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4. O mutirão autogestionário e a COPROMO
A experiência de mutirão autogestionário que surgiu em 1990 no município de Osasco e recebeu o nome de COPROMO (Cooperativa Pró Moradia de Osasco) serviu de objeto de estudo no meio acadêmico e arquitetônico/urbanístico desde o momento de elaboração de seu projeto. A experiência atingiu o meio profissional de arquitetura e urbanismo primeiramente em 1997, momento no qual o projeto é publicado junto com outras soluções arquitetônicas relacionadas à área da habitação de interesse social, em uma edição da Revista Arquitetura & Urbanismo (CERQUEIRA, 2016).
O real interesse frente à COPROMO começa a surgir em 1998, momento em que sua construção se conclui. No meio acadêmico, a experiência é citada primeiramente no livro de Pedro Fiori Arantes em 2002, seguida pela obra de Édison Martiniano de Oliveira Júnior em 2004. Além desses trabalhos, a temática seria escolhida como objeto de estudo de vários estudos de iniciação científica em momentos posteriores.
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Segundo Cerqueira (2016), a experiência COPROMO voltaria a ser discutida na dissertação de mestrado de Vladimir Navazinas, em 2007, no qual se destaca o caráter do espaço comum projetado no conjunto, assim como outros quatro empreendimentos de habitação social por mutirão. Posteriormente, o COPROMO apareceria na discussão feita por Petrella (2012) em seu trabalho intitulado “Das fronteiras do conjunto ao conjunto das fronteiras: experiências comparadas de conjuntos habitacionais na região metropolitana de São Paulo”. Mais uma vez o conjunto da COPRMO entraria em uma análise comparativa entre outros seis conjuntos de provisão habitacional tanto sociais quanto de caráter “empresarial”, como CDHU, COHAB e Cingapura. Por fim, em 2016, Ícaro Cerqueira em sua dissertação de mestrado, recupera a trajetória do conjunto, dando enfoque à dimensão arquitetônica da experiência a partir da perspectiva do canteiro de obras da COPROMO.
Importante notar dentre os múltiplos trabalhos acadêmicos que se dispuseram a discorrer sobre a experiência a partir de diversas abordagens e diferentes recortes temáticos, o crescente interesse pela originalidade da experiência COPROMO em suas múltiplas facetas.
Como justificativa para esse fenômeno, deve-se procurar no caráter da experiência COPROMO os elementos que acabariam por distingui-la dos demais mutirões autogestionários realizados na RMSP. Entre eles, pode-se destacar seu marcante avanço em termos projetuais e em relação às soluções arquitetônicas encontradas, que permitiram a construção de um conjunto caracterizado pelo grande volume de habitações projetadas, frente às 1000uh divididas em 50 blocos com cinco pavimentos (NAVAZINAS, 2007). Sendo assim, o projeto realizado acabaria por contrariar aqueles que consideravam o mutirão uma
forma atrasada de produção, e, portanto, descartavam a possibilidade de construção de edifícios a partir dessa lógica (ARANTES, 2002). Ou seja, a modalidade mutirão também provou ser capaz de produzir habitação social em escala numérica e qualitativamente significativa. Ademais, sua solução construtiva emblemática residia na adoção de um sistema construtivo baseado em blocos estruturais de alta resistência, o que dispensava andaimes e fôrmas para concretagem, configurando-se como uma solução extremamente simples baseada na noção de construção de uma casa térrea sobre a outra, com uma cinta de amarração sustentando a laje pré-moldada de cada andar superior (Figura 1).
Dentre os materiais utilizados destaca-se o uso do bloco cerâmico, empregado a partir de módulos, além de inovações espaciais como “torres de escada em aço instaladas logo que ficavam prontas as fundações” (ARANTES, 2002, p.218). Dessa forma, a partir da escolha de materiais e de seu método construtivo, o COPROMO se contraporia “aos ‘grandes conjuntos’ produzidos por empreiteiras, de precária qualidade ambiental” (PETRELLA, 2012, p.19).
Figura 1: Canteiro de obras da COPROMO
Contudo, as soluções arquitetônicas encontradas para a realização do conjunto dividem a atenção com a dinâmica organizacional da COPROMO, relacionadas à trajetória dos movimentos sociais envolvidos no processo e à capacidade de mobilização dos mesmos. Para tanto, a análise da trajetória do movimento se debruça sobre o que Tatagiba (2015) destaca como as dimensões relevantes que interferem no resultado dos movimentos sociais, apresentados na forma de: infraestrutura de mobilização dos movimentos (organização e repertório) e contexto (a estrutura de oportunidade política) (TATAGIBA, 2015). Dessa forma, a conjuntura nacional e a trajetória da COPROMO constituem elementos importantes para consolidação do mutirão autogestionário em Osasco e para a formação de seu balanço histórico, frente ao cenário de “avanço qualitativo nos movimentos populares” (KOWARICK, 1988, p.162). A tais variáveis se soma a escassez de projetos habitacionais populares na segunda metade da década de 1980 e em 1990, pois, além da crise fiscal, a extinção do BNH, em 1986, criou um vácuo institucional para as políticas públicas de habitação social. Dessa perspectiva, a multiplicidade de experiências autogestionárias ao longo da década de 1990 na RMSP, serviria como pano de fundo para a consolidação do movimento COPROMO.
Ressalta-se na trajetória da COPROMO um ambiente no qual se encontram agentes do Estado, figuras políticas, movimentos sociais e o setor privado organizados a partir do conflito de interesses relacionados a uma gleba localizada na Avenida Getúlio Vargas no bairro Jardim Piratininga, no município de Osasco.
Destaca-se também nesse processo a atuação do movimento “Terra é Nossa”, formado em 1986 e caracterizado pela adoção da
prática da ocupação como estratégia de atuação e pressão política. A partir da ocupação da gleba localizada na Avenida Getúlio Vargas, com a participação de 520 famílias em 1987, o movimento “Terra é Nossa” passa a confirmar sua força e capacidade de mobilização. É também nesse momento que se observa a construção de um barracão de madeira que serviria como uma sede improvisada da Associação por Moradia de Osasco, que acabaria por gerar conflitos entre o movimento e o setor privado, interessado naquele terreno.
Somada à pressão exercida pelo movimento a partir das ocupações, tem-se no campo político a atuação de Reginaldo Oliveira de Almeida, ou Didi, vereador eleito em 1988 pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e reconhecido como importante liderança na região, além de possuir um papel fundamental durante o desenvolvimento da COPROMO (CERQUEIRA, 2016). A atuação do vereador Didi conforma não somente uma aliança com o movimento, como também mantém com a COPROMO, selando uma identidade de projetos (TATAGIBA, 2015), a partir do diálogo constante que estabelece com o movimento.
Por conseguinte, o fortalecimento do movimento se materializa a partir da substituição do antigo barracão, para uma nova sede em alvenaria, em agosto de 1991, ocupando as atividades da coordenação e da secretaria da Associação. Além de poder abrigar as atividades administrativas da Associação com mais conforto, a construção da nova sede atua como demonstração de força por parte do movimento,
“sinalizando para o poder público a determinação dos sem-teto na
conquista daquele terreno” (CERQUEIRA, 2016, p.69). É também
nesse momento que se tem o início da parceria estabelecida entre o
movimento e a USINA CTAH (Centro de Trabalhos para o Ambiente
Habitado) 11 .
No que diz respeito ao estabelecimento dos ambientes decisórios dos movimentos sociais voltados à reivindicação habitacional, destacamse enfaticamente aqueles localizados na RMSP, a organização coletiva por meio de cooperativas populares para a construção de moradia, que tiveram como resultante a geração de uma nova categoria de organização popular: as associações de construção. Dessa forma, essa nova categoria de associação popular teria como elemento básico “os sócios moradores que adquiriram o direito de morar na casa construída em mutirão” (GOHN, 1991, p.116), que encontrariam no espaço deliberativo das associações um espaço para a expressão individual e grupal sobre as decisões em questão (ALBERT, 2004). A experiência COPROMO não fugiu a essa dinâmica coletiva.
Assim, concomitantemente à consolidação da Associação, seguiam os processos de negociação da aquisição do terreno junto ao poder público, frente à intenção da Associação de adquiri-lo, uma vez que o terreno “embora fosse propriedade da COHAB, estava hipotecado pela Caixa Econômica Federal” (CERQUEIRA, 2016, p.70). A solução, portanto, residiria no estabelecimento de um acordo que possibilitasse à Associação o pagamento da hipoteca junto à Caixa. Para tanto,
11 Trata-se de grupo formado em “1990 por profissionais de diversos campos de atuação como uma assessoria técnica a movimentos populares” (USINA). Disponível em: <http://www.usina-ctah.org.br/sobre.html>. Acesso em: 05 fev. 2019.
cada família cadastrada deveria depositar uma quantia, em dinheiro, numa conta corrente aberta por ela. Contudo, a partir do momento de arrecadação das quantias, muitos integrantes deixaram a associação, permanecendo 3714 famílias (OLIVEIRA JR., 2004).
A partir desse momento, algumas famílias depositaram uma pequena quantia, apenas para assegurar a sua vaga, enquanto outras depositaram uma quantia maior: “Para evitar esta diferença, a Associação decidiu, em assembleia, que as primeiras 1800 famílias (número de moradias que a área de 111.000m² comportava) que depositassem Cr$ 30.000,00 [trinta mil cruzeiros] concorreriam às moradias e as demais ficariam como suplentes das vagas” (OLIVEIRA JR., 2004, p.4).
Ademais dos entraves organizacionais internos, a Associação contava com um ambiente marcado por “disputas intensas entre diferentes esferas dos governos Federal e Municipal pelo terreno” (FELTRAN, 2005, p.119). Nesse cenário, um dos conflitos de interesse que marcam a disputa pelo terreno se evidencia pelo decreto-lei (nº 6843) no dia 1º de agosto de 1992, pelo então Prefeito de Osasco, Francisco Rossi (OLIVEIRA JR., 2004). O decreto, de caráter de desapropriação, era direcionado para uma área de 111.000 m² pertencente à COHAB – SP, que seria destinada a ampliação do Projeto Canaã, de moradias populares, localizado ao lado do terreno desapropriado (OLIVEIRA JR. op.cit.). A partir do estabelecimento desse decreto, o processo de negociação da Associação junto à COHAB se tornou nulo, e o processo decisório sobre o terreno ficou a cargo da Prefeitura de Osasco (CERQUEIRA, 2016). Como reação, a Associação decidiu agir por meio de intensa mobilização, materializada na forma de manifestações
e atos frente à Prefeitura de Osasco para exigir que o terreno fosse destinado à implantação do conjunto, já em andamento.
A resposta do prefeito mostrou-se através das manifestações e do esforço do movimento em continuar com o trabalho de terraplenagem e a partir da construção de alojamentos para os associados que não podiam continuar pagando aluguel (OLIVEIRA JR., 2004). Para evitar conflitos com os invasores, o prefeito estabeleceu um acordo com a Associação, a partir do comprometimento de se doar metade da área (aproximadamente 54mil m²) à entidade. Contudo, devido à diminuição da área, o projeto inicial teve que ser alterado, reduzindo para 1.000 o número de apartamentos a serem construídos.
Frente à diminuição, a Associação foi obrigada a remanejar as famílias que não poderiam ser contempladas pelo projeto. Dessa forma, aquelas que estavam em dia com os depósitos e com a documentação em ordem junto à Associação foram escolhidas para fazer parte do novo projeto, enquanto as demais foram encaminhadas para um terreno comprado pela Associação no Jardim Baronesa, também em Osasco, para que estes pudessem construir suas moradias.
Nesse sentido, o breve histórico dessa conquista do terreno por parte da Associação evidencia o que Gupta (2009) denomina como “resultados incrementais” (GUPTA, 2009 apud TATAGIBA, 2015, p.89). Segundo Tatagiba (2015) esse raciocínio vai ao encontro da noção de que as perdas e ganhos dos movimentos ao longo de suas trajetórias se apresentam como pequenas batalhas de uma guerra, assim como “a relação entre os que fazem a política e os que a recebem são constantes e interativas, também aceitamos que os resultados de um round prévio afetam as etapas subsequentes” (TATAGIBA, 2015, p.
89). Dessa forma, “a luta pela moradia digna em um país no qual o
mercado da construção civil detém tamanha influência no jogo político
é uma luta profundamente desigual e os resultados do movimento
não podem ser lidos na chave de “vitória” ou “derrota” definitivas”
(TATAGIBA, op.cit. p.89).
Com relação ao financiamento junto à Companhia de
Desenvolvimento Habitacional e Urbano 12 , a Associação teve que dar
como garantia o terreno comprado no Jardim Baronesa, além de acatar as exigências estabelecidas pela CDHU para aqueles que estivessem pleiteando uma unidade do conjunto. Dentre essas condições, merecem destaque: a impossibilidade de se possuir outros imóveis; estar na faixa salarial de 1 a 10 salários mínimos; ter residência estabelecida há mais de um ano no município de Osasco ou trabalho fixo há dois anos; e constituir família, ou seja, pessoas sozinhas não seriam abarcadas pelo programa.
Contudo, frente à demora das negociações com a CDHU, no segundo semestre de 1992 a Associação resolveu dar início às obras de oito edifícios com recursos próprios, ainda que não houvesse dinheiro suficiente para terminar essa primeira etapa da obra. A assessoria técnica apoiou a decisão e começou a se dedicar à realização de um processo de formação com os trabalhadores (CERQUEIRA, 2016).
Uma vez dentro do canteiro de obras, a COPROMO funcionaria a partir de uma dinâmica na qual os trabalhadores deveriam se dedicar ao mutirão pelo menos 16 horas de trabalhos semanais, cumpridas nos finais de semana. Caso o trabalhador não pudesse cumprir tais horas,
poderia optar pela participação no canteiro durante a semana ou indicar algum membro familiar com idade superior a 16 anos para substituílo, de modo que “esta intensa dedicação por parte dos mutirantes teve papel fundamental nos primeiros meses de canteiro do COPROMO – marcados por enormes restrições financeiras” (CERQUEIRA, 2016, p.91).
Ao fim, apenas em 1994, momento em que os primeiros edifícios construídos por meio da prática do mutirão já estavam quase prontos, que a primeira parcela do financiamento da CDHU foi liberada, referente a outros 160 apartamentos. Segundo o grupo USINA CTAH, a segunda parcela do financiamento (referente aos 540 apartamentos restantes) seria liberada somente em 1996, sendo que a construção do conjunto seria concluída somente em 1998, totalizando 50 edifícios, que juntos somam 1.000 unidades habitacionais (Figura 2).
No que diz respeito ao seu caráter organizacional, a prática autogestionária aplicada ao caso COPROMO passaria a ser refirmada a partir dos pressupostos da “gestão autônoma dos recursos provenientes dos fundos públicos para o financiamento da produção habitacional, a autogestão do trabalho de produção em canteiro e a autogestão do projeto de moradias a ser discutido com os movimentos por habitação e futuros trabalhadores/usuários” (RIZEK, BARROS, 2006, p.381). Nesse aspecto percebe-se como a prática autogestionária, uma vez transformada em programa oficial de habitação, passa a abarcar tanto sua relação de proximidade com os programas estatais, ao mesmo tempo em que busca preservar um ideário de autonomia frente ao
CDHU, órgão vinculado à Secretaria da Habitação do Estado de São Paulo ao qual era atribuída a responsabilidade pela construção de moradias populares.
Estado, assinalado pelas práticas dos movimentos de moradia.
Figura 2: Conjunto habitacional da COPROMO finalizado