”. Além da doação da barraquinha, as pessoas costumam ajudar dona Anisia. “Todo mundo que passa por aqui dá coisas pra ela, como comi-

da, dinheiro... Ela recebe até marmita. Nesse ponto, é bem tratada”, comentou. Em sua rotina, o funcionário descreve que a mulher acorda, passa a manhã debaixo de uma árvore ao lado do posto e toma café da manhã. No almoço, lava os talhares na torneira do posto e fica encostada no muro do 44º Batalhão de Infantaria do Exército. “Ela passa falando que o Posto é dela. Já até falou para os proprietários que está de olho em mim, que escondo dinheiro dela.. Essa história ela conta até pra assistente social, mas até onde sei, não tem nenhuma neta dela dona daqui”, conta o funcionário. É difícil estimar quantas pessoas moram nas ruas de Cuiabá. De acordo com dados de janeiro da Secretaria de Estado de Assistência Social (Setas), Mato Grosso tem quase mil pessoas em situação de rua no Cadastro Único (CadÚnico). Desse total, cerca de 71% vivem em Cuiabá e Rondonópolis. Além de todas as dificuldades de quem mora na rua, as mulheres nestas condições têm de lidar com as exigências do período menstrual sem dinheiro, higiene, água ou cuidados médicos apropriados. Para as que têm filhos, mais um desafio: cuidar da prole sem saúde e condições mínimas. E não se pode esquecer a violência física e sexual a que estão submetidas nas ruas.


Um dia na vida da mulher mato-grossense

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O IBGE mostra que o perfil da mulher de Mato - Grosso é comum a qualquer município do estado Fernanda Trindade

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corda às 6h da manhã, banho rápido e sai tomando o café. Jeniffer Reis começa o seu dia. De casa, ela vai para o trabalho, em seguida para faculdade e só retorna às oito horas da noite. Esse é apenas um dia da rotina desta cuiabana, parda, de 24 anos, que já termina sua faculdade e faz estágio. Jeniffer representa o perfil típico da mato-grossense, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por isso, em Mato Grosso essas mulheres representam 49,43% da população. “Eu sinto muito orgulho de ser mulher, minha avó materna é baiana, a paterna é índia, eu nasci em uma família de sete mulheres. Minha influencia maior é minha avó, que veio a pé da Bahia até aqui em busca de trabalho”, conta Jeniffer. “O número bem maior de mulheres vivendo na zona urbana pode re-

presentar o reflexo da migração das jovens para estas áreas em busca de escolarização e trabalho”, afirma o economista, Emanuel Dalbian. A faixa etária predominante da mulher mato-grossense é jovem. De 20 a 24 anos e finalizando dois ciclos importantes: o ensino médio e o ensino superior. Desta forma, “essas mulheres estão entrando na fase mais apta de começar no mercado de trabalho”, ressalta o economista Dalbian. “Recentemente eu conquistei meu apartamento, não consigo me mudar para lá devido aos custos, mas onde moro é uma kitnet, no fundo da casa da minha mãe”, conta Jeniffer. Nos dados econômicos, de 1.706.768 pessoas que tinham rendimentos em Mato Grosso no período do censo realizado pelo IBGE, 738.761 são mulheres, porém a ren-

da médioa mensal da mulher continua mais baixa que a do homem. Jeniffer também faz teatro. “Minha renda vem do colégio onde trabalho há cinco anos e desse projeto que eu sou bolsista na universidade, é pouco, mas dá para sobreviver”, afirma ela, com uma risadinha. E para finalizar, Jeniffer volta para casa, com mais um dia cumprido.

Jeniffer Reis, 24, estudante de Educação Física da UFMT

O contínuo debate feminino O movimento que surgiu há 200 anos até agora se revela um tabu

Fernanda Trindade

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o carnaval deste ano o empoderamento feminino caiu na folia. A frase “não é não” fez um alerta contra o assédio e o abuso que ocorre em blocos e desfiles. Ao menos nas grandes capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro, foram distribuídas mais de 25 mil tatuagens temporárias com esta frase. Porém, a representante do movimento feminista em Cuiabá, Ligia Vaz, explica que o feminismo já vem sendo debatido desde o século XIX. “Esse é um movimento filosófico, social e po-

lítico que existe há mais de 200 anos”, afirma ela. Alguns estudiosos acreditam que a Revolução Francesa permitiu o surgimento do feminismo moderno. “A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, escrito no ano da Revolução, foi defedida por uma feminista francesa, Olympe de Gouges”, conta Ligia Vaz. Passando da história para a atualidade, o fato é que, apesar de estar mais presente nas discussões, o feminismo ainda se revela um tabu. Atualmente, várias pessoas têm se posicionado contra o movimento. São vídeos, imagens, posts e inúmeros tipos de manifestações. O feminismo prega que o lugar da mulher é onde ela quiser. “Já é 2018, o movimento feminista tem muitos anos lutando para dizer que homens e mulheres são iguais, mas, o movimento ainda tem que explicar o que é e o que faz”, ressalta Ligia. Uma enquete foi realizada e as

respostas mais interessantes ouvidas sobre o feminismo relacionaram o movimento à ação das ativistas. Para o engenheiro civil Douglas Augusto, as mulheres do movimento exageram. “A natureza da mulher é diferente da do homem, mas em vários assuntos eu acredito que as mulheres têm grande potencial e são capazes sim e devem lutar contra o preconceito sem fazer vitimização”. Na mesma enquete, há o contraste de opinião da advogada Reicyla Bruna, que se diz a favor das ativistas. “Eu acho o máximo, elas conseguem se entregar de corpo e alma por uma causa social e dão a cara a tapa, porém muitas vezes as intenções dessas ativistas são desvirtuadas”. Dessa forma, segundo Ligia Vaz, foi preciso escrever para as pessoas entenderem que “não é não”. Seja no carnaval, conversando sobre a história ou em enquetes, o debate é sempre válido para que o feminismo não seja um tabu no cotidiano das mulheres.


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A mulher que desafiou o destino

Nadir Sabino lutou muito para conquistar Corridas de Reis e chegar ao topo do atletismo mato-grossense Pedro Velasco

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imagem de Nadir muitas vezes se confunde com a da Corrida de Reis, de Cuiabá. E não é por menos, afinal, ela é penta campeã da corrida. A primeira conquista foi em 1989, depois vieram 1990, 92, 96 e 2005. É um currículo que traz muito prestígio e também aumenta a sua responsabilidade no atletismo estadual. Sabino relembra que no começo era tudo muito difícil e complicado. “Não que hoje não seja, mas na época que iniciei era tudo muito mais fechado. O circuito das provas era como se fosse um grupo só”. Ela cresceu em um dos bairros mais violentos de Cuiabá, mas um professor a incentivou a seguir a carreira esportiva. “Meu interesse pelo esporte surgiu quando ainda era muito nova, o professor Alberto dava aula de Educação Física na Escola Orlando Nigro, do bairro

Pedregal, onde eu morava e foi ele passo em direção ao final. O amor quem viu potencial em mim. Lem- dela pelas pistas fica vivo enquanto bro que na época eu só pensava em ela tiver pernas para correr. correr”. Não muito tempo depois, ela disputou sua primeira competição, aos 12 anos, em Brasília. Atualmente, além de correr, ela também dá aulas em escolas de Cuiabá. Mas é nas corridas que ela se sente em casa e tem todo esse amor retribuído. Segundo o presidente da Federação de Atletismo de Mato Grosso, Francisco Antônio da Silva, o Chiquinho Nadir é um exemplo e um espelho para muitos atletas que estão começando agora. “Eles olham para ela e pensam: ‘nossa, quero conquistar pelo menos um terço do que a Nadir já ganhou’. É uma coisa muito linda de se ver”. Em 2017 Nadir se despediu das pistas. Ela afirma que correu e sen2017 foi o ano de despedida de Nadir tiu cada pernada como se fosse um

Lurdes superou todos os obstáculos de sua história Pedro Velasco

Hoje é uma paratleta que incentiva a prática esportiva

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destino mudou a vida de Lurdes Soares quando ela tinha oito anos. A menina foi atravessar a rua de casa para comprar pão, mas antes de chegar à padaria, foi atropelada por um caminhão e perdeu as pernas. Desde então, passou quase dez anos sem aceitar a cadeira de rodas. Pela não aceitação da cadeira, para locomover ela se arrastava pelo chão. Movimentou assim até os quinze anos, quando começou a adolescência, a vaidade pesou e ela se rendeu à cadeira. Crescia à medida que sua insatis-

Foto: arquivo pessoal

fação acabava. E na época uma nova surpresa: Lurdes engravidou, aos 33 anos, e teve que se preparar para mais uma batalha. “Eu não tinha noção do que estava por vir na minha vida, mas minha mãe me apoiou e disse que tudo ia dar certo, nesse momento eu me tranquilizei”. Durante a gestação, passou a ter uma nova preocupação: como carregar seu filho no colo. “O meu medo era extremo de como eu ia carregar ele no colo. Medo de derrubar ele pela falta das pernas era intenso”. Lurdes encontrou o que buscava no Muay Thai. À medida que evoluía na luta, ganhava cada vez mais confiança para ter um filho. E quando Derik nasceu, amou instantaneamente o colo da mãe. “A natureza vai se corrigindo. Deus é mais. Eu nunca caí da cadeira e nunca passei nem perto disso”, disse. A convicção adquirida durante as aulas de Muay Thai fez com que ela quisesse mais. Então começou a correr com a cadeira, e tem colecionado conquistas e inspirado pessoas na mesma situação que a sua.

“Ela se tornou um grande exemplo para mim. Ela trabalha, estuda, pratica esporte, corre e às vezes a gente fica na nossa monotonia”, diz a sua colega de trabalho Mariana Freire. O doutor Gustavo Veiga, especialista em medicina do esporte, afirma que Lurdes é especial. “Ela é um ser muito iluminado, consegue ir contra todas as obviedades do seu corpo e do que a medicina fala. Se você diz que ela não consegue fazer tal atividade, ela toma isso como um desafio”, relata. No Brasil, no último Censo Demográfico, cinco milhões de pessoas declararam ter pelo menos um tipo de deficiência motora. Apesar de representarem 3% da população em 2010, estas pessoas não vivem em uma sociedade adaptada. Vivem à margem da população. Mas Lurdes não quer ser a vítima dessa situação, ela briga por resultados, vitórias e conquista de seus sonhos. Agora seu sonho é disputar uma Paraolimpíada. “Já pensou? 2020 eu representando Cuiabá e o Brasil lá fora, lá no Japão”, desafia.


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Miss Gay enfrenta os mesmos tabus do gênero feminino Os padrões exigidos para as mulheres também são aplicadas ao concurso Erick Freitas

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esquisador em corpo e gênero, Muryllo Lorensoni, professor da Universidade Federal de Mato Grosso(UFMT), participa do concurso do Miss Gay Mato Grosso 2018. Produzido no salto alto, peruca, maquiagem e vestido, o professor e publicitário estuda os atos performáticos, envolvendo o público LGBT em seu projeto de doutorado. Lorensoni trata de corpo e gênero em seu projeto de doutorado É abordado o preconceito praticado entre os gêneros através de uma construção social, que tem como influência questões raciais, econômicas e sociais. Aborda ainda como esses fatores induzem no imaginário do que é considerado o ideal de feminino na sociedade. Além de participar do concurso Miss Gay Mato Grosso, o pesquisador ainda faz uma análise a partir dessas observações. O evento aconteceu no Hotel Fazenda Mato Grosso, em Cuiabá. Treze transformistas participaram. E a venMiss Gay de Primavera do Leste fica em 3‘ no concurso de Mato Grosso. cedora ganharia a chance de representar o estado de Mato Grosso na de gênero ao se transformarem, fica que fez essas observações ao longo da versão nacional, o Miss Gay Brasil, que evidente no concurso que os ideais construção do seu projeto de mestraimpostos pela heteronormatividade do. será realizado em Juiz de Fora (MG). O transformista Vinícius Cardoso, A grande vencedora do título de são aplicados. “O transformista busca Miss Gay Mato Grosso 2018 foi Ágha- reproduzir o que seria uma imagem, o agora vencedor da Miss Gay Mato ta Brandett, que ganha vida no ca- ideal de uma feminilidade”, disse Lo- Grosso 2018, continua na corrida pelo beleireiro Marcos Vinícios Cardoso, rensoni, ao relembrar o processo per- título de Miss Brasil Gay, que acontecerá em agosto deste ano, no estado representante de Pontes e Lacerda. corrido até chegar ao concurso. O ideal é exposto no corpo dos de Minas Gerais. O palco do evento foi dividido com as candidatas Lily Wes, do Distrito Coxi- transformistas. Aqueles que possuem pó, e Muryel Lowers, representante traços mais femininos possuem vantagem sobre outros de Primavera do Mesmo Leste. Respectiva“O transformista candidatos. sendo um concurso mente nos segundo e terceiro lugar. busca reproduzir ode Miss Gay, ele é quase idêntico às deLorensoni já foi que seria uma imamais competições de jurado e expectador, e no último concur-gem, o ideal de umabeleza, e acompanha o mesmo padrão exiso virou candidata, feminilidade” gido ao gênero femitendo sua personanino, como em qualgem Muryel Lowers ficado entre as finalistas do concurso. quer outra disputa em que se julga a Envolvido em temáticas que abran- beleza feminina. A heteronormatividade está engem moda, corpo e gênero, agora traz seu projeto de doutorado, “Miss Gay raizada na sociedade, até mesmo na- O protagonismo gay e os atos perfor- queles que fazem parte da sigla LGBT, máticos de gênero”, que foi responsá- “Tudo isso faz parte da construção vel pela sua participação no concurso social a que fomos ensinados e estaConcorrentes do Miss Gay Mato Grosso mos acostumados”, finaliza Lorensoni, de beleza. 2018. Apesar de romperem as barreiras


DONA ALICE CONCEIÇÃO

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A luta pela cultura das c

Artesã da comunidade São Gonçalo Beira Rio atravessa barreiras para con Tainara Griesang

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rio Cuiabá há tempos foi o principal meio de transporte e exportação da região. Além de promover a culinária dos peixes e diversas receitas cuiabanas, às margens do rio ainda vivem os povos ribeirinhos, que mantém a cultura local. Na comunidade São Gonçalo Beira Rio, ainda é possível ver costumes centenários, como a produção da cerâmica. Extrai, quebra, amassa, molda e queima. O processo longe do comum e nada leve é perpassados pelas ceramistas da comunidade, localizada na beira do rio Cuiabá, na própria capital. Um dos últimos refúgios desse modo de vida na cidade. O artesanato produzido por sete mulheres do bairro representa a cultura cuiabana, além de resgatar a pesca, a paisagem, a gastronomia, a dança e os instrumentos musicais. O trabalho é exposto e vendido no próprio local. Como uma boa cuiabana, Alice Conceição, de 71 anos, recepciona o público ansioso em admirar seu trabalho. De braços abertos e com muita hospitalidade, característica dos ribeirinhos, vai explicando as etapas da produção manual do barro. A artesã foi a única, entre os quetro irmãos, que aprendeu a produzir, desde moça, o artesanato. Antes, a produção era dificulta-

Apesar das interrupções na produção ao longo da vida, Dona A

da pela coleta do barro. Usando da canoa, as ceramistas atravessavam o rio e trabalhavam para retirar a matéria prima. Além da demora, o processo exigia força e disposição. Entre uma e outra residência, que estão alocadas em um único quintal, a artesã percorre curtos passos até chegar ao forno. Nos fundos, as peças vão sendo acomodadas com

delicadeza, a mesma que estampa o olhar dos vizinhos que observam o ato costumeiro. Só serão retiradas no fim do dia, prontas para a exposição. Dona Alice relembra que a única renda familiar era da cerâmica e, apesar do trabalho pesado e do pouco retorno financeiro, dedicava-se com amor ao trabalho ensinado pela mãe. “É um trabalho pesado,

Cerâmicas produzidas pela ceramista Alice Conceição.


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Benzedeira

ceramistas

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Bruna Maciel

nquistar espaço e manter a produção Cultura em extinção

Alice é uma das ceramistas que mantêm a cultura.

Apaixonada pelo trabalho, Dona Alice só se entristece ao relembrar que o artesanato não é produzido por nenhum dos filhos. “Apenas uma de minhas filhas demonstrou interesse pela produção, mas depois percorreu outros caminhos”. O motivo? “Na verdade, eu não incentivo muito. O trabalho é pesado e o retorno financeiro não é muito bom”. Mesmo sem descendentes artesãos, as ceramistas acreditam que o trabalho continua. “Eu amo o que faço, aprecio cada detalhe das peças que produzo com muito amor”. Como motivo de orgulho para diversos moradores, órgãos representativos da região buscam maneiras de resgatar a cultura cuiabana. “Atualmente trabalhamos com projetos de capacitação, infraestrutura, que caminham junto à sustentabilidade e divulgação. Vários projetos já foram desenvolvidos na região e no momento buscamos por um novo salto, para colaborar com a nossa cultura”, comenta o secretário de Cultura, Esporte e Turismo de Cuiabá, Francisco Vuolo. Apesar de todos os deslizes, a cultura vem buscando maneiras de se consolidar e apresentar nos diversos meios a sua representatividade em uma linguagem própria e única.

mas era o que tínhamos na época”. A produção que antes era “dificultosa”, hoje se torna um pouco mais leve. A retirada do barro é terceirizada e vendida às ceramistas, que contam com a ajuda dos maridos para quebrar e amassar a matéria prima. Com delicadeza, as mulheres moldam a argila de acordo com a demanda. As que possuem o conhecimento contam com a ajuda de um torno. A máquina permite que as peças sejam moldadas sem a raspagem manual. Serviço A produção é queimada no forno à A loja de artesanatos da comulenha, com cerca de 50 peças por for- nidade São Gonçalo Beira Rio funnada. Durante o dia todo, as cerâmi- ciona das 9h às 17h, de segunda à cas ficam aquecidas e são retiradas segunda. ao fim do dia.

São quase 105 anos de muitas histórias e curas pelas mãos e sabedoria popular de dona Francisca Corrêa da Costa. Nascida na comunidade de Lagoinha de Baixo, em Chapada dos Guimarães, Vó Chica, como foi apelidada, mãe de 12 filhos, já perdeu as contas de quantas pessoas curou. Ficou conhecida como a “Doutora da Chapada”, pois, além das benzeduras que improvisam filas na porta de sua casa, é famosa também pelas garrafadas e banhos. A benzedeira é devota de Nossa Senhora do Bom Parto, pois foi como parteira nos tempos da roça que a Santa, atendendo orações de Vó Chica, abençoou as mãos dela para que os partos fossem todos bem sucedidos e tantas vidas chegassem ao mundo em segurança. Dona Francisca não teve muito tempo para estudos, mas, de uma fé inabalável, diz ser muito grata a Deus pelos dons divinos que possui, e, mesmo sem nunca ter ido a lugar nenhum para aprender o que faz, instrui muitos. Ela afirma que seus ensinamentos são os caminhos de bondade, de amor e esperança, e sempre embasada em uma só frase, leva a vida: “Amar ao próximo como ama a si próprio”.


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Bolo de arroz e ovos de páscoa im A Economia que usa da criatividade para

Morgana Lemanski

Foto: Reprodução

O

cheiro é de café e pão de queijo, no salão simples, há mesas de plástico com toalhas coloridas. No lado direito do estabelecimento os quatro grandes fornos à lenha chamam a atenção. É lá que os bolinhos de arroz, bolos de queijo e chipas mais famosos da cidade são finalizados. Todos são vendidos a R$ 3,00 cada um e por mais R$ 3,00 podem ser consumidos à vontade, com café, chocolate quente e chá, que ficam em garrafas térmicas. Foi dessa renda que Dona Eulália da Silva Soares - hoje com 83 anos – sustentou oito filhos. Tudo começou em 1956, a ideia era aumentar a renda familiar – os bolinhos eram vendidos de porta em porta com a ajuda de garotos da vizinhança e nas festas da Igreja de São Benedito, um dos principais padroeiros dos descendentes de

escravos de Cuiabá. Para aumentar a produção e vender quitutes em casa os fornos à lenha foram construídos a pedido de Dona Eulália ao seu marido, Eurico Soares. Seu bolinho conquistou os paladares e corações cuiabanos, fez fama e ultrapassou fronteiras. Dona Eulália esbanja orgulho quando menciona seu bolinho como sendo eleito o melhor da cidade pelo júri de VEJA Comer&Beber Cuiabá - revista de gastronomia editada de forma regional pela publicação nacional informativa. O nome atual do estabelecimento, “Eulália e Família”, se refere ao fato de que as 14 pessoas trabalhando são todas parte da família. Mas, religiosamente, às 5h30 da manhã, é Dona Eulália que continua abrindo a porta do seu estabelecimento (que funciona às terças,

quintas, sábados e domingos). Dona Eulália conta que se sente realizada. “Um negócio de família.

“Sei que na minha falta tudo que construí vai continuar.” São minhas filhas, netos e bisnetos que trabalham. E eu fico muito feliz, né? Sei que na minha falta tudo que construí vai continuar”. Economia Criativa

O empreendimento familiar é algo inovador no mundo. O indiano Muhammad Yunus se tornou exemplo quando concebeu, e conseguiu implantar, a mais conhecida e bem sucedida experiência de microcrédito do mundo, e por isso recebeu o Prêmio Nobel em 2006.


mpulsionam a economia criativa

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valorizar produtos autorais e tradicionais O comitê responsável pela premiação declarou, na época, que “seus esforços para gerar desenvolvimento econômico e social a partir de baixo, o desenvolvimento a partir da base, também contribui para o avanço da democracia e dos direitos humanos”. Como um caminho para os países de terceiro mundo para aliar os saberes das populações tradicionais à geração de renda, a base dessa atividade seria a criatividade. Quando procuramos o significado da palavra criatividade, temos a seguinte definição: capacidade de criar, produzir ou inventar coisas novas. É essa a principal característica da Economia Criativa. Mas, afinal, o que é a Economia Criativa? Segundo o Sebrae, uma das entidades que trabalham para o crescimento do setor no Brasil, são “negócios baseados em capital intelectual e cultural e na criatividade que gera valor econômico”. Em Cuiabá, a Economia Criativa colabora não só pela sua própria influência econômica, mas por buscar valorizar produtos autorais e tradicionais, como é o caso do bolo de

arroz da Dona Eulália. Vista como a economia do século XXI, o fato é que, hoje, esse novo formato de economia investe em soluções criativas, o que contribui diretamente para o desenvolvimento de uma sociedade mais sustentável e preocupada com o futuro. E é justamente isso que estamos vendo e vivendo no nosso dia a dia. O setor da Economia Criativa é responsável por gerar cerca de 9% dos empregos formais no país, e oferece uma renda salarial média de R$ 2.293,64, segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Além disso, conforme pesquisa feita em 2014, a renda média é 44% mais elevada do que nos setores da economia tradicional, por exemplo, e também está acima da renda média nacional. Doces Fitness

A capital cuiabana abriga outros exemplos de Economia Criativa, como é o caso da arquiteta Amanda Freire, de 24 anos. Em 2016, sua paixão pelo mundo fitness a levou a abrir uma loja virtual de roupas

para atividades física, o que ela já fazia, de maneira informal, desde 2012. Adepta ao estilo de vida saudável, amante de gastronomia e apaixonada por nutrição é como Amanda se descreve. Neste ano decidiu preparar ovos de páscoa funcionais que se tornaram sucesso. “Assim como eu, sei que existem varias outras pessoas que querem se alimentar bem e, ao mesmo tempo, manter as tradições e curtir o que essa data comemorativa linda tem a nos oferecer. Por isso, decidi produzir os ovos funcionais”. Segundo Amanda a população cuiabana recebeu bem a proposta, mas a ideia só fez sucesso porque ela já era conhecida no meio fitness. “Acho que foi bem aceito porque as pessoas conhecem meu trabalho há bastante tempo, sabem que o que eu falo é o que eu faço”. Com essa confiança conquistada pelos clientes, Amanda lançou a “Petit Potê”, uma extensão da ideia inicial dos ovos de páscoa funcionais. A iniciativa é um exemplo de um produto autoral da Economia Criativa

Foto: arquivo pessoal


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Mulheres não ocupam os p

Elas ainda têm baixa representatividade na política e nos principais cargos executivos e legislativ Fernanda Trindade

O

Estado de Mato Grosso no sé- trabalhava com ele, sempre trabaculo 21 ainda é dominado pe- lhei desde muito nova e aí passei los homens. E isso fica visível a fazer parte de um grupo político. na política local, pois contabilizan- Quando ele decidiu não ser mais do os poderes Legislativo e Execu- deputado estadual, eu vi uma lacutivo, tem-se apenas a presença de na que poderia preenchê-la”, conta uma mulher. A participação femini- a atual deputada. Hoje o processo na nas esferas de governo é ínfima de José Riva ainda tramita no Tribue reflete o desequilíbrio histórico nal de Justiça de Mato Grosso, por recursos de defesa de seus advogade gênero nas funções públicas. “Não existe nenhum setor da so- dos. Já Lueci Ramos foi vereadora de ciedade onde o machismo impera com tanta força como na política”, Cuiabá por cinco mandatos. Como afirma o cientista político João Ed- uma líder comunitária, antes de entrar na carreira política, foi direson. Ao longo da história de Mato tora de uma creche em um bairro Grosso é possível verificar duas for- periférico, presidente da associamas de representatividade femini- ção dos moradores e voluntária na. A primeira é a candidatura fami- em algumas organizações sociais. liar, quando uma mulher é eleita à O apoio popular, na sua primeira sombra de um homem político. Ou candidatura não bastou para que a ex-vereadora conseja, não está ali pelo “Nós temos duas quistasse um cargo na seu discurso, mas sim, porque o marido, vertentes de Câmara Municipal. “Na hora de tomar posse, ou o pai, ou então a candidatas e as meu partido pediu para família a colocou no cargo. duas são muitoeu votar no Dentinho para ele ser presidente A segunda forma é de mulheres oriundas fracassadas” da Câmara, eu falei que não e que eu iria votar dos movimentos ideológicos, quase sempre uma pro- de acordo com a minha consciênfessora ou uma assistente social. cia” revelouLueci. O partido não “Nós temos duas vertentes de can- permitiu que ela tomasse posse. didatas e as duas são muito fracas- Foram necessários dois meses de processo na justiça para ela assusadas”, avalia o cientista político. Hoje, a única deputada do esta- mir o cargo. De acordo com dados divulgado é filha de José Riva, um polítidos em 2016 pelo Tribunal Supeco que foi condenado, em abril do ano passado, a 21 anos e 8 meses rior Eleitoral, 52,13% dos eleitores de prisão por lavagem de dinheiro. aptos a votar nas disputas municiMas mesmo assim, Janaina Riva pais daquele ano eram mulheres. (PSDB) afirma que a influência do Porém, quando avaliamos a represeu pai ajudou em sua eleição. “Eu sentação feminina na política, per-

cebemos que elas não chegam ao poder. “A mulher precisa participar mais da política, não só sendo candidata, mas em mesas de debates, em reuniões políticas, convenções. Primeiro tem que ganhar dentro do partido político e essa é uma etapa muito difícil”, sustenta João Edson.

Helena Meirelles foi a violeira mais importante do país. Sua música seguiu os ritmos de sua região, com influências paraguaias, entre elas, de chamamé, rasqueado e polca. Em 1993 foi eleita pela revista americana Guitar Player (com voto de Eric Clapton) uma das 100 melhores instrumentistas do mundo.

Dona Bartira de Mendonça era irmã de Rubens de Mendonça. Sua casa era movimentada por crianças, que iam em busca de aulas de piano, violão e pintura. Uma artista plástica, uma mulher versátil que na década de 30 teve a coragem de separar-se do marido e unir-se a outro homem.

Maria Taquara, figura folclórica da cidade. Sendo a primeira mulher a usar calças em Cuiabá. Historiadores e pesquisadores afirmam que ela sempre esteve à frente do seu tempo. Sua existência ainda é uma incógnita, mas sua história percorre toda a Baixada Cuiabana.

Ex-vereadora Lueci Ramos à esquerda


postos de poder

vos. O estado nunca teve uma governadora em sua história

Candidata revela 17 bastidor sombrio da cota por gênero Ana Flávia Corrêa

Assim, tanto a mulher se elegendo por apoio de um homem político, quanto sozinha, com o próprio esforço, o discurso de cada uma dessas duas formas de candidatura influencia a opinião pública.

a e a atual deputada estadual Janaina Riva à direita.

Ainda segundo o cientista, o discurso político deve ser de soluções e não de dificuldades. As mulheres que se tornam candidatas precisam reformular o discurso. “Se eu vou ser um político, eu não vou ser um político definido por gênero, vou ser um político definido por ideias”, defende ele. Dorcelina Folador Oliva Enciso foi foi militante do PT, professora e na délider do Movimento cada de 50 assumiu dos Trabalhadores a direção da CENEC Sem Terra e defen(Campanha Nacional dos Educandários Gratuitos). sora das reivindicações de gênero. Na política, foi eleita vereadora em Trabalhou como professora, poeta Campo Grande em 1954, exercendo e artista plástica. o mandato de 1955 a 1959, quando elegeu-se deputada estadual.

Quando a estudante Jhéssika Cortez foi cooptada pelo deputado Victório Galli para se candidatar a vereadora pelo Partido Social Cristão (PSC), em 2016, ela não imaginava as ameaças e a insegurança que viriam antes, durante e depois do pleito. A estudante faz parte da cota prevista para que os partidos incluam, ao menos, 30% de mulheres entre os candidatos inscritos nas eleições. Em 2009, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou a retirada do registro de candidaturas masculinas caso a legenda não atinja o percentual. Outra forma é inscrever novos candidatos do gênero feminino. Em caso de descumprimento da lei, a legenda pode ser impugnada. Na época em que Galli convocou Jhéssika, o partido a prometeu ajuda financeira de R$ 11 mil para despesas com a campanha. Durante o pleito, a promessa abaixou para R$ 9 mil e depois para R$ 7 mil. No final das contas, a estudante não recebeu nada e precisou fazer empréstimos e vender alguns bens para continuar sua campanha. “Eu precisei vender um freezer para pagar as pessoas que estavam comigo, porque o presidente do partido disse que a gente precisava contratar cabos eleitorais. Eu fui muito ameaçada e perseguida, porque eles fizeram o trabalho e queriam receber”, afirma Jhéssika. Por medo de represálias, ela conta que tingiu o cabelo, antes loiro, de preto e tinha medo de sair de casa. Os seus “santinhos” ficaram prontos apenas alguns dias antes das eleições porque, segundo ela, o partido atrasou o máximo na produção junto à gráfica. “Eu não fiz campanha. Até as pessoas que disseram que iam votar em mim eu dizia que não precisava. Eu já não me considerava candidata. Eu fui sacaneada do início ao fim.” Ao final do pleito, a estudante contabilizava apenas 19 votos.


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Mulheres podem sim ser engenheiras Cada vez mais as elas estão conquistando lugar de destaque

Suelen Alves

A

s mulheres estão cada vez mais inseridas no mundo que até pouco tempo atrás era considerado de homens. Locais como universidades e mercado de trabalho agora estão contando com um número muito maior de mulheres e isso se deve ao avanço das lutas femininas na sociedade por meio de projetos e busca de sucesso pessoal de cada uma. As mulheres na nossa sociedade costumavam ser menosprezadas quanto ao assunto estudo e inteligência e pensava-se que deveriam ficar cuidando da casa esperando o marido voltar. Mas isso mudou. Comparando os dados disponibilizados nos Anuários Estatísticos pelo site da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) de 2014 e 2015, ficou claro o crescimento do interesse de mulheres pelos cursos de engenharia. O campus da UFMT Cuiabá conta com 47 cursos e 2.929 vagas anuais em média. Alguns cursos contam com pouca presença de mulheres, principalmente os cursos como engenharias e tecnologias. Em 2014, os cursos como Engenharia Elétrica, Engenharia de Computação e Engenharia de Controle de Automação contaram com mais de 80% de matrículas do sexo masculino. Nas engenharias de Minas, Transporte e Civil teve entre 60% e 70% enquanto as engenharias Sanitária e Ambiental, Química e Florestal tiveram quase tanta mulher, ou mais do que homens, com os números de matrícula entre 30% e 60%. Apesar de ter mantido a proporção em 2015, o número de inscrições de mulheres nesses cursos subiram um pouco, mas não teve alteração nas porcentagens. Os cursos com menos presença feminina são aqueles que ainda sofrem tabu de serem mais “masculinos”. Há pessoas que acreditam que homens são mais capazes intelectualmente do que mulheres, mas não passa de ignorância. A inteligência de uma pessoa para cada área de conhecimento é medida pela forma como é ministrada durante a vida. Conquistando seu espaço

As dificuldades encontradas por

mulheres que cursam engenharia são muitas. Ao conversar com qualquer mulher que convive no ambiente das ciências exatas sempre se acaba descobrindo como as ofensas acabam surgindo em forma de brincadeiras. A aluna Juliana Assunção, 20, que cursa Engenharia Sanitária e Ambiental (ESA) na UFMT, se deparou com esse tipo de desafio antes mesmo de entrar no curso. “Por parte da família ouvi muito a respeito de ‘encontrar um homem bom na engenharia’. Algumas pessoas diziam algo a respeito do salário e muitas, muitas mesmo, diziam que queria ver se eu iria aguentar até o fim”. Em outro relato ela diz que “a frase que mais se ouve, com toda certeza, é sobre ter estômago fraco coisas tipo ‘nossa não vai passar mal, hein!’”, dos colegas de classe. Mas ela ainda disse que não sofre tanto quanto as garotas de outros cursos onde a presença feminina é bem menor do que a ESA. “Perto das outras engenharias até temos um número bom de mulheres”. A desistência de garotas nos cursos também é algo que chama atenção. A aluna Cláudia Sobrinho, 21, do curso Engenharia de Controle e Automação (ECA), também da UFMT, relata que na sua classe entraram oito garotas e atualmente sobraram apenas ela e uma colega. Durante algumas conversas ela disse que chegou a escutar várias coisas absurdas, maldosas, como “‘não existe engenheira, mas sim engenheiro fêmea’, ‘mal amada’, ‘sexo frágil’, entre outras coisas”. Isso quando não estavam julgando a apa-

rência. “Os garotos da sala falavam coisas ruins sobre as meninas, do tipo ‘só tem guria feia esse semestre’, coisas desse tipo... avaliavam as meninas como se fossem mercadorias”. Outra forma de abuso que sofrem as mulheres que cursam engenharia é, além dos colegas de classe, o despreparo de alguns professores que ainda têm certo preconceito. Cláudia já sofreu com um professor. “Ele foi extremamente rígido comigo, enquanto que com meninos na sala fazendo bagunça, ele não foi”. Mas ambas as entrevistadas concordam com um fato: há cada vez mais mulheres nas engenharias. Dentro da UFMT há um projeto de extensão chamado “Meninas Digitais”, que é formado por alunas da Engenharia de Computação (EC) e está atuando desde 2015 nas escolas de 13 cidades de Mato Grosso (MT). Além da UFMT campus de Cuiabá e Rondonópolis, estão envolvidas as Instituições Federais de Mato Grosso (IFMT) dos campos de Tangará da Serra, Cuiabá, Pontes e Lacerda, Cáceres, Campo Novo do Parecis. O projeto visa a equidade dos gêneros nas carreiras e cursos da área de computação e suas tecnologias com incentivos e ensino para o público feminino aprender mais sobre um assunto que normalmente é voltado para o público masculino. O programa funciona com trabalho colaborativo das alunas da EC e, apesar de ter um nome que chama a atenção das mulheres, é possível a participação de homens

Cláudia Sobrinho (à esquerda), estudante de Engenharia de Controle e Automaçlão, e Juliana Assunçcâo (á direita), estudante de Engenharia Sanitária e Ambiental.


A cultura indígena se mantem viva pela figura feminina As mulheres cumprem um papel valoroso para a sociedade indígena

Erick Freitas

A

força e determinação. A mulher indígena carrega consigo essas duas palavras poderosas. Atualmente, segundo a Funai (Fundação

apresentou uma música em um evento na capital cuiabana, “Estava tendo uma reunião dos caciques do distrito de Cuiabá. Um cacique Bakairi, da Al-

Foto: ilustração

Nacional do Índio), Mato Grosso possui 51.696 indígenas, com a sua maioria do sexo masculino, sendo dois homens para cada mulher. Apesar de ser minoria, a mulher indígena tem um papel importante nessas sociedades. São elas as responsáveis por manter a cultura viva e disseminá-la para as gerações futuras. Isabel Taukane, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e índia Bakairi, é um exemplo. Ela é uma das responsáveis por ajudar a levar a cultura de seu povo para fora das aldeias. Recentemente

deia Central, Pacuera, se emocionou, e disse que não esperava por aquilo. Ele e os homens que foram ao evento não apresentaram nada cultural, e que bom que nós (mulheres) apresentamos” contou Isabel. Tradicionalmente existe uma divisão de papéis nas comunidades indígenas. A mulher aprende a cultura, cozinhar, bordar e fazer artesanato com sua mãe, outra figura feminina da família, acompanhando a confecção desses objetos desde criança. E o homem, sempre com o pai, aprendendo sobre caça e atividades que remetem à força física, ao vigor masculino. Por esse motivo o interesse

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masculino na cultura não se compara ao das mulheres, é cultural. Além de carregar a cultura dentro das aldeias, a mulher indígena tem que lidar com as mudanças que penetram de fora. A cultura da cidade invadiu e continua invadindo a dos povos

A mulher aprende a cultura, cozinhar, bordar e fazer artesanato com sua mãe, ou figura feminina da família, acompanhando a confecção desses objetos desde criança.

indígenas. Televisão, internet e meios eletrônicos já fazem parte do dia a dia desses povos. Contudo, de acordo com Isabel, doutoranda pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a cultura está em constante transformação e não deve ser encarada de forma negativa, pois, da mesma forma que é taxada negativamente também pode ajudar a inserir a cultura por meio de novos meios tecnológicos. Um desses pontos positivos, já que é uma realidade que cada vez mais povos indígenas saiam de sua aldeia para estudar, a internet, por exemplo, é um meio de conectá-los com o seu povo. “É o dinamismo, é você estar aqui (cidade), mas estar conectado à aldeia”, disse. Mesmo com as mudanças, a mulher indígena consegue firmar o seu papel de semeadora e continua cumprindo espetacularmente a missão que receberam desde o nascimento, que é manter a cultura viva.


Preconceito no campus Fotos: alunos de fotojornalismo 2017/1

“Não aceite o machismo disfarçado de piada”

“Não quero suas cantadas Quero seu respeito”


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