PROIBIDA A COMERCIALIZAÇÃO | CUIABÁ, MATO GROSSO | EDIÇÃO 2018.2
300 ANOS
e uma política educacional do século passado nas escolas municipais
ECONOMIA
UFMT funciona no negativo
CIÊNCIA&SOCIEDADE
Da NASA para as escolas públicas
Enquanto muito se falava na comemoração do tricentenário da Capital mato-grossense, o Sô Foca decidiu percorrer três escolas municipais da cidade e produzir um panorama educacional da Cuiabá 300 anos. Entre os achados está a desatualizada política educacional aplicada nas unidades escolares que foi feita em 1999, segundo a diretora geral de Gestão Educacional da Secretaria de Educação de Cuiabá, Mabel Strobell. Dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), por meio da Prova Brasil, apontam que alunos da rede pública municipal têm tido resultados insuficientes em matemática e na média nacional em língua portuguesa. Além disso, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no censo demográfico de 2010, apontam que vivem em Cuiabá 18.052 habitantes analfabetos com mais de 15 anos, ou seja, aproximadamente 4,5% da população da capital cuiabana. Leia na página 17.
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editorial Em seus 300 anos, Cuiabá passou por avanços e transformações. A modernidade alcançou a capital em inúmeros aspectos, porém esta ainda pede por muitas melhorias e mudanças. Pensando nisso, a equipe desta edição do jornal Sô Foca, aborda a educação no município seja em seu progresso ou em seus retrocessos. Aproveitando o tricentenário cuiabano como cenário de lançamento desta edição, o Sô Foca dedica sua matéria principal à um panorama educacional da capital. Trazendo, sem rodeios, a situação atual do ensino no município e a urgência da necessidade da implantação de novas políticas públicas. Outro objetivo desta edição é desmistificar o ensino público ao leitor que, muitas vezes, não faz ideia da situação atual e dos desafios encontrados pelos educadores. A equipe do Sô Foca foi à campo para dar voz à esses profissionais, a fim de deixar com que eles mesmos expusessem ao leitor suas dificuldades e também superações enfrentadas diariamente. Desejamos uma boa leitura!
Foto por Janaina Pedrotti
EXPEDIENTE Universidade Federal de Mato Grosso Reitora Myrian Thereza de Moura Serra Chefe de Departamento Cristóvão Domingos de Almeida Coordenador de Curso Thiago Cruz Luz Editores-chefes Janaina Pedrotti e José da Costa Marques Filho. Editor Adjunto José Lucas Salvani Editora de Entrevista & Opinião Juliana Alves Editor de Política Anderson Parlo Editora de Diversidade Annie Souza 2
Editor de Economia Anderson Parlo e Nathalia Okde Editoras de Ciência & Sociedade Annie Souza e Juliana Alves Editor de Cultura José Lucas Salvani Editor de Arte José Lucas Salvani Diagramação Anderson Parlo Nathalia Okde José Lucas Salvani Juliana Alves Repórteres Anderson Parlo Annie Souza Nathalia Okde José Lucas Salvani Juliana Alves
& ENTREVISTA E OPINIÃO & SÔ FOCA
Professores de história se posicionam, em lados opostos, sobre proposta da Escola Sem Partido Aluna conheceu uma das sedes da Nasa por conta de um concurso de de redação Por Annie Souza
48,3% - Não Concordam
31,7% - Concordam
20% - Não Opinaram
Das 145 pessoas entrevistadas* entre os dias 13 e 17 de março, 58,6% leram a proposta da Escola Sem Partido Entrevista feita via Google Forms com pessoas entre 17 e acima de 50 anos.
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rofessores de história da rede pública de ensino em Mato Grosso têm respostas diferentes à mesma pergunta relativa ao projeto de lei 867/2015 que inclui, entre as diretrizes e bases da educação nacional, o “Programa Escola sem Partido”.
Kaique Rodrigues Vieira é graduado em licenciatura plena no curso de História, pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), é especialista em Educação especial, aluno especial do Programa Pós-Graduação em His-
tória (PPGHIS-UFMT), já leciona há dois anos na área de formação e é contra a proposta da lei. Sô Foca: É possível lecionar história sem entrar em questões políticas, ideológicas e religiosas, assim como propõe o Escola Sem Partido? Kaique Rodrigues: É impossível! Eu conversei com outros professores, para entender a opinião deles, e todos foram contra. Não só na área de humanas, mas de exatas, linguagens... É impossível, às vezes, não manifestar um posicionamento político. O Escola Sem Partido (ESP) é um movimento muito perigoso e a forma que está sendo posto, ou imposto, é muito tendencioso. O site (da proposta ESP) é algo muito superficial, é como se fosse apenas a ponta do ice-
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SÔFOCA
ENTREVISTA&OPINIÃO
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berg de medidas que estão para serem tomadas. É apenas um cartaz, não tem algo alarmante que o educador não tenha conhecimento. Perde o foco do papel da escola, de trazer o senso crítico dos alunos. É incoerente até estipular uma ESP do jeito que está sendo imposto. Tem uma ideologia por trás disso. Então, como ‘eles’ querem combater ideologia, se tem uma ideologia por trás disso? Será que existe uma neutralidade? Na área de humanas eu tenho meu direito de cátedra, que a Lei de Diretrizes Base da Educação nos garante. Na área da educação seguimos os parâmetros nacionais curriculares. A lei de diretrizes e bases garante aos professores a liberdade de expressão. Na parte do 9º ano, da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), tem uma parte que diz que devemos trabalhar movimentos sociais, questão de gênero. S.F.: Já existiu algum conflito com pais ou alunos? K.R.: Os alunos falam brincando. Eles levam na ironia, no sarcasmo. Se eu falo um assunto delicado eles dizem: “ah, é professor, eu vou te gravar”. Eu converso, tiro as dúvidas, porque eles têm muitas dúvidas. Eu dou aula do 6º ano (do fundamental) ao 2º ano do ensino médio, e conforme as turmas mudam, o posicionamento deles vai amadurecendo um pouco, mas as dúvidas continuam. Dependendo da idade deles eu lanço alguns assuntos relacionados a essas questões. S.F.: Sobre se posicionar. K.R.: Não percebo que os professores querem impor algo aos alunos. A maioria quer que o aluno se forme um cidadão crítico, que é o que falta na nossa sociedade, na questão política. Eu não entendo a força do ESP, existem muitas falhas na construção do indivíduo em sociedade como um ser crítico. O grande questionamento dos professores é: como
nós estamos doutrinando os alunos, sendo que o nosso país chegou na situação que está? A educação, o fracasso escolar é tão grande. Será que o ESP é o problema escolar, para ter essa necessidade em ser combatido? Será que não é um fragilidade da área conservadora? Para os pensamentos não saírem do controle ‘deles’? Temos que olhar os interesses que têm por trás. Eu falo disso com os alunos, para eles pesquisarem e se informarem. Eles são os maiores interessados”.
O outro lado
Marcia Aparecida é graduada em História, especialista em Filosofia e mestre em Gestão da Formação e Administração Educacional pela Universidade de Coimbra, leciona há 24 anos é a favor da proposta “Escola sem Partido”. Sô Foca: É possível lecionar história sem entrar em questões políticas, ideológicas e religiosas, assim como propõe o Escola Sem Partido? Maria Aparecida: Sim. A escola não tem que ter partido político e religião. Temos que mostrar ao aluno todas as possibilidades e ele tem que chegar a conclusão sozinho. Temos que ensiná-lo a pensar e refletir, se é que dá pra ensinar isso a alguém. Agora doutrinar, é outra coisa. É essa questão do partido, das ideologias partidárias, que hoje estão muito confusas. Foge do papel da escola. Essa questão é importante, mas não ter um partido político dominando a escola é fundamental. A gente não pode distribuir ou trabalhar as questões ideológicas que estão por aí. Tem que dar oportunidade para que o aluno estude e dar as ferramentas. Mesmo que eu tenha uma ideologia, eu não posso, enquanto professora, passar para os alunos. S.F.: Já existiu algum conflito com pais ou alunos? M.A.: Não tive. Nós não temos discussão sobre isso em sala de aula. Teve uma situação engraçada em outra escola que eu atuava como coordenadora. No livro didático traz questões da 5ª serie, fala sobre sexualidade. Descobrir o corpo, o menino olhar para a menina, a menina olhar para o menino. No livro trazia esse conteúdo. Uma mãe veio questionar, acusando a professora, ela me falou o conteúdo, eu disse que ela teria que ir no ministério da educação. Porque não tinha nada demais com o conteúdo. S.F.: Sobre se posicionar. M.A.: Eu sou professora de história, enquanto professora eu não coloco o meu posicionamento. Nós vamos estudar, vamos discutir ideias e trazer as possibilidades dessas discussões. O meu posicionamento é meu. Escola não pode ter partido. Dentro da escola não podemos receber políticos, nem ajuda”.
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POLÍTICA SÔ FOCA
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Das cotas ao fim das ideologias de gênero nas escolas: uma projeção educacional do Governo Bolsonaro Educadores têm dificuldade em abordar o tema em sala por falta de preparo e por receio da reação dos pai Por José Lucas Salvani
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novo momento governamental no país reflete em vários setores. Um dos mais atingidos, seja de forma positiva ou negativa, é a educação. Para o doutor em Educação, Silas Borges Monteiro, o Governo Bolsonaro vai alterar a educação muito mais preocupado em extinguir as conquistas dos governos anteriores do que em melhorar a qualidade e acesso da educação
brasileira.
Cotas
“Teremos as cotas enquanto não for resolvida a questão de ensino básico de qualidade para todos”, defendeu o ex-Ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, durante Comissão de Educação do Senado. Apesar da defesa, o professor Silas acredita que o sistema de cotas pode estar ameaçado. Os ideiais do governo de direita, que afirma que todos são iguais, ameaçam também o sistema de cotas. O professor explica ao Sô Foca que tais ideias Foto por José Lucas Salvani
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POLÍTICA
existem desde a Grécia Antiga, mas que foram questionados ao longo dos séculos visto que o capitalismo surge e, consequentemente, reforça as diferenças sociais. Apesar do crescimento deste questionamento, o ideal de iguais prevalece.
Ensino Religioso
“Se vai ter ensino religioso, ou abre espaço para todas, ou definitivamente tira. Eu não sei se alguém na escola aprenderá algo de uma religião que faça com que ele tome alguma decisão em sua vida em função de ter ouvido isso da religião. Isso é uma ficção fundamentalista, seja católico, carismático ou evangélico, de que quando eu digo uma coisa boa, as pessoas terão adesão imediata, então se ela se tornar uma boa cristã, ela vai se tornar uma boa cidadã”.
“Se dar ensino
religioso, significa ensinar uma única religião, o nome não é ensino religioso, é catequese” Ainda que, em janeiro, Bolsonaro tenha sancionado a lei que permita que os alunos possam faltar por motivos religiosos, para Silas ainda há muito o que se melhorar na abordagem de religiões nas escolas. Ele explica que o ideal seria abordar o maior número possível de religiões, trazendo um representante de cada uma delas, ou até mesmo alguém com um preparado mais generalista, apresentando cada matriz aos alunos. “Se dar ensino religioso, significa ensinar uma única religião, o nome não é ensino religioso, é catequese”.
Projeções 6
O Plano Nacional de Educação
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(PNE) do atual governo estabeleceu como meta 33% da população de 18 a 24 anos nas universidades até 2024, mas Silas acredita que nem mesmo com as políticas públicas da esquerda essa meta seria atingida, visto que o investimento será focado na educação básica profissionalizante. “Não é obrigação da União oferecer ensino superior, (...) eles vão cumprir o que está Constituição”. Ideologias O combate às ideologias foi a grande carta na manga de muitos candidatos aos cargos elegíveis em 2018. Jair Messias Bolsonaro (PSL) se elegeu como Presidente da República Federativa do Brasil tendo este combate como um dos pilares de sua campanha e, agora eleito, luta para dar fim às tais ideologias, começando pelas escolas. O atual ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, durante o seu discurso de possa, disse que vai combater a “ideologização das nossas crianças” e recentemente foi confirmado pel’O Globo que o Governo vai criar uma comissão para excluir questões do Enem que expressem “ideologia de gênero”. Para o professor de filosofia, Silas Borges Monteiro, o combate a esta e outras pautas sociais vem da necessidade da oposição de derrubar aquilo que foi conquistado pelos governos anteriores. Além de derrubar o que foi garantido pela oposição, há também o fato de governo caminhar para o conservadorismo. Com isso, “sexo nem se fala”, como explica Silas. O sexo se torna algo que deve ser feito em quatro paredes e morrer entre elas e jamais deve ser debatido.
“O problema é que junto com
essa necessidade de suprimir determinados debates, que eles chamam de esquerda, há questões ligadas a saúde pública. Ao extinguir este debate da esquerda, eles acabam extinguindo debates vinculados a saúde pública.”
“Eles entenderam que estas discussões foram colocadas pela esquerda. ‘Então, a gente entrou, somos de direita, vamos acabar com isso’. O problema é que junto com essa necessidade de suprimir determinados debates, que eles chamam de esquerda, há questões ligadas a saúde pública. Ao extinguir este debate da esquerda, eles acabam extinguindo debates vinculados a saúde pública, por exemplo, a sexualidade”, esclarece.
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Apesar de contemplados, ações afirmativas para transgêneros não são instituucionais na UFMT
A luta pela insticionalização de políticas afirmativas para esses grupos é o desafio em um Estado onde o preconceito e a discriminação são frequentes Por Anderson Parlo
Foto por UFMT
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Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) desde 2013 vem abrindo caminho para pessoas transgêneros na graduação e pós-graduação que também contemplam ações desde o nome social até vagas de entrada em cursos de pós-graduação. Essas inicistivas são resultados de anos de lutas e reinvindicações da sociedade acadêmica e de coletivos de apoio aos LGBTQI+ com mobilizações que se propagam por todo o país. O Brasil é o país com maior número de assassinatos de pessoas transgêneros do mundo. Em dados divulgados pela organização não governamental (ONG) austríaca Transgender Europe, de 1º de janeiro a 30 de setembro de 2018, 271 pessoas transgêne-
ro foram assassinadas em 72 países. No Brasil até o dia 31 de dezembro do ano passado, foram 163 pessoas transgêneros mortas de forma violenta, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). Número alarmante para somente um país. Diante desse cenário, e com o objetivo de garantir a inclusão social e a pluralidade de pensamentos a partir da educação, algumas universidades federais pelo país adotam cotas para pessoas transgêneros nas seleções para os Programas de Pós-Graduação. Essa é só mais uma das ações que vêm sendo tomadas desde 2011 com relação à sociedade LGBT para combater a intolerância. O Ministério da Educação em julho de 2011, decidiu a inclusão do nome social de travestis e transexuais nos registros acadêmicos das universidades como forma de garantir a inclusão e a permanência desses cidadãos e cidadãs no espaço acadêmico. Entretanto, o seu uso ficava restrito aos diários de classe, cadastros, fichas, formulários, carteiras e procedimentos internos, não incluindo documentos oficiais como histórico escolar, certificados e diploma.
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DIVERSIDADE
UFMT
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A Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) vem, desde 2011, implementando políticas de inclusão a pessoas transgêneros. Um dos objetivos foi o de garantir a inclusão e permanência dos estudantes travestis e transexuais, uma vez que essa questão era fator de impedimento para pleitearem uma vaga, por fugirem de possíveis situações constrangedoras ou de intolerância sexual. A decisão foi baseada no Art. 5 da Constituição de 1988, que diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção. Em 2015, o Exame do Ensino Médio (ENEM) permitiu que pessoas transgêneros usassem o nome social para efetuar a prova, uma ação que já vinha ocorrendo na UFMT desde 2013. Na mesma época em que a professora Ozerina Victor de Oliveira assumiu o cargo de pró-reitora, em outubro de 2016, formou-se uma comissão que elaborou uma proposta de políticas afirmativas para a pós-graduação que está em pauta nos fóruns. Ela afirma que o objetivo dessa proposta é institucionalizar as políticas afirmativas nos programas de pós-graduação. O primeiro programa de pós-graduação na UFMT a implementar políticas afirmativas foi o de antropologia social, em 2016. Segundo a pró-reitora, após esse, vieram outros da área de educação. “No interior dos programas há uma discussão e uma adesão, uma construção dessa política, eles não ficam esperando a instituição”, relata Ozerina. Um exemplo dessa demanda foi o atual professor, e na época da solicitação, o coordenador do programa de pós-graduação em Estudos da Linguagem, Dánie Marcelo de Jesus. No gabinete da pró-reitora dos programas de pós-graduação, o professor questionou a possibilidade de políti-
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cas afirmativas nos programas de pós. “Tudo começa com a minha preocupação teórica. Há algum tempo já venho trabalhando com a temática de gênero, tenho orientação (mestrado/ doutorado), tenho artigos, livros, e capítulos de livros discutindo essa questão, e na medida que você vai implementando uma discussão teórica, ela precisa vir juntamente com umas questões mais políticas de implementação”, relata Dánie. O professor que também está vinculado ao programa pós-graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da UFMT, relembra que muitos alunos trans tinham dificuldade de entrar nos programas de pós. Segundo ele, um dos fatores era o preconceito. “...eles passavam na prova escrita e acabavam sempre sendo reprovados nas entrevistas. Por que isso era recorrente? Na entrevista muitas vezes há o fator subjetividade, as pessoas acabam trazendo suas expectativas, do que seja um aluno e talvez muitos acabavam apresentando a sua transfobia, homofobia muitas vezes de uma forma inconsciente”, afirma. Ele relata que sua preocupação com os estudantes trans vinha de gestões anteriores, mas que era muito difícil o entendimento dos programas de pós-graduação. Segundo ele, tudo mudou com a gestão de Ozerina, que se demonstrou mais sensível a situação. Para que as mudanças ocorram e tornem a universidade pública mais plural e justa, o pesquisador Foto por Rosalvo Teixeira
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Foto por Natalia Okde
da temática transgênero pondera que é preciso evidenciar na comunidade acadêmica que essas cotas não são um privilégio. “Tenho dois orientandos que serão os primeiros homens trans a se doutorarem em Mato Grosso. Então, isso é bastante importante porque simbolicamente significa que outras pessoas podem ver neles uma outra possibilidade. As pessoas olham a UFMT ou qualquer outra universidade pública como um lugar quase inacessível para esse grupo e nós queremos mostrar o contrário; que aqui também é um lugar possível para eles”, conta. Atualmente a universidade possui dois programas de pós com políticas afirmativas destinadas para pessoas transgeneros. A primeira entrada começou em 2018, no curso de mestrado e doutorado em Estudos de Cultura Contemporânea (ECCO). A pró-reitora chama a atenção
para que apesar de todas essas políticas implementadas, não se tem nada institucional, ou seja, concepção legislada da universidade. “O processo está em trâmite, mas não depende só da força da universidade, depende de toda comunidade acadêmica. A comissão elaborou a proposta, eu encaminhei para o comitê de ações afirmativas que tem na UFMT, que é a PRAE. Quem tem dado o primeiro passo são os programas de pós-graduação.” O tema está também em discussão no fórum dos programas de pós-graduação, espaço em que os coordenadores das pós discutem propostas de maneira coletiva e democrática. Ao ser criada a resolução pelo CONSEPE, todos os programas têm que cumprir. Caso apreciada a proposta e aprovada uma resolução de políticas afirmativas para pessoas transgeneros no primeiro semestre letivo de 2019, os próximos editais já viriam com essas propostas. Apesar de não institucionalizadas, a pró-reitora completa que só vão deixar de existir se não houver candidatos, “Essas vagas elas estão praticamente consolidadas só vão deixar de existir se não tiver candidatos.” A luta para a institucionalização de políticas afirmativas para pessas transgênros, travestis e transexuais na UFMT está em andamento, mas é bom lembrar que o Estado de Mato Grosso ainda tem muito o que caminhar contra o preconceito e a discriminação.
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DIVERSIDADE
Educação sexual é abordada nas escolas de maneira científica, didática, mas não aprofundada Educadores têm dificuldade em abordar o tema em sala por falta de preparo e por receio da reação dos pais Por Nathalia Okde
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ma pesquisa do IBOPE Inteligência, de 2018, revela que 55% da população brasileira é conservadora e defensora do que se denomina como bons costumes, o que influencia para que a sexualidade continue sendo um tabu a ser discutido nas escolas. Surgiam de todos os cantos do país, pais e mães extremamente preocupados em como esse assunto é apresentado aos seus filhos. A equipe do Sô Foca percorreu algumas escolas municipais, que atendem crianças entre 3 e 12 anos, à procura de descobrir, afinal, o que é ensinado em sala de aula. De acordo Vanessa Furtado, mestre em Psicologia Social, o assunto deve ser abordado tanto em sala de aula quanto em casa. “Acredito que a escola vai utilizar de instrumentos pedagógicos e didáticos de maneiras diferentes de como os pais vão orientar, diferente no sentido de linguagens, de conhecimentos. Acredito também, que ela pode orientar os pais sobre os conteúdos como vão ser tratados e de modo pedagógico”, acrescentou. Ideia defendida também pela pedagoga, E.G.L*, coordenadora da Escola Municipal Agostinho Simplício de Figueiredo, localizada no bairro Poção. Porém, ela afirma que falta preparo dos profissionais. “Falar de
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sexualidade hoje não é fácil. Que eu lembre, nós nunca recebemos uma formação sobre como abordar o tema, aí não sei de onde eles tiram essa ideia que nós ficamos falando até de masturbação em sala de aula. Eles não têm ideia do que é estar numa sala de 30 alunos”, pontua. Apesar da dificuldade, a profissional assegura que o conhecimento básico é transmitido por meio de livros didáticos. É ensinado aos alunos a questão da higiene e aparelho reprodutor. Para expandir o conteúdo lecionado, são feitas parcerias com postos de saúde que promovem palestras sobre puberdade, ciclo menstrual, métodos contraceptivos, dentre outros. Todas as escolas visitadas contam com algum tipo de parceria com postos e profissionais da saúde. Foto por Natalia Okde
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Ainda segundo a psicóloga Furtado, realmente é necessária a atenção quanto à adequação da linguagem, com a idade e período escolar dos alunos, porém trata-se de um conteúdo do qual não se deve eximir. “Acredito que há uma ideia de que as crianças vão receber as questões sexuais como algo muito distante da vida delas. Nesse sentido, a sociedade não trata como algo natural”, afirma a psicóloga ao defender que quanto maior o tabu aplicado ao tópico, menos possível torna a compreensão do que é, bons resultados dependem de tratar o assunto como algo natural. Márcia Aparecida dos Santos Pinheiro, atual diretora de outra escola municipal de Cuiabá, já com experiência na coordenação e direção de outras duas instituições de ensino, segue o mesmo pensamento da psicóloga, mas aponta que para isso é necessário preparo. “É preciso trabalhar com os nomes científicos e tratar o assunto com naturalidade. Isso exige muita maturidade e domínio de si do profissional para não causar nenhum transtorno e problemas com a família”, conclui a diretora. Foi constatado que em todas as escolas visitadas o assunto é abordado da mesma forma: de maneira científica, didática e não tão aprofundada. Vanessa Furtado ressalta ainda que o acesso a esse tipo de informação, além de ajudar a prevenir a contração de DSTs e a gravidez precoce, permite que muitas crianças identifiquem algum tipo de abuso que possam sofrer. Quando questionada sobre o tema, a Secretaria Municipal de Educação destacou mais a questão de gênero, outro tema muito comentado. Segundo Mabel Strobel, diretora geral de gestão educacional do município de Cuiabá, esse tema é bastante polêmico: “Há hoje uma orientação nacio-
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Foto por Natalia Okde
nal sobre essa questão em geral, para que se tenha cuidado com o tema. Os professores não deixam de abordar o assunto, que é necessário, e de caráter educativo, mas com relação à discussão de gênero temos tomado alguns cuidados até que o MEC (Ministério da Educação e Cultura) defina qual será essa orientação”.
Pesquisa mostra relação entre a recusa do tema e alinhamento político
As últimas eleições no Brasil foram palco para diversos debates: desde a legalização das armas, passando pela situação econômica do país, até o sistema de ensino. Entre essas discussões, a educação sexual no território escolar, apesar de ser aprovada pela maioria da população, ainda é cercada por desconhecimento e ideias equivocadas. Um levantamento do instituto Datafolha, realizado em dezembro de 2018, mostra que quanto maior o nível de escolaridade do entrevistado, maior é a defesa do conteúdo nas escolas: entre aqueles com ensino superior, 63% são favoráveis; entre aqueles com ensino médio, 54%; entre aqueles com ensino fundamental, 49% são a favor. Dos entrevistados, 44% foram contra a educação sexual em escolas. Em apenas dois grupos a maioria é contra o ensino sexual nos colégios: 54% dos que votaram no presidente Bolsonaro e 53% dos evangélicos compartilham a mesma opinião.
*Nomes não divulgados a pedido das fontes.
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Com dívida de R$ 11 milhões, Universidade Federal de Mato Grosso funciona no negativo 90% das universidades federais operam com orçamento abaixo do previsto Por Anderson Parlo & Nathalia Okde
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Foto por UFMT
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) vem, desde 2014, sofrendo cortes em seu orçamento. O campus de Cuiabá, por deter uma demanda de maior dimensão, é o que recebe a maior parte dos cortes. Áreas de contratos de trabalhos de terceirizados (vigilância, limpeza, jardinagem, marcenaria, manutenção de prédios, refrigeração, elétrica) por exemplo, foi a que sofreu o maior corte, seguida do setor de estágios, viagens de servidores e obras. A universidade funciona no negativo, mesmo com uma dívida de 11 milhões, vinda de 2017, o governo ainda continua aplicando cortes. Na área da educação, o orçamento anual previsto no Brasil, segundo apontado no final do ano de 2018 pelo Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União, foi de R$ 3,51 trilhões, em relação a um gasto menor obtido no ano anterior de R$ 3,45 trilhões. Esse orçamento previsto é para os gastos destinados ao orçamento fiscal – orçamento destinado aos órgãos de
administração pública direta e indireta – com cerca de R$ 1,3 trilhão, ao refinanciamento da dívida pública com R$ 1,1 trilhão e finalmente com o Orçamento de Seguridade Social – orçamento destinado à saúde, educação, previdência social e assistência – de aproximadamente R$ 1 trilhão. A educação no Brasil recebe apenas 2% de investimentos do orçamento da Lei Orçamentária Anual (LOA). O que é pouco, ficou ainda menor após 2014, quando houve corte nas verbas que afetaram todas as instituições de ensino público do país, principalmente as universidades federais. Em novembro do ano passado, o Senado cortou pela metade uma das fontes de recursos do Fundo Social do Pré-Sal, que é destinada a investimentos em saúde e educação. Uma parcela de 50% de recursos vindos da comercialização do petróleo, que iriam integralmente para o Fundo Social, irá para a expansão de gasodutos e para o fundo de participação de Estados e municípios, segundo proposta que ainda precisa passar pela Câmara. De acordo com levantamento feito pelo G1 em junho de 2018, 90% das universidades federais operam com orçamento abaixo do previsto, tendo uma redução de 28,5% do total de repasse pelo MEC. As universidades federais possuem três despesas: Pessoal (salário de professores e técnicos), Custeio (despesas de funcionamento da instituição) e Capital (investimentos). Atualmente o repasse referente a Capital está cortado em maior parte das universidades, sendo repassado somente o orçamento de Pessoal e Custeio, do qual agora, o governo fez o corte, retirando a Função Gratificada (FG) de professores e técnicos.
UFMT
A Pró-reitoria de Planejamento (Proplan) da UFMT, não possui restrições para definir como serão executados os gastos das despesas de custeio e de capital, porém com os contingenciamentos que ocorreram no orçamento desde 2014, o valor recebido não tem atendido a todas as despesas da universidade. Dentro dessa realidade, a Proplan se coloca ainda mais
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ativa neste cenário, desenvolvendo novas estratégias e utilizando critérios de prioridade de serviços, a fim de conseguir conter as despesas que mantém a universidade em pé. A lei orçamentária é aprovada anualmente. Todo ano a UFMT demanda um valor orçamentário para o Ministério da Educação (MEC), que tramita pelo Congresso. Então, somente depois, esse valor é recebido pela instituição. Esse processo deveria acontecer no ano anterior: ser aprovado em dezembro para que o planejamento interno de execução desse orçamento seja efetuado, mas, segundo entrevista feita com a Proplan em janeiro de 2019, a UFMT já está trabalhando com a proposta orçamentária de 2019, mesmo sem a sua aprovação. Isso acontece porque ao começar o ano, as despesas iniciam e a universidade precisa fazer o pagamento delas. Ao ser aprovado um orçamento, ele é liberado 100% para a instituição, mas dentro dessa totalidade há um limite de empenho. Esse limite de empenho é um valor delimitado mensal, referente ao orçamento total. Segundo a Proplan, é neste momento que é aplicado o contingenciamento: eles aprovam o orçamento mas estabelecem um limite para ser empenhado. O orçamento da UFMT é reduzido neste limite de empenho. No ano de 2018 a liberação do orçamento ocorreu da seguinte maneira, uma liberação de 60% e outras quatro de 10%. Dentro dessas liberações que é feito o planejamento dos pagamentos, que segundo a Proplan, é outro problema. Eles afirmam que para pagar existe o limite de saque, ou seja, o dinheiro que o Ministério da Educação envia. Por conta de todo esse contingenciamento que está em torno do limite de empenho, a estratégia usada pela UFMT é a de prioridades. “Nós temos que verificar quais são os serviços mais essenciais. Quais não serão afetados por eventuais atrasos, quais são de materiais de consumo, por exemplo, dos laboratórios, etc. Nós sempre priorizamos a questão das bolsas, da pesquisa e dos auxílios”, afirma a Proplan. Um dos setores que sentiu diretamente o impacto disso, foi o setor de estágios. A Coordenação de Desenvolvimento Humano (CDH) foi orientada, e reduziu, em até 50% seu número de contratos. Procuramos falar com algum responsável do setor, porém fomos orientados a voltar novamente à Proplan, porque o orgão seria melhor apropriado para fornecer informações.
Cortes
Os cortes que a UFMT vem sofrendo desde 2014 tiveram seus maiores impactos sobre o número de postos dos contratos de trabalho. De todos os campi dentro do Estado de Mato Grosso, o câmpus de Cuiabá é o que mais sofre com os impactos dos cortes.
ECONOMIA
Então, ano após ano, o número de vigilantes, de pessoal da limpeza, da jardinagem, marcenaria, da área da manutenção de prédios, refrigeração, elétrica, entre outros, diminuiu drásticamente. Entretanto, esse é um tipo de corte que não causa uma diferença significativa no orçamento, pois todo ano esses contratos têm reajuste salarial. A UFMT teve que reduzir também 20% dos gastos com diárias e passagens da administração. Os institutos e faculdades contam com uma Matriz Interna de Alocação de Recursos (MIAR), dentro dessa Matriz, as que sofreram cortes foram as pró-reitorias e secretarias. Houve redução na monitoria, na aquisição de materiais e também no número de estagiários.
Obras
A UFMT em 2019, sofreu impacto nos projetos a serem licitados, portanto, nenhum novo projeto de obra foi iniciado ou licitado. Houve somente licitações para continuação de obras. Assim, muitas obras ficaram todas para serem executadas com orçamento descentralizado do MEC. A UFMT solicita ao MEC um orçamento adicional. Segundo a Proplan, essa solicitação será necessária em toda obra não terminada a partir deste ano.
Perspectivas
A Proplan espera que a lei orçamentária para este ano seja aprovada em sua integralidade e que o MEC consiga manter a promessa de todos os anos: manter pelo menos o custeio em 100%. A UFMT possui uma dívida de R$ 11 milhões referentes ao ano de 2017. Caso o orçamento houver um contingenciamento maior do que o já previsto, o orgão não sabe como a Universidade irá se manter aberta.
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Como funciona a distribuição dos gastos? Em 2018, o orçamento total aprovado para a UFMT foi de R$ 944.228.621,00 - aproximadamente 12% maior que o orçamento do ano anterior-sendo este valor destinado aos gastos de todos os câmpus da universidade (Cuiabá, Rondonópolis, Sinop, Araguaia e Várzea Grande). Qual é o destino de todo esse dinheiro? 1%
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85%
Entenda cada um dos gastos A despesa de custeio (outras despesas correntes) refere-se aos valores gastos para funcionamento da instituição: pagamento das bolsas de auxílio, contratos terceirizados (RU, vigilância, limpeza), despesas e extensão, reforma de prédios, etc. Todas as despesas que são de caráter contínuo.
A despesa de investimentos refere-se à capital: aquisição de equipamentos, O orçamento da UFMT é dividido em três tipos de obras de manutenção ou de ampliação. despesas: de pessoal e encargos; de custeios (outras despesas correntes); e a de capital, que seria de inves- Despesa de pessoal e encargos: timentos. Cada um desses setores recebeu respectiva- trata-se das folhas de pagamento dos mente: R$ 801.144.446,00; RS 136.380. 538,00; e R$ servidores. Esta despesa é obrigatória. 6.703.636,00. No gráfico acima podemos observar a Ou seja, além de ser não valor fixo, não porcentagem destinada a cada uma das despesas. pode ser usada em nenhum outro gasto. Investimentos
Outras despesas correntes
Pessoal e encargos sociais
Qual parte desde dinheiro é gerenciado pela UFMT?
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A Pró-reitoria de Planejamento (Proplan) é o setor da UFMT responsável pelo planejamento das ações institucionais realizadas para a elaboração da proposta orçamentária e a distribuição dos recursos de custeio as unidades acadêmicas e administrativas. Com o controle de gastos desde 2014, os orçamentos não têm atendido as despesas que a universidade tem. Logo, a Proplan é responsável por escolher quais gastos devem ser prioridade ou não.
O que mudou nos últimos quatro anos? Os gráficos abaixo apresentam uma comparação do orçamentos recebidos e a distribuição dos valores para cada despesa, respectivamente, em uma escala de milhões, dos anos de 2014 a 2018. Segundo a Proplan, após o corte de verbas em 2014 (gráfico número um), a UFMT acumulou uma dívida de aproximadamente 10 milhões de reais. Analisando ainda o primeiro gráfico, vemos um aumento do valor recebido nestes últimos anos, porém vale ressaltar que além deste orçamento ter que atender todos os câmpuda UFMT (Cuiabá, Rondonópolis, Sinop, Araguaia e Várzea Grande), houve um aumento no número de alunos e cursos oferecidos. Além disso, o aumento concentra-se apenas na despesa de pessoal e encargos sociais (como vemos no gráfico de número dois), que são valores pré-determinados pela constituição. 2 - Pessoal e encargos socais
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4 - Investimentos
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Observando os gráficos de números três e quatro vemos que as verbas que a universidade tem gerência para aplicar na instituição caíram. Com isso, a Proplan teve que desenvolver estratégias para conter os gastos. Repare que devido à crise orçamentária que se estabeleceu em 2014, o número de investimentos (gráfico número quatro) caiu significativamente. Isso implica diretamente na infraestrutura da universidade que hoje encontra-se sucateada.
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& CIÊNCIA E SOCIEDADE & SÔ FOCA
Política educacional do século passado mostra resultados ineficientes na Cuiabá dos 300 anos Três escolas cuiabanas relatam os problemas enfrentados nas unidades e os danos causados no ensino infantil da capital Por Juliana Alves
A
educação pública cuiabana é a única garantia de futuro para muitas crianças na Capital, mas seu desenvolvimento aparenta andar, principalmente, a partir da vontade dos educadores. Isso porque ao percorrer as escolas municipais, identificam-se iniciativas dos professores dessas unidades que desafiam e, por vezes, superam deficiências tanto físicas quanto pedagógica, como a desatualizada política educacional (normas implantadas na rede de ensino básico do município) que foi feita em 1999, segundo a diretora geral de Gestão Educacional da Secretaria de Educação de Cuiabá, Mabel Strobell. Diante do planejamento ultrapassado na educação, um levantamento do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), por meio da Prova Brasil, demonstra que alunos da rede pública municipal têm tido resultados insuficientes em matemática e na média nacional em língua portuguesa. Além disso, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no censo demográfico de 2010, apontam 18.052 habitantes analfabetos com mais de 15 anos na capital, ou seja, aproximadamente 4,5% da população cuiabana. Deste resultado, 7.984 são pessoas com mais de 60 anos que não sabem ler e escrever.
5° Ano - Língua Portuguesa 60% 50% 48%
40% 30%
37%
40%
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53%
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2013
2015 Cuiabá
2017
Mato Grosso
Brasil
Na proporção de alunos que aprenderam o adequado na competência de leitura e interpretação de textos até o 5° e 9° ano, em 2017, Cuiabá ficou abaixo da média nacional e estadual, no último ano do ensino fundamental. 9° Ano - Língua Portuguesa
35% 33%
30% 25% 20% 15%
21%
24%
27%
29%
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10% 5% 0%
2013
2015 Cuiabá
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Mato Grosso
Brasil
5° Ano - Matemática 45% 40% 35% 30% 25%
33% 28%
33%
32%
37%
39%
38%
40%
42%
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2013
2015 Cuiabá
Mato Grosso
2017 Brasil
Na proporção de alunos que aprenderam o adequado na competência de resolução de problemas até o 5° e 9° ano, respectivamente, na rede municipal, o resultado é alarmante em que ambos os anos
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SÔFOCA
CIÊNCIA&SOCIEDADE
estão abaixo da média nacional e estadual, ressaltando o último ano de ensino fundamental. 9° Ano - Matemática
18% 16%
17%
14%
14%
12% 10%
11%
8% 6% 4%
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10% 8%
7%
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2015 Cuiabá
Mato Grosso
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As crianças estão completando 8 anos de idade e chegando com problemas na alfabetização escolar. “A nossa meta será alfabetizar todas as crianças até o 2° ano, que é por volta dos sete anos de idade”, declara a representante da pasta, ao falar da dificuldade. Sobre os dados apontados pela Prova Brasil, Strobell cita que a atual política educacional de Cuiabá foi elaborada entre 1999 e 2000, e desde então houve apenas pequenas atualizações. Desse modo, está sendo desenvolvida uma nova base educacional que deve ser implantada na atual gestão. Por conta dos dados apontados pelo Ideb e a política educacional desatualizada, profissionais da área e especialistas dão um panorama da educação municipal de Cuiabá, nesses 300 anos.
Ciclos e repetições no ensino
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A educação básica é dividida em três ciclos. O primeiro deles abrange do 1° ao 3° ano. O segundo ciclo contempla o 4°, 5° e 6° ano. E por fim, o 3° ciclo vai do 7° ao 9° ano. Um estudante só pode ficar retido no final de cada ciclo, ou seja, apenas no 3°, 6° e 9° ano. Além disso, o aluno só pode reprovar duas vezes nesta parte da vida escolar. A Escola Municipal de Ensino Básico (EMEB) Ranulpho Paes de Barros, localizada no bairro Santa Isabel, é uma escola com turmas do 3° ano e todas do segundo e terceiro ciclo, além da Educação de Jovens e Adultos (EJA), tendo no total cerca de 1.200 alunos. Já a EMEB Agostinho Simplício de Figueiredo, do bairro Poção, tem cerca de 230 estudantes, com turmas do 3º ao 6° ano. A EMEB Senador Gastão de Matos Muller, no Pedra 90, tem 610 alunos e trabalha com a alfabetização, ou seja, apenas o primeiro ciclo do ensino fundamental. Durante o ano de 2018, a Ranulpho Paes de Barros contava com apenas três turmas do sexto ano, mas, em 2019, com os alunos repetentes foram criadas mais quatro turmas da mesma série para abranger todos os estudantes. Conforme informado pela Secretaria Municipal de Educação (SME), dos mais de 30 mil
alunos matriculados no ensino fundamental, 1.320 reprovaram no último ano. Os dados da SME apontam que em 2019 há 50.777 alunos matriculados em todas as etapas e modalidades do ensino básico. Deste total, somente no fundamental há 29.714 inscritos.
Obstáculos estruturais e pedagógicos
E.G.L, é coordenadora da EMEB Agostinho Simplício de Figueiredo e aponta que um dos maiores problemas da unidade de ensino é a falta de atendimento psicossocial aos professores e aos alunos. Ela acredita ser necessário um auxílio emocional e mais condições de trabalho aos profissionais. “A gente percebe muitos professores doentes, desgastados emocionalmente e fisicamente. Nós temos que ser professor, psicólogo, terapeuta, enfermeiro.... Eu acho que é uma demanda muito grande em cima de um professor de escola pública e é necessário suporte para estar bem”, relata. A coordenadora conta que na escola há muitas crianças que chegam em estado de negligência, situações de abuso e que muitos ali não têm outra refeição no dia, além do lanche servido na escola. E.G.L relata que na instituição de ensino onde trabalha não tem uma estrutura adequada, como por exemplo a falta de acessibilidade para deficientes físicos. “Não temos nenhum aluno que precisa, mas caso chegue algum não tenho banheiro apropriado para essas situações”. Agostinho Simplício não tem essa demanda ainda, mas há sete crianças com outras necessidades especiais matriculadas ali. Conforme os dados da Secretaria Municipal de Educação, em 2017, haviam 1.137 alunos com algum tipo de deficiência matriculados em todas as etapas e
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modalidades de educação básica. Deste número, a maioria estava concentrada no primeiro ciclo, 422 alunos que representam 37,12% do total. Além disso, a coordenadora aponta a falta de suporte material na unidade. Ela conta que há pouco tempo teve seu notebook pessoal furtado, em sua sala dentro da escola. O aparelho era necessário, porém não foi lhe fornecido algum para isso. E.G.L também relata sobre a verba insuficiente que o município fornece por mês, que são cerca de R$3 mil a cada trimestre, para higiene, limpeza e outros produtos necessários na unidade. Há casos em que faltam canetas de quadro branco para os professores e relata que há muita burocracia para solicitar verbas emergenciais.
CIÊNCIA&SOCIEDADE
devolvem. Com uma boa estrutura aparente, Ranulpho Paes de Barros foi recém reformada, mas já apresenta problemas. Um deles, é a falta de iluminação na quadra poliesportiva, pois a fiação foi furtada. É um material caro para ser trocado e os alunos da noite não podem ter aulas de educação física. “A verba é suficiente? Não, mas a gente tenta. Ela não é ideal pelo número de alunos e pela estrutura da escola”, aponta a diretora. Jeci conta que depois da reforma apenas um banheiro foi entregue completo e o banheiro para cadeirantes ainda não tem sanitários. Foto por Jeci Souza
“Parte do horário
deveria ser readequado para que turmas da mesma série fizessem rodízio do material disponível. ” O ano letivo de 2019 já havia se iniciado, mas a EMEB ainda não havia recebido vários livros que devem ser encaminhados pelo Ministério da Educação, dessa forma parte do horário deveria ser readequado para que turmas da mesma série fizessem rodízio do material disponível. Lá no bairro Santa Isabel, Jeci Souza, diretora da EMEB Ranulpho Paes de Barros, também relata a falta de livros suficientes para os alunos. Explica que o material encaminhado para as unidades públicas deve durar três anos e no final de cada período letivo os alunos devem devolver o material para que outro estudante o reutilize futuramente, mas muitos não
Utilizando uma verba emergencial, foram colocados vasos sanitários em outro banheiro, mas sem as divisórias e praticamente ninguém quer usá-los. Já no bairro Pedra 90, a escola Senador Gastão Muller tem Rosilaine Ferreira como coordenadora há três anos. Ela aponta também problemas na estrutura física. “A gente não tem as salas de aula climatizadas, temos goteiras e telhados avariados”, relata.
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Apesar das dificuldades, a coordenadora diz compreender que são muitas unidades educacionais no município, 162 conforme a Secretaria Municipal de Educação, e explica que os projetos de reformas e recuperação para reestruturar as escolas não são o suficiente. “A nossa está na fila para receber uma reforma, mas aí quantas estão na frente né?”, questionou Rosilaine.
Causas e danos
E.G.L, da escola no bairro Poção, explica que muitas crianças não vivem em uma família estruturada. Muitos pais trabalham o dia inteiro, tem dependência química e os alunos precisam cuidar de si mesmos. “Como uma criança aprende com fome?”, questionou. “Tem crianças que vivem agressões físicas em casa e às vezes querem agir da mesma forma no ambiente escolar. Tudo isso influencia nas notas. O momento de aprendizado da criança é só aqui, porque dificilmente em casa tem algum acompanhamento. A criança vem com fome, com problemas psicológicos”.
“Muitas crianças vem às escolas apenas para comer.”
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A coordenadora compara as crianças que frequentam a rede pública de ensino e a rede privada. “Uma criança de escola privada não vai para escola sozinho, nem de ônibus, geralmente. Ela tem uma alimentação em casa antes de sair, retorna depois com um tempo de descanso, não fica sozinha, tem seu almoço na hora certa, tem banho na hora certa e faz outras atividades fora da escola, como karatê, ballet e dança. As crianças da rede pública, na maioria, vem para escola sem café da manhã, o lanche dele é as 9 horas. Quando chega em casa,
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se tiver comida, elas que têm que esquentar ou esperar alguém chegar para fazer, elas que cuidam dos irmãos menores e geralmente não tem estrutura familiar. Uma criança da rede privada tem livros, tem acesso à internet. A criança da rede pública precisa ficar dividindo livro que quando tem é na escola e muitas vezes os responsáveis não conseguem acompanhar as atividades escolares, as tarefas, pois também não sabem fazer”. Rosilaine Ferreira, da escola no Pedra 90, aponta que “se nós formos fazer um levantamento, 80% das nossas crianças aqui não convivem com pai e mãe. Muitas vêm à escola apenas para comer, porque elas não têm refeição suficiente em casa”. Ela explica que há na rede municipal de ensino o “Projeto Caracol”, com o qual se uma criança falta três dias seguidos, sem justificativa, uma equipe, que conta com psicólogos, assistente social e professor disciplinar, vai atrás das famílias para descobrir o que está acontecendo. Se for necessário, a escola aciona o conselho tutelar. “Às vezes é necessário brigar com a família para a criança poder ir para a escola. Para a gente que mora em um bairro como o Pedra 90, às vezes, a escola é o último muro do bem para a criança, que defende ela do precipício, do mal caminho”. Já Jeci Souza aponta que na unidade em que trabalha não é muito comum evasão escolar no ensino fundamental, mas o fluxo de entrada e saída desses alunos é muito grande. A evasão ocorre mais nas turmas do Educação de Jovens Adultos (EJA). Em 2018, houveram 344 casos de evasão escolar em todas as etapas e modalidades da educação básica, conforme informado pela SME. Jeci também relata que muitas crianças não conseguem entender e solucionar problemas matemáticos em sala de aula, como somar, multiplicar, subtrair e dividir, mas conseguem realizar todas as operações ao ir em um mercado sozinha. “Alguns não conseguem fazer essa ponte de que o que está aprendendo aqui vai servir lá fora”, declara. Ela diz acreditar que foram muitos anos focando apenas na leitura e na escrita, e de certa forma não dando tanta importância à matemática, por isso os resultados ruins. “Eu acredito que deveria ter uma cobrança maior. Não é para jogar a culpa um no outro, cada um faz a sua parte. A escola tem a sua parte, o governo a dele, a igreja a dela e principalmente a família tem a sua parte e deveria estar mais presente”.
Pesquisas e achados na rede municipal
Com 33 anos de carreira, Filomena Arruda é professora de pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e realiza pesquisas na rede municipal de ensino, em Cuiabá. Entre seus achados, um dos grandes problemas enfrentados pelos estudantes
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é a alta rotatividade dos profissionais de educação. Muitos dos professores iniciam seu trabalho com os alunos em meio ao ano letivo, desconhecendo as dificuldades individuais dos discentes. “Isso acaba atrapalhando o relacionamento e aprendizado dos alunos, pois alguns exigem mais atenção até mesmo pela dificuldade no aprendizado”. Além disso, Filomena aponta que muitos dos profissionais não estão capacitados para atender as necessidades especiais de alunos deficientes em processo de inclusão. O município tem contratado cuidadores para auxiliar em sala de aula, mas bastam eles terem concluído o ensino médio para serem contratados, ou seja, não possuem qualquer formação no ensino pedagógico, segundo a
pesquisadora. “Em alguns casos os ajudantes acabam até atrapalhando o professor, pois para serem contratados eles devem apresentar resultados. Houve casos de ajudantes que tiravam a atenção do aluno para si, na tentativa de passar algum ensino a mais que o professor durante as aulas”, relata Filomena Arruda.
“Isso os desmotiva, muitas vezes
gerando fuga e problemas psicológicos, como a depressão.”
Outro ponto que Filomena destaca é que começou a perceber que muitos profissionais da educação básica estavam utilizando pouco do que era estudado na formação acadêmica. A realidade do curso era diferente do dia a dia na escola. Sem preparo para isso, educadores sofrem violência em sala de aula, problemas estruturais e pedagógicos, e isso os desmotiva, muitas vezes gerando fuga e problemas psicológicos, como a depressão.
Educação nas prisões: um passo necessário para a ressocialização dos reeducandos de MT 14 reeducandos conquistaram vagas em universidades públicas de Mato Grosso em 2019 Por Juliana Alves
E
m 2019, 14 reeducandos de Mato Grosso conquistaram vagas para ingressar em universidades públicas, por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Privados de liberdade, eles conseguiram aproveitar as novas oportunidades de educação, oferecidas dentro das unidades prisionais. Caso do aluno Luís Almeida*, 38 anos, que cursa há dois anos administração pública na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Luís contou à equipe do Só Foca que concluiu o ensino médio com 18 anos, sempre trabalhou com construção civil e preferiu não investir em uma graduação. Nove anos recluso no sistema
prisional o fizeram mudar de visão. “Foi lá que passei a dar mais valor ao estudo. Dentro do presídio eu comecei a frequentar as aulas, fiz quatro provas do Enem e sempre tirei mais de 600 pontos”, contou Almeida. Dentro da unidade ele virou pastor e ajudou a reformar a escola local. “Foi a gente que fez aquelas salas de aula, o encanamento, forro, reboco…”. O reeducando explicou que em determinada época começaram a surgir rumores que teriam a oferta de ensino superior lá dentro, mas ele não acreditou. “A gente sabe que o sistema é precário e eu comecei a falar que o pessoal estava sonhando muito”, contou. As aulas que se iniciaram são um convênio da UFMT com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) de ensino a distância. O curso é semipresencial, ou seja, tem momentos em que conta com aulas online, e em algumas ocasiões são presenciais. Os alunos têm acesso às bibliotecas, computadores e tutores especialmente para este curso dentro da uni-
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Foto por Sejudh
dade. No final, após quatro anos, eles conquistam seu diploma de administrador, conforme explicou Renato Neder, um dos professores envolvidos. Há dois anos Luís iniciou seus estudos em administração pública dentro do presídio e atualmente está em regime semiaberto frequentando as salas de aula da universidade, para completar sua graduação. ‘Lá (dentro do presídio) quem quer estudar, estuda e quem não quer não é obrigado. Eu vejo que o governo poderia investir mais, porque tem gente que chega lá e não sabe nada. Às vezes chega guri de 18 anos e acaba virando a escola do crime”, contou o reeducando. Ele explica que “colocar a pessoa em uma jaula” não gera resultados. “Se você coloca lá, sem oportunidades, ali só prevalece o ódio. Eu poderia sair de lá uma pessoa pior do que entrei. Se joga uma pessoa em um quarto de 3x6, com 20 pessoas dentro, regrando água, comida, como você acha que o psicológico fica? Apesar que a gente também tem que querer a mudança, não basta apenas o incentivo dos outros”. Almeida explicou que seus pais são analfabetos e que hoje ele vê que a educação é a única saída para o ser humano. “O meu objetivo é terminar esse curso. Poucas pessoas da minha família têm estudo e se você não tem educação você até sobrevive, porém com mais sofrimento. Eu dou muito valor para esse curso que estou fazendo e quero fazer cursos de inglês e espanhol também. As pessoas podem te tirar tudo, mas o conhecimento ninguém tira de você”.
Justiça e Direitos humanos
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A educação tem conquistado espaço nas unidades prisionais, pois algo que até pouco tempo era realiza-
do de forma descentralizada, agora foi oficializado com a criação do Núcleo de Educação nas Prisões, do Governo de Mato Grosso, em 2018. “O Núcleo formalizado e a centralização das ações (de educação) tem tidos bons resultados e vem quebrando as expectativas”, contou Fabiana Magalhães, coordenadora do setor. Cada unidade prisional tem os seus programas e projetos educacionais. De acordo com o Núcleo, das 55 unidades, 47 delas têm algum projeto. Tem educação básica, superior, capacitação e profissionalização, Enem, Sistema de Seleção Unificada (Sisu), Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), Exame Certificador Estadual, remissão pela leitura e atestado de remissão (diminuição de pena). A Sejudh aponta que atualmente existem 11.700 detentos reclusos em Mato Grosso e em torno de 40% da população carcerária estuda e trabalha nas unidades prisionais do estado. Conforme apontado, em 2018, pelo menos 2.900 reeducandos foram matriculados e cursaram o ensino fundamental e básico em 46 unidades. Já para 2019 está previsto pelo menos três mil alunos matriculados para o ensino. Para as aulas existe um servidor que faz o acompanhamento dentro das unidades, mas quem valida a remissão da pena é um juiz. “Esse é um dos principais incentivos, além da mudança de vida. O reeducando avança na escolaridade e tem uma redução na pena, conforme a quantidade de horas de estudo e trabalho. A cada 12 horas de estudo ou três dias de trabalho, a remissão é de um dia”, explicou a coordenadora. Fabiana explicou que algumas das maiores dificuldades está na falta de estrutura física, falta de espaço para as aulas e salas inadequadas. “Além disso, o sistema
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prisional tem um público muito rotativo, frequentemente tem gente entrando e saindo. Cada unidade tem critérios internos para definir quem pode ou não ter acesso às aulas. Tem que ter regras mínimas de tratamento e pelos direitos humanos, por exemplo, presos que correm algum risco ou são de alta periculosidade não se juntam. Ali não é por privilégio, são as regras”. Ela conta que se um reeducando quebrar alguma regra da unidade, pois o sistema prisional tem regimentos, ele pode ser removido para outra ala e não ter mais acesso às aulas. “Tem que ter segurança para os alunos, professores e servidores. É uma conquista dele poder participar de um curso ou da escola, mas é conforme o comportamento deles”. Além disso, ela explicou que algumas unidades adaptaram uma cela para dar aula e outras tem uma sala de aula própria. “Em Cuiabá, nenhuma sala de aula tem grade, é um ambiente escolar. Todo mundo circula junto e misturado, são servidores, professores e os alunos”.
Reintegração
“Como eles estão em um ambiente que está o tempo todo ocioso e começam a ter uma atividade educacional, a pessoa sai do comodismo. Tem os que concluem a educação básica e os poucos que concluíram o ensino médio dentro da prisão, passaram no vestibular e hoje frequentam uma universidade pública é um caso de sucesso, é o que realmente move o Núcleo de Educação”, declarou Fabiana. O professor Renato Neder, que dá aulas pelo convênio da UFMT, contou que boa parte dos alunos apresenta dificuldades, são reeducandos com a educação básica precária. “É possível notar que são pessoas que não tiveram as mesmas oportunidades educa-
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cionais que a maioria da sociedade”, explicou.
“A universidade
requer liberdade.”
“A educação requer liberdade de expressão, de pensamento, de manifestação e o presídio é um local muito estranho, o ambiente não permite isso. Eles acabam sendo alunos submissos, que abaixam a cabeça, por causa das circunstâncias. Aqui dentro (da UFMT), tem aluno que debate política, por exemplo, e lá não. Isso é ruim, a universidade requer liberdade”, avalia Neder. Renato relatou que a educação faz bem para a pessoa, ela acaba saindo dali um ser humano melhor. “Algumas daquelas pessoas tiveram muitos problemas e estão lá por falta de oportunidade. Essa é a oportunidade! A pessoa volta a ter também um pouco mais de orgulho próprio”. Do Núcleo de Educação, Fabiana afirma saber que nunca vai atingir 100% da ressocialização. “O ensino que é dado lá dentro vai servir para algo aqui fora, o mercado está cada vez mais exigente. Às vezes o sistema falha aqui fora e lá dentro temos que dar ocupação, estudo e instrução para essas pessoas. O sistema prisional tem enraizado a vingança e o ódio, mas conseguir conquistar os reeducandos é gratificante. O nosso trabalho é quebrar paradigmas, pré-conceitos e acreditar no ser humano, esperando as mudanças”.
Familiares defendem estudo obrigatório
Há cerca de quatro anos, o ex-companheiro de Maria Gorete foi preso por homicídio e encaminhado para a Penitenciária Central do Estado, em Cuiabá. Ali começou a sua jornada e trabalho com o sistema prisional. Gorete, vendo o sofrimento, humilhações e desconhecimentos dos familiares, começou a buscar meio de ajudar a si mesma e as outras pessoas que tinham pessoas queridas inseridas no sistema. Acabou que fundou um projeto cujo o nome era Grupo de Apoio as Famílias de Reeducandos (Gafar), mas que encerrou suas atividades em 2019. “A PCE é um ambiente tenso e a todo momento haviam agentes penitenciários humilhando as famílias, como se elas tivessem cometido o mesmo crime. Mas ali na fila eu descobri médicos, enfermeiras, advogados e donas de casa que estavam ali pela mesma razão, visitar seus parentes”. Ela conta que o grupo era independente, a serviço dos familiares, e que aprenderam que através do diálogo era possível melhorar o relacionamento e os direitos dos envolvidos naquela situação. Apesar disso, ela reforça que dentro dos presídios os detentos têm as suas identidades pessoais, necessidades sociais e psicológicas praticamente apagadas.
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“O governo está investido errado! A judiação, disciplina opressora, disciplina com violência, jamais vai resolver o problema. O ser humano precisa de valorização”, declarou Maria Gorete. Ela relata que o contexto social que muitas famílias ali vivem e problemas psicossociais que o individuo possa ter pode levar ao crime. “Uma família desestruturada ou algum transtorno que o apenado tenha, faz com que ele vá parar naquele lugar. Então é obrigação do governo tratar essas pessoas, porque elas vão ser vomitadas para nós de novo. Elas vão voltar para a sociedade de novo. Então, não adianta a sociedade querer o pior para eles. Falar que tem que exterminar, não vai resolver o problema”. De acordo com ela, ao conhecer várias famílias e os reeducandos, percebeu que poucos reeducandos tem estudo. “Acredito que se você ver ali, 1% são estudados e a maioria tem da 8ª série pra baixo...”. Gorete explicou que na Penitenciária Central do Estado (PCE) existem alguns contêineres, local em que ficam alguns reeducandos com chances de estudo e trabalho, e as salas de aulas tem um trânsito livre entre os alunos e professores. Já nas alas, ou raios, da penitenciária, o ambiente escolar tem uma grade no meio, dessa forma dividindo os alunos e os professores. “Apesar do avanço, ainda está sendo pouco. Eles precisam também de tratamento psicológico, não só de trabalho, não só de estudo. Muitos ali até conseguem se reintegrar na sociedade, mas muitos voltam para o presidio”. Maria defende que são poucos os que têm direito de participar dos programas e projetos. “Eles saem perguntando quem quer, mas eu acho que já que eles estão naquele ambiente deveria ser obrigatório. Acho que eles têm que colocar escolas em cada raio. Por que não fazer um trabalho mais humanizado? Ao meu ver, que seja obrigatório, que seja com grade, mas que leve educação”, concluiu Maria Gorete. Foto por Sejudh
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Cabeça na lua e pés em sala de aula: universitária ensina astronomia para alunos do ensino fundamental Aluna conheceu uma das sedes da Nasa por conta de um concurso de de redação
O
Por Annie Souza
sonho de ser astronauta é frequente nas crianças, já a persistência para sua realização é incomum. Para a estudante de física Maria Gislanny Bezerra Silva, 20 anos, esse sonho é motivador para ensinar crianças sobre conhecimentos em astronomia. O projeto “Instituto Plêiades”, criado por ela, vai às praças e escolas levando às crianças as experiências de fora da grade curricular comum. Em 2012, Maria deu início ao projeto, já que o tema era de seu interesse e ela considerava que a astronomia era um assunto com pouca visibilidade no país. “Esses conteúdos não eram muito abordados. No final do ensino fundamental, eu levei astronomia pra escola através de projetos”. Com um telescópio na mochila, ela leva às escolas públicas ensinamentos científicos. O projeto tem duas vertentes: “Novo Horizonte” é a ida a espaços públicos, como praças, centros culturais e também envolve escolas. Nesse trabalho, Maria leva um telescópio e explica seu funcionamento e alguns conceitos da astronomia. Já o “Zero G”, é a ida apenas às escolas, onde a estudante fala sobre astronomia, aviação e ensina matérias de exatas para alunos do Ensino Fundamental, com o intuito de quebrar o estereótipo de que a matemáti-
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CIÊNCIA&SOCIEDADE Acervo Pessoal
ca é uma disciplina difícil. A estudante percorre as escolas com recursos próprios, levando consigo as anotações em seu notebook de pesquisas, seus estudos sobre a temática e o seu telescópio. Geralmente, suas aulas são provenientes de convites de algum membro da escola. Nesses seis anos, já foram realizadas 13 visitas em colégios públicos e particulares.
A busca pelo sonho
Maria tinha poucos incentivos sobre o mundo da astronomia, a grade escolar não trazia esses ensinamentos. Assim, a estudante pernambucana, criada em Tangará da Serra (a 242 km de Cuiabá), começou os estudos por iniciativa própria a partir de livros e enciclopédias da biblioteca da escola pública onde estudava. Esse interesse provocou rejeição dos colegas de classe. “Implicavam comigo, estragavam meu material simplesmente por andar com um livro embaixo do braço”, desabafa. O bullying só teve fim no Ensino Médio. Em 2015, Maria Gislanny conheceu o astronauta Marcos Pontes, atualmente ministro da Ciência e Tecnologia, durante a 12ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, realizada em Cuiabá. Depois desse contato, Pontes a apresentou ao professor astrônomo do Rio de Janeiro Marcelo Souza, que recomendou que Maria realizasse um concurso de redação da NASA. Ela seguiu o conselho e foi selecionada. Após esse momento, com apoio do Governo do Estado de Mato Grosso, em 2016, ela conseguiu ir para os Estados Unidos onde realizou um curso e conheceu lugares que sonhava, como os ônibus espaciais. Atualmente a estudante pretende transferir sua faculdade para os Estados Unidos. “Meu sonho é trabalhar lá em cima. Futuramente terão missões para a Lua e daqui há 10 anos quero poder disputar essas vagas e chegar lá”.
Caminhos para a NASA
Conforme aponta a revista Super Interessante, para se tornar um astronauta, são necessários alguns requisitos, como inglês fluente, graduação e pós-graduação na área das Ciências Exatas (Engenharia, Matemática, Física ou Ciências Biológicas). Além de ser cidadão norte-americano civil ou militar. Para os estrangeiros, o governo proveniente deve ter parcerias com os Estados Unidos. De acordo com o site da agência, os astronautas norte-americanos e parceiros estrangeiros da Nasa, trabalham para a construção e pilotagem de um novo veículo da agência, o Veículo de Tripulação Multiuso Orion (MPCV) projetado para a exploração do espaço profundo humano. Também se empenham na identificação de possíveis asteroides próximos à Terra, o objetivo é visitar um asteroide em 2025.
O cenário para brasileiros
Marcos Pontes é o único astronauta brasileiro, também é o único vinculado à Nasa. Conforme a Agência Espacial Brasileira (AEB), poucos países têm associação com a agência e o Brasil não é um deles. Atualmente, o país não possui incentivos para formação nessa carreira, mas encaminha os interessados já graduados nas áreas de engenharias para participar de programas em países associados. Para participar, existe um processo seletivo realizado pela AEB, que após a seleção são feitas entrevistas em inglês pelas universidades parceiras da Nasa e da Agência Espacial da China, os anúncios dessas seleções são publicados no site da AEB. O caminho para a profissão é limitado, e a AEB aconselha: “estude, cuide da saúde, saiba trabalhar em equipe e depois estude um pouco mais. Tenha formação em Ciências Exatas ou Biológicas”.
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Equoterapia: reabilitação pelo vínculo entre paciente e cavalo Tratamento ganha em maio centro próprio na Universidade Federal de Mato Grosso Por José Lucas Salvani e Juliana Alves
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Não vai ser 100%? Tudo bem, mas eu espero que eu consiga dar uma melhor condição de vida para ela”, desabafa a mãe de Débora*, cuja filha foi vítima de uma paralisia que atingiu todo seu corpo. A menina busca soluções por meio da equoterapia. O tratamento é oferecido através de um Projeto de Pesquisa e Extensão da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e ganhará um centro na própria instituição em maio de 2019. Reconhecida pelo Conselho Nacional de Medicina desde 1997, a equoterapia é um tratamento complementar que consiste no vínculo entre paciente e cavalo. O tratamento equoterapêutico “trabalha com níveis de educação e saúde, utilizando o cavalo como instrumento para atingir benefícios nas esferas psicológicas, sociais, físicas e motoras para pessoas com deficiência”, como explica a zootecnista Lisiane Pereira. Lisiane é a responsável por trazer a equoterapia
Foto por José Lucas Salvani
para a UFMT, realizando mais de 2 mil sessões até o momento. A médica veterinária cursava zootecnia e trabalhava com terapia assistida com animais. Por conta no novo curso, a zootecnista resolveu unir a formação com aquilo pelo qual já tinha uma paixão, então acabou se aproximando da equoterapia. O projeto de implantação de um centro equoterapêutico na UFMT teve início em 2011, visando agregar não somente a zootecnia, mas todos os cursos que pudessem aproveitar da existência do centro. “Eu queria que todos os cursos da universidade que quisessem desenvolver trabalhos
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nessa área tivessem um laboratório multiprofissional para que pudessem estar atuando, desenvolvendo projetos de pesquisas, projetos de extensão, trabalhos de conclusão de curso, dissertações de mestrado e teses de doutorado”, explica. A obra do centro de equoterapia da UFMT foi entregue no final de 2018 e será inaugurada em maio deste ano, quase 10 anos após a criação do projeto de implantação. Apesar do lapso temporal, a equoterapia pela universidade foi proporcionada por meio de parcerias com diversas instituições, como com o Rancho Raça Forte, onde Débora realiza suas sessões por meio de um plano particular. Os trabalhos de equoterapia pela UFMT tiveram início no ano seguinte ao projeto de implantação. Desde então, o tratamento complementar contemplou deficientes visuais, autistas, crianças vítimas de bullying escolar e crianças com necessidades educativas especiais. “A equoterapia trabalha muito com a autoestima da criança. Melhora a autoestima, melhora a socialização, convívio social e a autoconfiança. (...) Quando a criança sobe no cavalo, ela já sofre um empoderamento por ter condições de conduzir um animal de grande porte; aquilo já faz uma modificação nesse sentido”, explica Lisiane. Além do trabalho já ofertado à população pelo centro, será possível unir três dos principais pilares da universidade: ensino, pesquisa e extensão. Mesmo sem a inauguração, tal união já ocorre de certa forma. Segundo Lisiane, uma aluna já usou dados do projeto para a defesa de seu mestrado e há também um curso optativo chamado “Fundamentos de Equoterapia”. Ainda há alguns ajustes a serem feitos quanto ao centro de equoterapia na UFMT, mas Lisiane já alerta que a procura está alta e que provavelmente não será possível atender a todos. “O nosso centro aqui nem foi inaugurado e já recebi inúmeras ligações pedindo para inscrever a criança, para dar continuidade ao atendimento daquelas que já começaram, ou até para crianças que ainda querem ser atendidas. Temos uma fila de espera, digamos assim”. No mercado, uma sessão particular de equoterapia custa em média R$ 120. Por meio da UFMT, o tratamento se torna mais barato, podendo até ser gratuito. O valor é estipulado para cada caso que passa por análise de uma assistente social. A taxa simbólica é para poder fazer a manutenção dos animais no centro. Em média, as sessões duram um semestre, mas dependendo do paciente é possível estender a duração por até oito meses. Lisiane explica que o tratamento é individual e não pode ser tão longo, pois dessa forma pode ser gerada uma rotatividade de
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pacientes, possibilitando que sejam atendidos.
Como funciona
Débora já está há mais de um ano e meio realizando o tratamento equoterapeutico, frequentando o centro do Rancho Raça Forte duas vezes por semana. As montarias do praticante dependem da condição física que ele pode ter. Débora, por exemplo, necessita que a montaria seja praticada junto de um profissional, no caso a equoterapeuta Juliana Caobianco, pois ela não tem condições de se manter sozinha. “No começo, ela vinha toda equipada: protetor de ombro, colocava-se um quadrado para apoiar o braço, para o ombro não ficar caído, e uma cinta para proteção da coluna. Com o tempo, nós fomos tirando [cada uma das proteções]. Hoje ela vai sem cinto, sem o quadrado na frente. Hoje é o primeiro dia sem o estabilizador de ombro, ou seja, ela já está conseguindo se manter”, conta Beatriz*, mãe de Débora. A evolução do quadro da moça impressiona até mesmo especialistas. Como ela perdeu todos os movimentos, não era possível sequer comer, mas agora com a cervical fortalecida, a deglutição evoluiu também. “Hoje ela está conseguindo comer coisas que a fonoterapeuta fica assustada”, explica a mãe. O trabalho do cavalo com o paciente ocorre devido ao movimento dimensional que a montaria proporciona. O animal é uma extensão da perna do praticante, por isso ele deve ser simétrico, não deve mancar, por exemplo, se não o movimento não será transmitido corretamente. “Ela tem um exercício de todos os músculos ao mesmo tempo. Ficando na cama ou mesmo indo para uma clínica, ela não vai conseguir tudo. No cavalo, ela está movimentando as pernas e os
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braços. Na clínica, você trabalha [estes músculos] por partes”, completa Beatriz. Para que todo o trabalho dê certo, é necessário gerar um vínculo entre o praticante e o animal. Dessa forma, a equipe multidisciplinar realiza ações que costumam trabalhar o medo do paciente, fazendo com que ele entenda que o cavalo é um aliado. Caobianco explica que não é qualquer cavalo que pode ser utilizado no tratamento e que existem critérios a serem analisados, conforme a Associação Nacional de Equoterapia (Ande). Entre eles está que o animal não pode ter raça definida, popularmente conhecidos como vira-latas, devem ter mais de 12 anos, não podem ter vícios e tem que ter boa índole. “O cavalo tem que ter menos energia, até porque o cavalo é um animal muito grande. Se você coloca um animal muito novo, eles são como crianças, como adolescentes, são muito agitados. O animal também não pode ter vícios”. Ela acrescenta que alguns vícios podem acabar sendo desenvolvidos de acordo com a forma que o animal foi criado. Juliana conta que a doma do cavalo deve ser realizada sem agressão. “Tem que ensinar através de um condicionamento por alimentação ou condicionamento comportamental que os adestradores fazem”. “A partir do momento que o animal é dócil, o vínculo fica mais fácil. Na realidade, nós temos é que esperar o tempo da criança, do adulto ou do idoso para poder criar esse vínculo. O animal vai estar sempre disposto, ele não vai ter reações com esses praticantes”, apontou Caobianco. “Dentro dessa terapia, o animal é o ator principal e a gente é só coadjuvante. A nossa técnica está ali para auxiliar o que o cavalo faz”, completa. Caobianco também aponta que há animais que querem derrubar as pessoas por não aceitarem ser montados, dessa forma colocando em risco os pacientes do tratamento. “Os animais assim são descartáveis. Por isso a gente fala que para a equoterapia não adianta vir um cavalo doado. Tem que avaliar o animal. Cavalo dado se olha os dentes aqui, sim”. O vínculo de Débora com o cavalo está sendo fundamental para sua evolução, e a mãe explica que sua filha tinha medo do animal. A mãe acredita que o medo é consequência da filha não ter controle algum sobre seu corpo. Para ela, o vínculo com os profissionais envolvidos também é importante visto que Débora precisa criar empatia e confiar neles para que a sessão possa ser feita. A estudante da UFMT sofreu uma paralisia que impossibilitou a movimentação de todos os seus músculos, incapacitando não somente sua própria locomoção, como também proporcionou a perda
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da fala. A causa da paralisia é um mistério até para os médicos. Como explica sua mãe Beatriz, as chances de sobrevivência eram mínimas e, segundo médico, era quase um milagre. “O que eu ouvi foi assim: 1% de estar viva, mãe, seu milagre você já tem”, conta. Beatriz explica que mesmo com a fala do médico viu a necessidade de encontrar alternativas para que a vida de sua filha melhorasse. Não somente com a equoterapia, mas a mãe de Débora buscou diversas terapias complementares que pudessem proporcionar uma evolução, mesmo que mínima, para ela. Beatriz ficou sabendo da equoterapia por meio do neurologista e fisioterapeuta neurológica de sua filha. Apesar da indicação, Débora só pôde montar em um cavalo após um longo processo de preparação. Após a liberação da fisioterapeuta neurológica, Débora ainda passou por uma avaliação para finalmente poder iniciar o tratamento. Por conta de seu quadro, Débora precisa ser carregada até Dragão, o cavalo parceiro de sua terapia. Junto da fisioterapeuta Juliana, ela monta no equino e cavalga pelo Centro de Equoterapia, localizado no Rancho Raça Forte, parceiro da UFMT até o ano passado no programa desenvolvido por Lisiane. A sessão é curta, dura pouco menos de meia hora. Após dar algumas voltas pelo centro, Débora retorna para sua maca, mas a sessão não termina aí. Como um simples gesto de agradecimento, Débora oferece uma cenoura para Dragão, que come. Beatriz conta que o “ritual” é rotineiro e ajuda no desenvolvimento da ligação entre sua filha e o cavalo. Os resultados do tratamento dependem de cada um. “A equoterapia reabilita sem perceber que está sendo reabilitado”.
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CULTURA SÔ FOCA
Escolas cuiabanas apostam na cultura para formação educacional de alunos
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Foto por Annie Souza
Cultura local, afro e indígena são principais focos dados pelas unidades educacionais Por Annie Souza
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Escola Municipal de Ensino Básico (EMEB) Agostinho Simplício de Figueiredo, do bairro Poção, é uma de várias que abordam aspectos culturais em sua grade curricular. Segundo a coordenadora da escola, E.G.L, as temáticas trabalhadas com os alunos são determinadas pelas orientações da Secretaria Municipal de Educação (SME) e leis previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – como a lei 10.639/03, que determina o ensino da cultura afro, e a lei 11.645/08 que determina o ensino da cultura indígena.
Os conteúdos são transmitidos de uma forma mais sensibilizada. Árvores genealógicas, para as crianças entenderem sua origem, são uma das propostas. “Trabalhamos a sensibilidade, para a criança não ver a África como algo distante, mas se ver sabendo que ela faz parte”, conta. Apesar do conteúdo cultural que deve ser trabalho de acordo com as leis que tratam da cultura afro e indígena, a SME esclarece que cada escola tem autonomia de decidir como vai trabalhar tais assuntos, e há também a possibilidade da inserção de novos temas. As escolas de Cuiabá seguem um currículo comum definido pela BNCC e pela Política Municipal de Educação. A certificação de que esses conteúdos estão sendo trabalhados pelas esco-
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las é feito pelos coordenadores pedagógicos das unidades escolares e também pelos assessores da Diretoria de Ensino da SME. Enquanto a EMEB Agostinho Simplício de Figueiredo aposta em estudos culturais indígena e africana, a EMEB Dom Bosco, do bairro Praeirinho, traz a cultura regional com bastante foco, abordando, por exemplo, as tradicionais danças do siriri e cururu. Entretanto, ainda há espaço para debates sobre a conquista pelo espaço e a discriminação da mulher.
vou falar do negro só em “Não novembro e da mulher só no
dia da mulher. Tem que fazer um trabalho mostrando essas questões durante todo o ano letivo.
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A diretora Márcia Aparecida conta que tais temas não devem ser trabalhados apenas em datas comemorativas. “Não vou falar do negro só em novembro e da mulher só no dia da mulher. Tem que fazer um trabalho mostrando essas questões durante todo o ano letivo”. Além desses temas adaptados pela escola, os alunos também recebem os conteúdos obrigatórios da BNCC. No mesmo ritmo da escola Dom Bosco, uma escola estadual de Várzea Grande também transmite os assuntos por meio de projetos. Na Escola Estadual Hernandy Maurício Baracat de Arruda, localizada no bairro Parque do Lago, os
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conteúdos culturais obrigatórios são os mesmos das escolas municipais de Cuiabá, já que é um plano nacional. A escola é quem determina esses conteúdos anualmente. No ano passado, o foco era o meio ambiente. Os trabalhos realizados durante o ano são apresentados na Semana Culminância, que é dividida por área. Cada grupo de professores fica responsável por uma, fazem apresentações e exposições. O diretor conta que recebem autoridades, como promotores, juízes e autoridades políticas. As disciplinas da área de ciências humanas, como história, geografia e filosofia são as principais a trabalharem com essas temáticas. O diretor e professor de matemática, Walter Benedito da Silva, conta que os alunos têm uma ótima recepção com os conteúdos. “Os alunos são bem-dispostos a aprender, amarramos os projetos com notas, com a avaliação. Temos a cultura de trabalhar projetos, olimpíadas e festas juninas”, relata. Foto por Annie Souza