Brusque: 160 Anos de Superação

Page 1

RUA AZAMBUJA PROJETA BRUSQUE COMO REFERÊNCIA NACIONAL DA PRONTA-ENTREGA

RETIFICAÇÃO DO RIO É INICIADA APÓS GRANDE ENCHENTE DE 1961 FÁBRICAS CENTENÁRIAS CAEM, MAS SETOR TÊXTIL SE REINVENTA EM BRUSQUE CONSTRUÇÃO DA AVENIDA BEIRA RIO É INICIADA APÓS CATASTRÓFICA ENCHENTE DE 1984

Foi ali que surgiram as primeiras confecções, improvisadas dentro das casas e que pouco tempo depois já faziam muito sucesso

COMO A CIDADE SE ADAPTOU FRENTE AOS DESAFIOS QUE SURGIRAM AO LONGO DOS ANOS E CONSEGUIU AVANÇAR A PARTIR DAS DIFICULDADES

POPULAÇÃO DE BRUSQUE SE ADAPTA DA EPIDEMIA AO CONTROLE DA MALÁRIA E RESSURGE MAIS FORTE APÓS GREVE DOS OPERÁRIOS INICIA FORTALECIMENTO IMPOSIÇÕES DA NACIONALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES TRABALHISTAS EM BRUSQUE

Cidade luta e consegue a construção das rodovias Ivo Silveira e Antônio Heil Crise que provocou intervenção no Hospital Azambuja mudou positivamente os rumos da instituição Após o êxodo, migração transforma Brusque em uma cidade plural

As celebrações de missas e cultos, as atividades sociais, as aulas nas escolas e até o jornal ‘Brusquer Zeitung’ foram proibidos de circular em língua alemã

TERÇA-FEIRA, 4 DE AGOSTO DE 2020


terça-feira, 4 de agosto de 2020

CIRO GROH/ESPECIAL

EDITORIAL

2

BRUSQUE COMPLETA 160 ANOS NESTA TERÇA-FEIRA

BRUSQUE, SINÔNIMO DE SUPERAÇÃO De repente, o mundo parou. De uma hora para a outra tivemos as vidas transformadas por um inimigo invisível. Um vírus. Brusque, assim como todas as cidades do planeta, teve que se adaptar e ainda está aprendendo a lidar com as mudanças, com o novo normal. Sem precedentes, a crise gerada pela pandemia da Covid-19 trouxe inúmeros desafios para a economia e para a saúde. As incertezas sobre o futuro são gigantes. Mas o povo brusquense é especialista quando o assunto é enfrentar obstáculos. Em 160 anos de história, muitas foram as crises e dificuldades que a cidade precisou vencer. É claro que nada se compara ao que vivemos agora, mas cada crise, cada desafio que surgiu no caminho, ajudou a construir nossa história e nos transformar no que somos hoje.

“ALÉM DE HOMENAGEAR A CIDADE, QUEREMOS QUE ESTE ESPECIAL TRANSMITA CORAGEM E ESPERANÇA PARA QUE A CRISE DO CORONAVÍRUS, EM BREVE, SEJA MAIS UMA HISTÓRIA DE SUPERAÇÃO A SER CONTADA”

Por isso, neste 4 de agosto, o jornal O Município apresenta o especial Brusque: 160 Anos de Superação. São 23 reportagens que resgatam algumas das crises enfrentadas pela cidade ao longo dos anos e mostra como foram vencidas. A ideia, desde o início, foi mostrar como Brusque se adaptou frente aos desafios que surgiram e os avanços que tivemos em todos os sentidos a partir das dificuldades. Algumas das crises retratadas são velhas conhecidas e estão vivas na memória dos brusquenses, como as enchentes que o município enfrentou. Desde a colonização, de tempos em tempos, Brusque trava uma batalha com o rio Itajaí-Mirim. Relembramos as cheias de 1880, 1961, 1984, 2008 e 2011, mas além dessas, a cidade enfrentou também enchentes em 1864, 1868, 1911, 1916, 1925 e 1954.

Assim como agora, enfrentamos epidemias, como a gripe espanhola, entre 1918 e 1919, que vitimou, pelo menos, 22 brusquenses, segundo o livro de registros da igreja matriz São Luis Gonzaga, e também a malária. Também sentimos de perto os efeitos de várias crises políticas nacionais e as mudanças no setor têxtil, com a grande greve dos operários e, mais tarde, a decadência das três fábricas centenárias. Tudo isso, porém, não foi suficiente para fazer o povo de Brusque desistir. Pelo contrário, nos tornou mais fortes. Além de homenagear a cidade, queremos que este especial transmita coragem e esperança para que a crise do coronavírus, em breve, seja mais uma história de superação a ser contada, honrando a memória de todos os familiares, amigos e conhecidos que nos deixaram em razão da doença.

AGRADECIMENTO ESPECIAL Não poderia deixar de fazer um agradecimento ao historiador brusquense Aloisius Lauth, que foi fundamental na produção deste especial. Muitas das reportagens foram construídas com base

O MUNICÍPIO BRUSQUE

Rua Felipe Schmidt, 31, sala 1 Centro 1, CEP: 88350-075 (47) 3351-1980 omunicipio.com.br

em suas pesquisas e seu vasto conhecimento sobre a história de Brusque. Desde o início, abraçou a ideia, disponibilizando horas de seu tempo para ajudar. Foram várias chamadas de vídeo, e-mails

DIRETOR GERAL

Claudio José Schlindwein

DIRETOR DE JORNALISMO E OPERAÇÕES Andrei Paloschi andrei@omunicipio.com.br

e mensagens no WhatsApp trocadas ao longo da produção do especial. Sinto-me privilegiada pela oportunidade de receber verdadeiras aulas sobre Brusque ao longo dos últimos meses. Muito obrigada!

EDITOR-CHEFE

Marcelo Reis marcelo@omunicipio.com.br

REPORTAGENS

Bárbara Sales barbara@omunicipio.com.br

DIAGRAMADORA

Julia Fischer Barni

NÚMEROS DESTE ESPECIAL 4.700 exemplares 64 páginas


terça-feira, 4 de agosto de 2020

3


terça-feira, 4 de agosto de 2020

SUMÁRIO

4

6 ACOLHIMENTO E PLURALIDADE 8 EMANCIPAÇÃO ACELERADA 10 VIRADA ECONÔMICA PÓS-MONARQUIA 12 RESILIÊNCIA EM MEIO ÀS MUDANÇAS 14 CRESCIMENTO NA INSTABILIDADE 16 LIBERDADE PÓS-NACIONALIZAÇÃO 18 FONTE DE DESCOBERTAS CIENTÍFICAS 20 FORTALECIMENTO DAS RELAÇÕES TRABALHISTAS 24 ESCASSEZ NO CAMPO, ÊXODO E RETORNO 26 INÍCIO DA MITIGAÇÃO DAS CHEIAS 28 O COMUNISMO E O SURGIMENTO DE LÍDERES 30 CAMINHOS CRUZADOS 34 O VALOR DO TRABALHO 38 DA ENCHENTE, A BEIRA RIO 42 REINVENÇÃO PÓS-DECLÍNIO 46 O MILAGRE ECONÔMICO DE AZAMBUJA 48 O SUMIÇO DAS POUPANÇAS 52 A NEUTRALIZAÇÃO DA DERROCADA 54 MAIS CAPACIDADE DE PREVENÇÃO 56 AVANÇOS EM INFRAESTRUTURA 58 SAÚDE SAI DA EMERGÊNCIA 60 DESAFIO A SER SUPERADO 62 ENTRA E SAI DE PREFEITOS


terça-feira, 4 de agosto de 2020

5


terça-feira, 4 de agosto de 2020

6

ACOLHIMENTO E PLURALIDADE CHEGADA DE IMIGRANTES INGLESES E POLONESES FOI MOTIVO DE CONFLITO NA COLÔNIA ITAJAHY, SUPERADO PELO DIÁLOGO

BRUSQUE MEMÓRIA

O Gabinete Imperial, comandado pela Ala Liberal, desejava colonos progressistas, tal como ocorria nas 13 colônias americanas. Foi aí que o Império viu a chance de trazê-los para povoar as colônias no Sul do Brasil, e desenvolver a atividade agrícola de pequena propriedade rural e garantir a integridade territorial, frente à Guerra do Paraguai que perdurou de 1864 a 1870. Os primeiros ingleses chegam a Brusque e se estabelecem na nova Colônia Príncipe Dom Pedro. Em pouco tempo, o número de habitantes da colônia supera o da Colônia Itajahy. Assim, os conflitos logo começam a surgir.

“A PRIMEIRA CRISE É UMA CRISE ÉTNICA ENTRE OS DOIS GRUPOS DE IMIGRANTES, O GERMÂNICO E O INGLÊS, QUE ESTÁ OCUPANDO A MARGEM DIREITA DO RIO” Aloisius Lauth, historiador

BRUSQUE MEMÓRIA

IMIGRANTES INGLESES CHEGARAM EM 1867 E FORMARAM A COLÔNIA PRÍNCIPE DOM PEDRO

Em 1867, novos moradores chegam e passam a ocupar as terras do lado direito do rio Itajaí-Mirim, terras essas que não foram demarcadas pelo barão Maximilian von Schneeburg, quando da formação da Colônia Itajahy, em 1860, pelos alemães. Os novos colonos, de língua inglesa, povoam as terras na confluência com o ribeirão Águas Claras, na região onde hoje está a Escola de Ensino Fundamental Padre Luiz Gonzaga Steiner, na

Travessa Lagoa Dourada. Eram ingleses que, na crise econômica no país, fugiram para os Estados Unidos. A Guerra de Secessão Americana, de 1861 a 1865, entretanto, fez com que estes trabalhadores da Inglaterra, sem vocação agrícola, tivessem que fugir mais uma vez. Nesse tempo, o Império Brasileiro procurava saídas políticas para a iminente abolição dos escravos africanos, principal força de trabalho da agricultura de grande extensão no país.

PRIMEIRO MAPA DA COLÔNIA ITAJAHY, FORMADA POR IMIGRANTES ALEMÃES EM 1860


terça-feira, 4 de agosto de 2020

7

CONSCIÊNCIA GERMÂNICA FORTE A Colônia Itajahy era uma comunidade pequena e, por alguns anos, ficou praticamente isolada no interior do Vale do Itajaí-Mirim. Distante 30 quilômetros de Itajaí, levava-se de dois a três dias para chegar à colônia vizinha de barco. Quando havia enchente ou seca, o caminho vicinal se tornava ainda mais difícil. A primeira estrada só foi projetada em 1864 pelo barão de Schneeburg, ou seja, quatro anos depois da chegada das primeiras famílias, e concluída em 1874. Dessa forma, os colonos alemães de origem da Prússia, Baden, Oldenburg e de Holstein conseguiram manter os laços com suas pátrias de origem muito fortes, mesmo em uma nova terra. “A colonização de alemães em Brusque era um núcleo isolado e isso permitiu que eles se estabelecessem e tivessem laços culturais semelhantes aos que tinham vivido na Alemanha. Isso é chamado de ‘consciência nacional germânica’, que é o orgulho que se tem da pátria e ainda hoje está presente na cultura de Brusque”, observa o historiador Aloisius Lauth. Uma prova dessa consciência

nacional germânica foi a criação, já em 1866, do Schützenverein, o Clube de Caça e Tiro Araújo Brusque. O Schützenverein foi o centro da vida social da colônia; igualmente, o ‘Sanger Gesellschaft’ - a Sociedade de Cantores -, cujas atividades contribuíram na formação da identidade alemã no território brusquense. Os moradores da Colônia Itajahy viviam à maneira germânica, tinham seus hábitos e uma identidade cultural forte. Porém, tudo mudaria com a presença dos colonos ingleses da Colônia Águas Claras. As sedes eram muito próximas - ficavam a apenas seis quilômetros entre si -, mas tinham idiomas diferentes e estilos de vida bem distintos. Mais organizados, os alemães passaram a administrar a colônia inglesa, o que gerou ainda mais conflitos. E por último, o segundo diretor da colônia inglesa só falava alemão. O agrimensor também. A administração da colônia e os moradores não se entendiam e as brigas entre os habitantes eram cada vez mais comuns. “A primeira crise é uma crise étnica entre os dois grupos de imigrantes, o germânico e o inglês,

que está ocupando a margem direita do rio. A Colônia Príncipe Dom Pedro praticamente faliu, primeiro pelo conflito étnico, depois pela pobreza que se instalou na região de colonização agrícola. As terras não eram boas para agricultura”, destaca o historiador. A passagem dos ingleses pela região não dura muito. Com a miséria e o conflito étnico cada vez mais frequente, eles decidem ir embora em busca de outros lugares. Uma parte vai para os arredores de Santa Fé, na Argentina. Outro para Joanesburgo, na África do Sul, onde tinha sido encontrado a maior mina de ouro e pedras preciosas. As poucas famílias que restaram ainda enfrentaram uma grande enchente, em novembro de 1868, que atingiu as linhas coloniais. Em oito horas, o rio chegou a 29 palmos, equivalente a 7,60 metros. Uma mulher e dois filhos, da família Hopkins, morreram afogados na madrugada. Outras famílias decidem ir embora. O Império não aceita o fracasso da colônia agrícola e permanece com o desejo de ocupar as terras da margem direita do rio Itajaí-Mirim. Assim, em agosto de 1869, chegam as

primeiras famílias polonesas para ocupar os lotes abandonados da Colônia Águas Claras. Estes poloneses ocuparam a região do ribeirão Cedro Grande, na confluência com o ribeirão Cedro Pequeno. Não demorou para que os mesmos problemas da colonização inglesa acontecessem com os poloneses. A terra não era boa para agricultura, as promessas feitas pelo Império não foram cumpridas e os conflitos com os alemães se repetiam. Pouco tempo depois, em 6 de dezembro de 1869, o governo provincial decide unificar a administração das duas colônias. A Colônia Itajahy tinha em torno de 800 habitantes e a colônia inglesa, menos de 200. Por isso, não fazia sentido ter duas colônias, administradas por pessoas diferentes e com dois orçamentos. Nasce, então, a “Colônia Itajahy e Príncipe Dom Pedro”. A união das colônias torna a vida dos poloneses e das poucas famílias inglesas ainda mais difícil. Por este motivo, em 1871, os poloneses são orientados por Edmund Wos Saporski a reemigrar, desta vez para arredores de Curitiba, no Paraná.

NOVO DIRETOR ENTRA EM AÇÃO A Colônia Itajahy e Príncipe Dom Pedro entra em uma outra fase a partir da nomeação de um novo diretor: Luís Betim Paes Leme. “Ele é dinâmico, jovem, com bom relacionamento e muito empreendedor. Conquistou os habitantes das duas colônias”, diz o historiador. Paes Leme se dá bem com o padre Alberto Gattone e inicia a construção da igreja matriz, em 1874. Antes disso, em 1873, a colônia foi elevada à categoria de freguesia. O padroeiro, inclusive, é escolhido em homenagem ao diretor da colônia: São Luís Gonzaga. Paes Leme atende os anseios da população. Constrói uma casa de diretoria, próximo ao Schützenverein, e realiza uma série de obras públicas e melhorias. Contudo, o Império continua

com a ideia de povoar as colônias com imigrantes católicos. Desta forma, sem consultar a colônia, o governo passa a enviar imigrantes vindos do Norte da Itália, em 1875. Os italianos entram pelo porto de Itajaí e começam a ocupar as terras abandonadas da antiga Colônia Príncipe Dom Pedro. De acordo com o historiador Aloisius Lauth, a trilha da colonização italiana segue para o lado das nascentes do rio Itajaí-Mirim, sentido Águas Negras e Ribeirão do Ouro, em Botuverá, atingindo Vidal Ramos e Presidente Nereu. A segunda corrente de italianos se estabelece na região de Nova Trento e o terceiro, em menor quantidade, nas linhas coloniais dos bairros Poço Fundo, Santa Luzia, Moura até alcançar São João Batista.

“Dr. Luís Betim Paes Leme conseguiu lidar com as diferenças de língua da colônia. Os italianos se estabeleceram mais distantes da sede alemã, o que também contribuiu na pacificação. Além disso, a consciência nacionalista do italiano foi menor que a do alemão, sem ponto de apoio institucional senão pela própria religião católica, o que facilita a convivência”, destaca o historiador. Destaca-se a atuação de Paes Leme à frente das colônias. Ele realizou sucessivas Exposições de Produtos Agrícolas. Todo ano, os melhores produtos recebiam certificados e o colono premiado era levado para a expor seus produtos em Desterro, atual Florianópolis. “A notícia começou a se espalhar entre os colonos e foi motivo

de incentivo à agricultura familiar. Eram colônias que viviam da agricultura, comiam o que se plantava na época: o feijão, a cana de açúcar, o milho, a mandioca; e essa exposição incentivou a prática dos colonos”. Superadas todas as dificuldades étnicas, que culminaram com a partida dos colonos ingleses e poloneses, a Colônia Itajahy e Príncipe Dom Pedro, finalmente, dá os primeiros passos rumo à evolução social sob a liderança de Paes Leme. Sua administração vai até 1876, quando ele assume a direção dos Correios no Rio de Janeiro. Brusque começa a sedimentar uma sociedade com diferentes povos colonizadores, mais receptiva, aberta e plural, tal como se vê hoje.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

8

EMANCIPAÇÃO ACELERADA EM 1880, RECUPERAÇÃO PÓS-ENCHENTE NO RIO ITAJAÍ-MIRIM MOTIVOU APRENDIZADO E DESENVOLVIMENTO MAIS RÁPIDO

ED CARLOS

“FOI UM ENORME APRENDIZADO LIDAR COM AS DECISÕES DE POLÍTICAS PÚBLICAS DO RECÉM MUNICÍPIO CRIADO” Aloisius Lauth, historiador

BRUSQUENSES FUGIRAM PARA OS LUGARES MAIS ALTOS EM BUSCA DE ABRIGO

Era setembro de 1880, quando as Colônias Itajahy e Príncipe Dom Pedro foram atingidas por uma grande enchente, o rio Itajaí-mirim, cheio de curvas, rapidamente chegou a nove metros acima do nível normal e devastou grande

parte das colônias. A chuva torrencial iniciou durante a noite e, com o passar das horas, o rio foi tomando seu lugar, cujas águas foram represadas na foz do Rio Itajaí-açu. O anuário ‘Notícias de Vicente Só’,

publicado em 1983, traz o relato de Paul Hering, de Blumenau, sobre os momentos de tensão que passou em Brusque durante a ‘Hochwasser’, que em alemão quer dizer “a grande enchente”, como ficou conhecida à época. Hering pintava cenários para os teatros de marionetes que eram comuns acontecer no ‘Schützenverein’ (Clube de Caça e Tiro) quando foi surpreendido pelas águas que entraram no salão. Ele se refugia no sótão do clube, e depois é obrigado a sair por dentro da água, carregando ao colo uma criança, até encontrar um lugar para se abrigar na Cervejaria Klappoth, atual rua Rui Barbosa, no Centro. Ali, se depara com muitos atingidos da enchente que, assim como ele, também haviam fugido das águas. Em suas memórias, Hering con-

ta que as balsas de transporte de mercadorias que estavam atracadas na travessia onde hoje é a ponte estaiada se soltaram com a força das águas e foram encontradas na foz do rio. Assim como as balsas, cercas, árvores arrancadas, estábulos, ranchos e animais flutuavam rio abaixo. As águas cobriram pastos, plantações e casas ribeirinhas. Ele conta que a casa de um italiano também foi arrastada por dois quilômetros. Além do grupo que se refugiou na Cervejaria Klappoth, outras pessoas tiveram abrigo na matriz São Luís Gonzaga, no alto da colina, por alguns dias. O historiador Aloisius Lauth conta que durante a chuva torrencial, o padre Alberto Gattone pediu para o sacristão tocar o sino da igreja, hoje no Museu Azambuja, durante toda a noite para avisar a população que o rio estava enchendo. O padre também foi em busca das famílias que viviam próximas do rio e abriu a própria igreja que serviu de abrigo neste momento difícil. Mesmo assim, quatro pessoas morreram afogadas, uma delas na sede da Freguesia, conforme citou o historiador Oswaldo Cabral. A atitude do padre Gattone chegou ao Gabinete do Império e, posteriormente, ele foi homenageado pelo socorro aos flagelados da ‘Hochwasser’ de 1880. A chuva durou três dias, mas com o rio cheio de curvas e bastante lento, as águas demoraram algum tempo até baixarem totalmente. Foi preciso reconstruir toda a estrutura de estradas e pontes das colônias, o que não foi fácil, dadas as condições da época. Lauth afirma que a pouca ajuda que as colônias tiveram do Império foi o envio imediato de alguns mantimentos e a troca do ajudante de Direção e seus agrimensores.

TRANSFORMAÇÃO FORÇADA A retomada da vida após a enchente foi um processo custoso e longo. No meio do caminho, os moradores das Colônias Itajahy e Príncipe Dom Pedro foram surpreendidos pela decisão da Assembleia Legislativa da Província de Santa Catarina que transformou as colônias no município de São Luiz Gonzaga, em 23 de março de 1881, seis meses depois da grande enchente. Porém, essa não era a vontade da população. As colônias ainda não haviam se recuperado totalmente da enchente e, por isso, mesmo sendo da vontade do Império, a emancipação do novo município se dá somente em meados de 1883. “Uma recuperação dessas não acontece em menos de dois anos. Na lavoura, perdeu-se tudo, inclusive o solo. A enchente foi um fato marcante e por esse fato se atrasa a emancipação e a formação do novo município de Brusque”, observa Lauth.

Quase três anos após a enchente, foi possível dar continuidade ao processo de emancipação política e administrativa da Colônia, que havia sido determinado pelo Império, que era quem custeava a colonização da Freguesia São Luís Gonzaga. Assim, foi construída uma sede para a Câmara de Vereadores e, em 8 de julho de 1883, o presidente da Câmara de Vereadores de Itajaí, Luis Fortunato Mendes, e o secretário, Francisco Vitorino da Silva, dão posse à primeira Legislatura da Câmara de Vereadores do município de São Luís Gonzaga. “Não comparece nenhuma autoridade da Assembleia Legislativa ou da província, somente o presidente da Câmara de Itajaí e o secretário para o registro da ata de instalação. Itajaí queria se livrar das colônias do interior depois da enchente, porque também foi afetada e não dispunha de recursos para recuperação, então a posse foi feita às pressas”, destaca Lauth.

Durante o Império Brasileiro, as Câmaras é que administravam os municípios. Os sete vereadores de Brusque foram eleitos em maio de 1883. Neste período, anualmente tinha eleição entre os vereadores para eleger o presidente da Câmara, que exerceria a função de Executivo, e os demais vereadores atuavam como conselheiros. “A colônia não tinha experiência para isso. Foi um enorme aprendizado lidar com as decisões de políticas públicas do recém município criado. Os tomadores de decisão na freguesia eram pequenos comerciantes e gente do transporte de cargas fluvial, que detinham mais dinheiro e que tiveram que assumir as rédeas do município. Agora, tinham que consertar toda a infraestrutura da ex-colônia”. De início, a Câmara adota o Código de Postura de Itajaí e, a partir de então, começa a agir e tomar conta da população, que não ultrapassava os oito mil habitantes. A prin-

cipal atividade econômica ainda era a extração de toras de madeira, carregadas até o rio e levadas de balsa para o porto de Itajaí. Apesar de pouca experiência, os vereadores conseguiram superar este desafio. Lauth afirma que, à época, 63% do orçamento anual era dedicado a reformas e obras na estrutura do município, dentre pontes, estradas e vias vicinais. “Não se tem notícia de que eles foram mal, ou que foi uma administração fraca e ruim. Parece que deram conta, assumiram as atuais necessidades da população. Eles correram atrás, foram empreendedores e decisivos. A enchente é um fenômeno ambiental, mas o grande impacto dela é sobre as pessoas da Colônia, e de como elas se organizaram para as soluções, e a Câmara inexperiente não correu da raia. A melhor prova disso é a mudança do eixo econômico de Brusque nos anos seguintes, com o início das atividades têxteis”.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

PARABÉNX

BRUXQUI 160

A

A M A E T T BEX

9


terça-feira, 4 de agosto de 2020

10

VIRADA ECONÔMICA PÓS-MONARQUIA TRANSIÇÃO A PARTIR DE 1889 TROUXE CONFLITOS POLÍTICOS, MAS CONTRIBUIU PARA URBANIZAÇÃO E INDUSTRIALIZAÇÃO

CASA DE BRUSQUE E BRUSQUE MEMÓRIA/DIVULGAÇÃO

Em 23 de novembro de 1889, a Câmara da então vila de São Luiz Gonzaga, presidida por Guilherme Krieger Júnior, se reúne em sessão extraordinária para deliberar sobre um telegrama informando a saída de Pedro d’Alcântara (Dom Pedro II) do poder. Na sessão, Krieger consulta os vereadores se eles reconhecem o governo republicano, proclamado dias antes, em 15 de novembro. O novo regime de governo do país é aceito por unanimidade entre os vereadores. A transição do Império para a República, entretanto, não será tão tranquila na vila. Em janeiro de 1890, a Câmara de Vereadores é extinta e, em seu lugar, é criada a Intendência Municipal, com outras pessoas assumindo o poder. No dia 7 de janeiro, primeira

“O GUILHERME KRIEGER NÃO SABIA DE NADA, NÃO RECEBEU O OFÍCIO. QUEM RECEBEU FOI CARLOS RENAUX. MAS GUILHERME KRIEGER NÃO ACEITA E SE RECUSA A REPASSAR O CAIXA E O ARQUIVO DA CÂMARA PARA A NOVA INTENDÊNCIA” Aloisius Lauth, historiador

sessão do ano, foi realizada a escolha do presidente da Câmara que, até então, exerce também a função de prefeito. Na eleição, Guilherme Krieger é reconduzido ao cargo, tendo Jorge Boettger como vice-presidente. O mandato de Krieger como administrador da vila, porém, durou pouco, apenas seis dias. Ele ainda chegou a presidir normalmente a sessão do dia 13 de janeiro. No dia seguinte, foi oficializada a dissolução da Câmara e criada a Intendência Municipal, tendo sido Carlos Renaux eleito presidente do Conselho de Intendência. A mudança ocorre de forma conflituosa, pois Krieger foi surpreendido com a nova determinação. No dia 8 de janeiro, o dia seguinte à eleição de Krieger, Renaux, que era republicano, recebe um ofício do governador da província, Lauro Muller, informando que havia declarado que o município de São Luiz Gonzaga teria nova denominação e que a atual Câmara, então, monarquista, estava extinta. E assim aconteceu. Em 14 de janeiro, a República faz prevalecer sua autoridade, instalando a

Intendência Municipal. Surge o município de Brusque em 17 de janeiro de 1890. O nome é em homenagem ao Conselheiro Francisco Carlos de Araújo Brusque, presidente da Província de Santa Catarina no período da fundação da Colônia Itajahy. A transição de regime deu início ao conflito de dois grandes líderes: Carlos Renaux e Guilherme Krieger, rivalidade que ficou marcada na política brusquense até 1915. “O Guilherme Krieger não sabia de nada, não recebeu o ofício. Quem recebeu foi Carlos Renaux. Mas Guilherme Krieger não aceita e se recusa a repassar o caixa e o arquivo da Câmara para a nova intendência”, destaca o historiador Aloisius Lauth. Em artigo de Ayres Gevaerd no anuário “Notícias de Vicente Só”, em 1977, há a transcrição da ata da sessão do dia 14 de janeiro, em que Guilherme Krieger envia um ofício aos intendentes dizendo que os membros da extinta Câmara não têm que entregar os arquivos e demais pertences, “visto que o archivo se acha sob a responsabilidade do secretário e a caixa de administração, do procurador da Câmara onde vos devereis ter-se dirigidos para os fins que desejáveis alcançar”. O desentendimento foi solucionado e tão logo conseguiram, os intendentes Carlos Renaux, Frederico Klappoth, João Bauer, Adriano Schaefer e Eduardo von Buettner criaram uma comissão para analisar as contas da Câmara, que não encontrou irregularidades. A primeira eleição popular dentro do regime republicano seria realizada somente em 30 de agosto de 1891. Carlos Renaux é eleito superintendente municipal com 57 votos. Ele já tinha grande influência política, e seria eleito para compor a Assembleia Constituinte de Santa Catarina no ano seguinte.

BRUSQUE É RECONHECIDA

RIVALIDADE ENTRE RENAUX E KRIEGER PERMANECEU ATÉ 1915

De acordo com Lauth, a Revolução Federalista - a guerra civil que ocorreu no sul do Brasil, após a Proclamação da República entre 1893 e 1895 -, alternou diversos conflitos entre maragatos e pica-paus, sendo determinante para que o município de Brusque fosse reconhecido no estado catarinense. Tropas revolucionárias passavam por Brusque para chegar a Itajaí ou a Blumenau e, muitas vezes, ficavam acampadas por dias nas terras pertencentes a João Bauer, hoje centro da cidade. “Cada vez que havia uma notícia que um grupo de rebeldes chegava na cidade, as famílias mais abastadas que tinham alguma relação com a Câmara, fugiam para a região de Azambuja, o Cedro Grande e as terras da família Hoffmann, hoje Chá-

cara Edith”, conta Lauth. “É somente a partir desses movimentos revolucionários que a colônia Brusque, embora emancipada oficialmente em 1883, passa a ter sua consciência de município. É preciso se posicionar frente ao destino do lugar. Até então, a Câmara era apenas a consequência de um modelo de governo da Monarquia. Com a República, porém, e todos os conflitos revolucionários, é preciso mudar essa governabilidade. O fato de Carlos Renaux ser eleito para a Constituinte do Estado, e os movimentos revolucionários cortarem nosso território, põem Brusque em lugar de destaque. Agora, pode-se afirmar que a região do Vale do Itajaí tem três cidades: Blumenau, Itajaí e Brusque”, analisa.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

11

MUDANÇA NA ECONOMIA atividade econômica da cidade, monopolizando a produção por décadas seguintes. “Mudou-se essa visão de sobrevivência dos tempos coloniais, baseado em produto agrícola e exploração da madeira, e agora começa um período novo de indústria”. Lauth destaca que esse modelo de produção industrial marca também o início da urbanização do centro de Brusque. “A industrialização passa por um caminho de urbanização, e traz consequências para a vida econômica do lugar. O colono passa a ser ‘operário’ de manhã e ‘colono’ à tarde. A maior parte dos colonos de então quer ir pra fábrica para ter dinheiro e, depois à tarde, poder trabalhar em sua roça e vaquinha de leite para o sustento da família”. Nos próximos anos, a produção têxtil, com outras duas grandes fábricas: a Buettner Indústria e Comércio (1898) e a Cia Industrial Schlösser (1911) é quem vai ditar os rumos da cidade e contribuir significativamente para o perfil de Brusque moderna.

ACERVO PAULO KONS

É neste período conturbado de transição da Monarquia para República que Brusque dará também os primeiros passos para a virada econômica. Em 1889, o comerciante Carlos Renaux recebe uma proposta para abrir uma fábrica em Brusque, o que foi concretizado em março de 1892, quando surge a Fábrica de Tecidos Carlos Renaux, em sociedade com Augusto Klapoth e Paul Hoepcke, que logo saíram do negócio. Os primeiros operários são alguns imigrantes poloneses que tinham entrado pela colônia do Dr. Blumenau, e migrado para uma linha colonial da Peterstrasse, em Guabiruba, reclamando das condições agrícolas. Anteriormente, em 1890, o negociante João Bauer já havia tentado abrir uma fábrica têxtil em Brusque, mas não deu certo. Renaux conseguiu, impulsionado pelo trabalho desses imigrantes poloneses provenientes de Lodz, que tinham experiência no ramo têxtil, os chamados “Tecelões de Lodz”. Aos poucos, surge uma nova

CRIAÇÃO DA FÁBRICA DE TECIDOS CARLOS RENAUX MARCA A VIRADA ECONÔMICA DE BRUSQUE


terça-feira, 4 de agosto de 2020

12

RESILIÊNCIA EM MEIO ÀS MUDANÇAS BRUSQUE MEMÓRIA/DIVULGAÇÃO

PROIBIÇÃO DA LÍNGUA ALEMÃ FECHA ESCOLAS E MUDA ROTINA NA CIDADE, MAS POPULAÇÃO CONSEGUE SE ADAPTAR

ESCOLA EVANGÉLICA ALEMÃ, ATUAL COLÉGIO CÔNSUL CARLOS RENAUX, FOI PROIBIDA DE FUNCIONAR DURANTE A PRIMEIRA GUERRA

Em questão de meses, a vida dos moradores de Brusque mudou completamente. A cultura alemã, com forte influência na rotina da Vila São Luiz Gonzaga, desde a chegada dos primeiros imigrantes em 1860, foi silenciada. Toda a população ficou apreensiva e qualquer ocorrência na sede causava retirada das famílias mais receosas para o interior. As celebrações de missas e cultos, as atividades sociais, as aulas nas escolas e até o jornal ‘Brusquer Zeitung’ foram proibidos de circular em língua alemã. De repente, em 1917, os alunos das escolas particulares da cidade - a católica e a evangélica - foram transferidos para a escola pública, onde deveriam

“VEMOS AQUI A CAPACIDADE DO POVO BRUSQUENSE EM SE ADAPTAR, ELE BAIXA A VOZ POR UM PERÍODO, MAS NÃO SE DEIXA DOMINAR PELOS CONSTRANGIMENTOS POLÍTICOS, E VOLTA COM MAIS FORÇA NOS ANOS SEGUINTES” Aloisius Lauth, historiador

aprender o idioma português, com professores brasileiros contratados. Até aquele momento, os estudantes eram alfabetizados em alemão e, no ato, as duas escolas foram proibidas de funcionar. Há relatos de que alunos que já estavam no sexto ano escolar tiveram que entrar na primeira série da escola pública, apenas para aprenderem o idioma pátrio. Alguns, com mais dificuldade de aprendizado, eram castigados por seus professores, seguindo os rigorosos padrões pedagógicos da época. Igualmente, a rotina nas igrejas foi modificada. Os sermões e homilias, antes em alemão ou italiano, passaram a ser em por-

tuguês, por padres e pastores que nem sempre eram os melhores oradores na língua pátria. Não bastasse, todos os padres católicos alemães com alguma função administrativa dentro da igreja perderam seus cargos. Em Brusque, o padre Gabriel Lux, que era o administrador da Santa Casa de Misericórdia de Azambuja, perde o cargo e a partir daquele momento, o comando de Azambuja recai às mãos das Irmãs da Divina Providência. A vida social, econômica e cultural do brusquense vai se transformar rapidamente. Foi preciso se adaptar e esquecer por algum tempo a cultura alemã pela qual se tinha tanto apreço. A influência alemã sobre a Colônia de Brusque tem raízes desde sua fundação. No Centro, prevalecia o idioma germânico, as conversas eram em alemão, os negócios se faziam em alemão, a contabilidade era em alemão, e muitas vezes, inclusive, em alemão gótico. “Há livros de registros no arquivo da Fábrica Renaux que estão em alemão gótico, tratando tanto das atividades técnicas quanto dos negócios. Os primeiros documentos da Sociedade Beneficente da avenida Primeiro de Maio; da Santa Casa de Misericórdia (atual Hospital Azambuja) e do Clube Ipiranga também estão escritos em alemão gótico. Apesar da Revolução de 1892, a Província de Santa Catarina não efetivou ações para integrar as zonas de colonização do Vale do Itajaí; por isso, no início do século 20, a sociedade da Vila Brusque gira em torno da cultura alemã”, destaca o historiador Aluisius Lauth. Era comum os moradores de Brusque receberem visitas da Alemanha, mantendo assim a ligação com a terra natal. Em 1905, em uma dessas visitas, o cruzador alemão Panther aporta no porto de Itajaí. Os tripulantes oficiais e marujos visitam Brusque, Blumenau e Itajaí. Na saída, um dos marinheiros foge da embarcação e é encontrado em um hotel em Itajaí. Uma patrulha alemã vai resgatá-lo e decide trazê-lo algemado à borda. O delegado de Itajaí, entretanto, não concorda com a interferência em seu distrito policial. Para ele, em terras brasileiras, nenhum estrangeiro pode prender um cidadão, mesmo sendo ele um estrangeiro. O caso vai parar na embaixada e chama a atenção do Governo da República, que já começava a perceber a ameaça da forte influência alemã no Sul do país. “Esse fato ajuda a formar o pressentimento de que no Sul existia o perigo de separação do Brasil. Na capital federal, eles entendem que os alemães poderiam ser um perigo para a integração do território. Porém, há pouca evidência de que os nossos alemães desejassem a criação de um Estado Alemão no território de colonização”, destaca Lauth.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

DECLARAÇÃO DE GUERRA IMPULSIONA O SENTIMENTO A forte presença da cultura germânica no sul do país e, principalmente, no Vale do Itajaí, é fruto do processo de colonização do território, agravado pelo isolacionismo econômico e social de outras terras brasileiras. Não havia, no entanto, interesses em separatismo. Desta forma, com o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, a vida brusquense segue seu rumo normalmente, dentro das possibilidades sociais e os moradores apenas se mantêm atentos ao que acontece na Alemanha. O sentimento na capital da República, entretanto, era outro. Havia a ideia do chamado “perigo alemão”. A República acreditava que os descendentes de alemães que viviam em Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul importavam centenas de armas de fogo e as cidades de Brusque, Blumenau e Joinville eram apontadas como centros de concentração das

forças teuto-brasileiras que, em certo momento, atacariam as forças nacionais, conforme publicação do jornal Gazeta do Commercio, em junho de 1917. É nessa época que surgem as primeiras iniciativas do governo federal para mudar a realidade das cidades colonizadas pelos germânicos. Em dezembro de 1916, o general Luiz Barbedo faz uma visita a Brusque e decide criar o Tiro de Guerra. São escolhidos 68 rapazes para a primeira turma, a maioria, de descendência alemã. O principal objetivo era ensinar o sentimento de pátria brasileira aos brusquenses. Até o momento, a cidade não festeja as datas nacionais, como o dia da Independência e a República. De acordo com Lauth, o que se comemorava em Brusque era o aniversário do Kaiser alemão, com celebração religiosa e festa no clube de Caça e Tiro. Tinha ainda a

festa popular de três dias da Páscoa e todas as festas religiosas de Natal, acompanhadas de muito folclore germânico. Em outubro de 1917, com a declaração de guerra do Brasil contra a Alemanha, a nacionalização ficou ainda mais evidente. O estopim, que abriu o processo de abrasileiração da sociedade brusquense, foi a publicação de três leis municipais no idioma alemão e não em português. Era comum a publicação de atos oficiais em língua alemã para melhor se entender com a população local. “Em questão de meses as mudanças aconteceram. De repente, proíbe-se o uso da língua alemã e é preciso se adaptar. Foi um golpe na vida do brusquense, talvez a maior crise histórica para a população, mas que dela resulta, por sua coragem e esforço coletivo, no maior avanço social e econômico dos anos seguintes”, diz o historiador.

13

LÍNGUA ALEMÃ RESSURGE O fim da guerra, em novembro de 1918, traz de volta, lentamente, a cultura alemã, que renasce em atos sociais em Brusque, agora no respeito aos símbolos nacionais e os novos atos cívicos. O maior deles, o desfile de 7 de setembro, com todos os estudantes uniformizados; o entoar do hino nacional brasileiro em frente à prefeitura, o hasteamento das bandeiras e a declamação de poesias brasileiras se tornam costume da cidade. As lembranças da guerra ficam no passado. As missas e cultos voltam a ser realizados no idioma germânico. A escola da comunidade evangélica retorna em 1921, e o som de conversas no idioma alemão volta a ser ouvido nas ruas, no interior das casas, e estabelecimentos de negócio de Brusque. “Nós não esquecemos a língua alemã na guerra. Esse fenômeno nacionalizador é muito rápido, mas não extingue os valores culturais germânicos da sociedade. Vemos aqui a capacidade do povo brusquense em se adaptar, ele baixa a voz por um período, mas não se deixa dominar pelos constrangimentos políticos, e volta com mais força nos anos seguintes”.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

14

CRESCIMENTO NA INSTABILIDADE REVOLUÇÃO DA DÉCADA DE 30 TRAZ MISÉRIA E IMPULSIONA O POVO A SE UNIR POR MELHORES CONDIÇÕES SOCIAIS

SALA BRUSQUE VIRTUAL/DIVULGAÇÃO

minou com a deposição do presidente da República, Washington Luís, em outubro, e impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes, do Partido Republicano, pondo fim à República Velha. O líder central deste período é o militar gaúcho Getúlio Vargas, da Aliança Liberal. Ele perdeu as eleições presidenciais de 1º de março de 1930. Em Brusque, Getúlio recebeu 387 votos, contra 600 de Prestes, que foi o vencedor. Já eleito, Prestes se manifesta a favor do movimento bolchevista em uma reunião na Argentina e os militares brasileiros decidem partir para a revolução, apontando o assassinato de João Pessoa, presidente da Paraíba, como motivo. A revolução inicia no Rio Grande do Sul, liderada por Getúlio Vargas, e se expande para Santa Catarina no dia 5 de outubro, com tropas a caminho da capital federal. “Na opinião destes militares, todos os municípios que apoiaram Júlio Prestes na eleição deveriam ser ocupados. Em Brusque, o prefeito é Augusto Bauer.

“NA OPINIÃO DESTES MILITARES, TODOS OS MUNICÍPIOS QUE APOIARAM JÚLIO PRESTES NA ELEIÇÃO DEVERIAM SER OCUPADOS” Aloisius Lauth, historiador

BRUSQUE MEMÓRIA/DIVULGAÇÃO

13 de outubro de 1930. Augusto Bauer é deposto do cargo de prefeito de Brusque pelo batalhão Coronel José Severiano Maia, sob o comando da tropa do coronel Pedro Kuss, de Florianópolis. A deposição do prefeito é pacífica e ordeira, e, no ato, é nomeado Rodolfo Victor Tietzmann pelo governo federal para assumir a função. Logo depois, em 1937, a cidade tem mais um prefeito deposto: Adolfo Walendowsky, que ocupou o cargo por menos de um ano. Ele é substituído interinamente por Henrique Bosco, até a posse do prefeito nomeado Arthur Germano Risch, que administra Brusque até março de 1940. A década de 1930 representou um novo tempo de insegurança para os moradores e para a política local, que passa a ser fortemente influenciada pelos acontecimentos nacionais. Liderada pelos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, o movimento armado denominado ‘Revolução de 1930’, cul-

Torna-se vítima da revolução e deposto no dia 13 de outubro de 1930”, destaca Lauth. O Batalhão Maia aproxima-se de Brusque com 35 homens armados, com ordens expressas de depor o prefeito. Três dias depois, aparece um segundo batalhão na cidade. “A deposição de Bauer é pacífica, não poderia ser diferente diante de tanta gente armada. Além do prefeito, o batalhão também perseguiu o delegado de polícia Luis Carlos Gevaerd, que havia passado correntes na ponte Vidal Ramos para impedir a invasão. Não há informações sobre sua prisão. Quando ele soube das tropas na cidade, pegou a família, atravessou o rio e foi morar na fazenda Hoffmann, região onde hoje está a Chácara Edith”. De acordo com o historiador, a revolução representou uma ameaça à integridade das pessoas, e trouxe medo, apreensão e insegurança para a vida da cidade que, de repente, se viu com a presença de dois batalhões fortemente armados. “A cidade nem soldado treinado tem, quanto mais uma linha de formação de tiro, tão ordeira e pacífica era”, diz.

NESTE PERÍODO, SURGE O NOVO PRÉDIO DO HOSPITAL AZAMBUJA

CRISE ECONÔMICA MUNDIAL

AUGUSTO BAUER E ADOLFO WALENDOWSKY NÃO CUMPRIRAM SEUS MANDATOS À FRENTE DA PREFEITURA DE BRUSQUE

Paralelo às intervenções em Brusque pela política nacional, o país enfrentou a tragédia da quebra da bolsa de valores de Nova York, em 1929. Os Estados Unidos eram o maior comprador do café brasileiro mas, com a crise, a importação do produto diminuiu muito e os preços caíram. Para tentar reduzir os impactos da crise econômica nacional, o governo de Getúlio Vargas comprou e queimou toneladas de café destinados à exportação. A crise que se instalou no país representou sérios problemas

econômicos aos pequenos municípios e forte impacto na indústria têxtil de Brusque, que destinava praticamente toda a produção para o porto de Santos. “A população fica mais pobre. As fábricas não têm desempregados, mas não há ganhos econômicos reais no período, o preço da produção baixa muito. Há dificuldades na negociação de tecidos no Porto de Santos e isto vai afetar também o custo de vida e os salários dos operários. Temos um tempo de pobreza que atravessa anos à frente”.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

FUNDAÇÃO DO SINDICATO TÊXTIL É neste período conturbado que, em 1932, o ministro de Getúlio Vargas, Lindolfo Collor, cria as primeiras leis de proteção trabalhista, que têm forte impacto na indústria. Fica estabelecido o registro de contrato de trabalho e de salário registrado, salário mínimo, jornada de trabalho de oito horas, com descanso remunerado e a proteção a mulheres grávidas com afastamento do trabalho. Inicialmente, os operários não aprovaram a nova legislação, pois ganhavam salário por produção e se ocupavam por 12 horas na fábrica, seis dias por semana. As leis eram entendidas como diminuição de ganhos. A conversa sobre a nova legislação foi discutida na diretoria da ‘Sociedade Pomerânia’, hoje Sociedade Beneficente, que tinha se reunido para organizar as comemorações do ‘Dia do Trabalho’. No baile, os operários

criaram a ‘Liga Operária Brusquense’ para discutir a questão com os patrões. A liga evoluiu para a formação de um sindicato de operários, que é aprovado em 22 de junho de 1933. “A greve de resistência à legislação getulista e a formação do sindicato vai alimentar as campanhas políticas do novo partido Integralista, de Plínio Salgado. Ele vem a Brusque em várias ocasiões para consolidar a primeira ‘Cidade Integralista’. Dessa sua pregação por uma organização social sem conflito com os patrões resulta na eleição de Adolfo Walendowsky para prefeito de Brusque, em 1937, e logo depois em sua deposição pelo governo getulista, através da extinção dos partidos políticos”. A cassação do partido Integralista e a deposição de Adolfo Walendowsky origina na classe operária o sentimento de frustração pela proteção legal ao operário têxtil.

De acordo com Lauth, a fundação do Sindicato dos Trabalhadores Têxteis de Brusque ficará marcada desde sua criação pelo atendimento social ao operário, inicialmente com cooperativismo na compra de alimentos básicos e, posteriormente, na aquisição de remédios e na realização de exames médicos. “O sindicato operário assume em Brusque o papel previdenciário da saúde, que o governo federal não conseguiu implementar, consolidando-se rapidamente em 1942 na inauguração de sua sede própria. Em contraposição, sua criação é fruto da miserabilidade operária de Brusque nos anos 30, como reação da classe proletária que toma consciência de seu papel na sociedade”. Nesta época, a pirâmide social de Brusque se definia por três classes: o operário, o pequeno agricultor e o empresário têxtil, os grandes atores do progresso da cidade.

15

NOVO PRÉDIO PARA O HOSPITAL É desse período que surge outra grande obra em Brusque: a construção do novo prédio do Hospital da ‘Santa Casa de Misericórdia de Azambuja’, por iniciativa de Cônsul Carlos Renaux. O hospital tinha entrado em colapso pela falta de dinheiro, comida e remédio para atender os mais de 400 doentes vindos de toda região. O prédio abrigava, ainda, o seminário diocesano, o “hospício de alienados mentais” e o asilo de idosos. Estava superlotado e não tinha como continuar o acolhimento e o tratamento médico. Carlos Renaux negocia a construção com o arcebispo de Florianópolis, Dom Joaquim D. de Oliveira, que doa o terreno e o industrial banca a construção do prédio, com projeto do engenheiro da Fábrica Renaux, Eugen Rombach, tendo estrutura de dois andares

de quartos, consultórios e salas cirúrgicas. O novo prédio foi inaugurado em dezembro de 1985. O historiador destaca que, mesmo durante período de miserabilidade da população brusquense, ainda existiu o espírito de solidariedade humana como parte do enfrentamento da crise, exemplificada tanto na construção da sede do sindicato quanto no novo hospital. “Obras memoráveis de um empresário líder que marcou a sociedade de Brusque por longa data. Que não se esqueça também a fraternidade do povo simples, da Associação das Senhoras de Itajaí, da Associação das Senhoras Evangélicas e da Sociedade Cultural Cônsul Carlos Renaux. A revolução getulista delega à cidade, portanto, o espírito de fraternidade que une toda a sociedade brusquense”.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

16

LIBERDADE PÓS-NACIONALIZAÇÃO APÓS NOVA FASE DE RESTRIÇÕES AOS COSTUMES, SOCIEDADE BRUSQUENSE RESSURGE MAIS RICA E INDUSTRIALIZADA

“À NOITE, A POLÍCIA SAIA À CAÇA DESSAS PESSOAS E QUANDO ENCONTRAVA, LEVAVA O APARELHO DE RÁDIO EMBORA, JUNTO COM DISCOS E QUALQUER OUTRA COISA QUE FIZESSE REFERÊNCIA À CULTURA ALEMÔ Aloisius Lauth, historiador

governo brasileiro. Nesse período, a população de Brusque acompanha de perto o avanço do “National Sozialistische”, nos discursos proferidos por Adolf Hitler, de 1932 a 1935. “O líder deseja, de fato, um pedaço do Sul do Brasil para estender o império alemão. Contudo, nosso pessoal não se manifesta a favor, apenas reconhece e ouve os seus interesses e se perturba socialmente, pois será mais um conflito armado a acontecer em Brusque”, explica Lauth. A publicação do decreto por Getúlio Vargas iniciou uma nova fase de nacionalização no Brasil. As escolas são obrigadas a adotarem nomes brasileiros; só brasileiros natos podem ocupar cargos de direção; as instituições só podem dar as aulas em português, entre outras regras. As celebrações nas igrejas também são afetadas, assim como durante a Primeira Guerra. Associações culturais e recreativas são fechadas. Em Brusque, o Caça

ERICO ZENDRON/CURTO FOTOS ANTIGAS DE BRUSQUE

A publicação do Decreto 868, de 18 de novembro de 1938, traz de volta a proibição de línguas estrangeiras, sobretudo no Sul do país. A nova lei de Getúlio Vargas outra vez altera a rotina de Brusque, que ainda tem forte influência da cultura alemã. O período de nacionalização durante a Primeira Guerra Mundial não foi suficiente para apagar os vestígios do país germânico na cidade. Após o fim da guerra, a cultura alemã retorna com ainda mais vigor. Brusque se torna rota das cidades do Vale e passa a receber comitivas de oficiais alemães. Em 1934, a cidade recebe a visita dos marinheiros do Cruzador alemão ‘Karlsruhe’, e acolhe a tripulação com jantar, desfile e visitas às instalações da prefeitura. Também são realizados jogos na ‘Sociedade Ginástica’, atual Sociedade Esportiva Bandeirante, entre os alemães de origem e os alemães de Brusque. Essa integração da identidade cultural faz ressurgir a preocupação no

EM 1938, A ESCOLA EVANGÉLICA DE BRUSQUE (ATUAL COLÉGIO CÔNSUL) TEVE O NOME ALTERADO PARA GRUPO ESCOLAR ALBERTO TORRES DEVIDO AO PERÍODO DE NACIONALIZAÇÃO. NA FOTO, TURMA DE 1943

e Tiro deixa de funcionar de 1942 e 1948. Torna-se rígida a fiscalização das novas regras feita pelos militares do Exército. A vigilância é bastante forte e quem falava alemão, ou outro idioma, era denunciado e preso. “Ia para a cadeia, os militares o faziam desfilar na rua, algemado, a pé, para servir de exemplo para os outros. Há relatos de que alguns deles eram obrigados a tomar óleo cozido como castigo”. As denúncias são constantes, principalmente por parte de vizinhos, que informam as famílias que escutavam a ‘Deutsche Welle’ rádio alemã de notícias. “À noite, a polícia saia à caça dessas pessoas e quando encontrava, levava o aparelho de rádio embora, junto com discos e qualquer outra coisa que fizesse referência à cultura alemã”. De acordo com Lauth, é a partir deste período que o idioma alemão começa a ficar enfraquecido em Brusque. “As famílias deixam de ensinar o alemão para seus filhos, que já são brasileiros. A nacionalização promovida por Nereu Ramos em Santa Catarina faz surgir a vergonha da língua e do folclore alemão. Falar alemão se torna um ato vergonhoso para as famílias de Brusque”. Nesta fase há também o receio que vai aflorar quando o Brasil entra na guerra, em 1942. O medo das famílias é de que tivessem que ir para a Alemanha lutar contra os próprios alemães, embora não houvesse nenhuma manifestação de apoio aos ideais de construir um novo império alemão no Sul do Brasil. O exército faz o alistamento obrigatório, principalmente nas zonas de colonização que, na visão do governo, precisavam ser nacionalizadas. “Vários jovens fugiram de Brusque durante este período para não se alistarem. O grande problema é o medo, o receio da guerra e a consequência de um conflito étnico”. De Brusque, partiram para a guerra 47 soldados alistados e uma dezena de soldados aquartelados em Itajaí. Hoje ainda vivem Arnoldo Lana - último pracinha -; e Primo João Gilli, ex-soldado do Exército. Ao fim da guerra, a cidade tenta voltar às origens étnicas, mas passados quase sete anos do nacionalismo, a sociedade brusquense já não é mais a mesma, rumando por novos caminhos. “Assim, perdeu-se muita coisa em termos de valores étnicos e culturais. O Caça e Tiro, por exemplo, só reaparece em 1948, perde os sócios, não tem diretoria, não consegue se organizar para a festividade de Rei do Tiro e o baile de Páscoa. Porém, é lembrado por ocasião das primeiras Fenarreco, em 1986. O ‘Bandeirante’ a mesma coisa, praticamente inerte, vai reacender com a preparação dos Jogos Abertos de Santa Catarina, a partir de 1953”. A sociedade brusquense mudou nas décadas seguintes, mas é possível notar hoje que as raízes nunca foram esquecidas.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

17

PRIMAVERA BURGUESA jas, a Casa do Rádio, Lojas Krieger, Hermes Macedo, Pernambucanas e a Loja Renaux”. Os diários abrem uma página para os destaques da coluna social. Surgem os primeiros carros, as Aero Willys dos empresários, e as férias de verão à beira-mar de Cabeçudas e Balneário Camboriú. A sociedade industrial contempla pessoas de recursos que exigem novos hábitos de vida, tal como a criação de uma rádio, a Rádio Araguaia e o jornal O Município, que ainda hoje fazem história. Lauth lembra também da contribuição do industrial Guilherme Renaux na fundação da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) , se consolidando como uma grande liderança estadual. É de Renaux a iniciativa de sediar um núcleo de Aprendizagem Industrial para atender a legislação trabalhista que, em poucos anos, alcança a criação do Lafite, como maior laboratório têxtil brasileiro, já em 1972. “Esta é uma fase interessante na história da cidade, pois perdemos a língua de origem, mas ganhamos esse grau de liberdade social, que dá conforto e alívio após todo um período de medo. Pela primeira vez, Brusque se torna uma cidade de gente rica”.

JAQUELINE KÜHN/CURTO FOTOS ANTIGAS DE BRUSQUE

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, entra em cena um novo fenômeno em Brusque, chamado pelo historiador Aloisius Lauth de “primavera burguesa”, que culmina com o surgimento de uma nova classe social na cidade. Durante a guerra, a indústria têxtil continuou ativa. Apesar de todas as dificuldades, a guerra criou oportunidade do têxtil brasileiro abastecer de tecidos a América Latina, a Europa e a África, graças ao fato de Estados Unidos e Inglaterra, grandes países exportadores têxteis, estarem envolvidos no conflito. As famílias do alto escalão das fábricas, gerentes e diretores, começam a ter mais dinheiro. Surgem, então, os novos clubes, restaurantes e cafés, destinados à convivência dessas famílias, que têm um poder aquisitivo melhor do que a classe operária. ‘Carlinhos Bar’ e ‘Café Pigalli’ se tornam referência no centro da cidade. “É um fenômeno social das sociedades industriais. Perde-se o medo que se tinha da guerra, e se ganha um grau de liberdade. As atividades sociais retornam, os clubes voltam a ter bailes, como o ‘Clube 1020’, em Águas Claras. Já no início dos anos 50 surgem as novas lo-

ERA COMUM A CIDADE RECEBER A VISITA DE MARINHEIROS ALEMÃES NA DÉCADA DE 1930, O QUE CHAMAVA A ATENÇÃO DO GOVERNO BRASILEIRO


terça-feira, 4 de agosto de 2020

18

ARQUIVO RAULINO REITZ

“O RESULTADO DO DESMATAMENTO TRANSFORMARÁ OS MORROS DE BRUSQUE NOS ANOS 50 EM ÁREAS COMPLETAMENTE PELADAS” Aloisius Lauth, historiador

SOLUÇÃO ENCONTRADA PELOS ESTUDIOSOS FOI O DESMATAMENTO DOS ARREDORES DA CIDADE

FONTE DE DESCOBERTAS CIENTÍFICAS EPIDEMIA DE MALÁRIA EM BRUSQUE DEU ORIGEM A ESTUDO QUE SE TORNOU REFERÊNCIA NO CONTROLE DA DOENÇA

Na década de 40, a Fábrica de Tecidos Carlos Renaux paralisou várias máquinas da seção de fiação, tecelagem e tinturaria por falta de operários no trabalho. Os trabalhadores não conseguiam cumprir os turnos pois ficavam doentes. Era a malária. A doença parasitária cria ciclos típicos de febre, traz calafrios e muito suor, faz doer as articulações e, em alguns casos, causa vômitos e convulsões periódicas. O surto da doença na cidade durou alguns anos. No livro “Flagelo da Malária em Brusque”, Aloisius Lauth relata que no inverno de 1942, 40% a 42% dos tecelões e

fiandeiros da Fábrica Renaux não compareciam ao turno devido à febre intermitente, provocada pelo surto de malária na cidade. Além da fábrica, o Seminário de Azambuja também sofreu bastante com a doença, tanto que no começo dos anos 40, as Irmãs da Divina Providência alertaram a Arquidiocese de Florianópolis sobre o grande número de seminaristas doentes. De acordo com o livro, com a doença se espalhando rapidamente, as autoridades iniciaram uma campanha de erradicação, porém, em 1944, a malária já ha-

via atacado de 60% a 70% da população da cidade, uns com mais intensidade do que outros. A campanha visando a erradicação da malária na cidade consistia na caça de mosquitos e insetos indefinidos, dentro e fora das casas. A Fábrica Renaux contratou um engenheiro para drenar o solo ao redor da fábrica, na avenida Primeiro de Maio, o que deu origem à lagoa acima da tinturaria de fios. Também foi instalado o Serviço Nacional da Malária, no centro de Brusque. Essas ações, entretanto, não foram suficientes para erradicar a doença no município. Brusque

ainda foi considerada um grande foco de malária. Nesta altura, a doença não era exclusividade da região próxima ao seminário e a fábrica, havia se espalhado para toda a cidade e também municípios vizinhos como Blumenau, Itajaí, Ibirama e Tijucas. Lauth destaca que o litoral catarinense, de São Francisco do Sul a Laguna, foi mapeado como ‘Zona de Malária’ pelo Ministério da Saúde. Como Brusque foi uma das cidades mais atingidas pela doença, foi instalado um centro de pesquisa e um laboratório do Serviço de Malariologia, dirigido pelo Ministério da Saúde. Lauth explica em seu livro, que comemora o centenário do padre Raulino Reitz, que os estudos iniciais no local revelavam forte conexão da epidemia com a presença de bromélias nas matas nativas. O Ministério da Saúde solicitou, então, aos Estados Unidos, relatórios técnicos da doença e pediu o envio de um especialista em bromeliologia para auxiliar nas pesquisas. A resposta do governo americano foi de que um dos maiores especialistas no assunto vivia em Azambuja: o padre Raulino Reitz, professor do Seminário de Azambuja. Ele não aceitou ser contratado pelo Serviço Nacional da Malária, mas contribuiu como voluntário. O próprio padre foi vítima da doença algumas vezes, a maioria durante sua estadia no seminário, em Brusque. Reitz afirma em seu livro: “Fui vítima da malária desde criança. Os raros acessos febris em minha casa paterna se tornaram frequentes no Seminário em Azambuja, em Brusque, onde graçava a terrível endemia, adoecendo em alguns anos até oito vezes”.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

OS ESTUDOS EM BRUSQUE A malária é causada por protozoários transmitidos pela fêmea infectada do mosquito Anopheles, que se procria em ambientes aquáticos de bromélias, bambus e taquaras e em águas límpidas da mata. Em sua obra, Lauth informa que foram estudadas 42 espécies e 12 variedades de bromélias em Brusque e região. Também foram capturados para análises mais de 120 mil mosquitos da região do Vale do Itajaí. O território da coleta em Brusque foi dividido em seis estações de estudo no fim dos anos 40 e início dos anos 50: Estação de Ribeirão do Ouro; Estação de Maluche; Estação de São Pedro; Estação de Müller; Estação de Azambuja e Estação de Hoffmann. As atividades de campo encerraram em 1952. Resquícios das matas analisadas pelo Serviço da Malária em Brusque estão conservados ainda hoje na Chácara Edith, próximo ao centro da cidade

Uma das ações pioneiras no Brasil foi a aplicação de veneno DDT pulverizado por aeronaves de pequeno porte sobre áreas de maior incidência de mosquitos. Acreditava-se que as bromélias eram as geradoras preferenciais dos hospedeiros da epidemia, as águas das plantas foram recolhidas e analisadas, porém, os resultados não confirmaram essa hipótese. Chegou-se à conclusão que as bromélias não eram as preferenciais para o desenvolvimento do mosquito transmissor da malária, mas tinham condições necessárias para tal. A conclusão final do estudo foi de que as bromélias não são as causadoras exclusivas da presença do mosquito. A epidemia de malária foi controlada em Santa Catarina no final de 1952, e os estudos e expedições de padre Reitz em Brusque foram fundamentais para o enfrentamento da doença dali em diante.

19

TRANSFORMAÇÃO DA PAISAGEM Lauth destaca que a partir desta conclusão, a solução imediata encontrada pela equipe foi o desmatamento dos arredores das cidades, numa distância superior a 100 metros, que seriam suficientes para barrar o vôo dos mosquitos. Em Brusque, ocorreu o desmatamento de uma área superior a 11,5 mil metros quadrados, ao custo de 2,14 milhões de cruzeiros. “O resultado do desmatamento transformará os morros de Brusque nos anos 50 em áreas completamente peladas, a exemplo do morro do Sindicato dos Operários que dará início ao processo natural de erosão do solo”, destaca o historiador. Hoje, estas áreas são ocupadas por loteamentos residenciais de alto padrão, principalmente após as enchentes de 1983 e 1984. As áreas desmatadas deveriam ser reflorestadas com árvores não sujeitas à infestação de bromélias, como o eucalipto, por exemplo. Lauth ressalta que após o fim

da epidemia de malária, as autoridades de Brusque formularam as primeiras políticas sanitárias urbanas, que ainda não foram concluídas, como esgoto, lixo e água tratada para todos. Em meados de 1952 iniciou a discussão da retificação do rio Itajaí-Mirim na zona urbana da cidade que, mais tarde, originaria na construção da avenida Beira Rio, tendo em vista sua necessidade como canal extravasor das águas de enchente. Lauth destaca ainda o Plano de Urbanização criado pelo prefeito Antônio Heil, em 1966, com a retificação da vala da avenida Primeiro de Maio e a drenagem dos terrenos da Fábrica Renaux, além da planificação da praça de Azambuja, que ganhou novo traçado, terraplanagem e a canalização do córrego em 1968. “O fim da epidemia modernizou, por assim dizer, todos os espaços urbanos da cidade de Brusque, tornando-os mais livres e bonitos”.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

20

REPRODUÇÃO

“EM POUCO TEMPO, TODA A CATEGORIA ADERE À PARALISAÇÃO, BEM À VÉSPERA DO NATAL. DURANTE 37 DIAS, 4 MIL OPERÁRIOS PARTICIPARAM DA GREVE”

REIVINDICAÇÃO DOS TRABALHADORES FOI NOTÍCIA NO JORNAL DE BRUSQUE, EM 1952

FORTALECIMENTO DAS RELAÇÕES TRABALHISTAS GRANDE GREVE NA DÉCADA DE 50 INICIOU DEBATE SOBRE MELHORES CONDIÇÕES SOCIAIS DE OPERÁRIOS

A década de 1950 foi marcada pelo conflito de patrões e operários têxteis em Brusque. São 37 dias de uma greve que transforma o município e repercute nacionalmente. Os trabalhadores das três grandes indústrias têxteis, Renaux, Buettner e Schlösser, e alguns operários de empre-

sas menores, cruzam os braços no dia 19 de dezembro de 1952, reivindicando o pagamento de reajuste salarial. O descontentamento dos operários vinha desde o início do ano, quando, em assembleia no Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Fiação e Tecelagem,

decidiu-se por um reajuste de 60% nos salários. Os patrões, entretanto, consideram o percentual impossível de ser repassado aos operários. A questão trabalhista foi parar no Tribunal Superior do Trabalho, em Porto Alegre, o qual decidiu que o reajuste seria de 7,1%, e deveria ser pago

a partir de junho de 1952 até 19 de dezembro, o que não ocorreu. O historiador Aloisius Lauth conta que a greve começou como um mal-entendido e, rapidamente, tomou conta de Brusque. Às 18h , na parada do lanche, os trabalhadores se reuniam em frente à Fábrica Renaux para conversar. Naquele dia, o assunto foi a falta de pagamento do reajuste. Quando toca a sirene para o retorno ao trabalho, os operários continuam discutindo. Voltam para seus postos com alguma resistência, lentamente. “Quem está à frente nos portões da fábrica leva essa notícia para a Schlösser e para a Buettner. No dia seguinte, às 5h, o pessoal que está na Schlösser e na Buettner paralisa o expediente porque tinha entendido que a Fábrica Renaux estava parando. E na Renaux, aqueles são surpreendidos com a informação de greve na Schlösser e na Buettner, e que o movimento paredista teria nascido ali dentro”. Em pouco tempo, toda a categoria adere à paralisação, bem à véspera do natal. Durante 37 dias, 4 mil operários participaram da greve. O movimento mexeu com toda a cidade que, na época, era movida pela indústria têxtil. A cada dia, a greve ganhava novos rumos. Aqueles que não queriam participar eram impedidos de entrar nas fábricas pelos piquetes que se formavam em frente aos portões. Caminhões com matéria-prima também eram impedidos de circular. A greve adentrou o Natal e o Ano Novo com os operários de braços cruzados. Em janeiro, a classe patronal apresentou uma lista com as condições para os operários voltarem ao trabalho, mas não houve acordo.

DIFICULDADES COMEÇAM A SURGIR A greve se prolongou mais do que o esperado. Como o operário ganhava salário por produção, os problemas financeiros começaram a aparecer dentro das casas. As famílias tinham muitos filhos, e começaram a sentir dificuldades. Sem produção, sem dinheiro, sem Natal e sem presentes. Agora até sem comida. Alguns relataram as dificuldades daquele período na dissertação de mestrado do historia-

dor Marlus Niebuhr, intitulada “Memória e Cotidiano do Operário Têxtil na cidade de Brusque: a greve de 1952”. Em algum momento, os comerciantes se negaram a vender fiado para os operários, que não tinham pago a conta da ‘caderneta’ naquele mês - era comum anotar as compras no caderno do negociante. Também eles não conseguiam pagar seus fornecedores, estendendo a cri-

se para outras cidades. Grevistas organizaram, então, movimento para arrecadação de comida. Niebuhr relata na dissertação que os operários vão de carroças a Guabiruba, São Pedro, Cedrinho, onde os moradores doam galinhas, ovos, verduras e legumes para auxiliar as famílias carentes. As doações eram arrecadadas em nome da Festa de São Roque, mas todos sabiam qual era

mesmo o objetivo real das doações: os grevistas, muitos deles moradores de Guabiruba. De acordo com Niebuhr, essa era uma prática comum nos movimentos operários. Na greve dos trabalhadores têxteis de Blumenau, em 1950, por exemplo, também foi realizada uma campanha de arrecadação de alimentos.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO


terça-feira, 4 de agosto de 2020

21


terça-feira, 4 de agosto de 2020

22

METRALHADORAS PARA CONTER OS GREVISTAS O mês de janeiro já se encaminha para o final, sem indicação do retorno ao trabalho. A comissão montada pelo Sintrafite no início da greve para negociar com a classe patronal decidiu ir a Florianópolis conversar com o delegado regional do trabalho, mas não houve solução para o impasse. Ele garante que nenhum grevista seria demitido. Quando a comissão retorna a Brusque, encontra o contingente da polícia de choque de Itajaí chegando à cidade. Os soldados fortemente armados, inclusive com uma metralhadora, estacionam nos portões das fábricas. O movimento assume caráter ofensivo à classe operária, que se empoleira nos barrancos do outro lado da Fábrica Renaux. Os patrões alegam que a presença deles é necessária para garantir a integridade

do patrimônio da empresa. À noite, os grevistas se retiram pacificamente. No dia 26 de janeiro, 37 dias depois do início do movimento, é realizada uma assembleia geral dos trabalhadores no Sintrafite para decidir oficialmente o fim da greve. Pressionados pela fome em casa, sem salários, os operários cedem, baixam a cabeça e lentamente retornam às salas de produção, narra Aloisius Lauth em seu livro “Sindicalismo em marcha”, de 2017. A polícia forma cordões de isolamento e os caminhões com matéria-prima voltam a entrar. A produção da fiação e da tecelagem reinicia nas horas seguintes. Mas os salários atrasados daquele mês não foram pagos, ficando as contas dos negociantes em aberto.

DEMISSÕES ACONTECEM A promessa de que não haveria demissões, entretanto, não foi honrada. Os operários líderes do movimento perderam seus postos de trabalho, a maioria teve que mudar-se para outras cidades para encontrar emprego, pois faziam parte da ‘lista negra’ do Departamento de Pessoal das fábricas. Na edição de 14 de março de 1953, o jornal ‘O Rebate’ publicou na capa telegrama enviado pelo senador Carlos Gomes de Oliveira ao industrial Guilherme Renaux. Nele, o senador lamenta o fato de que os “industriais brusquenses estão despedindo operários em represália da greve”. O senador observa que “os chefes das greves são em geral líderes que não se devem afastar, mas atrair, para conjugar esforços na produção e para harmonizar interesses. O mo-

vimento operário através de seus sindicatos é, em todo o mundo, irrefreável para a melhoria das condições de vida dos trabalhadores”. Nas edições seguintes, o jornal publica a longa resposta de Renaux ao senador. Ele afirma que “não houve, nem haverá represálias”. “Quatro mil, aproximadamente, foram os operários que participaram da greve, embora a maioria não a desejasse.Vinte e um é o número exato dos que foram despedidos, não porque tenham feito o movimento, de si mesmo ilegal, mas pela indisciplina, pelo abuso de um direito, que se fosse líquido e certo, ainda assim se exercera abusivo e violentamente, contra outros direitos inadmissíveis do cidadão, assegurados pela letra constitucional”, disse o empresário.

uma entrevista com o industrial Roland Renaux, que informava que o Serviço Social da Indústria (Sesi) pretende construir na cidade um Centro Social, o primeiro do gênero em Santa Catarina. “Consta essa grande obra social de um grande edifício, que será localizado em terreno amplo, para nele serem reunidos todos os serviços do Sesi - armazém de fornecimento de gêneros alimentícios, ensinamento de corte e costura, farmácia, gabinete dentário, escolas e tudo o que se relacionar com o programa de assistência aos operários”. Segundo a reportagem, o valor da obra era estimado em cinco milhões de cruzeiros e o terreno seria doado pelos industriais de Brusque. Dois meses depois, na edição do dia 21 de março de 1953, o Rebate publicou mais uma nota de capa, informando a inauguração do Armazém do Sesi em Brusque, que contou com a presença do presidente da entidade em Santa Catarina, Celso Ramos, futuro governador do estado. Foi o primeiro armazém de fornecimento de gêneros aos operários do estado, instalado na Pomerânia, ao lado da Fábrica Renaux. Criado como a melhor solução para a crise trabalhista que marca Brusque nos anos 1950, o Sesi continua a fazer parte da história do município, contribuindo com o desenvolvimento social da cidade.

IMAGEM DO ARMAZÉM DO SESI PUBLICADA NO JORNAL DE BRUSQUE EM SETEMBRO DE 1953

CASA DE BRUSQUE

Antes da greve, muito se falava na instalação de uma cooperativa de consumo em Brusque - mais tarde denominada Sesi - como uma das soluções para o fim da paralisação. À época, o custo de vida estava cada vez mais alto corroído pela inflação, o que desestimulava os operários, que praticamente trabalhavam para sobreviver, sem direito a ganhos reais, nem à saúde e nem à educação profissional A expectativa era de que a instalação da cooperativa, financiada pelo sindicato patronal, diminuísse o custo de vida da classe trabalhadora. Dez dias antes do fim da greve, o jornal ‘O Rebate’ noticiou que o Sesi “vai instalar nesta cidade diversos postos para venda de gêneros de primeira necessidade aos operários”. Na reportagem, o jornal explica que a ideia inicial era fundar uma cooperativa de consumo dos próprios trabalhadores da indústria, mas o armazém que o Sesi quer instalar “oferece mais vantagens aos consumidores, por isso fará a venda dos produtos pelo mesmo preço que é adquirido na fonte de produtos”. De acordo com a reportagem, o abatimento no custo dos gêneros de primeira necessidade era estimado em 30% “que virá, forçosamente, influir no custo do orçamento doméstico dos operários”. Na edição de 31 de janeiro de 1953, dias após o fim da greve, o jornal ‘O Rebate’ publicou

REPRODUÇÃO

SESI SURGE NO PÓS-GREVE

ASSEMBLEIAS ERAM REALIZADAS NA SEDE DO SINDICATO DOS OPERÁRIOS


terça-feira, 4 de agosto de 2020

23


terça-feira, 4 de agosto de 2020

24

ESCASSEZ NO CAMPO, ÊXODO E RETORNO AO LONGO DOS ANOS, BRUSQUE PASSA DE EXPORTADORA DE TALENTOS PARA ACOLHEDORA DE TRABALHADORES

“A SOCIEDADE SE TORNOU, NA VIRADA DO SÉCULO, MAIS ABERTA PARA O MUNDO, MENOS FOLCLÓRICA E TRADICIONALISTA” Aloisius Lauth, historiador

para se ter um lucro e melhorar as condições da casa. Com o passar dos anos, a agricultura já não bastava para o sustento das famílias, que cresciam. Os lotes dos pequenos agricultores, da segunda e terceira geração dos colonizadores que trabalhavam na terra, não comportavam os filhos que se casavam e formavam novas famílias. As plantações de milho, aipim, batata, entre outros, não eram mais suficientes para uma vida confortável. Como nessas localidades não havia emprego, filhos e netos começaram a sair do interior em busca de uma vida melhor. A região central de Brusque era o destino dessas famílias, pois as indústrias Renaux, Schlösser e Buettner estavam em pleno crescimento e eram vistas como uma ótima oportunidade de melhorar as condições de vida. O emprego com carteira assinada nas fábricas têxteis, na

condição de operários, atraia os mais jovens. O historiador Aloisius Lauth lembra que naquela época não havia necessidade de conhecimento técnico. “Bastava o

ERICO ZENDRON/CURTO FOTOS ANTIGAS DE BRUSQUE

O interior de Brusque, que até os anos 1960 era formado pelas áreas que hoje correspondem a Guabiruba, Botuverá, Vidal Ramos e Presidente Nereu - antigo distrito de Nilo Peçanha -, foi colonizado com base na agricultura familiar. As famílias que viviam nesta região se dedicavam às plantações e criações de porcos, galinhas e vacas para a sobrevivência. O excedente era vendido na vizinhança

treinamento no próprio local de trabalho, que consistia em operar uma máquina de abridor de algodão, uma fiandeira, um tear ou um tanque de tinturaria”. Desta forma, a estrutura do município de Brusque começou a mudar. De acordo com Lauth, em 1940, a população da zona rural da cidade correspondia a 74,5%, enquanto que a urbana era de apenas 25,5% da total. A partir de 1940 a 1960, a estrutura demográfica de Brusque se inverteu. A população urbana atingiu 84,5% devido ao êxodo rural no próprio município gerado pelo esgotamento da atividade agrícola. Como impacto do êxodo rural em Brusque, Lauth destaca a urbanização crescente e desenfreada da área central da cidade, especialmente em torno das três grandes indústrias.

NOS ANOS 1960, O EXPRESSO BRUSQUENSE AUMENTOU O NÚMERO DE LINHAS EM DIREÇÃO A BLUMENAU E OUTRAS CIDADES DA REGIÃO

SAÍDA DE BRUSQUE O êxodo do interior para a região central de Brusque gerou um excesso de mão de obra na cidade que as indústrias têxteis não conseguiram absorver. Lauth explica que, com isso, muitas pessoas de Brusque, nos anos 1950 e 1970, se transferiram para outros centros econômicos do país em busca de emprego e renda. “Acompanha o movimento da migração interna, do Sul para o Centro-Oeste brasileiro. Fenômeno semelhante ao anterior, porém a atratividade será agora as regiões mais distantes, como o Norte do Paraná e o Sul do Mato Grosso”. Conforme Lauth, a migração originária de Brusque se deu a partir da procura por terras, salário e renda nas lavouras do Norte. O atrativo era terra barata no entorno de Londrina e Maringá. A migração tem como destino também a região, com a saída de pessoas para se empregar em Jaraguá do Sul, Joinville e Blumenau. Neste período, em Jaraguá, há o crescimento da WEG. Em Joinville, a atração da mão de obra se dá para a empresa Tupi e a nova fábrica da Consul. Em

Blumenau, o atrativo é a Cia Hering e a Souza Cruz. “Para Blumenau, em 1968, a ‘Rodoviária Expresso Brusquense’ abre linhas com ônibus direto de ida e volta para as fábricas da Hering e Sul Fabril, com saídas às 5h, 5h30, 6h e 6h30, quase sempre com assentos todos ocupados”. Outro fenômeno observado pelo historiador é o que ocorreu em 1970, quando a classe média e a elite enviavam os filhos para estudar na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Curitiba e Florianópolis. Os jovens que se formavam fora não retornavam mais à cidade porque não havia mercado para tanta gente. Para Lauth, a migração de parte da população de Brusque para outros centros favoreceu a abertura da cidade para novas culturas, contribuindo para a busca por melhores padrões de vida. “A sociedade se tornou, na virada do século, mais aberta para o mundo, menos folclórica e tradicionalista. Assumimos o modelo de vida do neoliberalismo econômi-

co mais depressa”, diz. Essa abertura citada pelo historiador possibilitou a readequação do cenário migratório, e o início de um fluxo inverso: Brusque passou a ser, aos poucos, em vez de uma cidade exportadora de talentos e mão de obra, um lugar para onde aqueles com vontade de trabalhar e crescer se dirigiam. Em sua tese de doutorado intitulada ‘Regimes de cidade: investigações acerca de experiências urbanas no Vale do Itajaí Mirim’, o historiador Álisson Sousa Castro aponta que entre os anos 1970 e 1980, a taxa de crescimento populacional do município era de 17%, bem abaixo do observado na década anterior, em torno de 33%. De acordo com ele, Brusque volta a crescer significativamente a partir da administração do prefeito César Moritz, entre 1973 e 1977, quando novas indústrias se instalaram no município, o que contribuiu não só para a diversificação do parque fabril, mas também para a geração de empregos. Além disso, ele avalia que o asfaltamento da rodovia Antônio Heil, em 1974, facilitou a vinda

de turistas e clientes a Brusque o que possibilitou a intensificação na década seguinte das pequenas indústrias têxteis e culminou com o auge da rua Azambuja no início da década de 1990, assim como dos shoppings de moda neste mesmo período. “Tanto a diversificação fabril quanto a infraestrutura mais adequada foram preponderantes para a criação de empregos e, consequentemente, a atração de mão de obra”, destaca. É neste período que a cidade começa a receber famílias do Paraná e do Rio Grande do Sul. Anos mais tarde, chegam os migrantes do Norte e Nordeste e, mais recentemente, a cidade recebe haitianos e venezuelanos. Atualmente, Brusque é uma cidade plural, com oportunidades para todos. “Os poucos movimentos arredios perderam força ao longo do tempo, como foi a manifestação contrária a vinda de baianos para Brusque alguns anos atrás. Recebemos pessoas de várias regiões do país e até de fora que vem em busca de uma vida melhor, convivendo em harmonia”, avalia Lauth.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

25


terça-feira, 4 de agosto de 2020

26

INÍCIO DA MITIGAÇÃO DAS CHEIAS TRAGÉDIA SEM PRECEDENTES, ENCHENTE DE 1961 É PONTO DE PARTIDA PARA RETIFICAÇÃO DO RIO ITAJAÍ-MIRIM

BRUSQUE MEMÓRIA/DIVULGAÇÃO

1º de novembro de 1961. Chove sem parar em Brusque desde a madrugada. À tarde, a Rádio Araguaia avisa a população que há perigo de enchente. Muitas pessoas começam a erguer os móveis para evitar serem pegas de surpresa pelas águas. Não adianta. O que se vê nas próximas horas é uma grande tragédia. Nas primeiras horas da noite, o rio Itajaí-Mirim enche e seu volume cresce assustadoramente. Em pouco tempo, as águas invadem ruas, casas, comércios e não param de subir, atingindo uma altura até então nunca registrada. Brusque ficou embaixo d’água. Em 11 de novembro de 1961, o jornal O Município classifica a enchente ocorrida há poucos dias, como “uma tragédia dantesca, sem precedentes na história do município”. De acordo com a reportagem, 90% das casas da cidade, que naquela época tinha 17 mil habitantes, foram atingidas e ficaram submersas. Moradores perderam tudo. O comércio também sofreu muitos danos e estabelecimentos relataram prejuízos avaliados em 15 milhões de cruzeiros. A agricultura também passou por inúmeros transtornos. Mas pior do que os danos econômicos e perdas materiais deixadas pelas águas, foi a perda de vidas. Ao total, três pessoas morreram durante a enchente de 1961 em Brusque. Segundo o jornal, uma mulher e seu filho de cinco anos desapareceram na correnteza quando a canoa que os transportava de casa para um lugar seguro virou. A terceira vítima da

VOLUME DO RIO ITAJAÍ-MIRIM CRESCEU ASSUSTADORAMENTE

enchente foi um homem que foi levado pelas águas quando tentava nadar para se salvar. A tragédia das águas de Brusque foi notícia em todo o país. Grandes jornais de circulação nacional noticiaram os prejuízos causados pela enchente na região. No dia 18 de novembro, O Município trouxe trechos de reportagens publicadas pelos jornais O Globo, Última Hora e O Estado de São Paulo, que falavam sobre Brusque. A grande enchente comoveu o país. Ao longo dos dias, a cidade rece-

“90% DAS CASAS DA CIDADE, QUE NAQUELA ÉPOCA TINHA 17 MIL HABITANTES, FORAM ATINGIDAS E FICARAM SUBMERSAS”

beu diversas doações, vindas de São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo. Jaraguá do Sul também enviou dois caminhões cheios de alimentos, roupas e calçados para serem distribuídos para as vítimas do rio Itajaí-Mirim, que chegou a 10,46 metros acima do seu nível normal. Os governos federal e estadual também enviaram ajuda ao município, como abertura de crédito extraordinário para socorrer as vítimas, assim como reparação de estradas e estruturas danificadas pelas águas .


terça-feira, 4 de agosto de 2020

27

OBRAS PARA MINIMIZAR AS ENCHENTES re praticamente em linha reta. De acordo com reportagens publicadas por O Município na época, o trecho mais complicado da obra foi o da rua Benjamin Constant, que foi cortada ao meio para dar lugar ao novo leito do rio. Das 82 curvas do rio Itajaí-Mirim, as pesadas máquinas do DNOS deixaram apenas 28, aumentando o volume de vazão das águas e modificando a paisagem de Brusque. Em outubro de 1975, a grande obra de contenção de enchentes foi posta à prova na cidade. Na ocasião, a região foi castigada, mais uma vez, com um grande volume de chuvas, mas Brusque, diferente de outros municípios não foi afetada. Na edição de 10 de outubro, O Município destaca a eficácia da obra: “pela vez primeira na história triste das enchentes que assolaram o Vale do Itajaí, Brusque não foi atingida pelas águas. Isto graças a um convênio firmado entre a Prefeitura Municipal e o Departamento Nacional de Obras e Saneamento”, diz a reportagem. “O convênio tinha como

objetivo retificar o leito do rio Itajaí-Mirim e através dos esforços dispensados pela municipalidade, talvez agora estivéssemos lamentando as nefastas ocorrências e sérios prejuízos, causados pelas trombas d’água que provocam a cheia do rio que banha a cidade”, continua o texto. De acordo com a reportagem, enquanto várias cidades da região tiveram prejuízos incalculáveis e até vítimas fatais, Brusque não teve problemas maiores, “pois as retificações foram responsáveis pelo rápido escoamento das águas em Brusque, o que deixou, sem dúvida alguma, a população tranquila e satisfeita”. O geólogo Juarês Aumond destaca que a retificação foi uma boa solução encontrada para minimizar as enchentes na cidade. “Se não tivessem realizado a retificação, as enchentes que vieram depois poderiam ser muito maiores. Analisando custos e benefícios, foi uma grande alternativa para a sociedade, mas teve consequências, entre elas a erosão das margens”, diz.

BRUSQUE MEMÓRIA/DIVULGAÇÃO

A força das águas trouxe a urgência em realizar obras para contenção de cheias em Brusque. A cidade não suportaria uma enchente de tais proporções mais uma vez. Iniciaram, então, as discussões sobre a necessidade de retificação do rio Itajaí-Mirim. Um comissão de engenheiros do Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) esteve na cidade para avaliar o que poderia ser feito para minimizar os impactos das cheias. Em abril de 1962, O Município noticia que uma equipe de técnicos seria enviada a Brusque para iniciar o corte e retificação de emergência do rio Itajaí-Mirim. A retificação iniciou ainda em 1962 e foi realizada em duas etapas, até 1975. A primeira fase foi a retificação do trecho que compreende a ponte Irineu Bornhausen até a foz, junto ao rio Itajaí-Açu, já em Itajaí. A segunda fase foi o corte do rio a partir da ponte Irineu Bornhausen em direção a Botuverá. Com a retificação, as águas escoam com mais rapidez, pois sem as curvas, o rio cor-

OBRA DE RETIFICAÇÃO DO RIO ITAJAÍ-MIRIM INICIOU EM 1962

Projetos de engenharia Projetos de arquitetura Projetos complementares (hidrosanitários, elétrico, preventivo de incêndio, estrutural) Projetos de espaços celebrativos Parcelamento de solo e urbanismo Design de Interiores Maquetes eletrônicas Laudos técnicos Assessoria e administração de obras

“Salve Brusque imortal”

(Hino de Brusque)

Leandro Comandoli Projetos @projetos.leandrocomandoli

Nossa equipe disposta a projetar e construir, trabalhando pelos sonhos e investimentos de nossos clientes, parabeniza tão próspera cidade e seu povo empreendedor!

engenheiro civil e equipe

Engenheiros Civis Leandro Comandoli, Felipe B. Montibeller, Higor Werner, Rodrigo da Cruz. Auxiliar Administrativo Elisa S. Fernandes Estagiários André L. Westarb, Caroline Bado, Eduardo Bado, Luan P. P. Paniagua, Monica Baron, Thayze de A. Freire.

Brusque - SC 47 3355.8120 Ilhota - SC 47 98447.0284 leandro.comandoli@gmail.com


terça-feira, 4 de agosto de 2020

28

O COMUNISMO E O SURGIMENTO DE LÍDERES REPRODUÇÃO

MEDO DE IMPOSIÇÃO DO REGIME CONTRIBUIU PARA MAIOR POLITIZAÇÃO DA CIDADE, COM A FORMAÇÃO DE LIDERANÇAS

CONFUSÃO COM PADRE ALÍPIO DE FREITAS FOI NOTICIADA POR O MUNICÍPIO

Em março de 1964, estava programada para acontecer no Sindicato dos Trabalhadores Têxteis de Brusque uma conferência com o padre português Alípio de Freitas. Mas o evento, cercado de polêmicas, nunca aconteceu. Militante da esquerda e vinculado a movimentos sociais e políticos, o padre foi impedido de entrar na sede do sindicato por estudantes e operários que se colocaram à frente do edifício. À época, O Município narrou os fatos. De acordo com a reportagem, durante aquele dia, a cidade foi inundada com anúncios sobre a presença do sacerdote, convidando o povo para participar do evento no sindicato. O padre estava impedido de re-

“EM BRUSQUE, ESSE SENTIMENTO DE INVASÃO DO COMUNISMO NA VIDA DA CIDADE ERA VISTO COMO UM PREJUÍZO PARA TODOS” Aloisius Lauth, historiador

zar missas devido às suas convicções políticas e a sua presença na cidade irritou os estudantes, que lançaram um manifesto de protesto incitando a classe a se opor à realização do evento em Brusque. “Na hora da conferência foram, em grande número, para a frente do sindicato e lá se uniram aos operários que se opunham à cessão da sede do sindicato para fins políticos”, diz o artigo. Às 20h, padre Alípio chegou ao local. Ao sair da kombi em que estava, foi advertido sobre o manifesto dos estudantes e operários que não o deixariam entrar. O jornal relata que um acompanhante do padre tentou sacar o revólver, mas foi impedido de fazê-lo por um homem que o segurou no braço.

Iniciou, então, uma briga generalizada, inclusive com o uso de pedras, guarda-chuvas e outros instrumentos de agressão e defesa. A confusão durou uma hora e meia e, segundo o jornal, poderia ter tido consequências mais graves. “Operários que nos declararam que se tentassem ultrapassar a porta de entrada do sindicato, muitas mortes poderiam ocorrer, ali, naquele instante”. Diante da confusão, a presidência do sindicato resolveu fechar as portas do edifício e não realizar o evento, considerado subversivo pelos estudantes e operários. O movimento que impediu a conferência de padre Alípio em Brusque é gerado pelo medo que a cidade tinha da “ameaça comunista” que pairava sobre o Brasil. As reformas populistas propostas pelo presidente João Goulart, o Jango, eram encaradas como o início de um governo comunista. “Em Brusque, esse sentimento de invasão do comunismo na vida da cidade era visto como um prejuízo para todos. Primeiro para a vida do operário, ele não está afim do movimento comunista. O PTB, que era o partido do sindicato e dos trabalhadores, não aceita isso, embora fosse um partido de esquerda em relação ao PSD e UDN”, explica o historiador Aloisius Lauth. A frente contra o comunismo em Brusque era fortalecida pela presença da igreja católica e o sindicato têxtil, que tinha uma pastoral católica forte junto aos operários. O episódio com o padre Alípio ocorreu dias antes do golpe de estado no Brasil, em 31 de março e 1º de abril de 1964, que encerrou o mandato do presidente democraticamente eleito, João Goulart e instalou a ditadura militar, que foi até março de 1985. “Todo mundo estava a favor da revolução em março de 1964. Poucos dias antes, o deputado Paulo Wright, do PSP, traz o padre Alípio. Os operários ficam sabendo do perfil dele e entendem que o padre vem fazer pregação comunista, por isso, decidem barrar a entrada dele no sindicato”, destaca Lauth. Logo após o golpe de 1964, Brusque realiza a procissão da Família com Deus pela Liberdade no bairro Santa Terezinha. Há registro também de uma procissão católica em Azambuja para agradecer a proteção contra o perigo do comunismo.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

GRUPO DOS ONZE

29

FORMAÇÃO DE LÍDERES

Em 16 de maio de 1964, O Município traz uma entrevista com o capitão Osmar Jacobsen, do Exército Nacional, que era responsável por investigar a existência de atividades subversivas em Brusque. Na entrevista, o capitão informou que durante as investigações em Blumenau surgiram nomes de várias pessoas que residiam em Brusque, bem como “ligações comprovadas de elementos reconhecidamente comunistas”, com pessoas da cidade. O militar citou o nome de Esaú Laus, que seria encarregado da fundação da célula do Partido Comunista em Brusque. O capitão informou ao jornal que as atividades subversivas na cidade iniciaram em março de 1961, em uma reunião realizada em um bar. A reportagem questionou o militar sobre a existência de um Grupo dos Onze - organização nacionalista de esquerda criada por Leonel Brizola em 1963 - no município. O capitão afirmou que constatou “com surpresa a existência de um Grupo dos Onze aqui organizado”. O militar disse ainda que os membros confirmaram participação no grupo, mas não foi constatada nenhuma atividade subversiva, apenas foram feitos os contatos iniciais. O capitão não revelou os nomes dos integrantes dos grupos à reportagem, apenas disse que cinco deles já prestaram depoimentos no inquérito, sendo a maioria jovens “aos quais faltou a necessária orientação e advertência de seus responsáveis”. Após esta publicação, não houve mais registros ou menções ao Grupo dos Onze em Brusque em O Município.

O historiador Aloisius Lauth avalia que este momento conturbado do país e também no município, com forte medo do comunismo teve como consequência a formação de vários líderes. Entre as lideranças formadas neste período, Lauth destaca Ovídio Paza, trabalhador da Fábrica Renaux, ele era ligado à Ação Operária Católica, enfrentando a entrada do comunismo na cidade. Durante o Golpe de 1964, foi delatado como líder sindical e mais tarde, em 1973, assume a presidência do sindicato, fazendo uma gestão inovadora, segundo o historiador. Durante sua gestão foi criado o modelo de convenção coletiva de trabalho estabelecido atualmente. De acordo com Lauth, o pagamento de um salário mínimo para aposentados e pensionistas do INSS foi uma proposta de Paza, levada ao Congresso pelo deputado Jailson Barreto, onde foi aprovada. Lauth lembra ainda de Iná-

cio Mafra, brusquense líder estudantil que foi cassado pelo regime militar e anos depois reapareceu como líder sindical dos bancários em Blumenau, sendo vice-prefeito da cidade entre 1997 a 2004. Além deles, o historiador destaca também o industrial Guilherme Renaux, um dos fundadores da Fiesc, que exerceu a presidência da entidade de 1961 a 1966. Foi por influência dele que foi construído o Centro de Treinamento Têxtil em Brusque, com o Laboratório de Fiação e Tecelagem (Lafite), que teve grande importância na transformação da indústria têxtil de Brusque e região. “Essa crise no período de 1964 traz como resultado a formação de grandes líderes, de caminhos diferentes, mas importantes. Não tem uma escola de liderança, é no dia a dia que se forma e eles captam os anseios da população facilmente e transformam em ação política”, observa.

p⯰abéns

BRUSQUE

㄀㘀

眀眀眀⸀猀椀渀琀椀洀洀洀攀戀⸀挀漀洀⸀戀爀 簀 ⠀㐀㜀⤀ ㌀㈀㔀㄀ⴀ㔀㤀

䀀猀椀渀琀椀洀洀洀攀戀


terça-feira, 4 de agosto de 2020

BRUSQUE MEMÓRIA/DIVULGAÇÃO

30

IMIGRANTES ABRIRAM AS PRIMEIRAS ESTRADAS DE BRUSQUE NO PERÍODO COLONIAL

CAMINHOS CRUZADOS CONSTRUÇÃO DAS RODOVIAS ANTÔNIO HEIL E IVO SILVEIRA FORAM MARCADAS POR GRANDE MOBILIZAÇÃO DOS BRUSQUENSES

“O FRACASSO DA ESTRADA DE FERRO, DO TRANSPORTE HIDROVIÁRIO E AS PÉSSIMAS CONDIÇÕES DAS ESTRADAS DEIXARAM BRUSQUE PRATICAMENTE ISOLADA, FREANDO O DESENVOLVIMENTO DA CIDADE”

ERICO ZENDRON/CURTO FOTOS ANTIGAS DE BRUSQUE

Desde o início, a história de Brusque com as estradas foi marcada por muito esforço e luta. Ao chegarem aqui, os primeiros colonos usaram as próprias mãos para abrir, em meio à mata fechada, os caminhos que, mais tarde, pertenceriam à cidade. A primeira ligação entre a colônia e a Vila de Itajaí foi concluída somente em 1875, 15 anos depois da chegada dos primeiros imigrantes, por iniciativa do barão Maximilian von Schneeburg. A estrada, antes chamada Brusque-Itajaí, seguia um trajeto diferente, cheio de buracos e bastante precária. Por muitos anos, foi a

RODOVIA ANTÔNIO HEIL FOI INAUGURADA COM FESTA EM OUTUBRO DE 1974; VIÚVA DO EX-PREFEITO CORTOU A FITA

única ligação com outras cidades. Em 1900, por iniciativa do cônsul Carlos Renaux, aconteceu a primeira tentativa de melhorar o transporte em Brusque: os trilhos. A intenção era que a estrada fosse uma linha estreita, com tração animal, com extensão de três quilômetros, ligando a antiga ponte Vidal Ramos à Fábrica de Tecidos Carlos Renaux. Dez anos depois, a classe empresarial de Brusque demonstrou ter interesse em uma ligação férrea com o porto de Itajaí. O desejo era que o trilho saísse de Blumenau, passasse por Gaspar e Brusque, até chegar em Itajaí. Porém, o que

ficou decidido foi que o trilho sairia do Vale do Itajaí-Açú e adentraria, a partir de Ilhota, no Vale do Itajaí-Mirim. Com isso, a partir do bairro Itaipava, em Itajaí, iniciaria-se a construção de um ramal até Brusque, que teve início nos anos 1950, porém, não foi longe. A obra, bastante cara, demorou anos para avançar, até que após muitos pedidos, em 1964, foi decretada a não continuidade. O túnel do Montserrat, como é conhecido hoje, foi abandonado e redescoberto somente nos anos 1990. O fracasso da estrada de ferro, do transporte hidroviário - que até o início do século 20 era o principal sistema de escoamento da produção - e as péssimas condições das estradas - que até a década de 1960 eram as mesmas abertas pelos colonizadores um século atrás deixaram Brusque praticamente isolada durante muito tempo, freando o desenvolvimento da cidade, que contava com indústrias pujantes e era uma das forças da economia no estado. Não demorou muito para que as lideranças da cidade percebessem o problema. Brusque necessitava de uma ligação decente com Itajaí e também com Gaspar. Iniciava, então, uma grande luta para a construção das rodovias no município. Na década de 1950, o governo federal iniciou a construção da BR-59, mais tarde denominada BR-101. Já naquela época, as lideranças pleiteavam uma estrada que fizesse a ligação de Brusque com a BR-59. Nascia a campanha pela rodovia Antônio Heil, que durou mais de 10 anos. Ao mesmo tempo, a cidade também reivindicava a construção de uma nova estrada entre Brusque e Gaspar para substituir a velha rodovia paralela aberta no começo do século pelos primeiros colonizadores da região. A nova estrada até iniciou em 1952, mas de forma muito lenta, gerando descontentamento na população. Em dezembro de 1957, o jornal O Município publica um artigo cobrando mais ação do poder público em relação às estradas. Com o título: “Nossas estradas...uma calamidade”, o texto diz que “precisamos urgentemente da ratificação da estrada para Itajaí, por onde escoa, em caminhões, toda produção industrial e colonial do município; necessitamos de uma ligação rodoviária senão excelente, mas pelo menos em condições de trânsito permanente para a capital; a estrada para Blumenau precisa ser melhorada de uma vez, pois a que aí está é ainda aquela do tempo em que o carro de boi era o veículo da moda”. Diversos artigos foram publicados em O Município ao longo da década de 1960, cobrando rodovias para a cidade. Foram inúmeras promessas, frustrações e anos de espera até que, finalmente, Brusque ganhasse caminhos dignos de sua grandeza.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO


terça-feira, 4 de agosto de 2020

O município é motivo de orgulho para Santa Catarina. E a indústria é parte importante desta bela história, destacando-se em diversos setores, como metalomecânico, construção civil, têxtil e vestuário.

“A indústria de Brusque mostra a força da superação. Vivemos tempos desafiadores, nos quais a economia exige que nos reinventemos. Hoje, quando Brusque completa 160 anos, parabenizamos e agradecemos cada empresário e cada trabalhador que faz nossa cidade ser mais próspera a cada ano.” Ingo Fischer Vice-presidente regional da FIESC no Vale do Itajaí Mirim

“Esta é uma das cidades mais representativas também na história da FIESC, berço de grandes líderes empresariais. Valorizando nossa gente e nossa produção venceremos todos os desafios e construiremos uma Santa Catarina cada vez melhor e mais competitiva. Parabéns a todos os empresários, trabalhadores e famílias de Brusque.” Mario Cezar de Aguiar Presidente da FIESC

31


terça-feira, 4 de agosto de 2020

32

RODOVIA IVO SILVEIRA Em julho de 1962, foi assinado o convênio entre o Gabinete de Planejamento do Plano de Metas do Governo e o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) para a continuidade da execução da rodovia Brusque-Gaspar, que teve início durante o governo de Irineu Bornhausen, mas ficou paralisada por anos. A retomada da obra, entretanto, aconteceu somente um ano depois da assinatura do convênio, em agosto de 1963. Na época, O Município noticiou que a estrada seguiria por uma traçado totalmente novo, reduzindo em aproximadamente 20 quilômetros a distância entre Brusque e Gaspar, além de eliminar todas as curvas e subidas. A obra só foi inaugurada em janeiro de 1967. A abertura do novo traçado da estrada Brusque-Gaspar passou por quatro governos: iniciou com pequenos cortes na época de Irineu Bornhausen, depois teve pequeno avanço na gestão de Heriberto Hulse. Foi retomada com mais impulso e sob durante do governo de Celso Ramos que concluiu praticamente a metade e finalizada e inaugurada em 29 de janeiro de 1967, pelo governador Ivo Silveira, que em-

RODOVIA ANTÔNIO HEIL

prestou seu nome à rodovia. A estrada foi inaugurada faltando 500 metros para ser totalmente macadamizada. A solenidade contou com a presença do governador Ivo Silveira, diversas autoridades e a população de Brusque, que fez questão de conferir a nova estrada, pronta 15 anos depois de seu início tímido, em 1952. A obra foi entregue com o novo traçado, mas não asfaltada. Com o tempo, as dificuldades começaram a aparecer e, o asfaltamento da rodovia entrou na pauta de discussões na cidade. Em maio de 1975, O Município noticiou o fim do trabalho de pesquisa de tráfego no trecho entre Brusque e Gaspar, que tinha uma média de 700 veículos passando pelo local diariamente. Meses depois, foi noticiada a abertura do processo licitatório para o asfaltamento da rodovia. Em fevereiro de 1976, o governo do estado assinou contrato com a empresa vencedora da licitação e também a ordem de serviço para início da obra. A inauguração da rodovia asfaltada ocorreu em solenidade realizada em 28 de março de 1977, com a presença do governador Antônio Carlos Konder Reis.

Tão intensa quanto a campanha para a construção da nova estrada para Gaspar, foi a que reivindicava o acesso de Brusque para a BR-59, que mais tarde se transformou na BR-101. A luta para uma ligação rápida e em boas condições de Brusque a Itajaí começou em 1959 e foi uma novela que durou dez anos. Vários foram os artigos publicados em O Município reivindicando o acesso à cidade portuária. Na inauguração da rodovia Ivo Silveira, o prefeito da época, Antônio Heil, em seu discurso, pediu o início das obras. “Uma estrada de ligação com a BR-101, uma nova estrada para o porto de Itajaí, escoadouro natural de nossa pujante produção. Este é o pedido do povo de Brusque a vossa excelência: uma nova estrada para Itajaí a fim de unir Blumenau-Itajaí-Brusque, o triângulo de maior expressão econômica da região, por modernas rodovias, que a época está a reclamar”. Foi apenas em 22 de agosto de 1969, após inúmeros pedidos, que as obras iniciaram, numa

distância de 29 quilômetros ligando Brusque a BR-101. A obra até foi cogitada para iniciar durante o governo de Juscelino Kubitschek (19561961), quando teve os estudos iniciados, mas não avançou, deixando os brusquenses somente na esperança. Foram pouco mais de cinco anos de trabalho intenso na nova estrada, até sua inauguração, em 25 de outubro de 1974, pelo governador Colombo Salles. A estrada, tão almejada, ganhou o nome de rodovia Antônio Heil, em homenagem ao ex-prefeito de Brusque, que foi um grande entusiasta da obra e faleceu em 1971, antes de vê-la concluída. Uma multidão foi até a estrada para presenciar este capítulo tão aguardado da história de Brusque. Mais de 40 anos após sua inauguração, a rodovia Antônio Heil ainda é o principal acesso do município. Diariamente, passam pela estrada milhares de veículos leves e pesados, tornando a rodovia, uma das mais movimentadas do estado.

REPRODUÇÃO

REPRODUÇÃO

O INÍCIO DO ASFALTAMENTO NA RODOVIA IVO SILVEIRA FOI COMEMORADO EM BRUSQUE

INAUGURAÇÃO DA RODOVIA FOI DESTAQUE NO JORNAL O MUNICÍPIO

A mobilização das lideranças políticas e empresariais foi fundamental para a construção das duas principais estradas de Brusque. Anos depois, essa história se repetiu, mas agora, com a reivindicação da duplicação da rodovia Antônio Heil. Foi pela iniciativa da empresa Irmãos Fischer, que o projeto saiu do papel. A indústria brusquense firmou parceria com o governo do

estado e, por meio do abatimento do ICMS, viabilizou o primeiro trecho duplicado da rodovia, entregue para a população em dezembro de 2017 - do limite de Brusque e Itajaí até a concessionária Uvel. Do limite de Itajaí até a BR-101, a duplicação é de responsabilidade do governo do estado e ainda não foi concluída. A ordem de serviço foi assinada em 2014 e a previsão inicial era ser

entregue em 2017. Não aconteceu. Burocracias e problemas com as empresas executoras atrasam essa que é uma das obras mais importantes para o desenvolvimento de Brusque. Assim como no passado, as lideranças não medem esforços para garantir que a cidade tenha o seu principal acesso duplicado, à altura da importância de Brusque para o estado.

COMPHANY STUDIO/DIVULGAÇÃO

HISTÓRIA SE REPETE

TRECHO DE BRUSQUE DA RODOVIA ANTÔNIO HEIL FOI DUPLICADO POR MEIO DE PARCERIA COM A IRMÃOS FISCHER


terça-feira, 4 de agosto de 2020

33


terça-feira, 4 de agosto de 2020

34

O VALOR DO TRABALHO ERICO ZENDRON/CURTO FOTOS ANTIGAS DE BRUSQUE

SALÁRIOS CORROÍDOS PELA INFLAÇÃO NA DÉCADA DE 1980 TROUXERAM AO POVO BRUSQUENSE MAIS CONSCIÊNCIA FINANCEIRA

MOVIMENTAÇÃO NOS SUPERMERCADOS NA DÉCADA DE 1980 ERA INTENSA

Correr para os supermercados para tentar garantir as compras antes do aumento dos preços era uma realidade durante toda a década de 1980 e a primeira metade dos anos 1990, não só em Brusque, mas em todo o país. Nos supermercados, o remarcador de preços era uma das pessoas mais importantes dentro do estabelecimento, com a responsabilidade de atualizar os preços dos produtos a cada mudança. A rotina era intensa: num mesmo dia, um produto pode mudar de preço várias vezes. A pessoa que vai ao supermercado de manhã, compra um item por um preço. Algumas horas depois, o produto já tem outro valor, e assim por diante. Ao fim do dia, muitas vezes, a mercadoria chega a ter várias etiquetas de preço diferentes, refletindo as mudanças ao longo das horas. Era uma agonia sem fim para o consumidor, cujo salário, ao contrário dos preços, não aumentava.

“ERA UMA LOUCURA. EM CADA CORREDOR TINHA DUAS OU TRÊS PESSOAS COLOCANDO OS PREÇOS. ÀS VEZES MUDAVA MAIS DE UMA VEZ POR DIA, ATÉ COM CINCO ETIQUETAS, UMA EM CIMA DA OUTRA” Aliomar Luciano dos Santos, presidente da CDL na época

Presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Brusque em 1984 e 1985, o empresário Aliomar Luciano dos Santos lembra da intensa movimentação nos supermercados. “Era uma loucura. Em cada corredor tinha duas ou três pessoas colocando os preços. Às vezes mudava mais de uma vez por dia, até com cinco etiquetas, uma em cima da outra”. Como a mudança de preços era comum em todo o país, as pessoas traçavam estratégias na tentativa de fazer o dinheiro render mais. “Se chegasse antes do marcador, levava o produto por um valor. Quem chegava depois dos homens da maquininha, já pegava o mesmo produto com preço 40% até mesmo 100% maior. Os caixas obedeciam o que estava marcado na etiqueta. Muita gente usava isso como estratégia, ir mais cedo no mercado”. É neste período que surge o costume da compra do mês, utiliza-

do até hoje pelas famílias brasileiras. Como o poder de compra dos trabalhadores era cada vez menor, quando recebiam o salário, a primeira coisa era ir ao mercado para fazer estoque. Gerente de uma das lojas do Archer na época, Guido Sassi recorda que o trabalho era bastante difícil, pois era preciso muita agilidade para atualizar os valores das mercadorias. “Foi um tempo de muita dificuldade para todo mundo, se trabalhava muito e o povo também sofria com todas as mudanças”. Os empresários também tiveram que se adaptar. “Se comprava uma mercadoria hoje o preço era um. Quando ela chegava, o preço já era outro, até colocar na loja para vender, o preço era outro. Isso dificultava a nossa vida, porque na época não tinha processos eletrônicos para administração, era tudo manual”, destaca o proprietário da Livraria Graf, Eleutério Graf, o Telo. O empresário observa que a hiperinflação resultou em mudanças no comportamento do comércio. “Muita gente quebrou porque não tinha agilidade para remarcar. Isso também aconteceu porque vendiam a prazo e acabava não repondo o capital. Era uma situação bem complicada. A cabeça às vezes não acompanhava. Já economicamente era uma situação de agilidade”. O ex-presidente da CDL lembra que quem trabalhava com estoque conseguiu minimizar os impactos dos sucessivos aumentos. “Quando o comerciante já estava acostumado, já previa o aumento da mercadoria no mês seguinte e já botava dentro do custo de forma antecipada. Quem estava bem de capital de giro, podia bancar porque sabia que em dois meses teria o custo no bolso. Quem perdeu foi a classe trabalhadora, porque o salário quando chegava na mão já vinha defasado em 15%, 20%, 30%, dependendo da inflação do mês”. Auxiliar de gerente da agência da Caixa Econômica Federal de Brusque na época, Juvenal dos Santos lembra que na década de 1980, o Brasil convivia com uma inflação média de 235% ao ano, o que equivale a uma média de 7,4% ao mês. “Se você tivesse em mãos mil cruzeiros ou guardasse por 30 dias sem aplicar no banco, no final desses 30 dias, o poder de compra ficaria equivalente a 924 cruzeiros. Então a maioria da população não tinha conta em banco, e esse público com dinheiro guardado era o que mais perdia em relação ao poder aquisitivo da moeda”, diz. Luciano dos Santos lembra que, depois de alguns meses, os consumidores tinham a sensação de ter feito um bom negócio. “A pessoa comprava uma geladeira, uma televisão, três meses depois o preço já era muito diferente, o dobro, aí parecia que tinha levado de graça”.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO


terça-feira, 4 de agosto de 2020

35


terça-feira, 4 de agosto de 2020

36

PLANOS ECONÔMICOS FRACASSAM Ao longo dos anos, foram lançados pelos governos seis planos econômicos como tentativas de controlar a inflação. O primeiro deles, é de 1986. Denominado de Plano Cruzado, foi lançado pelo então presidente José Sarney em 28 de fevereiro. Sua medida mais importante foi o congelamento total de preços com base na estratégia de romper a inércia inflacionária, e a adoção de uma nova moeda, o cruzado, com três zeros a menos que o cruzeiro. “O congelamento de preço provocou desabastecimento, faltava óleo de soja, material de limpeza e vários outros itens pois os preços subiam no atacado e não poderia ser repassado ao consumidor. Com isso, as empresas começaram a quebrar”, lembra Juvenal dos Santos. A tentativa não deu certo e nos anos seguintes foram lançados outros três planos econômicos pelo governo Sarney, todos sem sucesso: Plano Cruzado 2, em novembro de 1986; Plano Bresser, em junho de 1987 e Plano Verão, em janeiro de 1989. Todos previam medidas para controlar a inflação, como o congelamento dos preços, aumento de impostos e reajustes. Sem sucesso. No fim de 1989, por exemplo, a inflação chega a 1.972%.

ESPERANÇA DE MELHORA O país entra na década de 1990 com a economia ainda em desequilíbrio. Na eleição de 1989, Fernando Collor de Mello é eleito presidente e no dia seguinte à sua posse, em 16 de março, é lançado o Plano Brasil Novo, mais conhecido como Plano Collor. O plano impõe uma nova troca da moeda, que volta a se chamar cruzeiro, sem corte de zeros. A principal medida do plano é o bloqueio de todos os depósitos bancários, inclusive da poupança, acima de 50 mil cruzados novos, com o objetivo de reduzir a demanda e o consumo. Os preços são congelados e os salários passam a ser corrigidos pela previsão de inflação do mês seguinte. As medidas só pioraram a situação da população. Em janeiro de 1991, é lançado o Plano Collor 2, que traz de volta o congelamento de preços e o arrocho dos salários, além de medidas de incentivo à retomada da produção. Menos de um mês depois, empresários e trabalhadores já demonstram grande insatisfação. No final do ano, a inflação já acumula 472%, com a economia estagnada. No ano seguinte o presidente sofre o impeachment e é substituído pelo vice Itamar Franco.

TRANSFORMAÇÃO DA PAISAGEM Lauth destaca que a partir desta conclusão, a solução imediata encontrada pela equipe foi o des-

matamento dos arredores das cidades, numa distância superior a 10

PLANO REAL O dragão da inflação, como ficou conhecido, só foi dominado em 28 de fevereiro de 1994, quando foi implantado o Plano Real, em etapas. Primeiro, foi feita a troca da moeda. O Cruzeiro perde três zeros e passa a se chamar Cruzeiro Real. No dia seguinte, entra em vigor a Unidade Real de Valor (URV), padrão monetário que era corrigido diariamente, no qual todos os preços passaram a ser convertidos. Esta fase de transição para adoção da nova moeda, o real, durou quatro meses. O real começou a circular em 1º de julho, valendo 2.750 URVs e correspondendo a um dólar. A equipe, liderada por Fernando Henrique Cardoso, adota uma estratégia diferente para combater a escalada dos preços: aposta no alinhamento prévio dos preços antes da mudança da moeda, conseguindo derrubar a inflação e manter a situação sob controle a partir daí. “Quando veio o Plano Real, houve uma ruptura total. Todos os comportamentos tiveram que ser modificados, adaptados a isso. Uma das coisas mais importantes, com a estabilidade, foi que a inflação cessou e você podia começar a comprar de novo, podia pesquisar, não precisa mais comprar no primeiro lugar. Agora podia comparar”, destaca Telo. “Foi um período muito louco da nossa história, hoje a gente conta pros jovens, nem acreditam que tudo aconteceu daquele jeito. Mas a nossa região, Brusque, é pródiga, as pessoas têm consciência do valor do trabalho, que nada vem de graça. Acho que esse período serviu para deixar as pessoas mais conscientes”, avalia.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

37

Parabéns, Brusque pelos 160 anos

Cidade que supera desafios e nos orgulha em fazer parte

Tsuru´s Sushi Bar

Tsushi Express

www.tsurussushibar.com.br 47 3087-5799 47 99180-2232

www.tsushi.com.br 47 3351-9966 47 98447-9839


terça-feira, 4 de agosto de 2020

38

FOTOS: BRUSQUE MEMÓRIA/DIVULGAÇÃO

“CALCULA-SE QUE 20 MIL PESSOAS FICARAM DESABRIGADAS EM BRUSQUE E SENTIRAM DE PERTO A SOLIDARIEDADE DE TODO O PAÍS”

MAIS UMA VEZ, CIDADE FICOU DEBAIXO D’ÁGUA

DA ENCHENTE, A BEIRA RIO PIOR CHEIA DA HISTÓRIA MOTIVA GOVERNO A CRIAR A PRINCIPAL AVENIDA DA CIDADE, FUNDAMENTAL AINDA NA ATUALIDADE

Dois dias depois de completar 124 anos, Brusque viveu aquela que seria considerada a pior enchente de sua história até então. Em 6 de agosto de 1984, após dias de chuva incessante, o rio Itajaí-Mirim mostrou sua força e deixou a cidade inteira debaixo d’água. As águas passaram formando uma grande correnteza, levando muros, árvores e até casas. O cenário de destruição até hoje não sai da memória daqueles que viveram dias de terror e incerteza. A cidade, durante um longo tempo, ficou irreconhecível. Em nada

parecia a Brusque pujante e em pleno desenvolvimento das semanas anteriores à cheia. Calcula-se que 20 mil pessoas ficaram desabrigadas em Brusque e sentiram a solidariedade de todo o país. O prejuízo econômico também foi gigantesco. Relatório da Secretaria de Indústria e Comércio do Estado publicado na edição de 21 de setembro do jornal O Município, contabilizou 82 empresas atingidas e 77 paralisadas no setor industrial da cidade. Juntas, essas empresas empregavam 3.653 pessoas.

No setor comercial, o relatório apontou que foram atingidos 291 estabelecimentos, e 275 paralisados, representando 1.959 empregos. Ao todo, 5.612 empregados deixaram de produzir em Brusque, representando uma folha de pagamento na ordem de 2,63 bilhões de cruzeiros. Ainda de acordo com o relatório, no primeiro semestre de 1984, o faturamento dessas empresas foi de quase 70 bilhões de cruzeiros, já os prejuízos totais com a enchente acumularam 10,26 bilhões de cruzeiros. Além das empresas e inúmeras residências, prédios públicos, como o antigo Fórum, localizado no bairro Jardim Maluche, foi bastante afetado, com prejuízos estimados em 150 milhões de cruzeiros. A cheia que assolou todo o Vale do Itajaí foi notícia no país, assim como em 1961. Em outubro de 1984, a cidade ainda se recuperava, quando uma comitiva de repórteres de jornais como Zero Hora, O Globo, Folha de S. Paulo e Correio Braziliense estiveram em Brusque para conferir de perto os estragos causados pela chuva.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

ÁREA CENTRAL DE BRUSQUE FICOU COMPLETAMENTE ALAGADA


terça-feira, 4 de agosto de 2020

39


terça-feira, 4 de agosto de 2020

40

pelo ex-prefeito Cyro Gevaerd, ainda nos anos 1960, para a construção de uma beira rio nas duas margens para desafogar o trânsito da cidade. Na época em que estava à frente da prefeitura, Gevaerd chegou a iniciar um trecho da Beira Rio, nas imediações da ponte Irineu Bornhausen, no Centro. Depois, os prefeitos que o sucederam deram continuidade ao projeto. Em sua tese de doutorado, intitulada Regimes de Cidade: Investigações e experiências urbanas no Vale do Itajaí-Mirim, o historiador Álisson Sousa Castro lembra que o trecho entre a ponte Irineu Bornhausen e a rua Paes Leme, no Centro de Brusque, foi finalizado no último ano da gestão do prefeito Alexandre Merico, em 1983. “Depois de 84, a sociedade brusquense buscou quem entendesse para fazer um projeto para diminuir os efeitos das enchentes. Foi feito o projeto pela Universidade de Santa Maria e de lá se procurou a maior autoridade em hidrografia do mundo, que é o Instituto Hidrográfico do Paraná. Eles fizeram os estudos durante dois anos e trouxeram a necessidade de tirar os obstáculos, assorear o rio e construir o canal”, lembra Ciro Roza. Quando foi eleito, ele conta que entrou decidido a fazer a obra, que era vista como a nova solução para as cheias da cidade. “Quando eu entrei como prefeito, disse que não adianta falar, tem que pôr em prática, ter coragem, e foi isso que eu fiz. Comecei já em janeiro de 1989 a fazer”, afirma. No início de março de 1989, O Município noticia que começou a ser construída a avenida Beira Rio margem direita, no trecho entre a ponte Arthur Schlösser e a rua Henrique Rosin.

CONSTRUÇÃO DA AVENIDA BEIRA RIO INICIOU EM 1989

FÁBIO ROBERTO DE SOUZA/CURTO FOTOS ANTIGAS DE BRUSQUE

Até 1984, a retificação do rio Itajaí-Mirim, realizada após a cheia de 1961, era vista como a solução para o problema das enchentes em Brusque. Em 1983, cidades como Itajaí e Blumenau foram muito afetadas pelas chuvas, porém, Brusque não registrou grandes prejuízos. Na época, a população teve a impressão de que Brusque foi poupada da enchente pela retificação do rio. Mas um ano depois, a história mudou. A tragédia de 84 fez com que as lideranças buscassem novos projetos para a contenção de cheias na cidade. Após a enchente, o prefeito Celso Bonatelli encomendou um estudo para diagnóstico da bacia do rio Itajaí-Mirim, realizado pela Universidade de Santa Maria (UFSM). Denominado “Plano Integral de Manejo da Bacia Hidrográfica do Itajaí-Mirim”, o estudo ficou pronto em 1986, e chegou à conclusão que o mau uso do solo é o principal causador das enchentes da bacia do Itajaí-Mirim. Outro estudo, então, foi encomendado. Desta vez, realizado pelo Centro de Hidráulica e Hidrologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), concluído em fevereiro de 1988, que trouxe algumas opções para resolver o problema na cidade. Entre as soluções apresentadas, estava a dragagem do rio e a “construção de cinco quilômetros de um canal trapezoidal, com as margens revestidas de placas de cimento”. Em 1988, Ciro Roza foi eleito prefeito de Brusque pela primeira vez e, logo no início de seu mandato, começou o planejamento para a construção da avenida Beira Rio. A obra foi concebida para funcionar como o canal extravasor do município, aproveitando a sugestão do estudo da UFPR e também uma ideia lançada

CASA DE BRUSQUE/DIVULGAÇÃO

AVENIDA BEIRA RIO: A NOVA SOLUÇÃO

PRIMEIRO TRECHO DO CANAL EXTRAVASOR FOI INAUGURADO NO DIA 4 DE AGOSTO DE 1990

POLÊMICAS A construção da avenida Beira Rio gerou muita polêmica na cidade. Especialistas alegavam que a obra não seguia o projeto realizado pela UFPR e, ao contrário de resolver o problema das enchentes, poderia agravar a situação. Em maio de 1989, os vereadores Antônio Maluche Neto e Marcus Antônio da Silva foram até Curitiba para buscar informações com Heinz Fill, responsável pela elaboração do estudo no qual a prefeitura se baseava. Na época, Fill afirmou aos vereadores que o projeto não obedecia as sugestões apresentadas nos estudos da UFPR. Polêmicas à parte, a obra prosseguiu conforme o desejo do prefeito. Roza explica que o plano de contenção de cheias realizado em seu governo estava fundamentado na vazão, largura, profundidade e velocidade. “O estudo da UFPR tinha o desassoreamento do rio e tirar o ponto de estrangulamento. Eu decidi ampliar. Sugeri ampliar o canal e inclusive fazer em ambas as margens o rebaixamento até

a cota 15. Quando chega na cota 15, as avenidas passam a ser o rio. Elas foram construídas para isso e também têm um papel importante na mobilidade da nossa cidade”. Na manhã de 4 de agosto de 1990, no aniversário de 130 anos de Brusque, e seis anos depois da maior tragédia da história da cidade, foi inaugurada com grande festa o primeiro trecho da margem direita da avenida Beira Rio. As obras, entretanto, continuaram por mais alguns anos, adentrando as gestões de Danilo Moritz e Hylário Zen, até o retorno de Roza à prefeitura, em 2001. Já no começo de seu segundo mandato, Ciro Roza decidiu iniciar uma nova fase do projeto de contenção de cheias: a construção da nova ponte Irineu Bornhausen. Mais uma vez, a obra foi muito questionada, pela falta de projetos e também pela origem dos recursos. “Eu recebi muitas críticas. Desde que dei início à construção da Beira Rio, foram 14 processos. A remoção daquela ponte estava prevista no projeto desde o início. Os

pilares da ponte antiga estrangulavam a vazão. Era necessário fazer uma ponte moderna que não segurasse a passagem da água”. A obra da nova ponte foi parar na Justiça. No dia 6 de março de 2003, entretanto, a prefeitura recebeu uma liminar que anulava o impedimento da obra. No mesmo dia, às 19h30, as máquinas iniciaram a demolição da ponte. Começa, então, a construção do que hoje é um dos símbolos da cidade: a ponte estaiada. A nova ponte foi a primeira do Brasil a ser edificada em concreto branco e segue um padrão arquitetônico moderno. A estrutura é sustentada por um pilar central, com 36 metros de altura, na margem direita do rio Itajaí-Mirim, com um vão livre de 90,88 metros. Deste pilar central, saem quatro conjuntos de estais, com 512 cabos, que correspondem a 4,6 mil toneladas de força. A ponte foi inaugurada no dia 20 de abril de 2004. “Durante 12 anos que fiquei na prefeitura, nem um dia fiquei sem trabalhar na Beira Rio, por-

que esta obra é fundamental. Ao construir o canal extravasor, além de ajudar no problema das enchentes, áreas que não valiam nada, que ninguém tinha coragem de fazer uma casa, se valorizaram. A cidade se desenvolveu ao redor da Beira Rio”, avalia Ciro. O geólogo Juarês Aumond observa que assim como a retificação, iniciada em 1961, a construção do canal extravasor foi benéfica para o município em relação às cheias que são tão comuns em Brusque. “Se analisar o todo, nós saímos ganhando. Claro que sempre tem algum efeito que não gostaríamos, como a erosão na margem, uma estiagem que agora é um pouco maior devido à água ir logo para o oceano. Mas as duas (retificação e canal extravasor) tiveram o mesmo efeito. Analisando o custo-benefício para a sociedade como um todo, não tenho dúvida, que o benefício foi maior”. Atualmente, a gestão do prefeito Jonas Paegle dá continuidade à avenida Beira Rio, na margem esquerda.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

41


terça-feira, 4 de agosto de 2020

“ERA UM MUNDO FECHADO. AS EMPRESAS ESTAVAM NA TERCEIRA, QUARTA GERAÇÃO ADMINISTRANDO. FAMÍLIAS INTEIRAS DEPENDIAM DISSO, SE ACOMODAVAM DENTRO DESSAS ORGANIZAÇÕES E, COM ISSO, PERDERAM A CHANCE DE ADAPTAÇÃO, DE SOBREVIVER”

MARCOS ERBE/CURTO FOTOS ANTIGAS DE BRUSQUE

42

A PARTIR DOS ANOS 1990, GIGANTES TÊXTEIS QUE DITARAM O RUMO DA ECONOMIA DA CIDADE DESDE O SÉCULO PASSADO, ENTRARAM EM DECADÊNCIA

Marcus Schlösser, presidente do Sifitec

REINVENÇÃO PÓS-DECLÍNIO ENFRAQUECIMENTO E QUEDA DAS FÁBRICAS CENTENÁRIAS É SUPERADO COM REMODELAMENTO DA ECONOMIA TÊXTIL

Ao longo da história centenária em Brusque, a indústria têxtil teve seus momentos de glória, mas também períodos turbulentos. Enfrentou as consequências de duas guerras mundiais, epidemias, crise econômica mundial e outros tantos desafios. Em todas essas dificuldades, as três principais indústrias têxteis da cidade - Fábrica de Tecidos Carlos Renaux, Buettner Indústria e Comércio e Companhia Industrial Schlösser - que até os anos 1960 eram a base da economia de Brus-

que, conseguiram se recuperar. A partir dos anos 1990, porém, esta história começa a mudar. A abertura comercial do Brasil trouxe impactos diretos nas grandes têxteis da cidade. A agonia das fábricas centenárias, que durante muitos anos foram símbolo do progresso do município, foi acompanhada com tristeza e preocupação por toda população até o fim, nos anos 2000. Marcus Schlösser, presidente do Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem de Brusque (Sifitec)

e membro do Conselho de Administração da Schlösser, diz que a abertura do mercado e a oscilação cambial balançaram as estruturas do setor e contribuíram significativamente para a queda das três indústrias da cidade. “O dólar teve um período que chegou a R$ 0,86. As empresas, principalmente aquelas cuja parcela considerável era destinada à exportação, acabaram honrando seus contratos, mas em seguida desativaram o setor de exportação. O que hoje sabemos que foi

um erro porque meses depois o câmbio voltou aos patamares considerados normais para a época”. A defasagem tecnológica tornava a concorrência com o mercado externo ainda mais difícil, e também é vista como um ponto de contribuição para a queda das gigantes de Brusque. “Até os anos 80, início dos anos 90, as empresas investiam bastante em tecnologia, sempre vinham consultores da Europa para auxiliar, havia o investimento em equipamentos. Como tinham atuação no mercado externo, tinham acesso à tecnologia, mas chegou um momento que faltaram recursos e aí a defasagem tecnológica foi muito rápida”. Schlösser observa que somadas às crises que são comuns e cíclicas em todos os setores, a forma de gestão das indústrias foi um fator que contribuiu decisivamente para a decadência. De acordo com ele, as indústrias de Brusque estavam verticalizadas e à mercê de gestões engessadas. “Era um mundo fechado. As empresas estavam na terceira, quarta geração administrando. Famílias inteiras dependiam disso, se acomodavam dentro dessas organizações e, com isso, perderam a chance de adaptação, de sobreviver”.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO


terça-feira, 4 de agosto de 2020

43


terça-feira, 4 de agosto de 2020

44

As centenárias seguraram o máximo que puderam. Chegaram aos anos 2000 tentando resistir e se adaptar às mudanças impostas pelo mercado. Em 2011, na tentativa de salvar as histórias de mais de um século, as três indústrias entraram em recuperação judicial. Começava um longo período de reformulação, visando resgatar o sucesso de outrora. Apesar das tentativas. A Fábrica Renaux, pioneira do setor têxtil em Brusque, sucumbiu e teve falência decretada em 15 de julho de 2013. A Buettner teve o mesmo destino, três anos depois, em 2016. “Todas, de alguma forma, demoraram a perceber a importância da recuperação judicial. Quando se tomou a decisão, já era tarde, os benefícios já não adiantavam mais”, avalia

Marcus Schlösser. O processo de recuperação judicial da Schlösser chegou ao fim em 2018. Das centenárias, é a única que conseguiu concluí-lo sem decretar falência. Em 2011, apostou em uma parceria com a Buettner, utilizando parte da estrutura da empresa para manter as atividades. Com a falência da Buettner, o que restou da centenária Schlösser também teve que desocupar o espaço. “Teoricamente, a Schlösser continua e agora está paralisada. Estamos avaliando nos próximos meses o que fazer. Em princípio, houve a locação de um galpão em Botuverá, alguns teares foram transferidos para lá e os funcionários remanescentes estão gerindo. A empresa continua com a marca, o nome e com os equipamentos”.

JAQUELINE KÜHN

TENTATIVAS DE RECUPERAÇÃO

FALÊNCIA DA FÁBRICA DE TECIDOS CÔNSUL CARLOS RENAUX FOI DECRETADA EM 15 DE JULHO DE 2013

CRISE DAS GRANDES FOMENTA O EMPREENDEDORISMO A decadência das grandes indústrias têxteis poderia ter provocado um colapso econômico em Brusque. Por muitos anos, a Renaux, a Schlösser e a Buettner foram as principais empregadoras da cidade. A maioria das famílias dependia da renda vinda do trabalho para essas empresas. As centenárias foram, no entanto, uma grande escola para muitos brusquenses que ainda continuam no ramo têxtil, trabalhando em outras empresas ou tendo agora o seu próprio negócio. Quando os problemas começaram a surgir nas três indústrias, no fim dos anos 80 e início dos anos 90, muitas famílias come-

çaram a empreender, abrindo a própria empresa dentro do mesmo segmento. “As dificuldades das grandes propiciaram o aparecimento de várias outras empresas, que tomaram o espaço das centenárias com folga, tanto que o setor continua com geração de riqueza e sendo a principal economia da cidade”, observa Schlösser. Para o presidente da Associação das Micro e Pequenas Empresas de Brusque (Ampebr), Ademir José Jorge, o espírito empreendedor do brusquense foi fundamental para que a cidade não fosse tão impactada pela crise das centenárias. A medida que os anos avança-

vam, o número de empregados nas fábricas diminuía. Porém, muitos trabalhadores foram absorvidos por outras empresas que surgiram ao longo dos anos. “Muitos ainda, devido à experiência que tinham, colocaram suas próprias empresas, atuando como terceirizados. Com certeza, as centenárias trouxeram uma experiência grande para muitas pessoas que hoje são grandes empresários. A cidade não sentiu o número de desempregados porque rapidamente se recolocaram no mercado de trabalho”. De acordo com ele, atualmente, 90% dos empregos em Brusque são de micro e pequenas empresas.

“São essas empresas que sustentam e são responsáveis por grande parte da economia do nosso município”. Mesmo sem as centenárias, o número de empregados no setor têxtil em Brusque e região é de aproximadamente 12 mil pessoas, de acordo com o presidente do Sindicato dos trabalhadores nas Indústrias de Fiação e Tecelagem (Sintrafite), Aníbal Boettger. “Com a situação dessas empresas, muitos funcionários, com ousadia, capacidade, iniciaram seu próprio negócio e hoje são exemplo de gestão. Outras empresas que eram pequenas, ampliaram sua capacidade e tornaram o setor viável, mesmo com todas as dificuldades”.

GRATIDÃO ÀS CENTENÁRIAS Durante 11 anos, o alemão Wolfgang Kurt Busching, 64 anos, foi funcionário da Cia Industrial Schlösser. A fábrica têxtil foi seu primeiro emprego em terras brasileiras e até hoje, ele sente gratidão pela oportunidade. Wolfgang é um dos exemplos de empreendedorismo saído da grande indústria têxtil. Em 1991, juntando a experiência conquistada na Schlösser e também na Hering, em Blumenau, ele abriu sua própria empresa. Começou com uma loja na FIP, que não deu certo. Ele não desistiu e em 1996, surgiu a Klaubitex, confecção de moda feminina e plus size.

“COM CERTEZA, O PERÍODO QUE FIQUEI NA SCHLÖSSER FOI UM APRENDIZADO E ME INFLUENCIOU A SEGUIR NO RAMO TÊXTIL” Wolfgang Kurt Busching, empresário

“Com certeza, o período que fiquei na Schlösser foi um aprendizado e me influenciou a seguir no ramo têxtil”. A empresa familiar está ativa até hoje, no bairro Jardim Maluche. Atualmente, sob o comando dos filhos do empresário. Todo o processo de produção é terceirizado, o que contribui para o fomento da cadeia têxtil do município. “Minha filha é formada em Moda e faz a coleção, pedimos a malha pronta, minha mulher faz a talhação, e depois levamos para facções parceiras. Conforme a demanda, a embalagem também é terceirizada, e assim

conseguimos nos manter no mercado, como diversos outros colegas que começaram nas grandes fábricas e hoje gerenciam seu próprio negócio”, diz. O presidente da Ampebr reforça que os impactos só não foram maiores por causa da iniciativa dos empreendedores locais. “Já passamos por muitas situações, mas o povo brusquense é empreendedor, vai à luta, tem garra, vontade de trabalhar e tem uma visão diferenciada. Muitos, inclusive, levam como exemplo o que aconteceu com as grandes indústrias para não repetir o mesmo erro”.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

45


terça-feira, 4 de agosto de 2020

46

O MILAGRE ECONÔMICO DE AZAMBUJA REPRODUÇÃO

COM MAIS DE MIL LOJAS, BAIRRO PROJETOU BRUSQUE NACIONALMENTE COMO CAPITAL DA PRONTA-ENTREGA

POUCO A POUCO, MOVIMENTO NA RUA AZAMBUJA FOI DIMINUINDO

Depois de anos no auge, a rua Azambuja, que já foi considerada o maior centro comercial a céu aberto do Sul do Brasil, chega ao fim. Pouco a pouco, lojas fecham, o movimento de compradores diminui e os tempos áureos da rua que deu a Brusque o título de capital da pronta-entrega ficam apenas na lembrança. Isso ocorreu em meados de 1995. Mas a história que liga Azambuja ao setor têxtil começa alguns anos antes.

Os primeiros comércios na rua Azambuja surgem por volta de 1986. Depois da grande enchente de 1984, o governo libera o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para auxiliar as vítimas das cheias. Muitas pessoas decidem usar o dinheiro para empreender. É aí que surgem as primeiras confecções, improvisadas dentro das casas e que pouco tempo depois já fazem muito sucesso. Em

1989, a rua começa sua ascensão. Naquele ano, 100 lojas já existem e começam a atrair compradores da região Sul do país. Muitas pessoas viram ali uma oportunidade de mudar de vida e ter o próprio negócio. Lojas e mais lojas começam a surgir e os clientes não param de chegar. No auge, a rua Azambuja teve mais de mil estabelecimentos. Ônibus de excursão chegam a todo momento. Chegou-se a re-

gistrar mais de 80 lotados de compradores estacionados ao mesmo tempo. Uma verdadeira loucura. O empresário Sílvio César Gonçalves lembra bem dessa época. Ele abre sua primeira loja na rua Azambuja, a Liberty Camisaria, em janeiro de 1992, quando o comércio no local estava a todo vapor. O sucesso foi tanto que, em pouco tempo, uma loja apenas já não é suficiente. Silvio conta que em determinado momento, teve três lojas na mesma rua para conseguir dar conta da demanda de clientes. “Nos primeiros anos eu buscava as mercadorias em São Paulo, só depois que comecei a produzir. Naquela época, teve uma semana que eu cheguei a ir para São Paulo três vezes. Eu chegava, colocava a mercadoria e logo acabava. Então eu tinha que voltar, nem ia para casa. Tinha épocas, que eu abria as lojas ás 3h para dar conta de atender a todos”. O empresário, que também é diretor da Associação das Micro e Pequenas Empresas de Brusque (Ampebr), diz que muitas vezes chegava a vender até as camisas incompletas a pedido dos clientes. “Às vezes estava na fase final de produção, faltava casear, colocar botão, mas os compradores não queriam esperar, pediam desconto e levavam assim mesmo”. No início dos anos 1990, as lojas não paravam de surgir, assim como os clientes. Com o comércio da rua Azambuja, Brusque ficou conhecida nacionalmente.

“NAQUELA ÉPOCA, TEVE UMA SEMANA QUE EU CHEGUEI A IR PARA SÃO PAULO TRÊS VEZES. EU CHEGAVA, COLOCAVA A MERCADORIA E LOGO ACABAVA. ENTÃO EU TINHA QUE VOLTAR, NEM IA PARA CASA” Sílvio Gonçalves, empresário


terça-feira, 4 de agosto de 2020

47

FALTA DE ESTRUTURA COMPROMETE Não demorou muito, porém, para os problemas surgirem. A rua Azambuja já não conseguia comportar tantas lojas e tanto movimento todos os dias. Faltava estrutura, e isso começou a incomodar os compradores. “Os ônibus de excursão chegavam a todo momento e não tinha lugar decente para se alimentar, banheiro. As pessoas pensavam apenas em montar confecção, não se pensou na estrutura da rua”. Na época, o Plano Diretor da cida-

de não era cumprido. Muitas das construções foram erguidas em cima da vala, o que, naturalmente, começou a gerar transtornos. “Na ânsia de construir e vender as salas para os lojistas, não se observava as regras. Qualquer chuva de verão alagava tudo, e isso atrapalhava. A mercadoria estragava, a estrutura era precária”, conta. Com grande movimento e pouca estrutura, os acidentes no local começaram a ser mais frequentes. Também havia problemas

com furtos e roubos. O empresário lembra ainda que muitos aventureiros começaram a aparecer, trazendo má fama para o comércio local. “As pessoas vinham, abriam a confecção e no outro dia já estavam ostentando carros de luxo. Não se tinha um planejamento e isso também começou a prejudicar muito”. A abertura comercial iniciada no governo do então presidente Fernando Collor de Mello e, posteriormente, a implantação do

Plano Real, também contribuiu para a queda da rua Azambuja. No início de 1995, aconteceu o fechamento em massa dos comércios localizados naquela região da cidade. “Foram momentos de turbulência logo depois do Plano Real. A quebradeira foi grande. Poucos conseguiram passar por isso”, diz Sílvio. Aos poucos, os compradores foram se afastando e descobrindo novos locais dentro de Brusque. Era o fim de uma era.

destaca Cisso. No início dos anos 1990, o segmento da pronta-entrega ficou dividido entre as lojas da rua Azambuja e as da rodovia. Alguns empresários tinham lojas nos dois pontos, mas não havia união entre os núcleos, o que também contribuiu para a queda rápida da rua Azambuja, pois as ações não eram pensadas em conjunto e, sim, rivalizadas. Com a decadência de Azambuja, muitas lojas que conseguiram sobreviver aos problemas estruturais e ao Plano Real, migraram para a rodovia e outros pontos da cidade. A loja de Sílvio é um dos exemplos disso. Ele continuou com o ponto da rua Azambuja, mas também abriu filiais na FIP e na Bruem, onde hoje é o Centro Administrativo da Havan. “Houve essa migração, então não vejo que teve gente desempregada por causa do fim da rua Azambuja, porque a mão de obra foi absorvida pelas empresas em outras regiões da cidade, como ali na região da FIP e também próximo a Havan”.

FIP SURGIU EM 1991 E DEU INÍCIO A UM NOVO PÓLO DE PRONTA-ENTREGA NA CIDADE

BÁRBARA SALES

Ainda durante o auge da rua Azambuja, algumas lojas de pronta-entrega começaram a surgir também na rodovia Antônio Heil. O grande marco aconteceu em 1991, com a inauguração da Feira Industrial Permanente, a FIP, que contava com aproximadamente 100 lojas. O empresário Newton Patrício Crespi, o Cisso, conta que a FIP foi uma ideia de seu pai, Osmar Crespi. Naquela época, Brusque realizava as Feiras Industriais na Fideb, que tinham como objetivo divulgar a cidade. Osmar, então, teve a ideia de criar um espaço onde as confecções poderiam expor seus produtos o ano inteiro. Diferente da rua Azambuja, a FIP oferecia uma estrutura melhor para os compradores, o que contribuiu muito para o crescimento do novo núcleo da pronta-entrega em Brusque. “Nesta região onde foi construída a FIP não havia nada, mas aos poucos começou a se desenvolver como um novo polo organizado que atendia às necessidades dos clientes, que queriam mais conforto”,

BRUSQUE MEMÓRIA/DIVULGAÇÃO

MIGRAÇÃO PARA A RODOVIA

ATUALMENTE, RUA AZAMBUJA É BASICAMENTE RESIDENCIAL

PRONEGÓCIO IMPULSIONOU O SETOR Em 1997, a Associação das Indústrias e Comércio da Rua Azambuja (Aica), que defendia os interesses das empresas daquela região, vinculou-se a Fampesc e se transformou na Associação das Micro e Pequenas Empresas de Brusque (Ampebr). Passada a conjuntura de crise, a Ampebr conseguiu implementar iniciativas para capacitar a mão de obra e profissionalizar ainda mais a gestão das empresas. Agora, com a concentração de apenas um núcleo de pronta-entrega na

cidade, a associação conseguiu a união dos empresários e fortalecer as ações conjuntas. Uma das ações criadas em 1997 e que permanece até hoje é a Pronegócio, a rodada de negócios que traz compradores para Brusque, facilitando o contato entre as marcas e os compradores. Atualmente, são realizadas quatro edições por ano. A cada edição, os números alcançados batem recorde. A Liberty Camisaria é uma das poucas remanescentes da época de

ouro da rua Azambuja. Sílvio decidiu continuar com a loja no local e, graças à Pronegócio, mantém sua empresa viva, mesmo após a migração para a rodovia. “Participo desde a primeira edição da Pronegócio. A rodada de negócios nos ajudou muito a manter o ponto e continuar com a empresa. Cerca de 70% da nossa produção é vendida na Pronegócio. Essa iniciativa ajudou muitas pequenas empresas a sobreviverem, mesmo depois de toda a dificuldade que enfrentamos

nos anos 1990”. Da rua Azambuja cheia de comércios e como o coração da pronta-entrega em Brusque restam apenas as lembranças e o desejo de que esta fase da história da cidade e da região não seja esquecida. “Espero para o futuro que as autoridades olhem mais para a rua Azambuja. O que temos hoje em Brusque iniciou aqui. É um bairro que ainda carece de infraestrutura, mesmo tendo dado todo o impulso pra cidade, projetando a nível nacional”.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

DIVULGAÇÃO

48

PLANO COLLOR TROCOU O CRUZADO NOVO PELO CRUZEIRO

O SUMIÇO DAS POUPANÇAS HÁ 30 ANOS, BRUSQUENSES ERAM PEGOS DE SURPRESA COM O ANÚNCIO DO PLANO COLLOR A década de 1990 começa no Brasil com a promessa de mudanças e a esperança do controle da inflação e retomada da economia. Fernando Collor de Mello é eleito

presidente do país na eleição de 1989, tornando-se o primeiro eleito por voto direto do povo após o Regime Militar (1964-1985). Collor toma posse em uma

quinta-feira: 15 de março de 1990. Naquela semana, foi decretado feriado bancário de três dias, ou seja, nos dias 14, 15 e 16 de março, os bancos de todo o

país estariam fechados. Com tantas mudanças econômicas em um período curto de tempo, a população sabia que era questão de tempo para que o novo governo anunciasse um plano econômico para tentar equilibrar o país. O anúncio não demorou. No dia seguinte à posse, sexta-feira, 16 de março de 1990, terceiro dia de feriado bancário, a então ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, anunciou em coletiva de imprensa o Plano Brasil Novo, que popularmente ficou conhecido como Plano Collor. Na tentativa de conter uma inflação de 84% ao mês, foram anunciadas 27 medidas, como a troca da moeda de cruzado novo para cruzeiro, criação de imposto sobre operações financeiras, congelamento de preços e salários por 45 dias, extinção de empresas estatais, demissão de funcionários públicos, e outras. Mas foi o bloqueio das cadernetas de poupança e aplicações financeiras, por um período de 18 meses, que gerou pânico na população. Naquela tarde, pela televisão, a ministra anunciou que seriam bloqueados todos os valores acima de 50 mil cruzados - cerca de R$ 8,3 mil em valores atuais - na poupança. Nas demais aplicações bancárias, o bloqueio foi de valores acima de 20 mil cruzados. De acordo com o plano, os valores excedentes das poupanças e aplicações, que ficaram retidos no Banco Central, seriam devolvidos em 12 parcelas iguais, a partir de 16 de setembro de 1991, acrescidas de correção monetária e juros de 6% ao ano.

DIAS DE FÚRIA Hoje aposentado, o bancário Marcos Welter trabalhava na agência de Brusque do Banco do Brasil na época, e lembra até hoje do desespero que o chamado confisco das poupanças causou na população. Muitas pessoas perderam muito dinheiro porque guardavam tudo no banco para fazer render. “Naquela época, o juro chegava a 84% ao mês, quase 3% ao dia. Todo dinheiro que as pessoas tinham, no final do expediente iam para o banco depositar porque havia o ‘overnight’. Então, até o dinheirinho da conta corrente, de um dia para o outro ganhava juros”, lembra. Welter recorda que o anúncio da medida pegou o país inteiro de surpresa. Nem os funcionários dos bancos sabiam o que estava por vir. Os dias que se seguiram ao anúncio foram de um completo caos. “A pancada foi grande e a consequência disso foi um impacto muito grande no sentimento do

povo. Havia pessoas que, pra comer no dia seguinte, sacavam o dinheiro do banco porque estava lá para render juros. Pessoas entraram em depressão, pânico e até coisas mais sérias”, diz. Juvenal dos Santos, que na época era auxiliar de gerente da agência da Caixa Econômica Federal de Brusque, também tem esse período marcado na lembrança. Ele destaca que foi uma época de estresse sem precedentes, tanto para os clientes, quanto para os bancários. “A população de Brusque não aceitava esse bloqueio. Lembro de várias situações em que na sexta-feira o cidadão vendeu imóvel e iria comprar outro na segunda-feira e acabou ficando sem condições de adquirir a residência para sua família e tendo que pagar aluguel. Para complicar, os financiamentos habitacionais estavam fechados”. A revolta da população com a medida anunciada pelo governo caía, principalmente, em cima

“HAVIA PESSOAS QUE, PRA COMER NO DIA SEGUINTE, SACAVAM O DINHEIRO DO BANCO PORQUE ESTAVA LÁ PARA RENDER JUROS. PESSOAS ENTRARAM EM DEPRESSÃO, PÂNICO E ATÉ COISAS MAIS SÉRIAS” Marcos Welter, bancário aposentado

dos bancários, que precisavam executar o plano. “Você precisava se posicionar na condição de executor do Plano Collor. Ouvia várias vezes muitos xingamentos, mas não se perdia a calma e, na sequência, começava se desenhar uma solução para cada cliente dentro dos limites impostos pelo governo”, destaca Santos. Welter também lembra dos momentos de revolta da população dentro das agências bancárias. “Éramos a linha de frente da ira das pessoas. Elas entravam no banco pedindo o dinheiro delas de volta. Até fazer entender que não era uma decisão do banco, mas do governo. Foi um período de uma energia ruim em todo o país, porque o povo inteiro estava revoltado. Você tinha que estar a favor do povo, mas jamais contra o governo. Foi um período muito crítico”, afirma.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO


terça-feira, 4 de agosto de 2020

49


terça-feira, 4 de agosto de 2020

50

PERDÃO, 30 ANOS DEPOIS mar Franco, assumiu o governo. Collor renunciou à presidência em 29 de dezembro do mesmo ano. Ele teve os direitos políticos cassados por oito anos. Em 2006, após cumprir a punição, foi eleito senador por Alagoas. Ele foi reeleito e continua ocupando uma cadeira no Senado por Alagoas. Neste ano, ao ser lembrado os 30 anos do confisco das poupanças, Collor pediu perdão aos brasileiros em sua conta no Twitter. “Acreditei que aquelas medidas radicais eram o caminho certo. Infelizmente errei. Gostaria de pedir perdão a todas aquelas pessoas que foram prejudicadas pelo bloqueio dos ativos. Eu e a minha equipe não víamos alternativa viável naquele início de 1990. Quisemos muito acertar. Nosso objetivo sempre foi o bem do Brasil e dos brasileiros”, disse.

REPRODUÇÃO

Estima-se que 80% do dinheiro aplicado nas cadernetas de poupança, contas correntes e aplicações financeiras, foram retidos pelo Banco Central por 18 meses. O confisco girou em torno de US$ 100 bilhões, o equivalente a 30% do Produto Interno Bruto (PIB). No começo, as medidas do plano Collor surtiram efeito. A inflação caiu de 84% ao mês para 3%. Mas em pouco tempo, voltou a subir até chegar novamente na casa dos dois dígitos. Em janeiro de 1991, menos de um ano depois, foi lançado o Plano Collor 2, que basicamente cortou o zero da moeda, mas também não surtiu efeito no controle da inflação. O governo de Collor não durou muito tempo. Ele foi acusado de liderar um esquema de corrupção e, em setembro de 1992, sofreu um processo de impeachment e foi afastado. O vice-presidente, Ita-

NESTE ANO, EX-PRESIDENTE FERNANDO COLLOR PEDIU PERDÃO AOS BRASILEIROS EM SUA CONTA NO TWITTER

DIVULGAÇÃO

REMUNERAÇÃO DAS PERDAS

MINISTRA DA FAZENDA ZÉLIA CARDOSO DE MELLO ANUNCIOU O BLOQUEIO DAS CONTAS EM 16 DE MARÇO DE 1990

Ao fim dos 18 meses de confisco, quando os valores foram convertidos de cruzado novo para cruzeiro e devolvidos pelo governo, os titulares das contas não concordaram, alegando que essa troca da moeda não foi feita de forma correta pelos bancos. Já os bancos informaram que apenas seguiram as regras estabelecidas. Muitas pessoas entraram na Justiça para reaver as perdas geradas pelo plano econômico. Mais de um milhão de ações foram protocoladas, reclamando valores perdidos na época. Após mais de 20 anos, em 2017 foi anunciado um acordo entre os bancos e os interessados, com a mediação da Advocacia Geral da União (AGU) e a homologação do Supremo Tribunal Federal (STF). Somente quem já havia entrado com processo - individual ou coletivo - na época em

que os acordos foram feitos, é que tem direito ao ressarcimento. Também é preciso ter a comprovação de que tinha dinheiro depositado na poupança na época do confisco. O valor do acordo é de R$ 10 a R$ 11 bilhões, sendo que, em média, cada pessoa deve receber R$ 10 mil. Os ressarcimentos começaram a ser pagos em 2018. Em maio deste ano, porém, o STF prorrogou o acordo para pagamento das perdas nas correções das cadernetas de poupança. Com isso, serão aceitos no acordo poupadores que, com base em ações civis públicas, iniciaram execução de sentença até 11 de dezembro de 2017, dentro do prazo prescricional de cinco anos. Além dos prejudicados pelo Plano Collor 1, o acordo contempla atingidos pelos planos Bresser (1987), Verão (1989) e Collor 2 (1991).


terça-feira, 4 de agosto de 2020

51


terça-feira, 4 de agosto de 2020

52

A NEUTRALIZAÇÃO DA DERROCADA DIVULGAÇÃO

EFEITOS DA CRISE ECONÔMICA DE 2008 SÃO MENOS SENTIDOS EM BRUSQUE, GRAÇAS À FORÇA DAS PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS

EFEITOS DA CRISE CHEGARAM ANOS MAIS TARDE AO PAÍS

Considerada a pior desde 1929, os efeitos da crise econômica de 2008 foram sentidos em todo o mundo e em diferentes épocas. No Brasil e especificamente em Brusque, seus efeitos tardaram um pouco, comparados ao resto do mundo, mas não deixaram de ser sentidos pelos empreendedores. A crise foi iniciada nos Estados Unidos, quando os bancos concederam empréstimos a juros baixos para a população financiar a compra de imóveis, mesmo para aqueles que não tinham renda suficiente para quitá-los. A facilidade de crédito fez a

“FOI UMA CRISE MUITO SEVERA PARA AS GRANDES EMPRESAS, MAS NÃO SENTIMOS TANTO OS EFEITOS PORQUE A MÃO DE OBRA ACABAVA SENDO ABSORVIDA POR EMPRESAS MENORES” Rita Cassia Conti, presidente da Acibr

procura pelos imóveis crescer rapidamente e, com isso, os preços foram subindo. A consequência foi a chamada bolha imobiliária, pois as pessoas financiavam imóveis a um preço muito acima do que eles realmente valiam. Os bancos, então, passaram a aumentar a taxa de juros dos empréstimos e, por isso, muitas pessoas não conseguiram mais pagar as parcelas. Os bancos, por sua vez, não tinham mais dinheiro para realizar as operações. Foi aí que a crise começou. Esta situação motivou a queda no consumo, diminuição dos lucros e demissões em massa. Tudo ficou ainda pior, com a quebra do banco Lehman Brothers, fundado em 1850. Não demorou muito para que o problema se espalhasse para outros países com o aumento dos juros e do dólar, e a queda das bolsas de valores mundialmente. Algumas economias sentiram os efeitos mais rapidamente, outras foram pegas ao longo do tempo. Foi o caso do Brasil. Em 2009, o Produto Interno Bruto (PIB) chegou a ficar negativo, mas em 2010, a economia conseguiu reagir. Naquela época, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou que a crise seria uma “marolinha” no país. Presidente da Associação Empresarial de Brusque (Acibr) na época, o empresário Aliomar Luciano dos Santos lembra que as empresas tiveram dificuldades diante da crise mundial. “As empresas de Brusque tiveram de lidar com um mercado extremamente competitivo, com os preços baixos demais, fez com

que todo mundo puxasse o freio”. Para a atual presidente da Acibr, Rita Cassia Conti, o mundo todo sentiu reflexos negativos daquela crise. Em Brusque, porém, ela avalia que as grandes empresas têxteis, como a Renaux, Schlösser e Buettner foram as mais afetadas. “Foi uma crise muito severa para as grandes empresas, mas mesmo assim, não sentimos tanto os efeitos porque a mão de obra acabava sendo absorvida por outras empresas menores, principalmente no setor têxtil e de confecção, essa é uma grande característica de Brusque. Não dependemos apenas de uma indústria, mas de todo um polo. Tivemos uma queda, claro, mas não como nos grandes centros e em outros países”. O economista Roberto Zen destaca que 2008 gerou mais uma crise de confiança nos mercados do que propriamente uma paralisação das atividades. “Muitos negócios não se enxergavam naquela crise americana aqui no Brasil”. A sensação era de que o país havia passado em branco diante dos problemas que afetavam a economia de muitos países pelo mundo naquele período. Por aqui, Santos lembra que havia pleno emprego, sendo que muitas empresas precisavam buscar mão de obra em outras cidades. A tranquilidade, entretanto, durou até 2013. Em 2014 tudo se reverteu e, aí sim, as dificuldades começaram a aparecer. “Em 2013, a crise começou a dar sinais de que alcançaria o Brasil e em 2014 veio forte. Muito desemprego, o capital estava raro. Os mercados se retraíram e houve crescimento das demissões”, destaca o empresário. Em 2013, a criação de empregos com carteira assinada teve o pior resultado em dez anos, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Entre os empresários, há quem diga que esta crise ainda causa impactos. Isso porque seus efeitos tardaram a chegar à região mas, quando chegaram, somaram-se a novas dificuldades econômicas e também políticas. Esta história, entretanto, será contada nos próximos capítulos, quando os efeitos começam a ser sentidos mais diretamente na economia.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

53


terça-feira, 4 de agosto de 2020

54

MAIS CAPACIDADE DE PREVENÇÃO ARQUIVO O MUNICÍPIO

ENCHENTE DE 2008 ATRAIU OLHAR DA CIDADE PARA A NECESSIDADE DE FORTALECIMENTO DA DEFESA CIVIL

24 ANOS DEPOIS DA ÚLTIMA GRANDE ENCHENTE, BRUSQUE SE VIU, MAIS UMA VEZ, EM MEIO ÀS ÁGUAS DO RIO ITAJAÍ-MIRIM

Vinte e quatro anos depois da maior enchente registrada em Brusque, a cidade voltou a sofrer as consequências das chuvas. Desta vez, com uma intensidade ainda maior do que em 1984. Em 72 horas, choveu em Brusque naquele novembro de 2008, entre 200 a 400 milímetros, o equivalente a três meses de chuvas. O resultado não poderia ser diferente. Muitos

estragos e a sensação de impotência diante da força do rio Itajaí-Mirim. A água invadiu casas, empresas, ruas, destruiu estradas e deixou praticamente a cidade inteira sem luz e água encanada. Os brusquenses viviam, mais uma vez, em meio ao completo caos. A história parecia se repetir, mas desta vez, com um agravante: os deslizamentos. Até então, as chuvas

intensas registradas na cidade resultavam nas inundações. Porém, a partir de 2008, Brusque começou a sentir também os efeitos dos desmoronamentos de forma mais intensa. Foi assim que a tragédia de 2008 fez uma vítima fatal na cidade. André Alexandre Bittencourt, 28 anos, morador da localidade Cerâmica Reis, não resistiu à força do deslizamento de uma encosta que atingiu sua residência e morreu no sábado, 22 de novembro. Diversas regiões do município registraram pontos de deslizamentos. Quem não foi atingido pelas águas, foi pelos desmoronamentos de terra. Abrigos em todos os bairros da cidade foram montados para atender as famílias desalojadas, num momento de muita tristeza e fragilidade. Na época, 100 residências foram interditadas por deslizamentos. Cinco pessoas ficaram levemente feridas. O município contabilizou ainda 300 desabrigados e 160 desalojados. O prefeito da época, Ciro Roza, decretou estado de calamidade pública para conseguir recursos para a reconstrução da cidade o mais rápido possível. Paulo Eccel, que um mês antes da enchente foi eleito prefeito, precisou mudar tudo que havia planejado para o início de seu mandato. “Todo o planejamento que nós tínhamos para iniciar o governo foi radicalmente transformado pela realidade”, diz.

“A GENTE ANDAVA PELA RUA E VIA GRANDES EMPRESÁRIOS COM A MÃO NA MASSA, COMANDANDO CAMINHÃO DE LIMPEZA, DE ENTULHO. A CIDADE ESTAVA UNIDA” Paulo Eccel, ex-prefeito de Brusque

DIVULGAÇÃO

UNIÃO DE FORÇAS

EX-PREFEITO PAULO ECCEL CONSIDERA AS OBRAS DO PAC COMO UMAS DAS MAIS IMPORTANTES DA HISTÓRIA DE BRUSQUE

Apesar das dificuldades que a cidade enfrentou nos meses após a enchente, Eccel afirma que havia um sentimento de união na cidade. “A gente andava pela rua e via grandes empresários com a mão na massa, comandando caminhão de limpeza, de entulho. A cidade estava unida. Eu vejo que esse foi o diferencial, a superação. Todo mundo tinha o mesmo objetivo”. O ex-prefeito diz que esse sentimento de união motivou a criação de uma nova festa na cidade, a Felicità. “Vejo que foi um marco na reconstrução da cidade. A gente sabia que os problemas continuavam, que ainda tinha barro dentro das salas, cozinhas, quartos das pessoas, mas pensamos que criar um novo evento, bastante familiar, daria ânimo para as pessoas”. A festa, que homenageava as diferentes etnias que colonizaram a cidade, teve sua primeira edição realizada em abril de 2009 e seguiu até 2015.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

OBRAS DE INFRAESTRUTURA O ex-prefeito afirma que foi a partir da tragédia de 2008, que Brusque iniciou o que ele classifica como “uma das obras mais importantes da história da cidade”: o PAC Macrodrenagem. “Lembro como se fosse hoje. Aquele início de 2009 foi terrível, a cidade ainda não tinha se recuperado da grande enchente, e todo final de dia dava uma chuva daquelas de alagar tudo. No dia 25 de janeiro de 2009 recebi uma ligação de Brasília. Era o governo federal chamando os prefeitos aqui do Vale do Itajaí para uma reunião para discutir as catástrofes”. Eccel lembra que foi para a reunião com a missão de até o dia 10 de fevereiro apresentar um projeto de obras de drenagem na cidade. “Não existia projeto nenhum disso na cidade. Tivemos que a jato buscar apoio de diversos profissionais para elaborar as linhas gerais do PAC”. De acordo com ele, a base para o projeto de macrodrenagem na cidade foi as reportagens que saíam na imprensa de Brusque apontando os principais pontos de alagamento. “Vejo que aquela crise trouxe essa transformação em obras de infraestrutura para Brusque”, diz. “É uma obra de transformação, de infraes-

trutura, que vai além de um governo, ela pensa a cidade pra frente, as obras de macrodrenagem foram pensadas a cidade para os próximos 50 anos”, completa. As obras do PAC iniciaram em 2010. Foram anunciados projetos para 14 bacias em diferentes regiões da cidade. As obras, apesar de necessárias para resolver problemas históricos de alagamentos em vários pontos de Brusque, também trouxeram vários transtornos. Atrasos, trocas de empresas, problemas estruturais e de solo foram alguns dos problemas enfrentados pela prefeitura para a realização da macrodrenagem. Ao longo dos anos, foram concluídos os PACs da rua São Pedro, Bateas, Steffen, Paquetá, Azambuja, Santa Terezinha, Limeira e Poço Fundo. A macrodrenagem de parte do Centro também foi realizada. O PAC Nova Brasília teve diversos problemas, e foi concluído parcialmente. Apesar dos transtornos causados pelas obras, - muitas levaram anos para serem finalizadas -, pontos da cidade que tinham histórico de alagamentos com enxurradas e que receberam a macrodrenagem hoje já não sofrem com esse problema.

OLHAR PARA DEFESA CIVIL Foi também a partir de 2008 que a Defesa Civil de Brusque começou seu processo de evolução. Após a enchente, ficou cada vez mais evidente a necessidade de manter o órgão estruturado e equipado para poder auxiliar a população em situações como essas. Depois de 2008 foi realizado concurso público na Prefeitura de Brusque para a contratação de agentes de Defesa Civil. O órgão, que dividia um espaço no quartel do Corpo de Bombeiros, foi para um novo local, na rua Manoel Tavares, no Centro. Assim como em Brusque, a Defesa Civil estadual também se desenvolveu após a enchente de 2008. Antes, o órgão se limitava a apenas registrar as ocorrências do estado e, a partir de então, começou o processo de modernização, com ações efetivas de prevenção e auxílio aos municípios. Essa evolução iniciada a partir de 2008 seguiu nos anos seguintes tanto em Brusque quanto no estado, até o trabalho que é realizado atualmente.

55


terça-feira, 4 de agosto de 2020

56

CIRO GROH

“A ENCHENTE DE SETEMBRO DE 2011 FOI A MAIOR DESDE 1984, QUANDO O RIO ITAJAÍMIRIM ATINGIU 10,30 METROS. PRATICAMENTE 100% DA POPULAÇÃO, QUE NA ÉPOCA ERA DE 107 MIL HABITANTES, FOI ATINGIDA DE ALGUMA FORMA”

EM 2011, RIO ITAJAÍ-MIRIM CHEGOU A 10,03 METROS

AVANÇOS EM INFRAESTRUTURA ENCHENTE DE 2011 MOTIVOU DESENVOLVIMENTO DOS SISTEMAS DE MONITORAMENTO DE CHEIAS E ALAGAMENTOS

ERICO ZENDRON

Em 2011, foram três vezes que o rio Itajaí-Mirim assustou a população de Brusque elevando seu nível e invadindo as avenidas Beira Rio e seu entorno. Nem o mais pessimista, porém, poderia imaginar que haveria uma quarta vez e esta seria a pior. Brusque ainda se recuperava dos estragos do mês de agosto e as lembranças de 2008 ainda estavam bem vivas em todos. Já nos primeiros dias de setembro, a chuva voltou para o Vale do Itajaí. Na segunda-feira, 5, a chuva começou e seguiu incessante durante toda a semana. Na quarta-feira, o sentimento da população era de apreensão. No dia seguinte, a chuva continuou forte e o rio Itajaí-Mirim subia rapidamente. À noite, a água ultrapassou a marca de 2008, quando o rio atingiu 8,75 metros. Na madrugada de sexta-feira, 9 de setembro, o rio continuou subindo e, mais uma vez, Brusque foi castigada pelas águas. Assim como em 1961, 1984 e 2008, era preciso se unir e juntar forças para reconstruir a cidade. A enchente de setembro de 2011 foi a maior desde 1984, quando o rio Itajaí-Mirim atingiu 10,30 metros. Praticamente 100% da população, que na época era de 107 mil habitantes, foi atingida de alguma forma. Mais de 150 pessoas ficaram desabrigadas. Mais uma vez, residências, empresas e comércios foram devastados. Estradas, pontes,

árvores, foram levadas pela força das águas. Os deslizamentos de terra assustaram ainda mais do que em 2008. A cidade se transformou em um cenário de guerra. Inicialmente, o pico da enchente de 2011 em Brusque foi divulgado como 12 metros. Porém, mais tarde, o número foi corrigido para 10,03 metros, ou seja, apenas alguns centímetros a menos que 1984. A diferença nos números ocorreu porque a régua de medição do nível do rio na cidade ia apenas até oito metros. Quando a água ultrapassou essa marca, as medições foram realizadas pelas escadas ou pedaços de madeira, o que acabou jogando o nível do rio para cima.

PRATICAMENTE TODA A CIDADE FOI ATINGIDA PELAS ÁGUAS DO RIO ITAJAÍ-MIRIM


terça-feira, 4 de agosto de 2020

57

menos frequentes. Após, esse problema ficou muito visível e abriu os olhos para essa questão. Em 2011, se agravou, tanto que tivemos mais de mil mortes no estado em decorrência dos desmoronamentos. Isso fez com que o governo federal abrisse caminho para o que chamamos de geologia de desastres, com mapeamento das áreas de risco”. Como Brusque sofre com eventos climáticos constantes, foi um dos 850 municípios do país contemplados na primeira fase deste estudo. A partir disso, foram mapeadas 46 áreas de risco em Brusque e em 2019 o levantamento foi atualizado para 199 áreas de risco de deslizamento, enxurrada, erosão fluvial e mancha de enchentes na cidade. Desde 2014, a cidade conta também com a cota e a carta enchente, estudos realizados com base na enchente de 2011, quando o rio chegou a 10,03 metros. Pelo site da Defesa Civil, os moradores podem consultar a cota de enchente de sua rua, ou seja, em quantos metros o rio pode chegar até atingir determinado local. Foram levantados mais de 1,9 mil pontos da cidade onde foram estabelecidas as cotas de cheia. Também baseado em 2011, os pesquisadores foram a campo, visualizaram as marcas da enchente e entrevistaram moradores para estabelecer e simular a mancha de enchente de sete a 15 metros, o que é chamado de carta enchente. Este trabalho foi realizado em parceria com o Centro de Operação do Sistema de Alerta da Bacia Hidrográfica do Rio Itajaí-Açu, órgão ligado à Universidade Regional de Blumenau (Furb) e está disponível no site da Defesa Civil. A estrutura física e de pessoal da Defesa Civil da cidade também cresceu. Em 2011, cinco pessoas atuavam no órgão. Hoje são 14 e mais cinco servidores cedidos para o Corpo de Bombeiros. Em 2009, logo após a enchente, o órgão municipal tinha apenas dois veículos. 11 anos depois são cinco carros disponíveis, sendo duas caminhonetes. Fora isso, em 2017 foi inaugurada a sede própria da Defesa Civil de Brusque, que hoje conta com uma boa estrutura, na rua Dr. Penido, junto ao Parque Leopoldo Moritz.

NOVO PRÉDIO DA DEFESA CIVIL DE BRUSQUE FOI INAUGURADO EM 2018

ARQUIVO O MUNICÍPIO

Apesar de melhor estruturada do que em 2008, a Defesa Civil de Brusque ainda enfrentou muitas dificuldades em 2011. A começar por sua sede, na rua Manoel Tavares, que também foi atingida pelas águas. Sem sistema de telemetria na cidade e dependendo de outros órgãos, naquela ocasião, a Defesa Civil não conseguiu prever que o rio superaria a marca de 2008 e causaria ainda mais estragos. Definitivamente, era preciso investir neste trabalho que costumava ser esquecido quando a situação da cidade é de normalidade e muito exigido em eventos extremos como o de 2011. Coordenador da Defesa Civil de Brusque, Edevilson Cugik define o trabalho do órgão como reativo. De acordo com ele, todos os problemas enfrentados em 2011 motivaram a virada na estrutura no município. “Após a enchente de 2011 tivemos muitas mudanças. Não se tinha sistema de telemetria na cidade, dependíamos de outros órgãos. O modo de transmissão dos dados nem sempre era o melhor, a manutenção também não era nossa responsabilidade, então dificultava muito”. Após 2011, a prefeitura investiu nas estações de telemetria na cidade. Foram implantadas dez estações, com sistema de transmissão de dados via rádio, o que proporciona mais segurança, já que na última grande enchente, a rede de celular que era utilizada para receber os dados do sistema, não funcionou. Hoje, o órgão conta com as estações instaladas em Botuverá e também nos bairros Limeira, São Pedro, Bateas, Cedro Alto, Dom Joaquim, Guarani e Primeiro de Maio. “Alguns lugares já tinham a estação de outros órgãos, mas decidimos colocar uma nossa também para não precisar depender desses equipamentos na obtenção dos dados”. A manutenção das estações é realizada pela própria Defesa Civil. Além disso, foi realizado um trabalho em parceria com o governo federal sobre áreas de risco de deslizamentos e alagamentos no município. “Antes de 2008, os deslizamentos eram

BÁRBARA SALES

UMA NOVA DEFESA CIVIL

AINDA HOJE, IMAGENS DAQUELE SETEMBRO DE 2011 NÃO SAEM DA CABEÇA DOS BRUSQUENSES

CONSCIENTIZAÇÃO É FUNDAMENTAL Para o geólogo Juarês Aumond, a evolução da Defesa Civil de Brusque nos últimos anos é fundamental para que a cidade esteja preparada para enfrentar novos eventos resultantes, principalmente, das mudanças climáticas. “A nossa Defesa Civil hoje está muito bem preparada. Todos os órgãos estão mais preparados para enfrentar uma crise como a de 2011. Sem dúvida, a Defesa Civil de Brusque é uma das melhores ao lado da de Blumenau, Itajaí e Gaspar”. Aumond lembra que o problema das enchentes em Brusque vem desde a colonização, em 1860, quando as margens do rio foram ocupadas e deram início ao desenvolvimento da cidade.

“Se os primeiros imigrantes tivessem ocupados áreas como a que temos no Jardim Maluche e preservado as matas ciliares, certamente não precisaríamos de retificação de rio, de canal extravasor, mas fomos ocupando de forma desorganizada há 160 anos, até porque não tínhamos consciência individual ou coletiva do que poderia acontecer 50, 100 anos depois”, diz. “Passados 160 anos, não podemos continuar cometendo os mesmos erros. Hoje temos conhecimento das áreas de risco, estão todas mapeadas, temos noção das nossas limitações e obrigação de não replicar os erros do passado”, completa.

“TIVEMOS UMA MUDANÇA DE PENSAMENTO, NÃO SÓ DAS AUTORIDADES, MAS DA POPULAÇÃO, SOBRE O PAPEL DA DEFESA CIVIL” Edevilson Cugik, coordenador da Defesa Civil de Brusque

Embora não haja uma solução definitiva e 100% eficaz para o problema das enchentes na cidade, Cugik avalia que mais importante do que a estruturação do órgão municipal ao longo dos anos foi a conscientização da população. “Tivemos uma mudança de pensamento, não só das autoridades, mas da população, sobre o papel da Defesa Civil. Observamos que ano a ano vem crescendo o número de solicitações para o nosso órgão, mesmo sem eventos como o de 2011. Temos muito para caminhar, mas vejo que já criamos uma consciência, as pessoas estão preocupadas em não ocupar áreas de risco e isso é fundamental para minimizar os problemas”.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

58

SAÚDE SAI DA EMERGÊNCIA INTERVENÇÃO DA PREFEITURA NO HOSPITAL AZAMBUJA TROUXE MAIOR VOLUME DE INVESTIMENTOS À INSTITUIÇÃO

BÁRBARA SALES

“O QUE A PREFEITURA NOS PAGAVA ERA O MÍNIMO, COBRIA APENAS A METADE DO NÚMERO DE ATENDIMENTOS FEITOS NO HOSPITAL. ISSO TUDO COMEÇOU A PESAR MUITO” Padre Nélio Schwanke, diretor do hospital

ciavam desde janeiro a renovação do contrato, como acontece anualmente. Diretor da unidade hospitalar desde 1984, padre Nélio Schwanke lembra que o

DE 2013 PRA CÁ, HOSPITAL TEVE MUITOS AVANÇOS

diz que ficou sabendo da decisão do hospital pela imprensa. “Estávamos em processo de negociação e fomos surpreendidos com o anúncio do fechamento do pronto-socorro. Na semana anterior, tivemos uma longa reunião com a administração do hospital, onde foi feita uma proposta e aguardávamos uma resposta. A reunião foi bem produtiva, amigável, nunca imaginei que isso pudesse acontecer”, diz. Hospital e prefeitura nego-

ARQUIVO O MUNICÍPIO

Em coletiva de imprensa na manhã do dia 3 de junho de 2013, a diretoria do Hospital Azambuja anuncia que a partir do dia seguinte, o pronto-atendimento da unidade não atende mais pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A decisão preocupou a população, que teria que se deslocar para outros municípios para receber atendimento de saúde gratuito. O anúncio do hospital pegou também a Prefeitura de Brusque de surpresa. Prefeito na época, Paulo Eccel

hospital estava passando por dificuldades financeiras, e não tinha mais condições de pagar os plantões da emergência. “O que a prefeitura nos pagava era o mínimo, cobria apenas a metade do número de atendimentos feitos no hospital. Isso tudo começou a pesar muito. Começaram as negociações, ficamos de janeiro a junho discutindo. Não houve acordo, até que a diretoria chegou à conclusão de que não dava mais para continuar e tomamos a decisão”. A partir do anúncio do hospital, a prefeitura precisou tomar uma atitude rapidamente, para evitar que a população ficasse sem atendimento via SUS na cidade. No início da tarde do dia 3 de junho, Eccel convocou a imprensa para anunciar a publicação de um decreto de calamidade pública e, consequentemente, a intervenção administrativa do hospital até 31 de dezembro. Já naquele dia, o nome de Fabiano Amorim foi anunciado como novo administrador. No dia 4 de junho, o pronto-atendimento do hospital ficou cerca de uma hora fechado, durante a reunião entre a diretoria e a prefeitura. Após a reunião, Fabiano Amorim e a então secretária de Saúde, Cida Belli, reabriram a unidade. A partir de então, o local voltou a funcionar normalmente. “O hospital foi para a Justiça para barrar o decreto, mas a Justiça manteve e nomeamos o Fabiano como interventor, que tinha uma experiência fantástica na área”, destaca Eccel.

EM COLETIVA DE IMPRENSA, PAULO ECCEL ANUNCIOU A INTERVENÇÃO NO HOSPITAL AZAMBUJA


terça-feira, 4 de agosto de 2020

59

HOSPITAL ENTRA EM NOVA FASE Passados os momentos de turbulência e apreensão, a crise financeira, que culminou com o anúncio do fechamento do pronto-atendimento e com a intervenção da prefeitura, é vista como um divisor de águas dentro do Hospital Azambuja. Para Eccel, a crise gerou uma fase positiva para o hospital. “Confirmou o que a gente falava, que o problema do Hospital Azambuja era de gestão. Tinha que mudar a forma de gestão e o hospital mudou. Os resultados estamos vendo até hoje”, avalia. Responsável por administrar o hospital durante o período de intervenção, Fabiano Amorim lembra que inicialmente foi feita a verificação de todo o faturamento do hospital, que era em torno de R$ 1,3 milhão por mês. Foi também neste período que o hospital foi informatizado. “Quando entramos, era tudo manual, na caneta. Qualquer relatório demorava duas semanas pra chegar, não conseguia administrar assim. Não tem como tocar uma estrutura de 150 leitos fazendo prontuário na mão. Então essa situação, quando assumi, estava um pouco caótica e com o tempo fomos modernizando”. Além da informatização, Amo-

rim destaca o credenciamento em vários programas do Ministério da Saúde e, consequentemente, a vinda de mais recursos federais, fundamental para organizar a gestão do hospital de Brusque. “Tinha diversas questões de recursos federais, de portarias, que a gente verificou que o hospital poderia ser habilitado. Na época, o faturamento do SUS representava R$ 750 mil e o restante era de particulares e convênios. Com o credenciamento no Ministério da Saúde, aumentamos a receita, a oferta de serviços para a comunidade e adquirimos diversos equipamentos”. Ao fim dos seis meses de intervenção, a administração do hospital foi devolvida à Mitra Diocesana, e Amorim foi convidado para continuar na função de administrador da unidade. Ele permaneceu à frente do hospital até dezembro de 2017. “Quando deixei o hospital, o faturamento estava em R$ 3,7 milhões. Em quatro anos, ele foi de R$ 1,3 milhão para R$ 3,7 milhões. No início, recebia em torno de R$ 750 mil do SUS e passou a receber R$ 1,7 milhão, e o restante particular e convênios. Estava com uma receita boa e tudo isso proporcionou a subida. A organização administrativa, convênios com o governo federal através das por-

tarias que davam recursos”. Padre Nélio Schwanke destaca o trabalho feito por Amorim durante o período de intervenção. “O Fabiano Amorim, que era o administrador nomeado pelo prefeito, fez um trabalho bom. Tanto que quando a prefeitura devolveu a administração do hospital, eu fiz questão de ficar com o Fabiano, mesmo contra a opinião de outros. Por que mexer no que está dando certo? Não há motivos para isso”. O padre também lembra da auditoria que foi realizada nas contas do hospital, em que não foram encontradas irregularidades. “Tinha essa desconfiança de que o dinheiro era desviado, mas a auditoria não encontrou nada, nenhum desvio de dinheiro, de roubo, podem ter encontrado algum erro acidental, passível de correção, mas proposital, não”. Ao longo dos anos, já com a figura do administrador consolidada, o hospital teve diversos avanços, como três plantões destinados a emergência, novos equipamentos e profissionais, além de melhorias estruturais e novos serviços. “Criamos a ala particular e de convênio, o centro de imagem, o ambulatório particular e de convênios, compramos tomografia nova, ressonância magnética,

aparelho de ultrassom, equipamentos cirúrgicos. A credibilidade do hospital mudou. A comunidade passou a respeitar mais”, avalia Fabiano. Padre Nélio também avalia que a crise gerada com a intervenção da prefeitura gerou frutos que o hospital colhe até hoje. “Eu acho que foi bom. Não tenho mágoa do prefeito ou da secretária. Claro que não gostei da forma como foi encaminhado, mas foi bom para a instituição. A prefeitura, que é a maior compradora de serviços, pode ver bem de perto como funciona, o que é muito diferente de eu ir lá e dizer. Nós mudamos, a prefeitura viu onde deveria mudar e o assunto foi resolvido e deu uma alavancada bonita”. Com 118 anos de história, o Hospital Azambuja conta hoje com mais de 500 colaboradores e se prepara para inaugurar novos serviços como a hemodinâmica, conquistada com a ajuda de empresários locais, e também implantar a UTI neonatal. O hospital deve inaugurar, em breve, a reforma na emergência, e iniciar também melhorias no centro cirúrgico. “Sem dúvida, o hospital evoluiu de lá pra cá e estamos mantendo essa evolução a cada ano que passa”, destaca o padre.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

60

DESAFIO A SER SUPERADO CRISE POLÍTICA DE 2015 TROUXE INSTABILIDADE À ECONOMIA, QUE AINDA ESTÁ EM FASE DE RECUPERAÇÃO dos do país, o subemprego, a informalidade”, observa o economista Roberto Zen. De acordo com ele, a crise que atingiu o país nessa época foi muito influenciada pela instabi-

lidade política interna e ambiente internacional muito hostil a investimentos, o que fez o Produto Interno Bruto (PIB) recuar 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016. “Tivemos uma perda muito

ARQUIVO O MUNICÍPIO

Se em 2008 e 2009, o Brasil foi um últimos países a sentir, ainda que levemente, os efeitos da crise mundial, a partir de 2014, a situação econômica do país muda de figura. Começa um período de grandes dificuldades para todos os setores. Uma crise muito local, agravada pela instabilidade política e com consequências danosas para todos. “Em 2015 e 2016, todo mundo se enxergou dentro da crise, sentiu na carne as dificuldades. Tanto que ali começou a se gerar o maior número de desemprega-

significativa, em torno de 7%, e esses 7% ainda não foram recuperados”, diz. Zen lembra que a economia de Brusque depende fortemente do setor têxtil e também do metalmecânico. O último, segundo ele, não foi tão afetado nos últimos dez anos porque as empresas que têm percentual de exportação conseguiram equilibrar. Já o têxtil, que importa muito, se defasou tecnologicamente. “Se olhar o volume de exportações, a maioria das empresas da cidade não têm esse perfil exportador mais. As antigas tinham, mas as novas exportam pouco e quando exportam, são para países vizinhos, com valor muito baixo, não acessam mercados de escala, então sobrevivem do mercado interno. Como a crise foi muito interna, essas empresas sofreram muito, principalmente as grandes”.

“EM 2015 E 2016, TODO MUNDO SE ENXERGOU DENTRO DA CRISE, SENTIU NA CARNE AS DIFICULDADES” Roberto Zen, economista

EM BRUSQUE, VÁRIAS MANIFESTAÇÕES APOIARAM O IMPEACHMENT

INSTABILIDADE POLÍTICA E PROMESSA DE RETOMADA Em meio a números cada vez mais negativos, o país se viu dentro de uma instabilidade política e inúmeros escândalos de corrupção. “A instabilidade política e o escancarar do esquema de corrupção com a instalação da Lava Jato aumentaram a incerteza e afastaram os investimentos no país. A recessão bateu na porta de quase todas as empresas, chegando a ter mais de 12 milhões de desempregados”, destaca o empresário Edemar Fischer. Reeleita na eleição de 2014, a presidente Dilma Rousseff (PT) não conseguiu contornar os problemas econômicos e em dezembro de 2015 teve o pedido de impeachment aceito na Câmara dos Deputados por crime de responsabilidade. Em agosto de 2016, foi afastada definitivamente do cargo. O vice-presidente Michel Temer (MDB) assumiu o governo com a promessa de reformas e retomada da economia, mas também se viu em meio a escândalos de corrupção e não conseguiu tirar o país da crise. “Mudou o governo, mas a base econômica estava muito frágil. Não tinha uma política industrial nova, não se mexeu nas políticas monetárias. O país não suportava grandes

mudanças. Mudou o presidente, mas foi mais do mesmo, tanto que não deixa lembranças de nada muito impactante”, destaca Zen. De acordo com o economista, mesmo com a mudança após o impeachment, não teve nada que sinalizasse no mercado que a política econômica teria uma virada. “No primeiro momento depois do impeachment, o impacto é sempre de retração, os agentes econômicos se retraem para observar. Se não acontece nada de diferente, vão buscar outros mercados”. Além do momento político conturbado nacionalmente, Brusque ainda teve um agravante diante da crise: a instabilidade política local, após a cassação do prefeito Paulo Eccel, em 2015. “A crise gerada pelo impeachment foi grande. O dólar começou a aumentar bastante, tivemos uma crise efetiva na questão econômica. Ali sentimos maior impacto que refletiu no país como um todo. O aumento do dólar foi o pior da crise na época e aqui em Brusque tínhamos a questão municipal, que agravou regionalmente”, destaca Halisson Habitzreuter, presidente da Acibr na época.

DESAFIO CONTINUA O economista Roberto Zen observa que nos anos que se seguiram, o desempenho da economia continuou fraco. Para ele, a crise de 2015/2016 ainda não foi superada. “Essas crises, tanto a de 2008 quanto a de 2015, apesar de serem muito diferentes, trazem lições parecidas. Quando os fundamentos da economia não são sólidos no país, qualquer terremoto pequeno afeta grandemente o resultado das empresas”. Para o empresário Edemar Fischer, o Brasil começou a ensaiar uma reação a partir de 2019. “No fim do ano passado as empresas programaram investir, aumentar o número de empregos e consequentemente, incrementar a produção”. Porém, a pandemia da Covid-19 acabou frustrando os planos de retomada. “Apesar de a crise atual estar no auge, recomendo paciência e coragem de manter nossos colaboradores empregados. Acreditamos na vontade de produzir, de vender, de comprar e consumir, de investir, de empreender. Acreditamos nos produtos fabricados no Brasil, fabricados no nosso estado e, especialmente na nossa cidade. Vamos comprar e consumir produtos daqui e aos poucos nossa economia se recuperará”, declara Fischer.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

61


terça-feira, 4 de agosto de 2020

62

ENTRA E SAI DE PREFEITOS COM CASSAÇÃO E TROCAS DE COMANDO, CIDADE VIVEU SOB NUVEM DE INSEGURANÇAS SÓ DISSIPADA APÓS AS ELEIÇÕES DE 2016

Na noite de 24 de março de 2015, os brusquenses foram dormir com a notícia de que o prefeito, Paulo Eccel (PT) e o vice, Evandro de Farias, o Farinha (PP), tiveram seus mandatos cassados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Paulo e Farinha foram acusados de abuso de poder econômico e político durante a eleição de 2012, por aplicação indevida de verbas publicitárias da prefeitu-

ra naquele ano. A denúncia, que culminou com a cassação dos mandatos do prefeito e vice de Brusque, partiu da coligação “A Força do Povo”, do ex-prefeito e então candidato, Ciro Roza. O julgamento ocorreu em Brasília após vários adiamentos e, naquela noite, de forma unânime, os ministros mudaram os rumos da política na cidade. Eccel e Farinha tentaram reverter a decisão.

Entraram com recursos, mas a sentença só foi anulada em 2017, quando já não havia mais possibilidade de retorno aos cargos. A partir da cassação, pairou sob a cidade uma nuvem de inseguranças. Em 31 de março, o então presidente da Câmara de Vereadores, Roberto Prudêncio Neto (PSD), foi notificado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de que as-

sumiria a Prefeitura de Brusque interinamente, por 30 dias, até a convocação de eleições indiretas. Em seu lugar na presidência da Câmara, assumiu o vice-presidente, Jean Pirola (PP), que ficou com a missão de conduzir o processo eleitoral indireto no município. Começa aí uma sequência de decisões judiciais que interferem diretamente na prefeitura e também no cenário político de Brusque.

ARQUIVO O MUNICÍPIO

GUERRA JUDICIAL

CÂMARA DE BRUSQUE/DIVULGAÇÃO

PAULO ECCEL DEIXOU A PREFEITURA ACOMPANHADO DA ESPOSA, ELIZABETE, E SECRETÁRIOS NO DIA 31 DE MARÇO DE 2015

ELEIÇÃO INDIRETA FOI REALIZADA EM 5 DE JUNHO DE 2016, MAIS DE UM ANO APÓS A CASSAÇÃO DE ECCEL

A expectativa era que a cidade ficasse sob responsabilidade do prefeito interino Roberto Prudêncio durante 30 dias. Porém, às vésperas da eleição indireta, marcada para o dia 30 de abril, o TSE concedeu liminar a Eccel para suspender a eleição. Com isso, Prudêncio permaneceria na prefeitura até que o recurso do prefeito afastado fosse julgado. A decisão que manteve a cassação de Eccel e Farinha veio somente em maio de 2016. Só então, o processo eleitoral indireto para a escolha do prefeito foi retomado. Iniciava, então, mais um imbróglio judicial. Prudêncio era o candidato a prefeito e questionou a homologação da chapa que tinha José Luiz Cunha, o Bóca, que fora seu secretário de Turismo, como candidato. Acontece que o PP, na eleição que foi suspensa, apresentou o empresário Ingo Fischer como candidato, que três dias antes da data marcada para a eleição em 2015, retirou a candidatura. Um ano depois, quando o processo eleitoral foi retomado, Jean Pirola, presidente da Câmara, aceitou a troca de candidatos, o que foi considerado ilegal pela chapa concorrente. Foram várias impugnações e anulações de impugnação da chapa até a eleição. Bóca foi eleito pelos vereadores no dia 5 de junho de 2016 por

9 votos a 6, e tomou posse no mesmo dia. A guerra judicial persistiu. Prudêncio chegou a ganhar liminar para voltar ao cargo de prefeito, reassumindo o gabinete com a presença da Polícia Militar. A liminar, entretanto, foi revertida pelo Tribunal de Justiça, devolvendo o cargo a Bóca. A disputa judicial ainda durou mais alguns meses, até Prudêncio protocolar pedido de desistência do recurso que tramitava no Tribunal de Justiça.

“PARA NOSSA SURPRESA, O TSE DEU A LIMINAR SUSPENDENDO AS ELEIÇÕES, E TIVEMOS QUE DAR O MÁXIMO DE NÓS, PORQUE NÃO TINHA UMA DATA DEFINIDA, EU NÃO SABIA ATÉ QUANDO FICARIA NA PREFEITURA” Roberto Prudêncio Neto, ex-prefeito de Brusque


terça-feira, 4 de agosto de 2020

63

INSEGURANÇA JURÍDICA DIFICULTOU AÇÕES Cinco anos depois do início da crise política municipal, a judicialização e a insegurança que refletiu naqueles quase dois anos em Brusque é vista como a principal dificuldade que a cidade enfrentou na época. Prudêncio, que entrou na prefeitura para ficar interinamente 30 dias, até a realização da eleição, acabou ficando por pouco mais de um ano. “Para nossa surpresa, o TSE deu a liminar suspendendo as eleições, e tivemos que dar o máximo de nós, porque não tinha uma data definida, eu não sabia até quando ficaria na prefeitura. Decidi tocar a prefeitura cada dia como se fosse o último”, diz. Para ele, se a eleição tivesse sido realizada dentro daqueles 30 dias, logo após a cassação, a cidade não sentiria tanto os problemas gerados pelas trocas de prefeito. “Seria muito mais seguro para executar o planejamento. A insegurança jurídica acabou gerando uma cri-

se política”, afirma. Prudêncio classifica o período como traumático para a população. “Mudar três vezes de prefeito em um mandato acabou gerando uma incerteza na população, nos funcionários da prefeitura, nas metas programadas, nas obras em andamento. Muitas dessas obras foram concluídas só agora na gestão do Dr. Jonas, e muitas delas ainda nem foram executadas”. Responsável por conduzir a eleição indireta, Jean Pirola também destaca os problemas causados à cidade pela insegurança daquela época. “Foi um período problemático. A insegurança jurídica trouxe insegurança política, que gerou uma insegurança administrativa, financeira, o município perdeu muito, pois não sabia se o prefeito continuaria no cargo. A população que pagou a conta”. Para ele, a cidade só se recuperou do baque após a eleição de Jonas Paegle. “Em dois anos tivemos poucas obras. É possível ver

a diferença com essa administração agora que está concluindo o mandato. A cidade voltou a ter uma garantia jurídico-administrativo-financeira”. Bóca Cunha, que administrou a cidade de 6 de junho a 31 de dezembro de 2016, lembra ainda de outra dificuldade durante o seu mandato: o período eleitoral. Nos seis meses que ficou à frente da prefeitura, Cunha teve limitações financeiras. “Eu passei muita dificuldade, porque a grande receita do município é no primeiro semestre, além disso, tinha o período eleitoral, com muitas limitações e o fechamento de contas de todos os prefeitos que me antecederam no mandato”. Halisson Habitzreuter, presidente da Associação Empresarial de Brusque (Acibr) na época, ressalta o impacto que as sucessivas trocas no comando da prefeitura causaram no desenvolvimento da cidade.

“O Roberto, por exemplo, não podia tomar decisões a longo prazo, porque não sabia até quando ficaria. Depois o Bóca entrou já no fim do mandato, não tinha como fazer muita coisa. Vejo que foi interrompido o desenvolvimento da cidade”. Para Paulo Eccel, que foi absolvido em 2017 por decisão do ministro Ricardo Lewandowski, a cidade ainda não se recuperou dos prejuízos causados pela perda de seu mandato. “Eu não consigo encontrar nesta crise o que veio de positivo para a cidade. Vejo várias obras sendo dada a ordem de serviço hoje, e que estava planejado no nosso governo. Muitas que iniciaram na nossa gestão ainda nem inauguradas foram. Grande parte dessas obras que estão dando início hoje, a previsão era de estarem concluídas ou em execução quando terminasse o mandato em 2016. Eu vejo que a cidade perdeu, parou no tempo, entristeceu”.

CÂMARA DE BRUSQUE/DIVULGAÇÃO

ARQUIVO O MUNICÍPIO

EM ABRIL DE 2015, OS VEREADORES APROVARAM ALTERAÇÃO NA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO, REVOGANDO O VOTO SECRETO NA ELEIÇÃO INDIRETA PARA PREFEITO E VICE-PREFEITO

BÓCA CUNHA E ROLF KAESTNER FORAM ELEITOS COM NOVE VOTOS

CRISE POLÍTICA Além das interferências jurídicas, o período ficou marcado também por uma crise política. Após a suspensão da eleição, o cenário político local mudou. Aconteceram rupturas na base do governo interino que foram decisivas para a eleição de Bóca. Pirola lembra que, de início, foi feito um acordo de lideranças para que Prudêncio fosse eleito o prefeito e, assim, os efeitos da cassação de Eccel fossem os mínimos possíveis na cidade. Porém, após a suspensão da eleição, o cenário mudou. “Nesse bom tempo parado, houve rupturas do Roberto

com a base. Ele não cumpriu a palavra que ele tinha, administrou a cidade de forma individual e isso colocou em cheque toda a base que ele tinha. Infelizmente, quando tem ruptura de palavras, compromissos dentro do Executivo, você perde a base”. Prudêncio também avalia essa ruptura como fundamental para os rumos que a cidade tomou naquele período. “Alguns vereadores que estavam nos apoiando no início, já não nos apoiavam no final. Não estava mais contentando a todos. Cada um tem seus interesses e eu senti essa pressão bastante grande,

principalmente dos partidos e vereadores. Além da crise jurídica tive que administrar a crise política. Com os votos deles, não consegui terminar o mandato, fechar o que tinha planejado e entregar a cidade da maneira que eu queria”, afirma. Para ele, a ruptura política agravou ainda mais a crise no município. “O ego de algumas pessoas falou mais alto. Não identificaram a magnitude do trauma que poderia causar no município. A união de forças foi forte e necessária no início, mas no final se rompeu. Cada um foi buscar seu espaço e isso prejudicou mais ainda”.

FIM DO VOTO SECRETO Apesar dos transtornos, Jean Pirola vê que a crise teve um reflexo positivo na cidade. Foi naquele período que o voto secreto na Câmara de Vereadores de Brusque foi abolido. Desde então, toda e qualquer votação na casa legislativa do município é por meio do voto aberto. Outra mudança para a cidade foi que a Câmara, naquela época, excluiu da Lei Orgânica do município a possibilidade de eleição indireta, como ocorreu em 2016. “Quebramos essa corrente. Toda e qualquer votação hoje em Brusque sempre será feita de forma direta, pela população”.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

64

Parabénn Brusquu Pell 160 Anl

Preciss

Eliminar Pess? COM NOSSO MÉTODO

ELIMINE ATÉ 10% DO SEU PESO EM 35 DIAS

Emagreciments OO-linu

AGENDE UMA AVALIAÇÃO GRATUITA

SAIBA MAIS

(47) 9 8420-9118 TRANSFORMAÇÃO DA PAISAGEM Lauth destaca que a partir desta conclusão, a solução imediata encontrada pela equipe foi o des-

matamento dos arredores das cidades, numa distância superior a 10

(47) 3351-0144 R. JOÃO BAUER, 428 BRUSQUE UNIDADE DE BRUSQUE


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.