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7. Análise arquitetônica dos imóveis
Dentre as possibilidades de idealização de um projeto de mutirão financiado por órgãos públicos – como aqueles financiados pela CDHU –, existiam dois caminhos: o primeiro se distinguia pela adoção de tipologias pré-concebidas pelo órgão responsável, que concedia aos movimentos a escolha da tipologia de interesse, caso em que não havia possibilidade de alteração do projeto; o segundo percurso admitia a aquisição de projetos por meio de Assessorias Técnicas especializadas (NAKASHIGUE, 2008, p. 47), sendo este o caso observado no conjunto COPROMO.
Sendo assim, ficou a cargo da equipe Usina Ctah o desenho arquitetônico do conjunto. O mesmo, pensado a partir da planta da unidade habitacional, além de servir as demandas das próprias famílias envolvidas no processo, foi influenciado em sua concepção pela escolha do sistema construtivo (alvenaria de blocos estruturais cerâmicos) e pela própria lógica de produção adotada, que exigia principalmente a simplificação e a padronização de elementos construtivos e soluções adotadas (USINA, 2015, p. 242). Segundo Benincasa 58 , para o desenvolvimento do projeto se
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pensou inicialmente na planta tipo 59 . Os demais aspectos arquitetônicos
se desdobrariam a partir dessa base, como a circulação e a cobertura. Sendo assim, evidencia-se, pela elaboração da planta da unidade habitacional do conjunto, a escolha da modularidade a partir da adoção de um bloco com 0,25m em sua maior dimensão, e pela composição projetual que estabeleceu um módulo baseado em um quadrado formado por um conjunto de 5 por 5 blocos cerâmicos, medindo 1,25m x 1,25m: “a partir dele, definiram uma planta formada por quatro grandes quadrados – compostos por nove módulos cada um – articulados em torno de um módulo central destinado à circulação”. (USINA, 2015, p. 242) (Figura 6). O quadrado de medida 3,75m por 3,75m corresponderia à sala; outros dois corresponderiam aos dormitórios, e o último corresponderia à área molhada, resultando em um apartamento com 54m² de área útil (USINA, 2015, p. 242).
58 Entrevista com Vladimir Benincasa, depoimento à autora em 12/03/2019. 59 Pavimento tipo (ou pavimento padrão), é um ou mais pavimentos que se repetem em planta em um edifício. Definição disponível em: <https://www.ecivilnet.com/dicionario/o-que-e-pavimento-tipo.html>. Acesso em: 08 jul. 2019.
Figura 6: Diagrama de concepção da unidade habitacional
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Segundo Wagner Germano 60 , a modulação aparentemente
rígida permitiu a possibilidade de organização do desenho inicial, dando força para a ideia de projeto desenvolvido pela assessoria do Usina. Tal estratégia, além de facilitar a organização espacial das unidades, foi também capaz de proporcionar maior dinamismo à obra, por não requerer a quebra de tijolos e por incluir a utilização de lajes também modulares. Além disso, a adoção de um projeto verticalizado
Entrevista com Wagner Germano, depoimento à autora em 26/04/2019. permitia o atendimento de um número maior de famílias por metro quadrado – por meio do adensamento –, além de representar menor custo de infraestrutura por família – admitindo a diminuição dos custos percentuais por meio da verticalização –, assim como permitia o melhor aproveitamento da oferta de terra urbana (NAKASHIGUE, 2008, p. 76-77).
A planta do conjunto COPROMO (Figura 7) destaca-se das demais tipologias presentes dentro da categoria de conjuntos habitacionais produzidos por mutirão, uma vez que conta com uma das maiores áreas úteis construídas, contando com espaços internos generosos, uma cozinha ampla e maior que o modelo convencional (NAKASHIGUE, 2008, p. 51).
Enquanto a área construída do conjunto COPROMO é de 72,69m² e cada unidade conta com uma área útil de 54m² (NAKASHIGUE, 2008, p. 53), a média das áreas encontradas a partir da análise de 16 tipologias distintas fornecidas pela CDHU no ano de 1999 era da ordem de 41m² de área útil (Figura 8).
Figura 7: Planta conjunto COPROMO
Figura 8: ‘Pavimento tipo’ de uma das tipologias disponibilizadas pela CDHU em 1999 [Cada uma das unidades possui área útil de 40 m²]
Assim como as vantagens obtidas a partir do aumento de área
útil de cada uma das unidades habitacionais, os materiais empregados na
construção do conjunto COPROMO foram superiores em qualidade em
relação aos materiais empregados nos modelos convencionais CDHU.
Nesse aspecto, a caixilharia empregada no COPROMO – projetada pelo
Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo –, além de apresentar um aspecto
estético interessante, tinha alta resistência e durabilidade e foi adquirida
por preços que se enquadravam no orçamento estipulado para a obra,
representando, dessa forma, uma boa condição de custo-benefício
(Figuras 9 e 10). Até o ano de 2019, 21 anos após o encerramento das
obras, não se fez necessário a troca dos caixilhos 61 .
Figuras 9 e 10: Janelas originais do conjunto COPROMO em 2019
Entrevista com Francisco Antônio Moreira Rocha, depoimento à autora em 15/08/2019.
As unidades finalizadas contaram somente com o contrapiso e
com a finalização das paredes, permitindo que os mutirantes escolhessem
seus acabamentos internos 62 . Assim, cada um dos apartamentos do
conjunto COPROMO mantém a personalidade de seus moradores (Figuras 11 e 12).
62 Entrevista com Vladimir Benincasa, depoimento à autora em 12/03/2019.
Figuras 11 e 12: Imagens do acabamento interno de uma das unidades habitacionais do conjunto em 2019
Além da inovação por trás da concepção modular do conjunto COPROMO, o mesmo seria reconhecido por meio da adoção de uma “solução inovadora no contexto dos mutirões autogeridos: a utilização da escada em estrutura metálica independente, montada logo após a execução das fundações” (USINA, 2015, p. 242-243). Nesse aspecto, a adoção da escala metálica pré-fabricada foi o principal exemplo de técnica modificadora como resposta ao desafio da verticalização dentro do processo de mutirão (ARANTES, 2002, p. 214). Assim, a decisão sobre a utilização da escada metálica (Figuras 13 e 14) – feita no decorrer da obra –, além de se configurar como um elemento arquitetônico esteticamente agradável, conferiu “funcionalidade e segurança para os mutirantes durante a obra” (USINA, 2015, p. 242).
Figuras 13 e 14: Escada metálica
Nesse sentido, a segurança que a escada metálica proporcionou
aos mutirantes se mantém como o aspecto mais importante dessa escolha
projetual; a partir da escada, os mutirantes poderiam se movimentar e
transportar materiais sem correr o risco por trás do uso de andaimes
improvisados: “ao mesmo tempo, as escadas serviam de prumo para as
alvenarias erguidas à sua volta e de suporte para a elevação de materiais
até os pavimentos superiores. Além disso, com a escada instalada antes
da execução das alvenarias, evitavam-se os atrasos – frequentes nas
obras do Cazuza 63 , por exemplo – causados pela demorada execução
das escadas em concreto” (USINA, 2015, p. 242-243).
A adoção da escada foi um importante elemento articulador, pois a partir dessa estrutura se deu a associação das unidades habitacionais de cada andar, transformando os acessos de cada um dos apartamentos em varandas coletivas (Figuras 15 e 16) (USINA, 2015, p. 242).
Figuras 15 e 16: Varandas do conjunto COPROMO
63 Cazuza foi uma experiência de mutirão autogerido com mão-de-obra assalariada complementar contando com a assessoria da Usina e coordenada pela Associação de Construção Comunitária de Diadema entre 1990 e 1993.