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Jornal Laboratório UFMT

Instagram @JORNALSOFOCA Edição 2020/1 • publicado em julho/21 Produzido por alunos do 5º, 6º e 7º semestre de jornalismo - UFMT Campus Cuiabá

O desafio da maternidade

e do bem estar durante a pandemia “Uma coisa que me impactou foi como essas mães estavam também porque, mais do que nunca, elas estavam tendo dificuldade de acesso a muita coisa. Elas estão passando esse gestar totalmente sozinhas no meio desse medo, dessas angústias desse momento”, disse Ana Flávia Klippel, idealizadora do projeto Ateliê Gestando Arte. “O que eu percebo hoje, na minha prática, é

que essas mulheres estão muito mais reservadas, estão cada vez mais fechadas, elas com o bebê, estão ainda mais protetoras e isso têm efeitos, choram bastante, tem muito medo”, pontua. Se por um lado, na pandemia, com o estresse e ansiedade acentuados, as gestantes precisam de atenção à saúde mental, a saúde física também não deve ser negligenciada. CULTURA | pág. 8

A crise na saúde e na educação:

a realidade das aulas online no ensino estadual

UFMT concede auxílio estudantil

Estudar na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a principal instituição de ensino superior do estado, é uma conquista para muitos estudantes. Mas a permanência é um grande desafio a ser enfrentado pelos acadêmicos ao longo de suas trajetórias.

“A falta de incllusão e planejamento faz com que o modelo esteja fadado ao fracasso”, revela o professor da rede estadual, Graziano Uchôa, de 37 anos, sobre a execução do ensino à distância em Mato Grosso. Com o avanço da pandemia e o fechamento das escolas, a Secretaria de Estado de Educação (Seduc) desenvolveu desde agosto de 2020 uma plataforma online onde atividades são produzidas semanalmente, além de vídeo-aulas e jogos especiais para os alunos COTIDIANO | pág. 17

UNIVERSIDADE | pág. 5

Batalha na Alencastro e sua história

Criado no final da década de 70, o hip-hop segue conquistando adeptos. O freestyle em Mato Grosso tem seu pólo central na capital, Cuiabá, e seu ápice é a Batalha da Alencastro. Descubra como os organizadores precisaram reinventar em tempos de Covid-19.

CULTURA | pág. 10

Entrevista com Nieta Costa

A representatividade e a força política que a Casa das Pretas possui. Conheça um pouco da história de Nieta e da Casa.

ENTREVISTA | pág. 23

“É inviável trabalhadores de aplicativo fazerem entregas neste momento”

Cuiabá quebra jejum de 35 anos fora do cenário do futebol nacional e passa a disputar o Brasileirão na Série A

COTIDIANO | pág. 15

ESPORTE | pág. 19

Pandemia faz preços de alimentos dispararem. População carente é a que mais sofre com a alta dos preços

Alimentação e atividade física potencializam a saúde na infância

ECONOMIA | pág. 12

Empreendedorismo por necessidade se torna saída para trabalhadores durante a pandemia ECONOMIA | pág. 13

Extensões da UFMT contribuem para o enfretamento da Covid-19 em Mato Grosso UNIVERSIDADE | pág. 03

E. Pinheiro vs M. Mendes: muita coisa poderia ser feita se tivessem deixado o ego de lado. Embates seguem na pandemia. POLÍTICA | pág. 25

ESPORTE | pág. 22

Quando o agro é vida, é tudo

O Pantanal não está em chamas, mas ainda precisa de atenção. Apesar do fim das queimadas, há muito a ser feito.

MEIO AMBIENTE | pág. 22

MEIO AMBIENTE | pág. 29


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EDIÇÃO 2020/1 • JORNAL SÔFOCA

OPINIÃO

EDITORIAL

O uso correto de informação

salva vidas

O jornalismo sempre esteve nas ruas, e na pandemia permaneceu nelas para que outros pudessem ficar em casa.

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o último ano e meio em que o mundo se encontra diante de uma situação não vivida pela geração atual, é correto recorrer à frase ‘o brasileiro não desiste nunca’, pois, antes mesmo do coronavírus chegar ao país, a população já enfrentava outro tipo de vírus: o da desinformação. Desistir agora significa perder vidas, então é preciso um olhar de atenção aos estudantes e pesquisadores brasileiros. Apesar dos cortes de 34% da verba destinada ao Ministério da Ciência; 8,3% no CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e dos R$ 6 bilhões a menos no orçamento da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e Fundo Nacional de Ciência, nós não desistimos. Assim como a

pesquisa científica, que busca esclarecer algo, o jornalismo também tem um compromisso com a realidade, mesmo que, atualmente, ela não seja das melhores. Como ficar em casa se a verdade ainda permanece nas ruas? As relações humanas que o jornalismo proporciona na construção da verdade factual tiveram que ser adaptadas: vozes ainda precisavam ser ouvidas, mesmo que por um áudio no WhatsApp ou uma ligação pelo telefone. Matérias escritas em casa com contribuições das ruas, entrevistas presenciais com um adereço próximo à boca, sendo uma máscara e não um microfone. O jornalismo não desistiu, e este produto é uma prova disso: cada estudante e docente envolvido nesta travessia possui compromisso com a informação.

O uso correto da máscara ajuda a salvar vidas. O uso da informação, também. Apesar do esforço para ficar em casa, o mundo obrigava as pessoas a saírem dela, o que foi notado durante a produção deste jornal quando os estudantes, muitos atuando em campos de estagiário mesmo sem aulas presenciais, preci-

savam conciliar seus trabalhos em tempo integral com reuniões de pauta. O ‘fique em casa’ não existiu para elas, alguém precisava desmentir as fake news, e coube aos futuros jornalistas participarem também desse processo. Este jornal-laboratório, que pela primeira vez será exclusivamente digital, está repleto de reali-

dades, manifestadas nas 14 matérias aqui publicadas ou latentes no processo (invisível ao grande público, mas árduo aos jornalistas) de pesquisa documental e entrevistas. Com recursos ou não, o jornalista é essencial para que haja uma sociedade bem informada e, consequentemente, a manutenção da democracia.

SÔ FOCA | EDIÇÃO 2020/1 • UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO (UFMT) Reitor: Evandro Soares da Silva; Diretora da FCA: Taís Helena Palhares; Chefe de Departamento de Comunicação Social: Cláudia da Consolação Moreira; Coordenador de Ensino de Graduação em Jornalismo: Thiago Cury Luiz; Professores Responsáveis: Janaina Sarah Pedrotti, Thiago Cury Luiz, Professor Colaborador: Luãn José Vaz Chagas Editora-chefe: Janaina Sarah Pedrotti; Editor-adjunto: Glauber Vacarias; Editor de Diagramação: Lucas Ribeiro; Editora de UFMT e Meio Ambiente: Aline Martielly; Editora de Esporte e Cultura: Layse Ávila, Editor de Política e Economia: Davi Vittorazzi; Editor de Entrevista e Cotidiano: Marcos Salesse; Editor de imagem: Pedro Mutzenberg Filho; Editor de conteúdo digital: Davi Vittorazzi; Repórteres: Annelise Bertuzzi ,Anny Carvalho, Beatriz Santos, Camila Rondon, Isadora Dias, Juliano Patrick, Karine Rodrigues Garcia de Arruda, Letícia Corrêa, Matheus Morais Silva, Michael Esquer, Nayara Silva Chagas, Mayara Campos, Natália Veloso, Pedro Mutzenberg Filho, Pietra Buelli, Raynna Nicolas, Rodrigo Costa, Sarah Mendes, Tuani Awade, Tylcéia Tyza, Yasmim Oliveira; Revisores: Thiago Cury Luiz, Luãn José Vaz Chagas, Letícia Corrêa, Tylcéia Tyza.


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UNIVERSIDADE

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Ações de extensão da UFMT contribuem para o enfrentamento da Covid-19 em Mato Grosso No total, 133 projetos foram executados com o objetivo de amenizar os impactos da pandemia no estado Por Nayara Silva Chagas

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m 2020, o mundo foi surpreendido com uma das maiores crises sanitárias da sua história. A pandemia do coronavírus desestabilizou economias, escancarou crises políticas e expôs as vulnerabilidades sociais. Era impossível prever o impacto que um vírus, até então desconhecido pela comunidade científica, teria na vida e no cotidiano das pessoas. Em tempos de pandemia, uma esfera da sociedade emergiu como uma das mais essenciais no conhecimento do vírus e em seu enfrentamento. As universidades públicas vêm desenvolvendo um papel significativo, unindo e explorando seus três principais pilares: ensino, pesquisa e extensão. As contribuições perpassam a inovação científica e tecnológica, o apoio a comunidade e a promoção de informações verdadeiras e confiáveis. A Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) também tem trabalhado nas diversas frentes de combate à pandemia no estado através dos projetos vinculados à Pró-Reitoria de Cultura, Extensão e Vivência (PROCEV). Apesar do momento exigir isolamento social e a suspensão das aulas presenciais, as atividades da universidade não pararam. Diversas ações de extensão foram desenvolvidas com o objetivo de contribuir com o cenário da pandemia em Mato Grosso. Segundo a coordenadora de extensão da UFMT, Sandra Jung de Mattos, as ações de extensão permitem estabelecer uma interação dialógica da comunidade acadêmica com a sociedade. “A extensão universitária é configurada pelo diálogo, pela troca de conhecimento, participação e contato com as questões

Ao total, mais de 80 mil litros de álcool em gel foram produzidos e doados pelo projeto Foto: Cedida pelo projeto

sociais. Ela fomenta também a formação cidadã dos estudantes, marcada e constituída pela vivência do seu conhecimento de modo profissional e interdisciplinar”, explica. Sandra lembra ainda que as atividades desenvolvidas pela UFMT nos projetos tiveram os cuidados em relação às regras de biossegurança e distanciamento social. “Todas as ações aconteceram se adaptando às normas da vigilância sanitária. As que puderam se adaptar contaram com a ajuda da tecnologia e aconteceram de maneira virtual, via telefone e as mais variadas formas para chegar o mais próximo possível das pessoas, principalmente com informações que pudessem ajudar as pessoas a se prevenir”. No ano de 2020, nos cinco campus da UFMT, 133 projetos foram executados voltados especificamente à crise sanitária da covid-19 no estado. Os enfoques desses projetos se concentraram em setores sociais importantes como a economia, política, cultura e o social. Abrangeram também

áreas do conhecimento como a saúde, tecnologia, produção e comunicação.

“Os projetos foram executados em parceria com várias instituições e organizações, públicas e privadas do estado” Com a chegada do vírus no Brasil, a alta procura por insumos básicos de assepsia, como o álcool em gel e o álcool 70%, provocou um desabastecimento geral nos estados, inclusive em hospitais que já tratavam pacientes de covid-19. Diante da urgência, surgiu o projeto de extensão “Produção de álcool-gel desinfetante na UFMT para enfrentamento da pandemia de Covid-19”,

idealizado pelo departamento de Química da UFMT campus Cuiabá. Segundo o professor responsável pelo projeto, Ailton José Terezo, a ideia das formulações de preparo de álcool em gel surgiu através de uma parceria. “Já estávamos trabalhando no laboratório da Central Analítica de Combustíveis localizado na UFMT, na análise de qualidade de mais de 300 mil litros de álcool líquido 70%, que seriam doados por meio de uma parceria entre o governo do estado e de usinas associadas ao Sindicato das Indústrias Sucroalcooleiras do Estado de Mato Grosso (Sindalcool)”. A proposta do governo era trabalhar o álcool da doação para produzir também a sua versão em gel, mas as matérias primas e o maquinário não eram suficientes. Terezo explica que, a partir da ideia, se organizou para que o projeto pudesse acontecer por meio da universidade. “O processo de preparo do álcool em gel exigia outra formulação, não era possível produzir a partir do

álcool da doação. Então, resolvemos por meio da Pró-Reitoria de Planejamento (Proplan) da UFMT submeter um pedido de recurso financeiro ao Ministério da Educação e da Cultura (MEC). Neste pedido, fizemos a previsão de produzir 50 mil litros no período de sete meses”, conta. A organização da produção começou com o planejamento e previsão financeira da aquisição de maquinários, insumos e equipamentos de controle de qualidade. Para que tudo acontecesse, o projeto contou também com o apoio da sociedade civil, que por meio de doações fomentaram o aumento da produção. “Com a alta exponencial dos casos no estado, o país já estava todo desabastecido, empresários e gestores públicos se solidarizaram com o projeto e fizeram a doação de maquinários e equipamentos para que a produção atendesse a demanda do estado”, explica o professor. Com a união da sociedade, o professor conta que o projeto precisou enfrentar ainda outros desafios. “A Universidade como instituição, não tinha instrumento para comprar o álcool etílico direto das usinas, que só era vendido à distribuidores. Também tivemos dificuldades na compra de insumos poliméricos, utilizados para dar a consistência de gel ao álcool, com a pandemia tudo estava muito escasso nos mercados e nas indústrias do mundo inteiro”. Apesar das dificuldades, as doações fizeram do projeto um dos principais produtores de álcool em gel da região. Com a produção em larga escala, o projeto precisou ser remanejado para o Centro Olímpico de Treinamento (COT) da UFMT, o


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que evidenciou também a importância do voluntariado para a produção. Terezo reflete ainda a importância da participação de alunos e professores nas ações do projeto. “Toda a parte de insumos e equipamentos foi importante, mas nada disso teria se tornado realidade se não fosse os voluntários. Cerca de 60 estudantes se revezaram entre turnos, para dar conta da produção. Em torno de sete professores se dividiram na gerência de setores como controle de qualidade, produção, envasamento, expedição e logística...foram eles que fizeram isso acontecer”. Com a consciência da letalidade da pandemia, todas as regras de biossegurança foram seguidas. Além da divisão por turnos, para evitar aglomerações, os participantes foram todos paramentados com máscaras e receberam álcool 70% para assepsia das mãos e superfícies. Em outubro de 2020, a produção no COT foi encerrada com o montante de 76 mil litros produzidos. A estrutura foi novamente levada ao laboratório da Central Analítica de Combustíveis onde foram produzidos mais 8 mil litros, totalizando 84 mil litros de álcool em gel. As doações atenderam prioritariamente hospitais públicos e universitários, serviços de segurança, cidades do interior e comunidades em situação de vulnerabilidade, além da própria universidade. A esperança na época, era que em fevereiro de 2021, todos os campus da UFMT retornassem com as atividades presenciais. Cerca de cinco mil litros de álcool em gel foram reservados para esse retorno, o que não aconteceu. A segunda onda de contaminação foi mais forte e precisou contar com ainda mais reforços.

A construção dos ventiladores contou com ajuda de oito estudantes de graduação, além da participação de três professores da área de Engenharia Mecânica, Medicina e Enfermagem. Foto: Cedida pelo projeto

A contribuição da Engenharia Mecânica na construção de respiradores Foi na Universidade Federal de Rondonópolis (UFR), que surgiu outro projeto que tem auxiliado na fase crítica da pandemia. Apesar dos sintomas serem semelhantes ao da gripe comum, o vírus da covid-19 compromete as funções pulmonares rapidamente, deixando o paciente incapacitado de respirar por conta própria. O projeto “Missão Covid - Construção de ventiladores mecânicos” foi criado com o objetivo de construir ventiladores para auxiliar na respiração de pacientes que apresentam algum tipo de insuficiência respiratória, como também no deslocamento entre as unidades hospitalares locais. Heinsten Frederich Leal dos Santos, professor do Instituto de Ciências Agrárias e Tecnológicas da UFR e responsável pelo projeto, conta que o objetivo maior de se criar e manter um projeto com essas características é tentar amenizar os impactos que a pandemia tem causado na comunidade. “Nós como instituição de ensino pública, precisa-

mos ter essa interação com a sociedade. Trabalhamos diariamente para que seus anseios sejam atendidos através do conhecimento”. Os cursos de Engenharia Mecânica, Medicina e Enfermagem somaram forças para que os ventiladores mecânicos fossem eficientes e atendessem as necessidades dos pacientes. O professor conta que tiveram ajuda não só de professores, mas também de médicos da Unidade de terapia intensiva (UTI) da Santa Casa de Misericórdia do município. “Para construir esse tipo de ventilador é preciso levar em consideração a pressão pulmonar e o fluxo de oxigênio do paciente, todo detalhe é importante para ter a certeza que o equipamento vai ajudar e não ocasionar alguma lesão”. Os investimentos para que o projeto pudesse ser realizado, veio por meio de parcerias. O Ministério Público de Mato Grosso (MPMT) foi um dos principais apoiadores do projeto, que auxiliou com o recurso financeiro para a realização da compra de

materiais e equipamentos. A proposta inicial do projeto era uma operação em três etapas: a primeira com a construção de ventiladores mecânicos, a segunda com ventiladores mecânicos-controlados e a terceira com ventiladores pneumáticos. A principal diferença entre eles é que na modalidade pneumática o aparelho assume por completo a mecânica da respiração, enquanto os outros dois, o paciente é estimulado pelo ventilador, que tem a maior participação na respiração. Heinsten explica que entre as possibilidades de entregas, o ventilador mecânico-controlado foi o que apresentou melhor resultado no protótipo. “Com o ventilador mecânico-controlado conseguimos garantir coisas simples, mas que são essenciais para a sua eficácia. Uma delas foi que a pressão fosse positiva, ou seja, que não deixasse o pulmão sem pressão, o que ocasionaria no “colamento” dos alvéolos, além de estabelecer um controle preciso do ar e do oxigênio injetado”. Apesar de ser consi-

derado um ventilador de baixo custo, o material utilizado foi pensado para oferecer maior qualidade ao aparelho. Como o momento exige todo um cuidado em relação à higienização, o material escolhido para compor os ventiladores foi o inox. “O aparelho é utilizado por inúmeros pacientes, para esse compartilhamento, ele precisa passar por uma higienização e desinfecção total, sendo que alguns materiais, como o acrílico por exemplo, podem ser corrompidos por produtos ou altas temperaturas, o que não acontece com o inox”, conclui Heinsten. O projeto contou com o auxílio de oito estudantes de graduação do curso de engenharia mecânica, sendo inicialmente uma participação voluntária e nos últimos três meses com auxílio financeiro advindo do MPMT. Como o projeto abordou todas as etapas desde a elaboração até a sua construção, todos os alunos puderam participar desde o acompanhamento da construção em plataforma CAD, ou seja, do desenho do

projeto em 3D, nos cálculos de circuitos e componentes eletrônicos, até na parte de montagem e testes. Guilherme Silva Prado, um dos estudantes participantes, conta que trabalhou na fase da elaboração do projeto eletrônico e na fase de construção final dos ventiladores, prática importante para sua graduação. “Sem dúvidas, o que o projeto mais agregou para a minha graduação foi a de poder associar os conceitos teóricos apresentados em aula, na prática de um projeto tão complexo e importante”. Prado conta ainda que se sente orgulhoso e muito feliz em poder ajudar a sociedade em um momento tão crítico. “Muitas vezes, em cidades pequenas no interior do estado há faltas desses equipamentos, são nesses locais que vemos um leque de atuação para ajudar a comunidade. Particularmente me sinto orgulhoso em poder participar de um projeto tão relevante para a comunidade, poder ter essa experiência de auxiliar no mantimento de uma vida, isso é o mais bonito, agre-


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EDIÇÃO 2020/1 • JORNAL SÔFOCA ga no currículo, mas agrega muito mais no ser humano”. Além do auxílio à comunidade, o projeto também resultou em uma patente de ventiladores mecânicos-controlados pela UFR. Apesar dos ventiladores já existirem como produto, as alterações realizadas para seu funcionamento de acordo com as necessidades dos pacientes de Covid-19 deram início a um novo. No total, 20 ventiladores foram construídos e catorze doados para instituições de saúde, os outros seis ainda em fase de finalização, serão doados até o fim do primeiro semestre de 2021.

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“Com o avanço e a gravidade do vírus, os respiradores ficaram escassos na maioria dos hospitais que tratavam pacientes da doença”

A análise da desigualdade de gênero durante a pandemia pela comunicação Apesar da pandemia atingir diretamente o setor de saúde, outras esferas da sociedade sofreram com seus impactos. A desigualdade social ficou ainda mais evidente, principalmente em países que tiveram suas economias duramente equipamento atingidas. No Brasil, não só a disparidade entre ricos e pobres aumentou, a desigualdade de gênero também ficou ainda mais visível. As mulheres, que antes já tinham jornada de trabalho dupla, ao cuidar da casa e dos filhos, precisaram ficar em regime de home office. Outras enfrentaram o desemprego e precisaram se expor ao vírus saindo de suas casas, em busca do sustento da família, mas grande parte delas precisaram lidar também com a violência no ambiente domiciliar em pleno isolamento.

O perfil da violência de gênero em Mato Grosso, apontam taxas de mortalidade feminina maiores que a do próprio país. De acordo com levantamento realizado pela Revista AzMina, Amazônia Real, Agência Eco Nordeste, #Colabora, Marco Zero Conteúdo, Portal Catarinas e Ponte Jornalismo, enquanto o Brasil apresenta a taxa de feminicídio durante a pandemia de 0,56 para cada 100 mil mulheres, no Mato Grosso ela foi mais que o dobro: de 1,72 a cada 100 mil habitantes mulheres. A comunicação no projeto “Pauta gênero - Observatório de Comunicação e Desigualdades de Gênero” da UFMT tem auxiliado por meio da observação e da análise a entender como a mídia no estado, especificamente na capital Cuiabá, está trazendo o assunto diante

de suas pautas. Em 2020, a professora recebeu um convite para coordenar uma equipe na região Centro-Oeste para contribuir com o Projeto de Monitoramento Global de Mídia (Global Media Monitoring Project (GMMP), o maior monitoramento de jornalismo do mundo, que acontece de cinco em cinco anos. “Já que eu teria que montar uma equipe sensível às desigualdades de gênero na mídia, sobretudo em meios jornalísticos, aproveitei para formalizar o convite à equipe, que aceitou o desafio”, comentou. Tamires relata ainda que a comunicação tem a obrigação de refletir sobre as desigualdades, pois todo processo comunicativo está inscrito em um contexto, tem atravessamentos políticos e culturais. “A mídia pode silen-

ciar, perpetuar opressões, ou pode agir para que a sociedade se conscientize, questionar normas e valores vigentes, promover outras angulações sobre os acontecimentos. As mulheres precisam estar em cargos de chefia, em posições de decisão nos meios de comunicação, é preciso fomentar pautas que reflitam sobre desigualdades de gênero em uma perspectiva interseccional”. As ações do observatório se concentram na produção de análises sobre acontecimentos e problemas com grande reverberação social, com uma linguagem didática, de modo a abordar as minúcias das desigualdades de gênero que atravessam a sociedade brasileira em textos curtos e fáceis de ler. Há também um monitoramento de mídia a partir de uma adapta-

ção da metodologia do GMMP, analisando fontes, presença de mulheres, estereótipos de gênero e padrões de cobertura. Essas reflexões também chegam à sociedade com objetivo de formação e conscientização por meio das redes sociais. Apesar de inicialmente o projeto ser registrado pensando em concentrar esforços erefletir sobre o momento de pandemia, já que o cenário de contaminação de Covid-19reconfigurou o cotidiano e afetou também as desigualdades de gênero, em 2021 ele foi ampliado. Atualmente conta com integrantes de todas as regiões do país, excetuando aregião sudeste, o que torna a análise com uma visão mais ampla e de uma perspectiva comparativa mais complexa.

Saiba como ficaram os auxílios da UFMT durante a pandemia

Estudantes de baixa renda têm direito aos auxílios moradia, alimentação e permanência durante a graduação na instituição; com a pandemia, novos auxílios foram criados para garantir a inclusão digital dos estudantes

Por Mayara Campos e Yasmin Oliveira

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studar na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a principal instituição de ensino superior do estado, é uma conquista para muitos estudantes que dedicam horas de estudo em busca da aprovação. Mas, nem todos possuem condições financeiras para o sustento durante a média de quatro anos dedicados ao curso superior, como é o caso de alunos que vêm de longe para conquistar o diploma em um dos quatro campus da UFMT. Portanto, todo discente que ingressa na instituição, e possui baixa renda

familiar, tem o direito de solicitar algum dos auxílios que a universidade oferece. A Pró-Reitoria de Assistência Estudantil (Prae) é a entidade responsável pela gestão e acompanhamento das políticas institucionais voltadas à assistência estudantil. Ela é quem formula e executa as ações afirmativas que auxiliam os estudantes, como por exemplo, o fornecimento dos auxílios aos alunos. De acordo com os dados oficiais fornecidos pela Prae, 1411 alunos foram contemplados pelo auxílio de inclusão digi-


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tal, podendo ser um ou mais deles. A bolsa de acesso à internet é de R$ 70 mensais para a contratação de pacotes; o auxílio de aquisição de equipamento poderia ser de R$1500 ou R$800, para a compra ou aluguel de eletrônicos com acesso à internet. Os contemplados precisaram comprovar a renda per capita da família de até um salário mínimo e meio. Quais são os auxílios e para quem são destinados? A PRAE é a responsável pela elaboração de programas, ações e projetos voltados para a qualidade de vida da comunidade acadêmica, trabalha com o objetivo de amparar discentes em situação socioeconômicas, culturais e de aprendizagem desfavoráveis. Para isso, eles têm como fonte o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) e dispõem dos seguintes auxílios: • Auxílio Permanência: ajuda financeira no valor de 400 reais que tem como objetivo amparar os estudantes de graduação, contribuindo então para a permanência e conclusão do curso na universidade; • Auxílio Moradia: disponibilizado para alunos de baixa renda nos quais familiares residem fora município onde localiza-se a universidade/ campus; • Auxílio Emergencial: destinado à estudantes com dificuldades socioeconômicas e que possuam renda bruta menor que um salário mínimo e meio; • Auxílio Evento: recurso destinado à apoiar discentes na apresentação de seus trabalhos em eventos científicos, artísticos e de cunho cultural, além de eventos políticos-estudantis. O auxílio é válido somente no Brasil, seu valor consiste em passagem terrestre ida e volta para o local do evento; • Auxílio Material Pedagógico: é um suporte financeiro para alunos matriculados em cursos presenciais de graduação na UFMT, seu propósito é garantir a aquisição de

materiais indispensáveis durante os períodos; • Programa de Acolhimento Imediato (PAI): para estudantes de outros municípios que necessitem de moradia de forma imediata e emergencial; • Programa Apoio à Inclusão: visa acompanhar e desenvolver ações que promovam a inclusão de estudantes deficientes, indígenas e quilombolas. Podem participar alunos devidamente matriculados e que tenham interesse em elaborar atividades inclusivas; • Auxílio Alimentação: para estudantes da graduação e pós-graduação, sendo disponibilizado de duas forma: - subsídio integral - alunos com vulnerabilidade socioeconomicas comprovadas não precisam pagar refeições pelo RU. - subsídio parcial - todos os outros acadêmicos têm acesso subsidiado ao restaurante universitário, pagando os seguintes va-

lores: Café da manhã R$ 1, Almoço R$ 2,50 e Jantar R$ 2,50. Com a pandemia do novo coronavírus que atingiu o mundo todo, as diligências da UFMT precisaram ajustar as ações de assistência estudantil, de acordo com os princípios e objetivos da Política de Assistência Estudantil. Assim, os estudantes em vulnerabilidade socioeconômica teriam acesso aos auxílios. A crise econômica no Brasil se alastrou devido à pandemia. Muitos brasileiros perderam empregos e suas principais fontes de renda, por conta dos riscos à saúde que a covid-19 causa e que necessitam de um isolamento domiciliar de toda a população para conter o avanço, afetando a economia brasileira. Cientes do cenário brasileiro, a UFMT precisou pensar em novos auxílios para a permanência dos estudantes na instituição, pois com as aulas presen-

ciais suspensas por tempo indeterminado, nem todos os alunos possuem acesso à internet ou equipamentos para assistir às aulas à distância. Foi preciso então criar o auxílio de inclusão digital e o de caráter emergencial, como o adicional de alimentação, pois o recurso tradicional era subsidiado junto ao Restaurante Universitário, onde os alunos contemplados ganhavam bolsas com todas as refeições diárias fornecidas pelo RU. Mas, com a pandemia, o restaurante precisou ser fechado como medida de biossegurança para evitar aglomerações, deixando de atender 779 alunos bolsistas. O auxílio de inclusão digital contemplou os estudantes matriculados em cursos presenciais, disponibilizando apoio financeiro para o acesso à internet e para a aquisição ou locação de equipamentos digitais, para a

acessibilidade dos alunos às aulas. Para 2021, segundo a dirigente da Prae, a professora Lisiane Pereira de Jesus, a UFMT está aguardando a aprovação da Lei Orçamentário Anual (LOA) para implementar a concessão de mais auxílios, mas são garantidos 2012 auxílios, sendo eles: permanência, moradia, alimentação e suplementar. Em relação ao ano de 2020, é previsto uma redução de 22% nos repasses à instituição, sob um valor de R$ 10.089.215. Em contato com a assessoria, a UFMT declarou que está concluindo os estudos de aplicação dos recursos, para informar à comunidade interna e sociedade sobre os valores que serão destinados ao Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES). Veja os totais de bolsas disponibilizadas em 2020:

ESTUDANTES BENEFICIADOS EM 2020 CAMPUS UNIVERSITÁRIO:

CUIABÁ

SINOP

ARAGUAIA

VÁRZEA GRANDE

TOTAL DE AUXILIADOS

AUX. PERMANÊNCIA:

741

167

200

109

1.217

AUX. MORADIA:

242

103

122

64

531

AUX. ALIMENTAÇÃO:

189

61

44

46

340 2.088

TOTAL:

AUXÍLIOS EMERGENCIAIS CAMPUS UNIVERSITÁRIO INCLUSÃO DIGITAL ACESSO À INTERNET

AQUISIÇÃO ACESSBILIDADE

LOCAÇÃO

TOTAL:

CUIABÁ

SINOP

ARAGUAIA

VÁRZEA GRANDE

TOTAL DE AUXILIADOS

459

72

110

51

692

25

1

4

1

31

458

71

105

54

688 1.411


EDIÇÃO 2020/1 • JORNAL SÔFOCA O lado dos estudantes da universidade Em entrevista ao “Sô Foca”, alguns estudantes de graduação da UFMT relataram de forma anônima sobre as dificuldades durante a permanência na instituição e os auxílios que recebem ou que foram cortados. Dos três entrevistados, todos relataram que o acesso às informações durante o processo para pedir os auxílios é falho e confuso, fora a demora para aprovação. O estudante de economia precisou passar por duas análises para ter o processo aprovado na Prae e ainda entrou em fila de espera. “Foram cerca de dois anos até a aprovação, eu entrei na lista de espera no final de 2019, e só fui contemplado em maio de 2020” relata o aluno. Para os estudantes, os auxílios são fundamentais para o pagamento das contas e subsistência, como é o caso do aluno de física, que durante a pandemia precisou retornar à cidade natal, mas não conseguiu ficar em casa com os pais devido aos desentendimentos. “Eu fiquei sem um lugar para morar, visto que morava na casa do estudante e ela estava fechada, em isolamento. Fiquei na casa de amigos até ser contemplado com o auxílio moradia” disse o estudante que recebe os três auxílios, permanência, moradia e alimentação desde julho de 2018. Já outra estudante de física, de 24 anos, não teve tanta sorte e acabou ficando sem os auxílios que eram fundamentais para sua subsistência. Ela recebia o auxílio permanência, alimentação e moradia desde o final de 2018, mas foram cortados na metade de 2020. Além da dificuldade inicial em conseguir os

auxílios por conta da burocracia e a demanda de diversos documentos e comprovações, a aluna chegou até a morar de favor em casa de desconhecidos e a fazer diversos trabalhos como freelancer, para se manter na faculdade em Cuiabá. Ela é de Porto Velho (RO) e mudou-se para a capital mato-grossense apenas para os estudos. A aluna de física foi prejudicada pela falta de acesso à internet, pois como estava sem celular e computador durante a renovação dos auxílios em 2020, ela não conseguiu ir atrás do motivo pelo qual o dinheiro foi cortado, e no meio disso, ela ainda reprovou de algumas matérias e perdeu o direito. “Foi uma pena, pois eu tinha como justificar esse semestre que bombei; tentei entrar com recurso quando consegui um celular, e enviei vários e-mails à Prae, mas nada foi feito. Acabei voltando a morar de favor, mas consegui me cadastrar em outros auxílios” relata a aluna. Por fim, conseguiu ser contemplada pelo auxílio emergencial de alimentação e o de inclusão digital, podendo adquirir um celular para o auxílio aos estudos, e em 2021, recebeu um notebook disponibilizado pela UFMT para as aulas. PRAE: acolhimento psicológico para alunos da UFMT Com o surgimento da pandemia de Covid-19, no início de 2020, foi necessário estabelecer alguns cuidados emergenciais, tais como o distanciamento social, por consequência surgem as aulas de ensino à distância. Além de todas as preocupações sanitárias, a chegada do vírus ainda refletiu no emocional da população universitária. Em razão

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Além dos auxílios financeiros, a PRAE da Universidade Federal de Mato Grosso tem oferecido auxílio psicológico. Foto: Secomm UFMT

Para os estudantes, os auxílios são fundamentais para o pagamento das contas e subsistência. disso, a Pró-Reitoria de Assistência Estudantil reformulou o serviço de acolhimento psicológico aos alunos da graduação e pós-graduação, tornando-o online desde 25 de Março do mesmo ano. No entanto, o ‘Sô Foca’ ouviu alguns alunos da universidade, que garantem que na prática o serviço deixa a desejar: “Não acredito que venha funcionando nesse momento de distanciamento, já que mesmo na modalidade presencial não dispunha de êxito na atuação. Conheço colegas que tiveram de usar toda a bolsa do auxílio permanência para pagar ajuda psicológica”, garante o aluno,

que não deseja ser identificado. Já outro estudante, mesmo tendo dispensado o recurso, declara ter aprovado a iniciativa: “achei bem organizado, fui respondido rapidamente, mas acredito que deixaram a desejar na divulgação”. Ao ser contatada, a psicóloga Leihge Roselle, uma das responsáveis pela elaboração do projeto, diz que não é possível comparar a modalidade presencial com a online, visto que elas não possuem a mesma estrutura, nem as mesmas demandas: “Algumas pessoas podem não ter se sentido acolhidas no presencial por conta da elaboração anterior, a proposta de trabalho era diferente. Nosso atendimento é uma forma de oferecer uma escuta qualificada, baseada nas ciências e técnicas psicológicas que visam uma orientação mais precisa. No online, podemos dizer que o projeto vem crescendo para outras demandas de acordo com a necessidade do estudante”. A profissional ainda afirma que o objetivo do serviço ofertado ainda é pouco compreendido pela comunidade. “Nossa proposta não é atender no sentido clínico, mas pro-

mover saúde e condições para que o estudante possa vivenciar seu processo acadêmico”, explica. O serviço de acolhimento e orientação psicológica funciona como forma de triagem, em que a universidade apresenta instituições nas quais o estudante possa receber atendimento adequado e a longo prazo. Com o surgimento da pandemia foram necessárias adaptações na estrutura do projeto, sendo reformulado de forma que pudesse atender as demandas próprias do período, como por exemplo as experiências e vivências do luto. Oficinas de administração do tempo e organização acadêmica também foram disponibilizadas aos alunos. Para participar basta enviar uma solicitação para o email destinado ao seu campus: Araguaia: SAE/Araguaia - servpsico.cua@ gmail.com; Cuiabá: PRAE/UFMT - psipraeonline@gmail. com; Sinop: SAE/Sinop - psicologiaufmtcus@gmail. com; Várzea Grande: SAE/ VG - psicologiasaevg@ ufmt.br.


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CULTURA

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Artes, saúde mental e exercício físico:

A construção da maternidade no contexto da pandemia de Covid-19 O distanciamento social impôs desafios, mas também trouxe novas alternativas para a assistência a gestantes e puérperas. Por Camyla Rondonn e Raynna Nicolas

O

projeto “Ateliê Gestando Arte” surge em um contexto onde a maternidade que é, por si só, uma experiência solitária, se viu diante da pandemia de Covid-19 que trouxe consigo o isolamento social e o enfraquecimento das redes de apoio. Diante disso, uma equipe de doulas, artistas e uma psicóloga se propuseram a pensar maneiras de ultrapassar as barreiras impostas pelo coronavírus e oferecer auxílio às gestantes. A iniciativa foi contemplada pela Lei de Emergência Cultural, a Aldir Blanc e buscou ser um alento para as mães dos bairros Jardim Imperial e Pedra 90, em Cuiabá, uma região que é considerada periférica. Além de fortalecer a rede de apoio às gestantes durante a pandemia, o objetivo era levar essas atividades a lugares que, mesmo antes da crise sanitária, possuíam menos acesso aos serviços e informações de assistência à gestante. À princípio, as organizadoras do projeto apostavam em uma melhora na situação epidemiológica da Covid-19, mas se depararam com uma nova onda da doença, mais for-

Mulheres participando do Ateliê Gestando Arte durante a pandemia. Foto: Katelyne Rocha.

te e devastadora, nos meses de março e abril de 2021, período que concentrava a maior parte das atividades do Ateliê. “Aquilo que a gente imaginou lá no início do projeto é que iria melhorar com o tempo, que a gente ia conseguir ir lá nas USFs (Unidades de Saúde da Família) nos encontros com as gestantes, nos aproximar mais delas e aí a gente se viu em uma situação cada vez pior”, contou Ana Mathilde, idealizadora do projeto e presidente da Associação de Doulas de Mato Grosso (Adomato). Já Ana Flávia Klippel, vice-presidente Adomato e também idealizadora do projeto relata que, diante da piora da pandemia, foi um desafio pensar em alternativas que pudessem contemplar as gestantes periféricas, cuja adesão estava baixa mesmo em relação aos pré-natais médicos. “Uma coisa que me impactou foi como essas mães estavam também porque, mais do que nunca, elas estavam tendo dificuldade de acesso a muita coisa. Elas estão passando esse gestar totalmente sozinhas no meio desse medo, dessas

angústias desse momento”, lamentou. Segundo Ana, o comentário das enfermeiras e agentes de saúde era de que as gestantes estavam cada vez mais isoladas, sem frequentar sequer o pré-natal e muitas vezes com medo até de receber os profissionais de saúde em casa. Tudo isso dificultou a adesão dessas mu-

“A proposta são atividades em grupo, então também tem essa ideia de proporcionar um espaço em que elas possam se encontrar e acontecer essa troca de experiências” Thaisa Soares, psicóloga

lheres ao projeto. A perspectiva que as gestantes enfrentavam era de um universo de 1.890 grávidas infectadas e 33 mortas devido ao coronavírus em Mato Grosso, no período de um ano. Em contrapartida, para as idealizadoras do Ateliê Gestando Arte, os núme-

ros só refletiam o quanto a rede de apoio era necessária. “Essa proposta vem pensando nesse borbulho de sensações e sentimentos da gravidez que, no contexto da pandemia, foi ainda mais intensificado, ainda mais sem ter um apoio. As próprias doulas tiveram que suspender as atividades. Então vem nessa proposta de criar uma comunidade para que a gente trocasse, conversasse. A gente até usava o slogan de maternidade em construção que é você ir gestando aquilo, não só o bebê, mas todas aquelas ideias sobre maternidade e através da arte dar vazão para isso”, explica Ane Mathilde. Com esse objetivo, ao longo dos últimos dois meses, o projeto desenvolveu oficinas online de pintura, manualidades, modelagem, autorretrato e uma série de rodas de conversas com temas relacionados ao parto, aleitamento, puerperalidade e rede de apoio. Ana Flávia conta que muitas vezes o acesso das gestantes aos aparelhos adequados ou até mesmo à internet era restrito. “Muitas [gestantes] têm dificuldade com o on-

line e as que conseguem, às vezes não conseguem baixar o aplicativo e isso foi uma das coisas que impactou. Como a gente pode levar isso? Ser apoio nesse momento?”, pontuou. Dentre as alternativas encontradas, a ponte por meio das agentes de saúde foi a principal. Contudo, o projeto também não mediu esforços para fazer parte da vida dessas gestantes, levando, inclusive, os materiais para as oficinas até a casa das participantes. Além disso, o Ateliê contou ainda com a Roda de Escuta Terapêutica, conduzida pela psicóloga Thaisa Soares, que explica a atividade como um momento de reconhecimento da gestação. “A proposta são atividades em grupo então também tem essa ideia de proporcionar um espaço em que elas possam se encontrar e acontecer essa troca de experiências, de poder acessar o que é comum em torno da maternidade, mas também aquilo que é singular, a experiência de cada uma delas”, ressalta a psicóloga. Thaisa ainda acrescenta que, no contexto de


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pandemia, as rodas de escuta estabelecem uma oportunidade de rede de apoio. “No nascimento, funda um bebê, mas também funda uma mãe e quem cuida desse bebê também precisa de cuidados”, diz. Saúde mental Se antes da pandemia a saúde mental durante a gestação era pouco explorada, na pandemia a adesão aos cuidados psicológicos na gravidez e puerpério também teve as dificuldades acentuadas. É o que explica a psicóloga Edileuza Silva, que, apesar de não participar diretamente do projeto “Ateliê Gestando Arte”, contribui com sua atuação profissional no caso em que é identificada a necessidade. “O que eu percebo hoje, na minha prática, é que essas mulheres estão muito mais reservadas, estão cada vez mais fechadas, elas com o bebê, estão ainda mais protetoras e isso tem efeitos, choram bastante, tem muito medo. A pandemia está travando a proximidade com a gestante, ela está sofrendo e os cuidados com a criança aumentaram”, pontua. Esses “efeitos”, segundo a psicóloga, transpassam a ansiedade, a insônia, os problemas com a autoimagem e com o relacionamento com os outros. “É um processo difícil e de potencial crise para muitas mulheres, então a ansiedade, insônia, problemas de relacionamento com o parceiro ou com a falta dele, com a família, lidar com o outro,

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com os palpites, os achismos e a visão do mundo. Isso também passa por um processo de deixar fluir essa coisa de ser mãe”, comenta. É nessa necessidade que insere o pré-natal psicológico, um acompanhamento ainda pouco difundido e que traz consigo a ideia de um atendimento voltado para maior humanização do processo gestacional. O modelo pode ser um dos pontos de partida da mulher no reencontro consigo e no reconhecimento das novas experiências advindas da maternidade. Por isso, o pré-natal psicológico tem a potencialidade de prevenir o desenvolvimento da depressão pós-parto, uma doença que assola uma em cada quatro mães brasileiras, segundo estimativas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Os sintomas mais comuns vão desde tristeza até alterações no apetite, apatia, exaustão e pensamentos de morte. Para a psicóloga Edileuza, o principal desafio é fazer com que as gestantes tenham acesso à informação sobre a existência do acompanhamento especializado. “A gente cuida da mulher em todo o processo, inclusive no pós-parto. Mas o principal desafio é que elas não sabem que podem contar com isso. O que tem acontecido muito é uma parceria dos psicólogos que fazem esse trabalho com as doulas e que é ótimo, porque quando elas percebem que tem uma demanda que está além da capacidade delas, elas encaminham, é o

Karine no 8 mês de gestação praticando musculação. Foto: Arquivo pessoal/InstagramRocha.

que acontece muito comi- quarentena fosse breve e que logo tudo voltasse ao go”, afirma. normal. Mas, de repenMusculação duran- te, Karine se viu de frente a gravidez na pan- te com um cenário onde tudo coexistia: As acadedemia Se por um lado, na mias fechadas, as aulas pandemia, com o estresse online, o teste positivo de e ansiedade acentuados, gravidez e de Covid-19 as gestantes precisam de também. Foi nesse moatenção à saúde mental, a mento que as incertezas saúde física também não com o futuro tomaram seus pensamentos. deve ser negligenciada. Nesse contexto, uma A revista americana ‘Molecular Biology’ em das atividades da qual um estudo recente, mos- Karine não abriu mão foi trou que o exercício fí- a musculação, atividade sico melhora as funções que realiza desde os 17 cerebrais envolvidas na anos e participou de camdepressão e reduz o pro- peonatos de fisiculturiscesso inflamatório dos mo. Pois para ela, treinar neurônios. Nos graus leve é igual respirar, mas devie moderado da doença, a do à gravidez, os treinos, atividade física pode re- pesos e séries de exercíduzir significativamente a cios foram adaptados. Karine conta que seus necessidade de remédios. Karine Abido, 35, per- alunos, além de outros sonal trainer, casada, é frequentadores da acauma das mulheres que vi- demia e amigos em suas veu na pele os efeitos de redes sociais, se espanpassar por uma gestação taram com ela fazendo durante a pandemia, e exercícios e “carregando” os benefícios da ativida- peso em plena gestação, o de física. Karine decidiu que para muitos não seria engravidar no início de nada fácil. A profissional 2020 e logo nas primeiras relata que com a experitentativas o resultado po- ência e hábito, realizar os exercícios era tranquilo sitivo chegou. A expectativa da per- até 38 semanas da gestasonal trainer era de que a ção. Segundo Karine, durante todo o período da gravidez não houve nenhuma intercorrência Gestando Arte médica e a personal seguiu todo acompanha-

Conheça melhor o projeto clique aqui para entrar no site Ateliê

Fotos: Katelyne Rocha

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mento do pré-natal. Os olhares eram inevitáveis, uma grávida, treinando, em plena pandemia: “Que irresponsável”, assim era referida por alguns ao seu redor. Mas com o apoio do esposo em todas as situações, Karine se tranquilizava. “As pessoas falam que ser mãe é inexplicável, e realmente, é muito amor, não tem como dizer com palavras, e está sendo sem dúvida, a maior e a melhor coisa que estou vivendo até hoje, não se compara”, afirma . A pequena Luiza, nasceu com 39 semanas, de parto normal e 20 dias após o parto, Karine já voltou às atividades. Com a volta aos treinos, a rotina da mãe se alterou, agora é preciso um treino mais curto, e toda a assepsia ao retornar para casa, pois a saúde de ambas é essencial. A personal também lembra que a atividade física durante a gestação e puerpério não tem a finalidade de performar o corpo, mas sim a manutenção da saúde. Ela ainda destaca que diversos estudos mostram os benefícios dos exercícios para a saúde física, mental e emocional, podendo, inclusive, prevenir em alguns casos a depressão pós parto.


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Batalha da Alencastro:

O rap freestyle fora dos eixos A Batalha da Alencastro faz o seu sexto aniversário durante a pandemia, mostrando o crescimento do freestyle mato-grossense por Matheus Morais Silva e Karine Rodrigues Garcia de Arruda

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riado no final da década de 70, o movimento hip-hop se popularizou inicialmente nas periferias de Nova York e, gradativamente, foi se espalhando até se tornar o estilo musical mais popular da atualidade. O rap, um dos pilares do movimento, se tornou um dos principais meios dos jovens provenientes das camadas mais pobres da sociedade se manifestarem, usando suas rimas para protestar contra a violência, as injustiças e o racismo sofrido por eles, principalmente pelos negros. O rap chegou ao Brasil no final da década de 80, se espalhando pelas favelas e periferias do país e se tornando um dos estilos musicais mais populares entre os jovens brasileiros. O freestyle é um estilo de improvisação proveniente do hip-hop, onde letras são recitadas sem assunto ou estrutura particular. O freestyle é parte fundamental das batalhas de rap, que consistem em dois ou mais MC’s (mestres de cerimônia) se enfrentando na frente do público, que decide quem é o vencedor no final. No Brasil, elas vêm se popularizando muito graças à internet, que virou o principal meio de divulgação desses eventos pelo país todo. O Duelo de MC’s Nacional, ativo desde 2012, é a principal competição de MC’s do país, onde os melhores de cada estado se reúnem e batalham para decidir o novo campeão. Para participar, o MC precisa passar por várias etapas de classificação, sendo elas as pré-seletivas, onde a região de cada estado decide quem avançará para o próximo estágio, as seletivas estaduais, onde os melhores de cada região se enfrentam, podendo

Público local acompanhando as batalhas antes da pandemia. Foto: reprodução Redes Sociais.

ter de 2 a 3 MC’s vitoriosos, e as eliminatórias de grupos, essas que são divididas em Sudeste, Sul, Centro-Oeste, Norte e Nordeste. O campeão e o vice-campeão de cada região são classificados para representar o seu estado no Duelo Nacional. Em Mato-Grosso, o principal e mais influente evento é a Batalha da Alencastro, nome esse que surgiu da Praça Alencastro, onde o evento ocorre desde 2015. Nela surgiram os principais MC’s do estado como Caco MC e Havel, ambos campeões estaduais. A batalha, que reunia de 300 a 400 pessoas toda quinta-feira, está suspensa em sua versão presencial desde o surto da pandemia de Covid-19 no Brasil em 2020. Criação da batalha O freestyle em Mato-Grosso tem o seu pólo central na Capital, Cuiabá, seu ápice é a Batalha da Alencastro. Dega, fundador da batalha e CEO da marca FreeWorld CO. (FWFTR) mudou-se de Curitiba em 2015, com o sentimento de que a cultura do hip-hop precisava de mais representatividade na cidade. “Quando cheguei aqui em Cuiabá

não existiam batalhas de MC’s. Existia o movimento Hip Hop, mas não estava presente na rua”, relembra. Um dos principais motivos para a praça ser escolhida como o local fixo da batalha foi o tráfico e consumo de drogas que existia na área: “Na época achava que necessitava muito de uma intervenção cultural naquele espaço”, afirma. Mesmo com as boas intenções, Dega sofreu muitas dificuldades nos primeiros meses do evento, principalmente com os moradores de classe média alta da região. Ele recorda que alguns não aceitavam o fato de jovens periféricos usarem os mesmos espaços que eles frequentavam. Em consequência disso, a polícia militar oprimia com frequência esses encontros, interrompendo diversas vezes, levando o organizador a tomar uma atitude direta em relação ao problema: “Na época, o que facilitou foi eu ir até os síndicos do prédio e dar uma aula rápida do que é a cultura hip-hop e o que são as batalhas de MC’s. E também eu ia toda semana na base da polícia conversar com o

comandante, explicar pra ele que era algo social. Com o tempo foi melhorando a relação. Hoje em dia não existem mais esses conflitos com moradores e polícia”, explica. Outra dificuldade nos primeiros anos foi a falta de MC’s participando das batalhas. Felipe Rodrigues, também conhecido como Havel, é campeão estadual de 2020 e afirma que o crescimento com o decorrer dos anos foi gigantesco: “Quando comecei a ‘colar’ mais no final de 2017, início de 2018 tinha que pedir pros MC’s batalharem. Tinha pouco público, agora a gurizada disputa a vaga”, lembra. A solução de Dega para o problema foi começar a profissionalizar o evento para atrair mais público: “Depois de uns 3 meses eu consegui uma parceria com o espaço musical Toma, onde toda quinta-feira tinha uma estrutura de som com mic e caixas”. Além de incentivar o crescimento da cena do freestyle de Cuiabá, o fundador do evento também teve a preocupação de dar espaço para artistas autorais de hip-hop se apresentarem na praça: “Começou a rolar pocket de artistas locais

para ter um incentivo na parte autoral do rap, e isso causou um ‘boom’ muito grande no autoral. Não existiam eventos e locais para novos artistas se apresentarem, e esses espaços às quintas foi algo muito importante para a cena e para surgir uma nova geração de artistas locais”. Apesar do papel extremamente importante, Dega não foi a única razão do crescimento da cena de freestyle na cidade. Havel afirma que o movimento de batalhas cresceu absurdamente nos últimos anos, fato que ele atribui a divulgação dos eventos na internet, principalmente no Youtube. “Acho que foi uma onda nesses últimos anos e como a Alencastro é a referência daqui, foi a que mais sentiu esse aumento de público, tanto na internet quanto na rua”. Até mesmo os fãs do evento e dos MC’s sentiram a diferença com o passar dos anos. Luilyan Luz, que acompanha a batalha desde 2017, comenta sobre o aumento de popularidade e como isso fortaleceu o movimento. “Eu lembro que às vezes quando eu saía da escola, tinha em torno de umas 20 a 30 pessoas. Depois chegou uma edição que deu 312 votos para decidir quem ganhava a batalha. Aumentou absurdamente o público que frequentava”, lembra. Luilyan também comenta sobre as mudanças que o aumento de público acarretaram, assim como as precauções que os organizadores passaram a tomar. “Eu acho que deu uma organizada pela questão de responsabilidade, por que se acontecesse alguma coisa ruim durante a batalha, corria o risco dela ser fechada, ou da polícia cancelar


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o evento. Então sempre os mestres de cerimônia que ficavam organizando pediam pra galera não fazer bagunça, não usar droga e bebida alcoólica, porque o motivo da gente estar ali era a cultura do rap, não pela muvuca”. Aniversário da batalha Após o surto da pandemia de Covid-19, as medidas preventivas do Ministério da Saúde e o Decreto 7.839 que suspendia aglomerações de mais de 100 pessoas em local aberto cessaram a Batalha da Alencastro por tempo indeterminado. O evento permaneceu em recesso pelo restante de 2020 e pelo começo de 2021, até que Dega e o restante dos organizadores decidiram celebrar o aniversário de 6 anos da

A batalha com maior público, que aconteceu em Cuiabá, foi no evento “VemPraArena”em 2017, também organizado pela BDA, que contou aproximadamente com 5 mil pessoas

várias regiões diferentes do país. A organização tomou algumas medidas, como: organização reduzida para três pessoas, proibição de qualquer acompanhante ou espectador, distanciamento social, uso de máscara para todos, álcool em gel e álcool 70 para higienização de equipamentos e medição de temperatura. O evento ocorreu em um sábado, dia 6 de março e contou com a presença de 27 pessoas. Dentre elas César MC (campeão nacional de 2017), Miliano (campeão nacional de 2018), Zen (fundador da Batalha do Museu) e diversos campeões estaduais de Mato-Grosso, Distrito Federal, Espírito Santo, São Paulo e Goiânia. Para Havel, atual campeão Mato-Grossense, foi uma honra batalhar contra esses MC’s renomados. A comemoração contou com as batalhas, uma apresentação de César MC com participação do rapper VK MAC e uma apresentação de break dance por artistas regionais. Dega afirma ter se sentido muito orgulhoso com o resultado do evento, apesar das limitações que a pandemia trouxe. “Ver isso acontecendo no Mato-Grosso na BDA foi uma sensação incrível, ainda mais por eu ser fã do rap freestyle e vários dos meus ídolos estavam presentes saca?”, diz. Havel, que foi campeão do aniversário e recebeu o prêmio pelas mãos do próprio César MC, também ficou satisfeito com o resultado. “Acho que todo mundo gostaria que fosse com público e seria ainda melhor, mas dadas as circunstâncias acho que foi o melhor que poderia ter sido”, declara. O evento foi transmitido ao vivo desde às 14 horas até o encerramento, e as batalhas estão disponibilizadas para o público desde o dia 26 de março, no canal do Youtube.

batalha em um evento transmitido ao vivo pelo Youtube. Apesar do público reduzido, Dega não se lamenta pela forma que o evento foi realizado. “Desde que saiu o edital já imaginava que não ia rolar público. A certeza veio quando o governador assinou novas medidas. Na moral? Curti muito mais do jeito que foi saca? Mesmo sem o governador assinar as medidas acho que seria falta de empatia e responsabilidade reunir tantas pessoas assim”. A cena do freestyle Para ele, as maiores mato-grossense nadificuldades foram em relação à responsabilida- cional O famoso rap liberal, de com a saúde dos participantes, que vieram de o freestyle. A letra canta-

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Logo original da Batalha. Foto:reprodução Redes Sociais.

da, sem frases feitas, tudo improvisado, movido pela emoção do momento e duelando sobre qualquer assunto que esteja vagando a mente naquele instante. As batalhas de rimas ganharam fama em Cuiabá depois que a Praça Alencastro foi definida como cena oficial da disputa. Criada em 2015, bastaram apenas dois anos e Mato Grosso já era representado na maior competição do país, o Duelo Nacional de MC’s. A sigla MC, que faz parte do nome de alguns dos participantes, tem se popularizado e tem seu significado voltado para o mestre de cerimônias, ou seja, aquele que é responsável por entreter os convidados e muitas vezes comandar as festas. Além desses mestres, os duelos são complementados por danças e grafites, compondo definitivamente a cultura do hip-hop. Em maio desse ano, o evento completou 6 anos na capital mato-grossense e diante da atual situação de pandemia, a comemoração aconteceu por meio de transmissão ao vivo no canal oficial, no YouTube. Foram 27 MC’s dos principais estados do Brasil, a participação ultrapassou o eixo Rio-São Paulo e trouxe batalhas recheadas dos estados de Minas Gerais, Brasília, Mato Grosso do Sul, Goiás, Espírito Santo e Belo Horizonte. O canal da Batalha da Alencastro, no YouTube, conta com 3,49 mil ins-

critos e a comemoração do seu sexto aniversário trouxe a maior visualização de todos os tempos das batalhas, contou com quase quatro horas de show e 4,6 mil visualizações. A BDA acontece toda quinta-feira às 19 horas com a presença do Dega, fundador, e do Havel MC, atual campeão regional. A BDA, mesmo com o surgimento relativamente novo, já fez muita história regional e nacional. O Dega, por exemplo, é o único MC da batalha a ganhar 4 edições seguidas, em 2018. A edição de número 148, no mesmo ano, foi cancelada por luto à Marielle Franco. O mesmo ocorreu em 2019, na edição 213, cancelada por luto ao Gustavo Weizz. O cenário feminino também é muito bem representado, a MC Pacha Ana é a mulher com mais títulos da história da BDA, somando quatro. Lizzy e RB8 também representam o Rap Feminino e cada uma tem uma folhinha. Rafinha em 2017, na época com 9 anos de idade, foi o MC mais jovem a batalhar e devido a reforma da Praça Alencastro, durante dois anos, as disputas foram realizadas na Praça da República. A edição realizada na véspera do feriado de Páscoa, além do objetivo principal do entretenimento, trouxe como princípio a solidariedade e fez com que as inscrições

para batalhar fossem um ovo de páscoa ou um chocolate. As arrecadações foram doadas para moradores de rua e algumas famílias carentes. Somando o Facebook, o Instagram e o YouTube, a batalha possui mais de 9 mil seguidores e todos os vídeos do canal totalizam mais de 145 mil visualizações. A batalha com maior público, que aconteceu em Cuiabá foi no evento “VemPraArena” em 2017, também organizado pela BDA, que contou com aproximadamente 5 mil pessoas. Todos os aniversários da Batalha da Alencastro foram realizados na Praça da República (vulgo praça de baixo) e a edição 235 foi a primeira na história de Mato Grosso a ser transmitida via Live no Instagram. Devido a atual situação de pandemia, a última disputa presencial realizada antes da paralisação ocorreu no dia 12 de março de 2020. Ainda assim, mesmo com todos os componentes artísticos e culturais, faltam alguns degraus para serem conquistados e fazer com que o rap freestyle regional tenha maior peso no país, sendo visto com mais respeito, já que, a falta de incentivo por parte do estado sob a cultura do hip hop, do rap e do grafite separam os outros eixos como sendo favoritos, pelo fato de estarem ligados a esses fatores por mais tempo.


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ECONOMIA

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Pandemia faz preço de alimentos disparar População carente é a que mais sofre com a alta dos preços por Pietra Buelli e Juliano Patrick

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s preços dos alimentos no mercado nunca estiveram tão altos. Cada dia que passa eu preciso tirar alguma coisa do carrinho, porque o dinheiro não dá. Bolachas para as crianças precisei deixar de levar, assim como a carne.” A fala é da dona de casa, Denise Riger, 33, moradora de Jaciara (144 km de Cuiabá). O relato de Denise, que está desempregada desde o início da pandemia, representa milhares de pessoas que sofrem com o aumento dos preços. Ela mantém os três filhos, Jeferson, 14, Rogério, 06, Everton, 02, dois deles na creche e um no ensino fundamental. Em pouco mais de um ano da pandemia da covid-19, os brasileiros observaram que os preços dos alimentos subiram assustadoramente. Apesar da alta do preço não ser uma novidade, o tamanho do impacto dos aumentos é sentido de diferentes formas pelas famílias. O valor elevado dos alimentos fica evidente, principalmente, nas gôndolas dos supermercados. A cesta básica em Mato Grosso custava em março de 2020, R$496,70. Um

ano depois, em março de 2021, o valor chega a R$594,80. Esse aumento não foi acompanhado pelo salário mínimo, que de um ano para o outro, teve um reajuste de apenas R$ 55 reais, passando de R$ 1.045 em 2020, para R$ 1.100 em 2021. Os impactos são facilmente percebidos na qualidade de vida das pessoas. A dona de casa também recebe a ajuda da igreja para se manter. “No local onde eu frequento, recebo cesta básica e verduras que contribuem muito no sustento familiar”, complementa. A crise econômica no Brasil foi agravada pela crise sanitária imposta pelo coronavírus, em especial pela interrupção das atividades econômicas. Esses impactos são refletidos na economia familiar. Como pôde observar a recém formada educadora física, Larissa Pessoa, moradora de Dom Aquino (180 km de Cuiabá), que também está desempregada. “Deixamos de consumir muitas coisas desde o começo da pandemia devido à alta dos preços e a falta de emprego, ou ainda quando compramos, é em pequenas quantida-

Inflação é sentida nas gôndolas dos supermercados. Foto: Pietra Buelli des. Chega a ser impossível comprar determinados alimentos, como a carne”, relata Larissa, 26, que tem uma filha pequena, e vive com a mãe e o padrasto. Segundo aponta o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), 19 milhões de brasileiros passaram fome nos últimos meses do ano de 2020, enquanto mais da metade dos domicílios no país enfrentou algum

Preço do arroz e do feijão dispararam na pandemia. Foto: Pietra Buelli

grau de insegurança alimentar. O preço dos alimentos foi afetado por alguns fatores, em especial, a inflação, que é medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). De acordo com a meta do Governo Federal, a inflação deveria ficar em 5,25%, no entanto, chegou a 6,10%, bem acima do estipulado. Porém, essa alta no custo dos alimentos não foi ocasionada apenas pela inflação, conforme explica a economista Pamela Rodrigues Miranda. Para ela, é preciso considerar também o período de safra, entressafra e escassez, que gera aumentos pontuais e a lei da oferta e demanda dos produtos comercializados Outro fator passível de alteração, são as variações cambiais, que estimulam a venda dos alimentos para o mercado externo, por ser algo mais atrativo ao agricultor brasileiro. A economista relata que “a inflação acontece de fato, quando o governo começa a imprimir moedas e disponibilizá-las, no entanto, sem ocorrer o aumento da produtividade”. Um exemplo da aplicação de dinheiro na economia é o auxílio emer-

gencial pago durante os meses de abril a dezembro de 2020, para 67,9 milhões de brasileiros. No total, o auxílio destinou R$ 294 bilhões em socorro a essas pessoas. Denise contou que recebeu o Auxílio Emergencial do governo em 2020 e que usou para comprar mais comida. “Consegui comprar até mesmo a bolacha das crianças”. No entanto, a dona de casa não foi contemplada com

O trabalhador matogrossense gasta mais de 50% do salário mínimo com alimentação básica os novos pagamentos do auxílio em 2021. Por outro lado, Larissa continua recebendo o auxílio desta nova remessa, e relata que tem sido um alívio. “Tem me ajudado muito neste período que estamos enfrentando”, finalizou.


EDIÇÃO 2020/1 • JORNAL SÔFOCA Ainda sobre o auxílio, a economista Pamela explica que, “foi injetado todo esse dinheiro na economia, porém, não houve aumento na produtividade, que significa que não estava tendo produção na mesma proporção que o dinheiro foi injetado, gerando dessa forma uma inflação e, consequentemente, um aumento dos preços”. Após uma pausa de quatro meses, o auxílio emergencial voltou a ser pago aos brasileiros, em abril de 2021. Os valores variam entre R$150,00 e R$375,00, representando, assim, uma redução considerável do valor que era recebido no ano anterior. Essa queda no

Auxílio Emergencial vai em contraponto, especialmente, se comparada aos preços nos supermercados. Como resultado, o trabalhador mato-grossense gasta mais de 50% do salário mínimo com alimentação básica. Segundo pesquisa divulgada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) o salário mínimo de uma família composta por dois adultos e duas crianças deveria ser de R$ 5.315,74, aproximadamente. Ainda conforme a economista, o impacto produzido pelo aumento dos preços acaba sendo mais sentido entre as pesso-

ECONOMIA as pobres, pois, precisam sáveis pelo atendimento às despender de mais recur- diversas regiões brasileiras”. “O preço do combustísos para comprar o básivel é dado de acordo com co. o mercado internacional, Outros fatores assim, quando o dólar está acarretam aumento alto no Brasil, isso vai pesar no bolso dos brasileiros”, exnos alimentos Desde o início do ano, plicou a economista Pamela. Esse aumento no preço a Petrobras já aumentou o preço dos combustíveis seis dos combustíveis também vezes. Somente em 2021, impacta diretamente no vao preço da gasolina subiu lor dos alimentos que che53%, no acumulado, ultra- gam à mesa dos brasileiros, passando a casa dos R$5,00 pois afeta tanto os custos da produção, quanto os custos em quase todos os postos. Sobre o reajuste, a Petro- de distribuição, com isso, os bras declarou, em nota, que produtores se veem obrigao “alinhamento dos preços dos a repassar a diferença ao ao mercado internacional é consumidor final. Quanto à influência camfundamental para garantir bial apontada pela econoque o mercado brasileiro siga sendo suprido sem ris- mista, em 2020, o Real ficou cos de desabastecimento pe- entre as moedas que mais los diferentes atores respon- foram desvalorizadas no

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mundo. Isso significa que os produtos comercializados no país e que dependem do dólar sofreram aumentos significativos, como é o caso da gasolina. Avaliando o futuro, a economista Pamela acredita que estas oscilações nos preços dos alimentos, por serem pontuais, possam voltar à normalidade. “Justamente por sermos um país emergente e em desenvolvimento, provavelmente, a gente vai demorar um pouco mais pra sair desse processo”. “Quanto antes a gente se vacinar, mais rápido a gente consegue se recuperar. Sem a vacinação a gente fica nesse ambiente de incerteza”, apontou a economista.

Empreendedorismo por necessidade torna-se saída para trabalhadores na pandemia Ao todo, mais de 13,5 milhões de brasileiros estão desempregados e muitos buscam no empreendedorismo informal uma saída por Annelise Bertuzzi e Tylcéia Tyza

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os últimos anos, o Brasil enfrenta um longo período de instabilidade financeira, que resultou em uma redução do produto interno bruto (PIB) e recessão econômica, ou seja, a queda na atividade econômica que gera reflexo no Índice de Emprego e arrecadação do governo e consequente aumento na taxa de desemprego e desigualdade social, deixando milhares de famílias e trabalhadores vivendo em condições precárias. Segundo pesquisa realizada pelo Datafolha, a expectativa dos brasileiros em relação ao aumento do desemprego é alta, para 80% dos entrevistados, as taxas de desemprego tendem a aumentar nos próximos meses e para 79% deles, a expectativa é de piora significativa nos números; além disso, o sentimento é de pessimismo generalizado, sendo o pior resultado já visto, segundo as pesquisas Datafolha, considerando a

Ao serem obrigados a empreender, muitos brasileiros deixaram de lado a segurança oferencia pela carteira de trabalho. Foto: via Google Imagens

série histórica iniciada em 1995 para essa pergunta, no governo FHC. Sem perspectiva de emprego, em meio a uma pandemia que impõe restrições imprevistas e ausência efetiva da gestão governamental, vigora no Brasil o empreendedorismo informal, ou como denominam os que resistem e insistem em lutar

‘o empreendedorismo por sobrevivência’. O cenário é devastador. Desde 2002, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) vem fazendo uma série histórica de comparações entre as taxas de desemprego do país, e com 13,9%, o quarto trimestre de 2020 passa a ocupar o primeiro lugar entre as séries. Co-

locando o índice em números absolutos, encontra-se uma média de 13,4 milhões de brasileiros em busca de um emprego em 2020, 840 mil a mais do que o observado em 2019, ocupando a maior marca histórica da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). A crise econômica que começou em 2014, geran-

do a queda de 3,8% do PIB em 2015, só se agravou com a chegada do coronavírus em 2020, que contribuiu para o aumento das taxas de desemprego em todo o mundo e, principalmente, no Brasil. A administração governamental, a variante do vírus e a lenta imunização abrem uma perspectiva de piora para o cenário econômico brasileiro. O efeito da crise na vida dos brasileiros foi devastador e, assim, muitos dos desempregados, encontraram no empreendedorismo uma possibilidade de sobrevivência. Impulsionado pelo cenário da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), nasce o empreendedorismo por necessidade no país, e muitos sonhos precisaram ser colocados em prática às pressas. Segundo o Global Entrepreneurship Monitor (GEM), dos 55 países analisados em uma pesquisa, o Brasil está entre os dez primeiros colocados, onde a falta de emprego é a maior motivação na


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ECONOMIA

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hora de abrir um negócio. Assim, empreender passa a ser a esperança de muitos brasileiros. Esse foi o caso da recém empreendedora Rayane Marteli de Lima, 27, que com a chegada da crise perdeu o emprego em um salão de beleza onde trabalhava e precisou colocar em prática o projeto de iniciar o próprio negócio. “Com a chegada da pandemia, precisei tirar do papel a ideia de empreender, atualmente a minha fonte de renda vem exclusivamente do meu empreendimento, dependo 100% disso”, afirma a idealizadora do Ray in home, que oferece serviços de manicure e pedicure em domicílio. Rayane Marteli ocupa hoje a porcentagem de trabalhadores ativos, mas praticamente invisíveis, que nem o IBGE consegue garantir a presença nas estatísticas. Em 2020, o Brasil chegou a 22 milhões de trabalhadores por conta própria, segundo dados do IBGE, desde autônomos que pagam impostos e ocupam lugar nos índices, até a grande maioria que ainda está na informalidade, como é o caso de Rayane, e que não aparecem nos números divulgados com precisão. “Eu ainda estou no processo para regularizar a minha empresa, devido a essa burocracia toda, com toda certeza isso acaba impedindo muitos a saírem da informalidade. A documentação, os impostos, tudo dificulta, a impressão que tenho é que a legislação não tem nenhum interesse em facilitar para os pequenos e futuros empreendedores.”, comentou ela.

Do ponto de vista técnico Para a economista e analista de perfil do Detran-MT, Dayanne Darth Ananias, “houve vários incentivos para a redução de certidões, no pedido de empréstimos, empresas informais que queriam negociar ou buscar empréstimo, conseguiram ser atendidas dentro do setor bancário devido a uma mudança de documentação pedida. Então, houve uma melhora no cenário, mas ainda há muita burocracia.” Além de Rayane, outra brasileira que se viu desempregada em meio a pandemia foi Juliana Bispo, 19. Desde cedo precisou trabalhar para ajudar com as contas domésticas, porém, com a redução nas vendas, Juliana acabou sendo dispensada de seu trabalho formal. Foi na paixão por doces, que antes era tida apenas como um hobbie e renda extra, uma saída para as contas que não paravam de chegar. “Quando eu pensei em empreender, eu pensei em uma renda extra porque no Brasil é muito difícil pagar contas e ajudar em casa com um salário mínimo, e durante a pandemia tudo piorou, porque tudo ficou mais caro”. Em um ano de pandemia, o preço dos alimen-

tos, por exemplo, subiu em 15%, de acordo com dados divulgados pelo IBGE. Assim, muitos brasileiros, que embora não tivessem emprego formal, ainda tiveram que se adaptar aos tempos difíceis A busca por uma fonte de renda complementar passou a ser uma realidade em muitas famílias brasileiras. Foi a partir daí, que Kelsy Karoline Dias, 20, que antes trabalhava fazendo “bicos” como professora de reforço e babá, encontrou no empreendedorismo informal uma solução para aumentar sua renda e ajudar em casa. Kelsy, que tem mãe manicure, cresceu rodeada por este universo das unhas, e vendo as necessidades

Com a chegada da pandemia, precisei tirar do papel a ideia de empreender Rayane Marteli de Lima, 27 anos

Rayane Marteli, 27, é um das tantas brasileiras que viram no empreendedorismo, uma saída para o desemprego. Foto: Arquivo pessoal de sua família, começou a estudar pela internet e hoje já conquistou algumas clientes fiéis como manicure. “Já fiz algumas unhas que ajudaram bastante do mês passado pra cá e é uma parceria com minha mãe, então, é uma ajudando a outra para ter uma renda extra”. Para Dayanne Ananias, a retomada de crescimento do país será bem mais lenta do que o esperado e haverá dificuldade para retomar os postos de trabalho de 2019, já que a entrada de novas empresas no mercado continua de forma lenta e, como consequência, a desocupação tende a crescer. “O IPCA (Índice de preços no consumidor) está em torno de 11% desde março, o que mostra a perda no poder de compra do consumidor, que sente na mesa a redução dos produtos consumidos. Então, o reflexo é de piora na qualidade de vida dessa população”, completa a economista. Quem já tem seu próprio negócio, busca sobreviver. Para Alequissandra Munhoz, empreendedora no ramo de cantinas escolares, a situação foi alarmante, “A pandemia fechou as escolas e consequentemente o nosso negócio. Tivemos muitas perdas, tivemos que demitir 70% dos funcioná-

rios, ficamos com muitas dívidas trabalhistas, mas conseguimos um acordo para pagá-los depois. O ganho que tivemos foi a oportunidade de criar essa nova empresa”, comenta a empreendedora que abriu, desde o início da pandemia, a NatusNutri, empresa que aposta no delivery de massas caseiras. Segundo pesquisa recente realizada pela consultoria de recrutamento e seleção de profissionais, Audens, o maior índice de demissão aconteceu nas empresas de pequeno porte, com faturamento de até R$30 milhões por ano; 51% delas precisaram desligar profissionais, especialmente nas áreas operacionais.

O momento é de muitas incertezas e requer calma, a população se sente desamparada pelo governo vigente e o desemprego dispara no crescimento, batendo um recorde de mais de 13,5 milhões de brasileiros sem emprego, de acordo com dados divulgados pelo IBGE em 2020. Segundo o professor doutor em economia, Carlos Magno, o cenário do desemprego no Brasil é preocupante; “o país vinha saindo de um período de recessão econômica que se iniciou em 2014, e ainda estava ensaiando seus primeiros passos de crescimento, e logo, veio a pandemia. Assim, hoje nós temos mais de 13,5 milhões de desemprega-

Alequissandra Munhoz prepara todas as encomendas e as higieniza corretamente para segurança e satisfação dos clientes. Foto: Arquivo pessoal.


EDIÇÃO 2020/1 • JORNAL SÔFOCA dos no Brasil”. O contexto da pandemia influencia a qualidade desses novos empreendimentos, que crescem e nascem a partir do desespero e necessidade de sustento; são pessoas que não tiveram tempo para estruturar seus planos, se preparar para enfrentar a burocracia, e tiveram que achar soluções para a falta do emprego da noite para o dia. Assim, os negócios correm sérios riscos de sofrerem com a gestão financeira e não sobreviverem no pós pandemia. Para a economista Dayanne, a literatura já havia mostrado um rearranjo nos formatos tradicionais de trabalho, pedindo inovação e ingresso no universo digital, “muitos setores e muitas profissões foram afetadas e uma das alternativas é o empreendedorismo que tem essa linguagem de busca para o novo, entretanto, os negócios precisam ser pensados e estru-

turados para que, de fato, gerem lucro e crescimento”, completa. A estratégia governamental para o momento de crise foi falha e mostrou o abismo estrutural entre as principais economias do mundo, aponta a especialista. “A gente vê algumas economias no mundo apontando alguns caminhos mais certeiros, os Estados Unidos, por exemplo, já estão fazendo um programa para investimento público, mostrando que o estado vai atuar diretamente e indiretamente em desenvolver setores para gerar novos empregos. O Brasil está investindo pouco desde 2015, e esse controle dos gastos pode vir a piorar a situação econômica, então é bem difícil a gente conseguir crescer com esse controle rígido dos gastos. Uma das formas de crescer seria flexibilizar esses gastos e fazer investimentos públicos”, afirma a analista de perfil do Detran-MT.

COTIDIANO O futuro se torna incerto e desesperançoso para muitos trabalhadores, com isso, Dayanne ressalta ainda algumas medidas que poderiam ser tomadas pelo governo atual, “o governo poderia arcar com as folhas de pagamento das empresas ou mesmo reduzir os tributos do trabalho para que a empresa não tivesse esses custos, seria um incentivo tributário, um incentivo de renda. Além disso, seria preciso ter um rearranjo no mercado bancário, os juros baixos precisam chegar ao consumidor e não ficar apenas na taxa SELIC. Outro ponto, manter a taxa de câmbio desvalorizada, embora ela gere uma certa inflação no período, mas ela pode fortalecer a indústria que está enfraquecida, a concorrência externa é muito pesada e o Brasil não está conseguindo dar conta. Precisamos que mais investimentos externos cheguem ao país para termos

taxas mais sólidas e sustentáveis de crescimento”, afirma ela. Por mais que o Brasil necessite de mais investidores e recursos externos, devido ao alto número de desemprego e perda no valor de compra do consumidor, está cada vez mais difícil para o país prospectar vendas. Para o professor especialista em economia, Carlos Magno, esse desequilíbrio na economia faz com que o país perca investidores externos; “Ninguém vai investir, porque não vai ter demanda, não vai ter renda, o que acaba acentuando o desemprego; e essa questão fiscal é muito importante, porque o Brasil depende de recursos externos para crescer e se desenvolver. Se não tem equilíbrio fiscal, não tem como o governo honrar os seus compromissos, criando uma instabilidade que impede o país de captar recursos produtivos lá fora, principalmente o capital produtivo, ou

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seja, empresas não virão se instalar no Brasil, muitas inclusive estão indo embora, como a Ford.” Assim, por mais que sejam necessárias mais políticas públicas e governamentais que incentivem o movimento econômico, de acordo com o economista Carlos Magno, está cada vez mais difícil para o governo arcar com seus compromissos tributários, isso porque, atualmente o valor de arrecadação está menor do que é gasto, o que poderá em breve gerar atrasos em pagamentos e salários. Desta forma, o Brasil passa por vários problemas econômicos, causados por uma má administração da verba pública que se intensifica com a chegada do novo coronavírus. Sendo assim, o trabalhador se vê obrigado a buscar soluções, ainda que em meio às dificuldades, para sobreviver, empreendendo por necessidade.

Entre os corredores do trânsito: entregadores

relatam insegurança no trabalho e falta de apoio das empresas Com o avanço da pandemia da Covid-19, trabalhadores reivindicam mais EPIs, redução do preço dos combustíveis e mudança na política de preço dos apps. por Tuani Awade

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Em diferentes semáforos da capital não é difícil encontrar pequenas aglomerações de entregadores atentos no trânsito e nos endereços que surgem constantemente nos aplicativos. Foto: Marcos Salesse

o fluxo do trânsito cuiabano, motociclistas portando mochilas verdes, vermelhas e amarelas atravessam avenidas, ruas e estreitos corredores para levar até o cliente um item básico: a comida. Com o avanço da pandemia da Covid-19 em terras mato-grossenses, a busca por esse tipo de serviço cresceu, mas o suporte dos contratantes não acompanhou o aumento. Entre as principais reivindicações estão: mais equipamentos de proteção individual, redução do preço do combustível e remunerações justas. “Faz mais ou menos 9 meses que trabalho como entregador. No início, busquei empregos formais, mas estava bastante

complicado, e como percebi uma alta demanda nestes serviços, acabei me inscrevendo”, conta o entregador de aplicativo, Wander Gustavo, de 45 anos. Antes de atuar no delivery, o profissional era contratado em uma Escola Municipal, mas acabou tendo seu contrato encerrado após o fechamento das unidades de ensino da capital. Assim como Wander, Diego Alencar, de 32 anos, também se deparou com a possibilidade de fazer entregas como um meio de obter renda. Questionado sobre os receios que atravessam a profissão em tempos de pandemia, Diego acredita que para existir o mínimo de biossegurança, é necessário que o cliente


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também colabore. “Muitos clientes não nos ajudam, porque quando vão pegar a embalagem estão sem máscara. Se a gente chegar sem máscara, eles não nos recebem, mas, se for o contrário, está tudo bem”, rebate. Ambos os entregadores fazem parte de um contingente de trabalhadores que encontrou uma forma rápida de recompor a renda perdida desde o início da pandemia. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aplicativos como o Ifood, 99 Food, Uber Eats e outros tiveram um aumento de 201 mil pessoas cadastradas durante o primeiro semestre de 2020. Entre o pedido e o risco, a distância é curta Com o agravamento da pandemia, ações foram criadas pelas desenvolvedoras dos aplicativos de entrega, dentre elas a entrega de kits com álcool gel e máscaras descartáveis. Apesar de amplamente divulgadas, entregadores que utilizam os apps como ferramenta de trabalho apontam a ineficácia, e até mesmo inexistência, do apoio anunciado pelas empresas. “Eu já telefonei para o aplicativo e me falaram que não tem [kits de entrega]. Deles eu nunca recebi, a única ferramenta que eu consegui foi do Ifood”, afirma Herlon Bezerra, de 38 anos, ao comentar sobre a plataforma para a qual presta serviço, o 99 Food. O entregador questiona a veracidade da campanha de entrega de kits de higienização, anunciada pela empresa desde junho de 2020. Segundo Herlon, a única empresa que forneceu itens de higienização e Equipamentos de Proteção Individual (EPI) foi o iFood. No site da organização que gere a plataforma, é apresentada a informação de que ações como a distribuição de kits de proteção (com 4 máscaras

EDIÇÃO 2020/1 • JORNAL SÔFOCA reutilizáveis e 500 ml de álcool em gel) e estações de higienização seguem acontecendo. Segundo as fontes ouvidas para esta matéria, os kits são enviados a cada dois meses. Apesar da iniciativa, o entregador alerta para a baixa quantidade de material pelo tempo de trabalho executado. “Essa quantidade de álcool em gel é muito pouco se levarmos em conta que sempre estamos usando. Caso a gente não consiga pegar, eles disponibilizam R$30, e isso a cada dois meses, então acaba sendo muito pouco”, diz o profissional. Em uma breve pesquisa feita em duas das principais redes de farmácia da capital, localizada em regiões diferentes, apenas uma caixa com 10 unidades de máscara cirúrgica ocuparia 73% do valor total recebido pelos entregadores. Para Herlon, apesar do cenário crítico e de riscos constantes, o trabalho informal ainda lhe garante uma renda maior do que quando trabalhava de carteira assinada. “Teria que fazer duas ou mais funções para ganhar o mesmo sa-

xima de R$ 5,29. Diante da baixa remuneração, muitos trabalhadores começaram a sentir o peso da ponta do lápis quando a conta não fecha. A indignação gerou em julho de 2020 uma das primeiras Greves dos Entregadores de Aplicativo. A movimentação que começou nas redes sociais, ganhou diversos contornos pelo país, exigindo melhorias como: reajuste dos preços por distâncias percorridas, o fim de bloqueios indevidos, apoio contra acidentes e outras demandas. O ato, segundo o entregador, gerou poucas respostas contundentes das empresas, que seguiram sem atender às reivindicações dos trabalhadores. Para além do preço por distância percorrida, o combustível também é uma preocupação constante dos entregadores. Entre os dias 10 e 11 de março, motoristas de aplicativo e profissionais do delivery foram para as ruas de Cuiabá e Cáceres, a 218 km da capital, exigir revisão do valor cobrado no combustível. O ato cruzou avenidas e paralisou o funcionamento de

postos de abastecimento da região central de ambos os municípios. “É inviável Questionado sobre o faturamento diário frente trabalhadores aos impasses que pesam de aplicativo na ponta do lápis, Wander trabalharem Gustavo revela que trabalhando 12 horas, é possí- com entregas vel faturar aproximadaneste mente R$ 120. Já Herlon Bezerra comenta que em momento” dias com muitas entregas, Herlon Bezerra, entregaconsegue faturar até R$ dor de app 170, entretanto, também há dias em que o profissional garante apenas R$ senvolvedora do app afir20. mou ter distribuído mais O que dizem as em- de 3 milhões de itens de proteção, além da criação presas Em nota, a 99 Food de um fundo especial para afirmou que os EPI’s fo- apoiar profissionais acoram distribuídos em for- metidos pela Covid-19. mas de kits assim que Até o fechamento desta começou sua operação na edição, o Uber Eats não capital mato-grossense, se pronunciou sobre suas em novembro de 2020. medidas de proteção para Além da entrega dos kits, os trabalhadores que utia empresa reforçou que lizam a plataforma. Entre um sinal fechado segue promovendo ações e outro aberto, os entrepara garantir a segurança de todos os seus colabora- gadores seguem driblando as dificuldades para ledores. Já o Ifood se manifes- var alimento não só para tou dizendo que desde o quem pede, mas também início da pandemia vem para a mesa de quem esrealizando uma série de pera ansioso em casa pelo ações para a proteção dos seu retorno. entregadores. Entre as medidas realizadas, a de-

“Essa quantidade de álcool em gel é muito pouco se levarmos em conta que sempre estamos usando.” Herlon Bezerra, entregador de app

Sobe combustível, desce faturamento “É inviável entregadores de aplicativos trabalharem com entregas neste momento, já que vai haver mais aumentos e acabará sobrando para gente”, retoma Herlon ao falar sobre os recentes aumentos no preço do combustível. De acordo com cinco fontes ouvidas pela nossa equipe de reportagem, a média recebida por cada entrega se apro-

Diante das dificuldades em conseguir um bom faturamento no final do mês, Herlon atua em diferentes plataformas de entrega para conseguir o máximo de entregas possível. - Foto: Arquivo Pessoal


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Impasses na Educação Estadual ultrapassam os limites da tela Após mais de um ano do primeiro caso de Covid-19 em Mato Grosso, professores da rede estadual relatam dificuldade na implementação do ensino remoto durante a pandemia. por Letícia Corrêa

“A

falta de inclusão e planejamento faz com que o modelo esteja fadado ao fracasso”, revela o professor da rede estadual, Graziano Uchôa, de 37 anos, sobre a execução do ensino à distância em Mato Grosso. Com o avanço da pandemia e o fechamento das escolas, a Secretaria de Estado de Educação (Seduc) desenvolveu desde agosto de 2020 uma plataforma online onde atividades são produzidas semanalmente, além de vídeo aulas e jogos especiais para alunos da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio. Entre a falta de acesso à internet e a inexistência de diretrizes, sobram dúvidas e incertezas na cabeça de professores e alunos. Segundo o docente Yan Rocha, de 34 anos, servidor no município de Lucas do Rio Verde, a 332 km de Cuiabá, as aulas remotas não comportam a complexidade educacional envolvida nos processos de ensino e aprendiza-

Demonstrativo da plataforma desenvolvida pela Seduc-MT . Foto: Marcos Salesse

gem. “Não temos diretriz, nem habilidade para dar conta de uma educação à distância, tudo funciona no improviso. A falta de suporte neste ano tem sido ainda maior que no ano passado, digo para os meus colegas que estamos ‘abandonados online’”, afirma. O abandono virtual se reflete não só na reivindicação de Yan, como na rotina de muitos estudantes que acabam desistindo dos estudos. Segundo o secretário Estadual de Educação, Alan Porto, apenas em 2020 cerca de 76 mil alunos deixaram de participar das atividades à distância, representando aproximadamente 20% do total de alunos matriculados (320 mil estudantes). A justificativa se ancora na falta de computadores e acesso à internet. Para Graziano, a limitação imposta pelas barreiras financeiras são também um entrave para que o ensino remoto de fato atinja os estudantes. “A maioria dos alunos tem

pacote de dados limitado e não pode abrir vídeos ou receber materiais. Isso deixa o ensino debilitado e as aulas pouco atrativas”, reforça. Outro ponto levantado pelos educadores está na falta de um planejamento metodológico que atenda às necessidades de professores e alunos. Diante da situação, Yan resolveu adaptar suas aulas em atividades assíncronas, ou seja, dando a oportunidade para que o aluno acesse o material da disciplina no horário que preferir. “É extremamente desgastante para o estudante ficar seis horas na frente de um computador. Por isso, optei por adotar o método assíncrono. Disponibilizo os textos e atividades, e fico disponível para tirar dúvidas no horário de aula. Quando a demanda dos estudantes é maior, marcamos um momento extra para tirar as dúvidas”, explica.

Magda Cunha relata uma realidade dupla dentro de casa ao acompanhar a rotina de estudos de ambos. Enquanto Pedro Eduardo, de 11 anos, se desdobra para acompanhar as aulas ao vivo, João Henrique, de 12 anos, recebe apenas apostilas de atividades, sem orientações fixas de nenhum educador. Para Magda, essa nova realidade também exigiu maior atenção dos pais para a educação de seus filhos. “Sabemos que a criança depende totalmente do interesse de cada um de nós, mas também sabemos que nem todos os pais ou responsáveis têm tempo e o conhecimento necessário para auxiliar as crianças e adolescentes no processo de aprendizagem”, pondera. Questionada sobre a situação do seu segundo filho, Magda afirmou que na escola são disponibilizadas apenas apostilas. “Lá apenas entregaram as apostilas e não há interaUma casa, duas re- tividade entre os colegas alidades e professores, como as auMãe de dois filhos, las online da escola do Pe-

dro. Acredito que isso seja uma variante da organização de cada instituição. Não deveria ser assim, as escolas deveriam seguir um padrão. Infelizmente, a realidade é outra”, aponta. Plantão de dúvidas: quanto vale a vida de um professor? Diante de uma ligeira queda no número de casos confirmados da Covid-19 em Mato Grosso, o Governo Estadual implementou em fevereiro deste ano o Plantão de Dúvidas, momento onde professores podem realizar atendimentos presenciais de até cinco alunos. O resultado já era previsto por educadores sindicalistas: um surto de Covid-19 entre os professores e funcionários de escolas estaduais. Diante do anúncio da medida, o Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público de Mato Grosso (Sintep-MT) se posicionou contra a decisão da pasta da Educação e chegou a propor uma Greve Geral da categoria. A pro-


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posta não ganhou força e o Plantão foi mantido. Em poucas semanas, o site da instituição foi tomado por notas de falecimento. Entre os dias 1 a 22 de abril, foram 13 notas de falecimento publicadas no site oficial do sindicato, relatando a morte de profissionais da rede estadual por conta da pandemia da Covid-19. Ainda em abril, o Sintep registrou o maior número de mortes de profissionais da educação em um único final de semana, sendo cinco educadores mortos

pela doença entre os dias 10 e 11. De acordo com a coordenadora pedagógica da Escola Estadual Manoel Cavalcanti Proença, Marcela Brito, de 36 anos, o plantão de dúvidas aconteceu em meio a problemas pelo tempo limitado frente às demandas dos estudantes. “Só tivemos uma semana desse plantão na escola, lá tínhamos 30 minutos para tirar dúvidas, mas sabemos que isso não é efetivo, já que com esse tempo você não resolve o problema do

ano todo”, diz a pedagoga. A unidade coordenada por Macela está localizada no bairro Tijucal, região sul de Cuiabá, e no local, além do plantão, também acontece a entrega do Kit Merenda, iniciativa da pasta da Educação para assegurar alimentação dos alunos durante a pandemia. De acordo com a pedagoga, cada kit é formado por oito itens básicos, como arroz, feijão, óleo e uma quantidade pequena de carne, pago pela Seduc.

Apesar da proposta já estabelecida, a coordenadora aponta que vêm enfrentando dificuldades para manter a entrega dos kits. “A gente ainda não recebeu repasses da Seduc em 2021 para fazer a entrega do Kit Merenda. Até o momento, fizemos apenas a entrega de uma leva de kits, com a verba que tinha sobrado do ano passado. Essa entrega chegou a uma média de 450 estudantes, então não foi para todo mundo”, afirma. Outra ação tomada

pela secretaria diante de um cenário de incerteza é a ajuda de custo de R$ 6.020,00 para os professores concursados e contratados. Desse valor, R$ 3.500,00 são destinados à compra de um computador portátil e R$ 2.520,00 para custear 36 meses (três anos) de internet, valor que será pago em parcelas de R$ 70 mensais. O dinheiro será depositado diretamente na conta do servidor, que ficará responsável pela compra do aparelho. O professor

terá 60 dias para prestar contas junto à Seduc por meio de notas fiscais. A pasta exige ainda que os computadores tenham configurações mínimas pré-estabelecidas. Diante da recomendação, o educador Graziano questiona o valor enviado pelo Governo Estadual, já que a quantia disponibilizada é insuficiente para custear notebooks de última geração.

escolar e sem o mínimo de planejamento suspenderam as atividades”, discorre o parlamentar. Ainda no texto do projeto, o parlamentar cita a Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das incentivadoras da reabertura das escolas. “Segundo a Organização Mundial da Saúde, o fechamento de escolas tem impactos negativos claros sobre a saúde infantil, educação e desenvolvimento dos estudantes. Esses são um dos motivos que devem ser levados em consideração para que a atividade educacional seja classificada como essencial”, afirmou o deputado.

Apesar da declaração, em um documento criado pela organização, em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), regiões com transmissão comunitária do vírus devem promover o fechamento das unidades escolares. Diante dos impasses, a professora e participante do Coletivo Autonomia e Luta, Patrícia Acs, de 37 anos, conta que ao aprovar o projeto a AL-MT vai na contramão da realidade da pandemia e, também, das unidades da rede estadual. “A realidade do estado é grave, as mortes seguem em número alto e os hospitais estão sem condições. Nesse cenário, abrir escolas

é colocar em risco toda a população, não apenas estudantes e professores. Esse projeto e sua aprovação são uma irresponsabilidade”, afirma. Na mesma linha do que defende o legislativo estadual, a Câmara dos Deputados aprovou, em 21 de abril, o Projeto de Lei 5595/20 que proíbe a suspensão de aulas presenciais durante pandemias e calamidades públicas. Foram sete horas entre a discussão do projeto e a votação, que culminaram na aprovação da proposta. O texto segue agora para o Senado Federal. Entre as parlamentares que se posicionaram

contra a proposta está a deputada federal, Rosa Neide (PT-MT). Durante sua fala na Plenária Virtual, Rosa afirmou que é necessário maior investimento em tecnologia nas escolas. “Queremos, sim, vacinas para todos e todas, queremos tecnologia para as escolas, queremos protocolo seguro, e não obrigar profissionais da educação a virem para a sala de aula para a morte, estudantes levarem o vírus para casa”, disse. A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Estado de Educação (Seduc) para informações e esclarecimentos sobre os questionamentos feitos pelos educadores durante as entrevistas, entretanto, até o fechamento desta reportagem nenhuma resposta foi encaminhada. Até o dia 4 de maio, data do fechamento desta reportagem, 14.860.812 brasileiros foram infectados pelo coronavírus e 411.854 perderam a vida por conta do vírus. Em Mato Grosso, o número de pessoas infectadas chegou a 366.948, com mais de 9.948 óbitos confirmados em decorrência da Covid-19. Mesmo com o início da vacinação, o ritmo de vacinação ainda segue lento dando espaço para uma terceira onda da doença.

Para o legislativo, educação é atividade essencial No dia 14 de abril, os deputados estaduais de Mato Grosso aprovaram o Projeto de Lei nº 21/2021, que insere a educação como atividade essencial durante a pandemia. De acordo com o texto, de autoria do deputado Estadual Elizeu Nascimento (DC), as unidades podem funcionar com 30% de sua capacidade. O PL assegura ainda que os pais e responsáveis possuem autonomia pelo retorno presencial ou à distância na educação básica. Na justificativa, o deputado afirma que as medidas tomadas pela gestão estadual não levam em consideração a importância da educação. “As medidas de combate à pandemia, muitas das vezes, negligenciaram a importância da atividade

Entrega de Kit Merenda na Escola Estadual Rodolfo Augusto 2, em Cuiabá. Foto: David Borges/Seduc-MT


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Novato no futebol, Cuiabá Esporte Clube, chega à elite e se torna

referência aos times tradicionais do estado Após 35 anos, o estado de Mato Grosso volta a ser representado no futebol nacional por Anny Carvalho e Sarah Mendes

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Cuiabá conquista acesso à Série A do Campeonato Brasileiro. Foto: Federação Mato-grossense de Futebol.

ais conhecido como Dourado, por causa do mascote do time que é um peixe nativo dos rios do estado e símbolo das políticas de conservação da biodiversidade na região, em 2020, o Auriverde da Baixada conquistou seu espaço na elite do futebol nacional. Com as cores amarelo, branco e verde, o time foi fundado em 12 de dezembro de 2001 pelo ex-jogador Luís Carlos Tóffoli, o Gaúcho. O clube subiu da Série D para a Série C em 2011, da C para a B em 2018, com o acesso para a Série A em 2020.

A ascensão do Dourado na elite do Brasileiro é resultado do trabalho realizado pela direção do Cuiabá, que desde 2011, vem construindo seu espaço no futebol brasileiro e está entre os clubes que nunca foram rebaixados, já que subiu da Série D para a Série A sem nenhuma queda. A administração do clube funciona como empresa, sem atraso salarial e isso tem chamado a atenção de grandes jogadores que chegaram neste ano ao clube, como o goleiro Walter, o zagueiro Paulão e o atacante Clayson. Para essa nova fase, o

CLUBE-EMPRESA O time foi comprado pela família Dresch, em 2009, oito anos após o ex-jogador Gaúcho ter formado o elenco. A família opera no ramo da indústria de borracha, no Estado de Mato Grosso, com a empresa Drebor. Atualmente o time é administrado pelos irmãos Alessandro e Cristiano Dresch. Além disso, o patriarca Aron Dresch é o atual presidente da Federação Mato-grossense de Futebol (FMF). O time se consolidou tam-

bém devido ao patrocínio da empresa familiar Drebor. Além de outros patrocínios como: Raytak, Sicredi, Agro Amazônia, Dourado Store, Sócio Torcedor Dourado, TV Cuiabá e Escolinha Oficial do Cuiabá. De acordo com a Federação Mato-Grossense de Futebol (FMF) o Cuiabá é o único clube-empresa no estado.

clube apresentou no último mês um novo técnico, Alberto Valetim. Na coletiva de sua apresentação, que ocorreu de forma online devido à pandemia, Valentim disse que pretende dar o seu melhor junto a equipe técnica. “É uma satisfação muito grande poder estar aqui no Cuiabá. Espero juntamente com a comissão técnica, com a diretoria e com a peça mais importante, que são os jogadores, fazer um grande ano aqui, com o Cuiabá na Série A do Brasileiro”, declarou Valentim. O volante Auremir dos Santos conta que o clube, os jogadores e a cidade estão ansiosos para a estreia na Série A, que tem previsão para ser iniciada no dia 29 de maio de 2021. “Acreditamos que o Estado também, já que há 35 anos um time de Mato Grosso não disputava a elite do futebol nacional. Pena o momento que atravessamos de pandemia e os jogos ainda sem públicos, já que a expectativa era para a Arena Pantanal receber grandes públicos

em todos os jogos neste Brasileirão”, afirma. O torcedor Flávio Amorim que acompanha o clube desde 2014 também conta como foi ver o time do coração chegar à elite do futebol nacional. “Parece que estamos vivendo um sonho. Enxergávamos aquele time que disputava a Série C alçando vôos altos, mas chegar à Série A é como um sonho realizado”, afirma. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) divulgou a tabela do campeonato deste ano e o primeiro jogo do Cuiabá é contra o Juventude. As datas e os horários da primeira rodada ainda não foram divulgados pela CBF. Devido à pandemia, continua proibido aos mandantes levarem seus jogos para fora do Estado de origem. Com exceção dos casos em que governos locais vetem jogos por causa do período pandêmico. Outra novidade do campeonato deste ano é que será o primeiro da história com algum limite

para as trocas de técnicos dentro da competição: cada time só poderá ter dois treinadores ao longo do torneio. Ao mesmo tempo, cada técnico só poderá treinar dois times diferentes. Até agora, esse tipo de limitação não existia. Para a jornalista esportiva, Juliana Bino, essa regra vai profissionalizar o campeonato, pois ainda tem alguns pontos que favorecem quem tem mais investimento. “A decisão demorou a acontecer e que sempre achou destrutiva a famosa ‘troca de cadeiras”. O técnico pode vencer vários campeonatos, na primeira queda a torcida começa a pedir a cabeça. Não é assim que funciona. Outra coisa que acontece muito é a união de jogadores para boicotar o técnico, uma inversão de valores absurda, partindo do princípio que o comando deveria estar na mão do comandante e não dos peões”, finaliza. Mas muito antes desse jovem time chegar às paradas de sucesso, outros três já passaram por lá, o


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ESPORTE

Mixto, Dom Bosco e Operário Várzea Grandense, considerados os times tradicionais de Mato Grosso historicamente. A história do Estado e o futebol Mas antes de colocar a bola em campo, precisamos lembrar que até 1970 o estado de Mato Grosso compreendia também o que hoje conhecemos como Mato Grosso do Sul. Somente no dia 11 de outubro de 1977, por meio da Lei Complementar nº 31, o então presidente da república, General Ernesto Geisel desmembrou do estado de Mato Grosso a região sul, que só em primeiro de janeiro de 1979 se tornou o estado do Mato Grosso do Sul. Para entender a história do futebol de Mato Grosso recorremos ao entusiasta do esporte, o brasiliense Sergio Santos, mixtense e apaixonado por futebol, que em 1999 decidiu fazer um repositório dessa história. “Eu guardava tudo sobre futebol brasileiro e pensei, por que não Mato Grosso? Quando comecei a pesquisar no arquivo público em 2003 passei a me aprofundar na história do futebol do estado”, relata. Sobre o interesse em registrar a história do futebol no estado, o jornalista esportivo Olímpio Vasconcelos, comenta que faltava entusiasmo por serem times pouco conhecidos no Brasil. “Para fazer um levantamento da história, você precisa ser muito apaixonado, porque você não tem um retorno financeiro para

EDIÇÃO 2020/1 • JORNAL SÔFOCA isso. O dinheiro é o que move tudo, então se não tem incentivo é difícil de se fazer esse levantamento”, conta. Em suas pesquisas, Santos encontrou alguns relatos dos primeiros times mato-grossenses. “Em 1940 já haviam alguns times espalhados pelo estado, o futebol era disputado em cidades como Cuiabá, Campo Grande, Corumbá, Aquidauana, Três Lagoas, Dourados, entre outras e cada cidade tinha sua própria liga”, lembra. Vale ressaltar que nessa época ainda não havia uma instituição que organizasse os times e fizesse com que falassem a mesma língua. Somente em 1942 é fundada em Cuiabá a Federação Mato-grossense de Desportos (FMD), denominação originária da Federação Matogrossense de Futebol (FMF), que passou a supervisionar não somente o futebol, mas todas as modalidades esportivas no estado. No entanto, os campeonatos de futebol ainda eram disputados cada um em suas cidades. Em 1943 houve o primeiro campeonato feito pela FMD e teve como campeão o time do Paulistano. Daí por diante os vencedores eram considerados como campeões mato-grossenses, mas ainda não havia a participação de todos os times do estado, devido ao espaço geográfico, que envolvia o deslocamento dos times tornando inviável à época. A primeira participa-

FEDERAÇÃO MATO-GROSSENSE DE FUTEBOL O acesso do Cuiabá à série A já refletiu no Campeonato Mato-grossense de 2021 que, há muitos anos, não atraía tantos patrocinadores como agora. É o que afirma Humberto Frederico, coordenador de Marketing e Relações Institucionais da Federação Mato-grossense de Futebol. Segundo ele, muitas empresas que não têm condições financeiras de investir no Cuiabá, buscaram patrocinar o próprio campeonato estadual. “Mais importante que apoiar o clube da série A, a Federação tem que apoiar o futebol do nosso Estado como um todo”. Hoje, a diretoria da FMF ocupa a 12º posição no ranking de melhores federações de futebol no Brasil, segundo a CBF - posto que é motivo de orgulho para a Federação Mato-grossense.

Inaugurado em 1976, o Verdão foi palco de partidas memoráveis de futebol. Foto: Reprodução.

ção no campeonato mato-grossense só ocorreu em 1973, com a participação dos clubes: Comercial (Campo Grande), Operário (Campo Grande), Dom Bosco, Mixto, Palmeiras, Operário (Várzea Grande) e União de Rondonópolis. O Operário Várzea-grandense tornou-se campeão, após decidir o título com o Dom Bosco. O apito inicial - Estreia no campeonato brasileiro A competição nacional denominada como Campeonato Brasileiro, como conhecemos atualmente teve a sua primeira edição realizada em 1971. Nos dois primeiros anos não houve a participação de equipes de Mato Grosso. Somente em 1973 o estado teve seu primeiro representante, através da Confederação Brasileiro de Desportos (CBD) que incluiu Mato Grosso entre os participantes da competição. A princípio o time escolhido foi o Operário de Campo Grande. Esta escolha representou

para o regulamento do campeonato uma quebra em um de seus itens que previa a não participação de clubes que não pertencessem às capitais. Santos acredita que a influência dessa escolha foi que, em Campo Grande já possuía o Estádio Pedro Pedrossian, que tinha a capacidade de receber jogos de maior porte. Com isso, em Cuiabá também houve uma aceleração na construção do Estádio Governador José Fragelli, o Verdão, que já estava sendo realizada. O Comercial acabou representando o estado no brasileiro em 1973. “Os times tinham nas suas equipes a escalação de atletas que se formavam nas várzeas, como não havia ainda um grande desenvolvimento urbano, então as pessoas praticavam futebol em todos os campinhos que existiam e muitos craques surgiram na época”, comentou o mixtense, Antero Paes de Barros, um dos principais nomes da cobertura histórica do fu-

tebol. Ele lembra que o seu pai, Ranulfo Paes de Barros, e o radialista Ivo de Almeida lançaram a campanha de que Mato Grosso precisava de energia e Cuiabá precisava de estádio. O slogan era “Cidade sem luz é cidade sem futuro e cidade sem estádio é cidade sem futebol” para a construção do Verdão. Outra fala do radialista Ivo de Almeida que marcou a época foi “Cuiabá merece um estádio ao nível de seu futebol”. O narrador, Igor Gabriel, conta que Ivo foi uma das grandes influências para a construção do estádio em Cuiabá. “Ele tinha muito prestígio e cobrava as autoridades com o argumento de que o futebol e a torcida estavam aptos nacionalmente para ter o seu próprio estádio. Em 1974, o até então governador, José Fragelli abraçou a ideia e lançou a pedra fundamental para a construção do Verdão. A partir daí surgiu, no futebol, a rivalidade entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul”, relatou. Em entrevista ao jornal O Estado de Mato Grosso, em 31 de maio de 1974, o então presidente da FMD, Agripino Bonilha Filho afirmou que se o “Verdão” estivesse pronto em março de 1975, a federação iria reivindicar mais uma vaga para Mato Grosso junto à CBD. Nos dois anos seguintes, Operário de Campo Grande (1974) e Comercial (1975) foram os representantes. Em 1976, com a inauguração do es-


ESPORTE

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1977 1976

Dom Bosco ganha disputa entre o Mixto e Operário Várzea-grandense e garante vaga no Campeonato Brasileiro.

O Estado de Mato Grosso garantiu sua participação no Campeonato Brasileiro sendo representado pelo Mixto.

1979 1978

1986

tádio Verdão, Mato Grosso passou a ter mais um representante no brasileiro, o Mixto. Sobre a estreia do Mixto no futebol nacional, Antero relata que a média do clube no campeonato brasileiro foi de mais de 38 mil pessoas.

te. O Operário de Campo Grande foi o outro representante. O ex-jogador Nasser Untar, que passou pelo Operário Várzea Grandense (1980 a 1988), Mixto(1988 e 1992), Dom Bosco (1991) e União de Rondonópolis (1984), descreve como foi a senMato Grosso no sação de representar o esCampeonato brasilei- tado e ser o último time a ro de futebol jogar na brasileiro “A senO processo para a es- sação, foi muito boa em colha do representante na ser o último, mas quando eu participei em 86, ser o último a participar nem O slogan era passava pela cabeça”, relata.

“Cidade sem luz é cidade sem futuro e cidade sem estádio é cidade sem futebol” para a construção do Verdão.

capital era feito através da disputa de um triangular envolvendo os campeões dos três primeiros turnos da Chave Norte do Campeonato Mato-grossense: Dom Bosco, União e Mixto respectivamen-

Desta vez, já tendo seu território dividido, Mato Grosso pôde contar com a participação de três clubes: Dom Bosco, Mixto e Operário Várzea-grandense.

Neste ano, além do Dom Bosco, o Comercial, o Mixto e o Operário de Campo Grande também representaram Mato Grosso na competição.

No último ano em que um clube mato-grossense participou do Brasileirão, foi a vez do Operário Várzea-grandense representar o estado na competição.

O Clube dos treze (C-13) Após o fim do campeonato de 1986, a CBF foi a público dizer que não realizaria o Campeonato Brasileiro do próximo ano por falta de verbas. Na época da fundação, os clubes eram os treze primeiros do Ranking da CBF, em ordem alfabética: Atlético-MG, Bahia, Botafogo, Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Grêmio, Internacional, Palmeiras, Santos, São Paulo e Vasco. Após a união desses times houve a eliminação dos times do interior. De acordo com Vascon-

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1984 1985

Neste ano, foi a vez do Operário Várzea-grandense garantir a sua participação no Brasileiro.

Depois de um ano, sem participar da competição, o Mixto volta a disputar o Campeonato Brasileiro.

celos, foi por esse motivo que os times mato-grossenses não participaram do Campeonato Brasileiro de 1987 até 2020. “Os clubes já eram fracos financeiramente, então por consequência da eliminação, em 1988 a 1990 a segunda divisão já estava sendo consolidada. A partir daí os clubes não tinham condições de montar bons times para se manter”, comentou. Para o jornalista, isso também está ligado às crises que os clubes passaram no Campeonato Mato-Grossense. “Com a má administração os times perderam suas sedes e estar longe do eixo também atrapalhou”, finalizou. Depois de 33 anos de existência, o C-13 chegou ao fim em fevereiro de 2011, após diversos desentendimentos entre os clubes, CBF e a emissora detentora dos direitos de transmissão da competição nacional. Os impedimentos dos clubes tradicionais na série A na visão dos profissionais da comunicação Para chegar à elite novamente, os times mato-grossenses possuem, hoje, alguns obstáculos.

De acordo com Paes de Barros, os times tradicionais sempre foram muito frágeis em estrutura. “Eles não evoluíram, eles não fizeram um centro de treinamento, não investiram na base, exatamente por isso é que estão hoje superados pelo Cuiabá, mas a participação deles no campeonato brasileiro foi uma participação que orgulhou e honrou o futebol de Mato Grosso”, opina. Outro ponto levantado é a questão financeira e logística. O estado de Mato Grosso fica longe do eixo Rio e São Paulo. Para Vasconcellos esse distanciamento geográfico impacta muito na entrada dos clubes na elite do futebol. “Chegar na série A, exige um mega trabalho, uma boa estrutura e seriedade que precisa ser mantido por um longo período. Então manter esse trabalho, as dívidas em dia, tem sido uma dificuldade para os clubes do Estado. Afinal, não se faz futebol sem isso, é preciso contratar, investir para ter retorno”, comenta a jornalista esportiva, Bruna Ficagna. Ficagna também associa a má administração

1980 A partir daí, o vencedor do campeonato estadual no ano anterior já garantiu sua vaga automaticamente no Brasileirão do ano seguinte. Sendo assim, o Mixto representou o estado neste ano.

1981, 1982 e 1983 Em todos esses anos, o Mixto carregou consigo a responsabilidade de representar Mato Grosso no Campeonato Brasileiro.

dos clubes ao esvaziamento no estádio. “Eu acredito que os clubes tradicionais, como o próprio Mixto e Operário que já tiveram a presença maciça do torcedor, perdeu esse vínculo devido ao momento e as fases que foram passando. Mas na Série B de 2019, vimos que um clube consegue sim contar com essa torcida, na final da Série C em 2018, o Cuiabá provou isso, quando a Arena lotou”, relata. É possível que haja uma luz no fim do túnel, agora, com o Cuiabá na série A. O narrador Eslteneil de Sousa, mais conhecido como Anjinho Moreno, acredita que não precisa ser um clube-empresa para alcançar o sucesso, mas é necessário seriedade na tratativa das decisões. Para que isso ocorra, é necessário que os clubes invistam em publicidade no Campeonato Mato-Grossense. Após três décadas, o Dourado, que é o mais novo time do estado, terá a oportunidade de mostrar todo o seu talento no futebol. Agora é torcer para que o Cuiabá tenha uma bonita trajetória na elite do campeonato brasileiro.


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Alimentação e atividade física

potencializa a saúde na infância O Ministério da Saúde recomenda em seu guia alimentar evitar a ingestão de alimentos processados durante a fase de crescimento por Camyla Rondonn

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e acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), há uma relação direta entre alimentação e o crescimento da criança, onde a infância vai de zero a 9 anos e a adolescência de 10 a 19 anos. Nos primeiros anos de vida, o desenvolvimento físico é acelerado e conforme o avanço da infância, ocorre uma desaceleração na altura, que volta com tudo na fase do estirão, na adolescência. Yaskara Schuistak, 31 anos, é administradora e mãe de Bernardo, 4 anos. Ela conta que o filho pratica natação desde os seis meses de idade, a partir do momento em que foi para o berçário onde a atividade estava inclusa. Como a diversão era garantida na natação, Yaskara diz que ele chegava cansado, dormia mais cedo e obteve uma melhora no seu sono. “Percebi o seu desenvolvimento social, a autonomia, o desenvolvimento motor e a perda do medo da água”, relata. Em virtude do coronavírus, ela retirou o filho do berçário, mas pensa em matriculá-lo em outro esporte futuramente. Enquanto isso, Bernardo pratica a atividade física em família, pois a sua avó paterna, Anatalia Souza Silva, aposentada, é ex-professora de educação física na UFMT e incentiva o neto a manter atividades. A administradora disse que, apesar de cuidar da alimentação do filho, houve uma fase que o excesso de um único tipo de alimentação (cenoura e abóbora) que contribuiu para a hiperpigmentação na derme (pele), deixando-o com uma cor alaranjada. Entre outros motivos, a regularidade da consulta com um pediatra auxiliou a mãe a identificar e re-

Geovanna, 7 anos, em sua primeira apresentação do balé Foto: Arquivo pessoal

verter a hiperpigmentação do filho Bernardo. O qual foi readequado para a fase da vida do pequeno, conciliando com a atividade exercida por ele. Segundo a nutricionista, Sheila Zuchello, o corpo humano não foi “feito” para ficar parado, pois toda a nossa estrutura celular e molecular funciona baseada em movimentos. Quando uma parte do corpo precisa ficar imobilizado por um determinado tempo, o nosso organismo “entende” que aqueles músculos não precisam de energia, devido a imobilidade e o cérebro dá a ordem para que as reservas de nutrientes daqueles músculos sejam reabsorvidas e reaproveitadas, assim o músculo do local atrofia, ou seja, perde tônus muscular, sua força.

E o que acontece quando aquele mesmo membro começa a se movimentar novamente? O cérebro dá a ordem para reconstruir, ou seja, fortalecendo o músculo que agora está em movimento, “enviando” energia e hipertrofiando, desenvolvendo o músculo. A mesma coisa acontece com nosso corpo inteiro, se há pouco movimento, ocorre atrofia, diminuição de músculos, ossos e até órgãos. Mas quando há movimento, há construção, manutenção e crescimento. Culturalmente o sonho de algumas meninas é aprender balé e ter a aparência de uma boneca dos desenhos infantis, Geovanna, 6 anos, pratica essa atividade física a aproximadamente 2 anos. Michelle Teixeira, 34 anos, secretária e

mãe de Geovanna, relata a melhora da postura da filha e sua alegria ao praticar essa dança. “Na igreja, ela pedia para dançar, e o balé foi a sua escolha, a qual deixa muito feliz”, afirma a mãe. Michelle diz que a filha é muito agitada e está sempre alerta, tem muita energia para gastar, como toda a criança nessa fase. A escolha pela dança foi a melhor opção, pois além da menina gostar dessa atividade o valor também era acessível já que a igreja tem uma parceria com a professora de dança, ficando dentro do orçamento familiar. Como outras atividades, as aulas de balé ficaram suspensas em razão da Covid-19 e as instruções da professora foram por meio de vídeos no WhatsApp para que rea-

lizassem alongamentos e assim estimulando-os na atividade. A nutricionista, disse que a atividade física é fundamental para o desenvolvimento saudável em todas as fases da vida, principalmente na infância e adolescência. A falta de exercícios nesta fase pode resultar em ossos com menor densidade, sinapses nervosas com menos eficiência e órgãos e músculos menores e mais fracos, a chamada sarcopenia. A falta de cálcio, vitamina D, magnésio, fósforo e outros nutrientes influenciam diretamente nas fases de maior crescimento. Mesmo que um indivíduo tenha genes que determinem que ele será alto, se sua alimentação durante a fase de crescimento for deficiente, o organismo vai priorizar órgãos vitais coração, pulmões, rins, fígado e cérebro, assim a estatura ficará mais baixa, relata a nutricionista, Sheila Zuchello. Recomendações alimentares É recomendável que a alimentação seja o mais natural possível, composta por frutas, legumes, leguminosas, verduras, carnes magras, peixes, aves e castanhas. E no Brasil, a cultura alimentar inclui a mandioca, arroz e feijão. Mas não podemos deixar de consumir proteínas, carboidratos, gorduras, fibras, minerais, vitaminas e água. Já os alimentos de origem vegetal têm a vantagem de ter compostos bioativos que agem no organismo como antioxidantes e anti-inflamatórios, além de nutrir. Quanto mais natural, variado e colorido for a refeição melhor e mais atrativo será para a criança. Se a refeição for preparada em casa, melhor ainda. Evitar os produtos


EDIÇÃO 2020/1 • JORNAL SÔFOCA alimentícios industrializados, que tiveram os principais nutrientes removidos e receberam acréscimo de gordura trans, açúcares e sódio em excesso. Além de muitos conterem o glutamato monossódico, que além de viciar o organismo, ativa o centro de fome no cérebro, sendo uma substância orexígena (estimulam o consumo alimentar). De acordo com as recomendações do guia alimentar do Ministério

ENTREVISTA

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da Saúde, deve-se evitar a ingestão de alimentos processados, com excesso de sal, açúcar, gordura trans e aditivos, pois pode levar a doenças do tipo hipertensão, diabetes, cáries entre outros. O guia alimentar recomenda que as crianças se nutrem com alimentos in natura, ou minimamente processados, pois neles contém maior quantidade de nutrientes, vitaminas e minerais.

IMPORTÂNCIA DE UMA BOA NUTRIÇÃO Fontes de proteínas: leite e derivados, carnes, aves, pescados, feijão, lentilha, grão de bico, ervilha, até arroz com feijão são ótimas fontes de proteína. Fontes de carboidratos: arroz, batata, mandioca, etc. Fontes de gorduras (boas): castanhas, azeite de oliva, abacate, carnes magras, leite e derivados, etc. Fontes de minerais, vitaminas e fibras: frutas, legumes, verduras e cereais integrais. E a quantidade de água necessária por dia pode ser calculada com a fórmula: peso x 35ml, por exemplo: uma pessoa com 70kg x 35ml de água = 2,450 L por dia.

Bernardo, 4 anos, praticando natação em família. Foto: Arquivo pessoal

Nieta Costa: Na Casa das Pretas o que liberta é a educação por Beatriz Passos

“A

minha trajetória no movimento negro começou muito cedo” relembra Nieta Costa, fundadora e presidente do Instituto de Mulheres Negras (Imune) e líder da Casa das Pretas, espaço inaugurado no Centro Histórico de Cuiabá onde localiza-se a Afroteca Comunitária Carolina Maria de Jesus. Nascida em 1967, Nieta iniciou sua trajetória de luta ainda na adolescência, quando sentia de perto o encanto do pai, sindicalista, pelo movimento negro. Era 1989, ano em que o Brasil experienciou a primeira eleição presidencial direta desde a Ditadura Militar, quando Mato Grosso recebeu o Encontro Nacional da Consciência Negra. Neste evento, Nieta deu seus primeiros passos enquanto liderança ao ser convocada pelo pai para pensar a programação cultural do encontro. Amante da dança, a jovem se juntou

Nieta Costa coordena não só o espaço físico da Afroteca como também o Instituto de Mulheres Negras (Imune)- Foto: Beatriz Passos

com colegas e fundou o “Grupo Cultural Filhas de Oxum”. Foram 24 anos atuando junto ao grupo, até que em 2002 a dança deu lugar à militância e Nie-

ta passou a se dedicar ao Imune. Completando 19 anos de existência, o Instituto promove ações de acolhimento e reivindicação de direitos voltados às mulheres negras.

Dentre os mais diversos reconhecimentos pelo trabalho realizado, Nieta relembra o momento em que o Imune recebeu a Comenda Senador Abdias Nascimento, ao lado

de personalidades como Zezé Motta e Lazzo Matumbi. Em um novo capítulo de sua história, Nieta Costa abriu as portas da mais nova realização do Imune, a Afroteca Comunitária Carolina Maria de Jesus, e recebeu a equipe de reportagem do Jornal SôFoca para uma entrevista especial. JS: A Casa das Pretas está localizada em uma região histórica da capital, a Praça da Mandioca. Diante disso, conte sobre como nasce esse espaço físico do Imune? NC: Durante 17 anos e 10 meses nós não tivemos sede. Nós íamos até a comunidade falar sobre as mulheres negras e lutas sociais. Com a pandemia o impacto foi grande, já que entre as nossas mulheres, 90% a 95% não possuem proximidade com a tecnologia e isso foi um choque. Com o apoio do fundo Baobá, a gente conseguiu


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ENTREVISTA

comprar dois notebooks, conseguimos comprar celular, para a gente poder fazer nossos trabalhos virtualmente, aí a gente começou a fazer as nossas rodas virtuais. Esse espaço estava fechado há mais de dois anos, é uma casa do século 19, onde tem um poço e toda uma estrutura daquele tempo. Quando a gente entrou aqui sentimos que era nossa casa. Sempre falava que a gente teria uma sede, aí uma companheira disse assim: ‘É Nieta, você falava que a gente ia ter sede, mas a gente nunca imaginou que seria tudo isso’, aí eu falei ‘É tudo do tamanho do nosso sonho, e pode ser maior’. JS: Pensando em uma perspectiva de futuro, como o Instituto pretende manter a Casa em funcionamento? NC: Queremos tornar esse espaço sustentável, e a gente tá aqui trabalhando para isso. Hoje a gente precisa muito da ajuda de projetos e da população para manter. Mas, a luta agora é para comprar esse espaço.

EDIÇÃO 2020/1 • JORNAL SÔFOCA A deputada Federal Rosa Neide (PT) prometeu que vai fazer uma emenda de compra desse espaço, e tudo isso não é para o Instituto, aqui é nossa casa coletiva, temos três princípios: acolhimento, resistência e luta. Se não tiver isso, não é Casa das Pretas. Nós somos um quilombo urbano de mulheres negras, e queremos aquilombar, mas nesse aquilombamento cabe diversidades. Aqui é a casa de quem precisa. JS: Dentro desse quilombo urbano, temos hoje um espaço recém inaugurado que é a Afroteca Carolina Maria de Jesus. Como surgiu a ideia de criar um local como esse e porque a escolha desse nome? NC: Sou professora, pedagoga e geógrafa, mas antes de ser professora, sou mulher preta e preciso de referências. Durante minha construção acadêmica e até mesmo no processo de formação de cidadã, a educação não me trouxe as referências

que eu precisava. Não quero isso para os meus e nunca quis isso. A gente quando parou aqui, a primeira coisa que criamos foi uma biblioteca pequena, era só uma prateleira com os livros, que trouxe da minha casa e as meninas trouxeram da casa delas. Quando pensamos em um nome para a Afroteca, me assustava que ninguém conhecia Carolina

“Nós somos um quilombo urbano de mulheres negras, e queremos aquilombar, mas nesse aquilombamento cabe diversidades. Aqui é a casa de quem precisa.” Nieta Costa, 54 anos

Maria de Jesus, eu, mulher preta do movimento negro, não conhecia até poucos anos atrás. E pensei se eu, que sou do movimento negro, demorei tanto conhecer, imagina

as minhas irmãs pretas. Mato Grosso precisa conhecer Carolina Maria de Jesus. JS: Essa ligação com escritores negros e negras também se relaciona aos autores mato-grossenses? NC: Olha, Mato Grosso precisa conhecer Carolina Maria de Jesus. Mas, Mato Grosso precisa conhecer Luciene Carvalho, escritora daqui. Mato Grosso precisa conhecer Neusa Batista que é escritora daqui. Luciene Carvalho faz parte da Academia Mato-grossense de Letras e muita gente ainda não a conhece. É preciso conhecer Neusa Batista, escritora e mulher preta que escreveu livros que estão entre os 10 mais bem indicados para Educação Infantil em relações raciais, o ‘Cabelo pixaim é Cabelo ruim?’. Eu não quero esperar morrer como Vilma Moreira, primeira mulher negra a ser deputada estadual em Mato Grosso, morreu, sem ninguém falar sobre. Queremos falar dos nossos ainda em vida

e por isso criamos a Afroteca, porque o livro liberta, a educação liberta, a leitura liberta. JS: E diante todo esse trabalho já realizado pelo Imune e parte dele concretizado hoje com a Afroteca, qual o legado que você gostaria de deixar para as mulheres negras de Mato Grosso? NC: Fui a primeira mulher a assumir o Conselho de Promoção de Igualdade Racial, tomei surra que nem o que, e por um homem que coordenava. Lá eu não tinha direito a ter uma folha de papel sem me explicar mil vezes. Sempre digo para as meninas aqui: “A luta não se faz no conforto, você não muda nada no conforto da sua casa’. Precisamos nos posicionar. As pessoas precisam se colocar como instrumento de mudança. Nós não queremos mais pessoas que não sejam anti-racistas, porque dizer que não é racista é fácil, já que é crime, o difícil é combater o racismo. Como dizem em Cuiabá: ‘Chupa essa manga’.

O espaço físico da Afroteca conta com uma variedade de livros escritos por autores e autoras negras de Mato Grosso e outras regiões do país. Foto: Beatriz Passos


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POLÍTICA

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MULHERES NEGRAS QUE FIZERAM HISTÓRIA nesta. “A população ainda acredita que podemos desempenhar nossa função com honestidade em defesa dos direitos da sociedade”, disse em seu discurso de posse. Em 31 de outubro de 2020, aos 67 anos, a ex-deputada faleceu em decorrência de problemas pulmonares. Conheça Carolina Maria de Jesus, uma das primeiras autoras negras publicadas no Brasil

Conheça Vilma Moreira, primeira deputada estadual negra de Mato Grosso

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leita para a legislatura estadual de 2007 a 2011, a professora Vilma Moreira dos Santos deixou seu nome registrado na história de Mato Grosso, sendo a primeira deputada negra eleita para ocupar o parlamento estadual. Antes de alcançar o cargo, Vilma foi seis vezes presidente do Sindicato da Categoria dos Profissionais

da Educação Básica da Rede Estadual de Ensino da Região Sul (Sipros-MT) e duas vezes vereadora de Rondonópolis, a 219 km de Cuiabá. Considerada uma das principais líderes comunitárias do município onde residia, Vilma afirmou em sua posse que ainda acreditava ser possível atuar como parlamentar de forma ho-

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ascida em 14 de Março de 1914, na cidade de Sacramento, em Minas Gerais. Anos depois mudou-se para São Paulo, onde trabalhou como catadora de papéis para sustentar os três filhos. Enquanto atravessava uma rotina desgastante em um trânsito diário entre a favela do Canindé, Zona Norte da capital paulista, e o centro da cidade, Maria traçava em pequenos cadernos relatos sobre sua rotina. Em 1958, a escritora conheceu o então jornalista Audálio

Dantas, que colaborou com a publicação de seu primeiro livro, o “Quarto de Despejo”, lançado em 1960. Estima-se que apenas no primeiro ano, a obra vendeu mais de 100 mil exemplares. O livro é considerado uma das maiores referências da literatura brasileira e figura, ao lado de “Casa de Alvenaria”, “Provérbios”, “Pedaços da Fome” e “Diário de Bitita”, entre as obras mais importantes da autora. Em uma edição popular

do livro, a escritora rememorou os motivos pelo qual decidiu iniciar na escrita. “Quando eu não tinha o que comer, em vez de xingar eu escrevia. Tem pessoas que quando estão nervosas, xingam ou pensam na morte como solução. Eu escrevia o meu diário”, relatou. A autora faleceu num pequeno sítio na periferia de São Paulo, em 14 de agosto de 1977.

Emanuel Vs Mauro Mendes: “Muita coisa poderia ser feita se tivessem deixado o ego de lado”, avalia cientista político

Mesmo com a pandemia, governador e prefeito elevam tom com troca de acusações e disputas judiciais por Michael Esquer e Rodrigo Costa

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o Brasil, a chegada da pandemia desencadeou um movimento que, até então, não havia sido conhecido por grande parte dos países que já enfrentavam a crise sanitária: a politização da crise. A nível nacional, em março de 2020, o presidente desdenhou o poder destrutivo que o vírus da Covid-19 poderia ter na saúde e na economia e, ao mesmo tempo, disputou a agenda da mídia, que até então realizava uma cobertura intensa sobre a pandemia. Em Mato Grosso, igualmente, a população teve duas figuras políticas dividindo a agenda da mídia na cobertura da crise: Mauro Mendes, governador do Estado, e Emanuel Pinheiro, prefeito de Cuiabá. O historiador e cientista político Louremberg Alves avalia que gestores utilizaram a pandemia como palanque eleitoral e sustenta o argumento, entre outros fatos, na guerra de decretos protagonizada por ambos em vários momentos da

Emanuel Pinheiro e Mauro Mendes, em evento de inauguração do Hospital Municipal de Cuiabá, em 2019. Foto: Rodinei Crescêncio/RD News pandemia. Até a tarde desta quarta-feira (5) 14.856.888 pessoas haviam testado positivo para a Covid-19 no Brasil. Destes, 411.588 faleceram de acordo com dados do Conselho Nacional de Secretarias de Saúde (Conass). Em Mato Grosso, até a mesma data, 368.634 testaram positivo para a Covid-19 em Mato Grosso, destes 9.989 morreram vítimas da doença. Na Capital, o número de positivos para o Sars-Cov

2 totaliza 78.183, dos quais 2.678 representam a morte de vítimas fatais da doença. Os dados constam do painel de monitoramento da Covid-19 da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MT). Desentendimento na pandemia A primeira nota técnica sobre a pandemia do novo coronavírus publicada em Mato Grosso foi no dia 20 de março de 2020. Naquela época, a SES-MT tinha o registro de um

único caso, 73 suspeitos de infecção e 33 casos descartados. Com o primeiro registro, o governo do estado orientou, no mesmo dia, o fechamento de bares, parques e proibiu aglomerações. Seis dias depois, o governo reautorizava o funcionamento das atividades econômicas que haviam sido proibidas, com o discurso, que é utilizado até hoje, de proteção da economia. Com decreto publicado desde o dia 20, que determinou estado de

emergência e fechou o comércio, um dia depois do anúncio de Mauro, no dia 27 de março, o prefeito Emanuel Pinheiro classificou, em entrevista dada a coletiva de imprensa, como “equivocado e inoportuno” o documento que flexibilizava as medidas restritivas. Entre os estabelecimentos que voltavam a funcionar, estavam shoppings, supermercados, agências bancárias, casas lotéricas, farmácias, petshops, postos de combustível, oficinas mecânicas, call centers, mercados de capitais e seguros, lojas de departamento, galerias e indústrias no estado. A medida, porém, se tornou o cenário para o primeiro de muitos momentos de atrito entre o chefe do Executivo estadual e Executivo municipal de Cuiabá. Guerra de decretos, ataques sucessivos “Essa briga entre o governador e o prefeito não traz benefício algum nem


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POLÍTICA

para a Capital, nem para o Estado, muito menos para a população, que está perdida, sem saber qual caminho tomar, pois, de um lado, tem o avanço perigoso e devastador da doença, do outro lado, os desencontros entre o prefeito e o governador”, avalia o historiador e cientista político Louremberg Alves ao analisar os episódios que compuseram a trajetória dos líderes do executivo municipal e estadual durante a pandemia. Um destes, ocorreu um ano depois do primeiro embate, no dia 1º de março deste ano, após o governador Mauro Mendes anunciar um novo decreto estadual estabelecendo medidas de contenção contra o agravamento da pandemia da Covid-19. Na ocasião - surpreendendo quem no ano passado assistiu o fechamento do comércio na Capital com a chegada da pandemia -, a reação do prefeito Emanuel Pinheiro foi de completo desacordo. Um dia depois, no dia 2 de março, ele decidiu, então, anunciar um novo decreto, válido apenas para o município de Cuiabá, mais flexível e na contramão do decreto estadual, no momento que o estado atravessa o pico da segunda onda da pandemia. Justificando a decisão, o prefeito alegou que o decreto estadual era inconstitucional. “O MP entrou em ação, com novo pedido para que o decreto estadual fosse o que deveria ser respeitado pela população cuiabana. O prefeito recorreu. Perdeu tanto no Judiciário estadual como no STF. Valia, então, o decreto estadual, desrespeitando e retirando a competência da prefeitura em disciplinar e orientar o comércio e a movimentação municipal. O Judiciário se valeu, não do legal e do legítimo, mas do princípio de precaução e prevenção. O decreto estadual era mais rígido, e, portanto, o melhor no combate ao avanço da doença”, explica Louremberg. Na negativa da Justiça Estadual, em liminar

EDIÇÃO 2020/1 • JORNAL SÔFOCA proferida pelo desembargador Orlando Perri, que suspendeu o decreto municipal e negou o pedido do prefeito Emanuel Pinheiro, o magistrado ressaltou a importância de Cuiabá para o restante do Estado. Em sua decisão, o magistrado frisou a autonomia da Capital para “recrudescer” o decreto estadual, mas não para “abrandá-lo ou atenuá-lo”, assim “comprometendo o todo”, disse em um dos trechos da decisão. “[Emanuel Pinheiro] foi obrigado a acatar [o decreto estadual], sem, contudo, deixar de tecer suas críticas. Baixou, assim, o decreto 8.372, em respeito a decisão da Justiça. Mas, ao ler o conteúdo do seu decreto, percebe claramente, que o prefeito se valeu do jogo de palavras para contrariar o decreto do Estado, respaldado pelo decreto federal, que estendia em número as atividades essenciais”, comenta o cientista político. Troca de farpas Mesmo no período mais crítico da pandemia, a onda de ataques entre Mauro Mendes e Emanuel Pinheiro não cessou. A curva crescente de casos e óbitos em março, continuou sendo o cenário para que os governantes subissem o tom de ataques realizados entre si. Além dos embates nas instâncias judiciais, Emanuel Pinheiro e Mauro Mendes também direcionaram ataques um contra o outro. Se tornou um costume, durante a realização de entrevistas coletivas, governador e prefeito trocarem comentários negativos e provocações entre si. Sobre o desentendimento em torno do decreto estadual, Emanuel, por não estar de acordo com as medidas tomadas por Mauro, chegou a chamar o governador do Estado de arrogante. No episódio, a troca de farpas envolvia a pandemia, mas, em outras oportunidades, os governantes envolviam assuntos de cunho político e distante da questão central, o combate à pan-

demia de Covid-19. Em meados de fevereiro deste ano, quando Mato Grosso sinalizava que sofreria com uma segunda onda mais grave da pandemia, os governantes teciam comentários sobre suas respectivas gestões. “Um tal de Emanuel deixou a prefeitura quebrada”, disse Mauro Mendes em entrevista coletiva sobre o comando do Executivo municipal. A reportagem com a fala foi

veiculada no portal de notícias RD News. Não demorou muito para o prefeito da Capital rebater, menos de 24 horas. “Ele está quebrando o povo. Está quebrando os servidores públicos, o setor produtivo, está causando uma crise sem dimensão no Estado de Mato Grosso”, respondeu Emanuel ao governador. Também neste ano, o governador do Estado de Mato Grosso instalou um

outdoor em frente à Arena Pantanal, local que funciona como centro de triagem para atendimento e realização de teste de pacientes com suspeita de covid-19, questionando o governo municipal. “O Governo de MT presta atendimento no Centro de Triagem Covid-19 para suprir a deficiência da Prefeitura, que deveria oferecer esse serviço nos PSFs e UPAs, dizia o banner com a logo oficial do

Banner instalado pelo Governo do Estado questionando os serviços do Governo Municipal. Foto: Reprodução Web. Interesse político entretanto, essa “queda- que não tiveram trégua sobreposto à crise sa- -de-braço”, apesar de flo- mesmo com a pandemia, nitária rescer na pandemia, teve mas sim um confronto diPara Louremberg Alves, sua origem antes ainda reto. “Cada um deles proque também é jornalista, da crise. Louremberg, de curou tirar proveito políalém de cientista políti- forma precisa, caracte- tico-eleitoral da situação, co, a pandemia, sobretu- riza a segunda semana com vista às disputas eleido, serviu para expor os do primeiro mandato do torais de 2020 e 2022. A interesses partidários de prefeito Emanuel Pinhei- guerra de decretos foi um muitos agentes políticos, ro como a gênese dessa episódio em meio a tantos entre eles, a nível local, luta. “Oportunidade em outros”, explica. O cientista enfatiza que do governador do estado que ele, em uma coletiva e prefeito de Cuiabá. Ele no Pronto Socorro antigo, não há dúvidas de que o menciona ainda o fato de revelou todos os desacer- embate tenha sido prejuesse enredo ter tido início tos da saúde pública lo- dicial quanto ao combate com o embate entre João cal. ‘Revelou’ não é bem à pandemia. Ele pontua Doria, governador do es- o termo correto, até por- que, apesar do cenário de tado de São Paulo, e o que tudo o que o prefeito crise do sistema de saúde, presidente da República, disse já era do conheci- o resultado poderia ter Jair Bolsonaro. mento de muitas pesso- sido diferente se houvesse “Interesses que servi- as. O governador Mauro interesse mútuo das parram para que cada um Mendes, claro, não gos- tes em unificar as vozes. “É claro que a doença, deles se colocasse em tou. Não gostou porque pontos opostos na luta os desacertos, apontados devastadora como é, ceipolítico-eleitoral, sem pelo prefeito, colocavam faria vidas, mesmo sem a que fossem movidos pe- em xeque-mate a sua ad- tal briga. Mas muita coisa las correntes ideológicas, ministração à frente da poderia ser feita se o preou de cunho humanitário. prefeitura cuiabana”, co- feito e o governador tivessem deixado o ego de O governador paulista e o mentou. presidente da República, Desse momento em lado, seus interesses parpor exemplo, se engalfi- diante, a relação entre ticulares de lado, em fanharam, ainda que não Emanuel e Mauro, que vor da coletividade. Com fossem bons esgrimistas, até então eram amigos o distanciamento dos e, assim mesmo, conse- de outras campanhas, dois, não se tem um traguiram seus públicos par- se tornou a de adversá- balho conjunto, um platiculares, suas plateias. rios políticos e, em certos nejamento comum, nem Briga, cuja derrotada foi momentos, até inimigos, plano de ações único. Isto mesmo a população”, segundo o pesquisador. é extremamente grave. destacou. Relação que se estendeu Gravíssimo”, finalizou. De acordo com o cien- ao longo de quatro anos tista, em Mato Grosso, com agressões mútuas,


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Quando o agro

é vida, é tudo

Comunidades de Mato Grosso defendem seus territórios, suas tradições e nosso planeta enquanto enfrentam ataques do agronegócio durante pandemia.

por Pedro Mutzenberg e Isadora Dias

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Plantio de arroz crioulo na comunidade tradicional São Manoel do Pari em Nossa Senhora do Livramento. Foto: Fran Paula

ra pra ser apenas mais uma terça-feira na comunidade quilombola Jejum, localizada no município pantaneiro de Poconé a 105 km de Cuiabá, porém este era o dia da fazenda vizinha realizar a colheita do plantio de soja. Enquanto a máquina passava colhendo os grãos secos apenas 10 metros distante das casas, uma poeira tomava conta do céu de Jejum e redondezas. Neste 23 de março, muitos moradores relataram tosse, dificuldade para dormir, irritações na garganta, entre outros sintomas respiratórios. Além dos problemas relacionados à saúde, as lavouras da comunidade sofrem com a grande presença de insetos. A mandioca, o mamão, as bananas e hortaliças não se desenvolvem tão bem quanto cinco anos atrás, período em que a monocultura vizinha vem sendo cultivada. Estes relatos somaram-se à legislação estabelecida no Decreto Estadual 1651/2013/ MT, que diz respeito à distância mínima de 90 metros para a pulverização terrestre de agrotó-

xicos, para compor uma denúncia protocolada em conjunto por diversas organizações da sociedade civil no Ministério Público Federal e Estadual. “A agroecologia aqui no estado tem sido um desafio, principalmente por conta do avanço do agronegócio sobre territórios da agricultura familiar, onde estão as comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas, que fazem uma agricultura ecológica há muito tempo”, conta Fran Paula, agrônoma e quilombola, representante da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. “Cada vez mais vai ficando difícil porque as fazendas de monocultivos vão surgindo em torno das comunidades, adotando o uso de muitos químicos que acabam prejudicando também os moradores vizinhos”, diz Fran a respeito da deriva de produtos químicos que influencia diretamente a produção de alimentos realizada tradicionalmente pelos moradores de Jejum. “É uma forma de violação de direitos, o direito de produzir um alimento saudável fica comprometido

com o avanço do agronegócio no estado de Mato Grosso”, afirma. As denúncias acerca do plantio irregular, que invadiu os limites mínimos de distância da comunidade quilombola de Jejum, resultaram em uma notificação do Ministério Público ao proprietário da fazenda Carisma. Após

“O direito de produzir um alimento saudável fica comprometido com o avanço do agronegócio no estado de Mato Grosso” isso foi instalada uma cerca a 90 metros da comunidade pelo dono da propriedade. O cumprimento desses limites ainda não representa a eliminação dos impactos sócio-ambientais do tóxico monocultivo vizinho. De acordo com a agrônoma, a produção de alimentos nas comunidades tradicionais de Mato Grosso segue práticas da agricultura tradicional. São produções direciona-

das por princípios de sustentabilidade, de manejo ecológico do solo e, consequentemente, a conservação da biodiversidade do território e dos recursos naturais fundamentais para a manutenção da vida no planeta. “É uma agricultura voltada para a produção de alimento saudável, que nutre uma relação de equilíbrio no agroecossistema, de respeito ao meio ambiente e à cultura dessas famílias. Nesse sentido, várias práticas vêm sendo passadas de geração a geração”, conta Fran Paula a respeito das sementes crioulas: cultivadas, selecionadas e protegidas pelas comunidades há gerações. Ela afirma ainda que todas essas práticas fortalecem também as relações sociais, a geração de renda a partir da comercialização do excedente e a organização através dos coletivos, grupos e associações que existem nas comunidades. “São práticas que não são realizadas de forma individual, mas de forma coletiva. Assim é feito todo o manejo desse sistema agrícola tradicional”, completa

Fran Todas essas tradições valiosas, tanto para as suas comunidades quanto para a proteção de todo o ecossistema global, estão ameaçadas pelo poder de poucas famílias responsáveis pelos latifúndios estéreis do estado. “Como o agronegócio também exerce muito poder midiático de reproduzir narrativas, por exemplo a do ‘agro é pop, agro é tech, agro é tudo’, as organizações da agroecologia têm mais dificuldades para chegar nos meios de comunicação e dar visibilidade à produção tradicional que também ocorre em Mato Grosso”, pontua a agrônoma. Para Fran, um dos principais entraves hoje à agricultura agroecológica é a falta de políticas públicas para essas comunidades. “Temos hoje muitas políticas públicas voltadas ao agronegócio, incentivo governamental, assistência técnica especializada entre outras. Para a agricultura familiar, é mais difícil ter todo esse apoio institucional, mas independente disso as comunidades e grupos vêm se organizando em


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redes para troca de iniciativas e experiências. Isso tem sido muito importante inclusive para a manutenção dessas iniciativas locais”, conclui. Redes Ecológicas Por todo o estado, é possível encontrar as organizações sociais citadas por Fran, responsáveis por ligar famílias produtoras de alimentos saudáveis aos seus consumidores. Ainda nas margens do Pantanal mato-grossense, porém no centro de Cáceres, situa-se a Cooperativa de Consumo Solidário e Responsável, a Coopersol. Desde 2019, diversas famílias associadas na região utilizam a sede da Cooperativa como ponto de venda e distribuição de seus produtos. Por lá é possível encontrar um leque enorme de produtos artesanais provenientes da agricultura familiar e dos povos tradicionais: desde as cervejas Cabocla e Crioula, produzidas pelos grupos de mulheres do projeto Tereza de Benguela, do IFMT; passando pelos colares, anéis, brincos e utensílios fornecidos pelo povo Umutina; biscoitos e pães enriquecidos com a farinha de Cumbaru, uma castanha nativa, produzidos pelas mulheres do grupo Flor do Cerrado e pelo assentamento São José; mudas de plantas

EDIÇÃO 2020/1 • JORNAL SÔFOCA ornamentais e frutíferas; além das frutas, hortaliças, legumes, ovos, peixes, carne de porco, frango caipira, leite e derivados. De acordo com a cooperada Maria José Dantas, a proposta é constituir um grupo que agrega outros grupos, formando uma rede local para fomentar a economia solidária. “A maior parte das pessoas que trabalham nessa rede tem alguma formação ou experiência na perspectiva de economia solidária, desenvolvendo na prática os princípios da cooperação, do respeito à natureza e do consumo como ato político, aprendendo todos os dias nesse processo de trocas”, conta. Para ela, o resultado dessa rede é o impacto direto no fortalecimento das comunidades rurais, sejam tradicionais, familiares ou assentadas, garantindo desde sua segurança alimentar até a manutenção de suas tradições para as próximas gerações. “No assentamento Roselino Nunes em Mirassol D’Oeste, por exemplo, a juventude camponesa desenvolveu, despertada por vários projetos, o desejo pela permanência na terra. Esses jovens saíram da crença criada pelo sistema de que, para ser alguém, precisa sair para estudar. Eles se apropriaram dos programas so-

ciais entre outras coisas para permanecerem na terra”, conta Maria, orgulhosa dos jovens produtores que fornecem produtos à cooperativa. Embora contente com as realizações desta rede, a cooperada lembra que tudo isso é graça a um processo contínuo de aprendizado. Produtores que até então usavam agrotóxicos em suas pequenas propriedades foram orientados para desenvolverem eles mesmos seus defensivos naturais, trabalhando também o cuidado no preparo do solo para evitar problemas futuros nas lavouras. Os sistemas agroflorestais, por exemplo, estão sendo desenvolvidos também pelos produtores locais em conjunto com pesquisadores e técnicos. Através desse sistema é possível unir a produção de alimentos saudáveis com o plantio de árvores florestais - tudo isso sem o uso de insumos químicos. Ampliando a fonte de renda das famílias produtoras enquanto fortalecem a biodiversidade local e diminuem os custos de produção. “O senhor que fornece colorau à Coopersol está transformando sua área pequena em agrofloresta e hoje, além do colorau, ele fornece mamão e bananas”, exemplifica Maria Dantas. O embate direto ao sis-

tema econômico vigente, de acordo com ela, é uma das maiores dificuldades deste modo de produção. “Trabalhamos uma perspectiva bem contra-hegemônica mesmo, porque estamos dentro de uma sociedade capitalista atuando de uma forma diferenciada, promovendo a consciência de cuidado com o planeta e futuras gerações”, afirma. Em consequência da pandemia, Maria relatou que o escoamento dos produtos ficou bastante limitado, mas que o grupo reverteu esse problema fortalecendo o conceito de “prossumidor”: um termo que relaciona o produtor e o consumidor de forma direta. O conceito foi posto em prática nos grupos de Whatsapp que surgiram durante o isolamento social para que as vendas não parassem. “Existe uma interação entre os sujeitos consumidores e produtores. As mulheres que fazem doces, por exemplo, postam nos grupos vários vídeos mostrando sua produção. São compartilhadas também as informações do plantio e das colheitas. Dessa forma, os consumidores sabem de onde vêm os produtos, sabem como são produzidos e ainda quem está por trás daquilo que eles estão consumindo”, diz. Para Maria, a proximi-

dade entre os dois pontos nessa relação de consumo desenvolve na sociedade como um todo os conceitos trabalhados pelos produtores em suas terras. “Dentro do sistema capitalista, é imposto para a gente essa cultura do consumo alienante, cheio de fetiches, e nosso papel é justamente perceber e compreender o porquê disso tudo e o poder das nossas escolhas. Essas escolhas impactam na vida de todo mundo”, conclui. Incentivo aos agrotóxicos Seguindo na contra mão destas práticas de produção que regeneram tanto o meio ambiente quando as comunidades que os aplicam, o governo Bolsonaro publicou desde o começo do mandato a aprovação de 1165 novos produtos agrotóxicos. A contagem é realizada diariamente pelo Projeto Robotox, desenvolvido pela Agência Pública e Repórter Brasil, no Diário Oficial da União. De acordo com robô que fiscaliza a liberação destes produtos, só no dia 22 de abril, um mês após o ocorrido na comunidade quilombola de Jejum, 34 novos agrotóxicos foram aprovados pelo governo federal. Somando aos mais de 3 mil produtos do gênero comercializados em todo o país.

PANDEMIA DA COVID-19 EM TERRAS INDÍGENAS E QUILOMBOLAS

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isando o prosseguimento das atividades econômicas em tempos de pandemia, o investimento em novos serviços por parte dos empreendimentos se faz necessário. Para continuar com as vendas, os agricultores familiares da comunidade quilombola Água Doce, localizada no município de Barra do Bugres a 166 km de Cuiabá, estão realizando a entrega de 250 a 300 kg de banana e outros alimentos ao grupo Barrálcol e nos núcleos urbanos. Além das bananas, há também a entrega de outros alimentos como a farinha, mandioca e abóbora todos provenientes da agricultura familiar. E agora, além da produção e venda dos alimentos da agricultura familiar, há a atividade pesqueira como sustento. Moacir Rodrigues, morador do quilombo, afirma que o trator recebido pela prefeitura é importante na ampliação da produção, mas que a ajuda governamental ainda é escassa. Há a falta de uma ponte que auxilie no deslocamento em tempos de chuva, que muitas vezes obriga os produtores a realizarem as entregas de barco. E quando não está em época de cheia, sacos de alimentos pesados são transportados nas costas dos trabalhadores, “não temos ponte para atravessar os produtos, a solução foi uma tirolesa”, declara. O quilombola diz que há três pescadores profissionais na comunidade e que a atividade é plenamente guiada, legalizada e documentada. A preservação da biodiversidade, rios e córregos do quilombo é de extrema importância. O quilombola explica que as águas dos córregos e rios

abastecem a Água Doce e as comunidades vizinhas. “A comunidade vizinha não tem água, ajudamos eles com o abastecimento e é por isso que estamos preservando bastante”. As visitas da Empresa de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (EMPAER) trouxeram o planejamento e estruturação de um projeto de piscicultura necessário na comunidade, no entanto, a medida preventiva do distanciamento social teve de adiar a continuação dos trabalhos. Moacir diz que as vendas permanecem em condições normais, apesar de todas as dificuldades do momento atual. Para se protegerem de um contágio pelo novo vírus, os produtores estão tomando todos os cuidados recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) durante as entregas realizadas. Os agricultores familiares da aldeia Massapô também estão cumprindo com as normas de isolamento social dadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Estratégias estão sendo criadas para manter o plantio, colheita e o principal, a venda dos alimentos da agricultura familiar. Uma das alternativas encontradas para a sobrevivência foi a venda dos produtos por um preço mais barato para as próprias comunidades do povo Umutina, porém nem todos foram vendidos porque muitos já possuíam os produtos. A comercialização nas comunidades e a circulação de dinheiro interno obteve êxito, “têm dado certo a comercialização nessas comunidades, pois além de receberem alimentos saudáveis ainda existe a vantagem da circulação do dinheiro internamente”, declara a indígena.


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O Pantanal não está em chamas,

mas ainda precisa de atenção

Apesar do fim das queimadas que marcaram o bioma, ainda há muito a ser feito para evitar uma devastação ainda maior. por Natália Veloso

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o ano de 2020, um dos biomas mais importantes do planeta passou pelo seu pior momento. O Pantanal brasileiro, localizado entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, enfrentou, no segundo semestre de 2020, um período de queimadas que marcou sua história e alastrou cerca de 2,1 milhões de hectares da sua área, segundo estudo da ONG ICV (Instituto Centro de Vida). Apesar do pior já ter passado, os riscos de incêndios ambientais ainda são preocupantes. Para entender o impacto já causado até agora, é preciso destacar que os focos de incêndio nunca foram tão vistos no bioma em 22 anos. Até 2018, o Pantanal era o bioma brasileiro mais preservado do país. A área devastada no período analisado pelo IBGE correspondeu a apenas 1,6% de sua vegetação nativa. Apesar da menor parte do Pantanal ser encontrada em Mato Grosso, o Estado foi o mais atingido pelas queimadas, com 2.215.000 hectares, na comparação com os 1.902.000 hectares no Mato Grosso do Sul. Recentemente, duas entidades ligadas ao meio ambiente – o Observatório Pantanal e S.O.S Pantanal – mandaram a parlamentares e representantes dos Executivos federal e estadual, um documento alertando que os incêndios que ocorreram em 2020 podem se repetir ou até mesmo se intensificar em 2021. O documento recomenda várias medidas de prevenção que devem ser tomadas com urgência para evitar uma nova crise ambiental. Dentre essas medidas estão a formação e manutenção de brigadas de combate ao fogo, compra de equipamentos adequados, cam-

Localização do Pantanal. Foto: CNN Brasil panhas de orientação às comunidades pantaneiras e identificação e punição dos responsáveis. A Tenente Coronel Jusciery Rodrigues, comandante do Batalhão de Emergências Ambientais (BEA-MT), aponta que parte dessas ações já estão nos planos do batalhão. Ela explica que as ações de controle do fogo não se limitam somente a quando o incêndio acontece. “Alguns acham que o incêndio deve ser tratado somente na época da resposta, e não. Nós temos que trabalhar em outras fases também. E nós dividimos em quatro fases: prevenção, preparação, resposta e responsabiliza-

ção”, completa. Neste ano, as ações de prevenção vêm sendo feitas através de campanhas midiáticas que fazem o trabalho de educação ambiental. Entre as ações do batalhão estão a capacitação de militares e brigadistas. Em 2021, haverá a capacitação de cerca de mil militares do Exército, e a contratação de 100 brigadistas pela Secretaria de Estado e Meio Ambiente (SEMA). Quanto às ações de resposta, atualmente existem 24 bases espalhadas pelo Estado, porém a tenente explica que, na época de queimadas, há a criação de novas bases, são elas as Bases Descen-

tralizadas Bombeiro Militar (BDBM) e, através do monitoramento dos municípios, essas bases são instaladas temporariamente. Neste ano, estima-se que serão criadas novas 40 BDBM, apresentando um aumento de 10 bases a mais comparado a 2020, totalizando 64 bases espalhadas nos 141 municípios. As ações de responsabilização, que também são aplicadas pelo Batalhão de Emergências Ambientais, são realizadas durante o ano. A tenente Jusciery conta que desde fevereiro as equipes estão em campo realizando a fiscalização e aplicação de multa. Além disso, há

perícias para verificar a origem do incêndio, para que o processo criminal seja feito. Outra ação buscada pelo batalhão é a aproximação com as comunidades tradicionais. Junto à Sema, fará a capacitação de novos brigadistas que venham dessas comunidades. Outra parceria em destaque é feita com a Secretaria de Segurança Pública (Sesp) e a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja). Através dessa parceria, os socioeducandos poderão fazer novos abafadores rurais de incêndio que poderão ser usados neste ano. Para a tenente essa ação poderá beneficiar ambos os lados. “São três ações bem bacanas: utilizar a mão de obra dos educandos, dar a oportunidade para eles poderem aprender e também distribuir esses abafadores para as comunidades que nós vamos capacitar, porque nós vamos capacitar essas comunidades e distribuir instrumentos para ajudar a conter os incêndios florestais”, afirma a tenente coronel Jusciery. Essa ação é uma novidade deste ano no plano de combate aos incêndios do batalhão. Além disso, o aporte de recursos do governo estadual destinados ao combate ao fogo será maior. No mês de março, o governo anunciou que dos R$ 73 milhões destinados ao pacote de ações ambientais de combate e prevenção ao desmatamento ilegal e queimadas, R$ 43,3 milhões serão exclusivos para atender aos incêndios florestais de 2021, sendo R$ 21 milhões destinados para a compra de um helicóptero que, segundo a tenente, vai facilitar o acesso aos locais de incêndio. Em comparação


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Orçamento destinado ao Meio Ambiente desde o ano 2000 Fonte: Relatório “Passando a Boiada” do Observatório do Clima ao ano de 2020, a verba do pacote de ações passou por um aumento de 95%. Em contradição ao documento apresentado no início desta reportagem, a tenente-coronel afirma que os dados meteorológicos e os focos de calor que já estavam presentes no primeiro trimestre do último ano, em comparação com o mesmo período em 2021, sofreram redução. Mas ela alerta que ainda não é possível afirmar com certeza. “Houve uma redução significativa dos focos de calor, então pode ser um indicativo de que esse ano seja um pouco melhor que o ano passado. Mas a gente não pode afirmar com certeza, entretanto os dados apontam que pode ser melhor que o ano passado”. Os incêndios do ano passado foram marcantes não só para a flora, a fauna também foi, senão a mais, muito prejudicada com as queimadas. Durante os incêndios, a fauna ajudou a mobilizar muitas pessoas que ajudaram a conseguir alimentos e recursos para resgatar os animais que viviam na região. Esse é o caso da Organização Não-Governamental (ONG) “É O Bicho”, que à época atuava somente ajudando animais domésticos. Porém,

com os acontecimentos, se mobilizou para ajudar os animais no Pantanal. Uma das fundadoras da ONG, a ativista Jenifer Larrea, explica que a iniciativa de ajudar no Pantanal foi necessária diante da situação. “Nós fomos sem saber se íamos ajudar. Quando se trata de animais silvestres, é uma área completamente diferente, ainda mais para a gente que estava acostumado com resgate de animais domésticos. Mas, quando chegamos lá, vimos que estava todo mundo perdido, era fumaça para todo lado. Aí vimos a necessidade e decidimos ajudar”, explica a ativista. Através de uma intensa campanha de arrecadação de recursos, a ONG conseguiu 300 toneladas de alimentos – frutas e verduras –, que foram usados para alimentar os animais que vivem na região. A campanha encerrou no fim de dezembro, e, em seu auge, conseguiu arrecadar cerca de 15 toneladas por semana. Jenifer explica que as idas ao Pantanal não serviram somente para ajudar os animais silvestres, mas também os animais domésticos. Muitos animais que eram encontrados na estrada foram trazidos para Cuiabá. “Tem até uns casos famosos.

Para todos os cachorros que a gente trazia de lá dávamos o nome de Pantaneiro. Um dos pantaneiros foi adotado pela primeira-dama daqui de Cuiabá”, lembra Jenifer. Na medida em que a idas ao Pantanal aconteciam, as ajudas aos animais domésticos não pararam durante a campanha, e a ativista conta que mesmo durante as ações, futuros projetos eram pensados para o local. “A gente estava vendo muitos cães e gatos lá, e em um ambiente com animais silvestres é muito perigoso o convívio com animais domésticos, é um risco muito grande. E aí nós já olhávamos essa situação pensando nesse ponto. Ali é um ponto que precisa de uma campanha de castração, só que a gente não tinha tempo de pensar naquilo no momento”. A campanha, prevista para acontecer em julho, vem acompanhada de uma ação social no local. Com as queimadas, muitas famílias que viviam na região, que sobreviviam da caça e pesca, acabaram perdendo seus recursos. “Como nós sabemos, os ribeirinhos passaram por momentos muito difíceis e ainda estão passando. Eles sobrevivem da caça e da pesca e a rocinha que cada um tinha.

A roça queimou e não sobrou nada. E, desde o incêndio, a sobrevivência deles virou a pesca, e nós estamos em uma das maiores secas já vistas no Pantanal, então o peixe é muito mais escasso”. Por isso, a campanha de castração, que vai acontecer em Porto Jofre (250 km de Cuiabá), vai ser acompanhada da doação de alimentos para 110 famílias que vivem entre Porto Jofre e a Serra do Amolar (309 km de Cuiabá), no Mato Grosso do Sul. O projeto de castração está sendo feito em parceria com a ONG Pantera. Além da arrecadação e distribuição de alimentos, a ONG está se mobilizando para realizar uma pré-campanha de castração, pois alguns animais estão muito magros para serem castrados. Por isso, está sendo feita a arrecadação de rações, que serão distribuídas junto com as cestas básicas. Quanto aos planos deste ano, a ONG pretende continuar atuando no Pantanal, porém, sem ajuda do governo estadual e prefeituras, a previsão é que o caixa fique zerado em julho, sendo que, em agosto, começa o período de queimadas. A ativista espera mudança dos órgãos responsáveis. “O que esperamos para 2021

é que o poder público assuma as responsabilidades que tem que assumir, principalmente a Sema e o Ibama”, completa Jenifer. A fala da ativista vem em um momento de descaso do governo federal com o meio ambiente, já que neste ano o orçamento do Ministério do Meio Ambiente é menor do que dos últimos anos. A previsão é de que apenas R$1,72 bilhão sejam destinados à pasta e aos seus dois órgãos ambientais (Ibama e ICMBio) para cobrir todas as despesas, inclusive as obrigatórias. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2021 representa queda de 56,5% para o ICMBio e de 32,5% para o Ibama em relação aos valores autorizados em 2019. O valor destinado ao ministério é o menor em 20 anos, em um momento que o Brasil precisa de atenção às demandas ambientais. Esse tipo de ação dificulta a realização das ações citadas no começo desta matéria para evitar uma catástrofe ainda maior ao Pantanal, e se distancia das expectativas de Jenifer sobre as ações dos órgãos neste ano. Para saber mais sobre como ajudar a ONG, além de arrecadações de rações e alimentos, clique aqui.


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