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7.1 Conjunto de barreiras
Petrella (2012) ressalta o distanciamento do conjunto em relação ao espaço público a partir de suas impressões ao percorrer a área pela primeira vez; descreve-o como “(...) uma forma particular e concreta, delimitada e específica ao seu campo de ação. Não se expande. Aparece, portanto, como uma negação determinada, não sucumbe ao espaço que é produto da abstração, o seu entorno. O COPROMO é uma ilha que se encerra em si mesma. Define as separações, restitui a propriedade” (PETRELLA, 2012, p.67). Ademais, o autor, a partir de sua análise, classifica o conjunto como uma formação espacial dada a partir de uma negação, da noção de não-entorno.
A percepção de Petrella (2012) confirma-se diante de minha primeira visita ao conjunto: cercado de um lado pela Maternidade Amador Aguiar e pela Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) – grandes equipamentos públicos – e pela Av. dos Bandeirantes do lado oposto, o conjunto se mantém confinado. Assim, diante da imposição das limitações externas ao conjunto (barreiras externas), tornou-se fácil a tarefa de se fechar o conjunto por meio da instalação de portarias, instaladas após 1998 pelos moradores em dois pontos opostos do conjunto. Segundo Petrella (2012), a portaria se manifesta como a primeira interação do visitante com o conjunto:
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Para se chegar nele [COPROMO] é preciso passar pela portaria. Entro! O lugar não se revela de imediato. É preciso percorrêlo. O seu espaço central é um ‘grande sertão’, uma praça viária, apenas asfalto e carros estacionados. O calor que incide neste dia proporciona a refração do ar como uma miragem num deserto. É árido. Os edifícios parecem lhe voltar suas costas convexas. É preciso atravessar esse deserto para chegar ao seu coração (PETRELLA, 2012, p. 66).
Contudo, segundo o arquiteto Wagner Germano, a intenção da assessoria Usina nunca foi a de se projetar um condomínio fechado e isolado do seu entorno. Segundo o arquiteto:
O que a gente pode fazer como arquiteto, como pessoas que militam
nessa área, é tentar fazer uma discussão, sem que esse projeto
vire um condomínio fechado, vamos pensar em uma relação com
a cidade que seja aberta (...) que a cidade entre no conjunto, o
conjunto se abra para cidade (...). Isso é algo que a gente pode
fazer projetando, usando o desenho como instrumento para tentar
resolver e tentar mediar essas coisas. Mesmo assim é um risco. 64
O “risco” citado por Germano se refere às intervenções feitas após a consolidação do conjunto, que não podem ser previstas pelos arquitetos na fase inicial de projeto e que estão sujeitas a acontecerem por meio da escolha daqueles que fazem uso do espaço cotidianamente. A introspecção do projeto por sua vez acaba trazendo aspectos positivos em termos de convivência para os moradores. Segundo Germano:
64 Entrevista com Wagner Germano, depoimento à autora em 26/04/2019.
A vantagem, quer dizer, o que não deixa ficar uma coisa tão,
um ‘conjuntão’ e tal, é que a própria conformação dos edifícios
cria... eu brinco eu chamo isso de ‘quarteirão’ né, uma unidade
de vizinhança aqui (...) então você cria lugares onde as relações
entre os moradores podem se aproximar, e você divide esse grande
grupo em grupos menores. E isso inclusive para o próprio cuidar
do lugar é mais interessante. 65
Dessa forma percebe-se como a própria implantação do conjunto (Figura 17) se dá pelas relações que os cinquenta edifícios, geminados de dois a dois, estabelecem entre si, ao se criar espaços coletivos com diferentes qualidades (USINA, 2015 p.242) e que atuam como uma extensão dos limites de cada uma das unidades habitacionais.
Petrella (2012) ressalta essa característica do conjunto ao tratar da noção de comunhão observada ao se adentrar no espaço: “a noção de comunidade é mais efetiva, porém se dá em detrimento do mundo. É bastante acolhedor. Ao percorrê-lo percebemos suas sombras, suas árvores, os barulhos de panelas de pressão, as conversas entre as comadres, os passarinhos” (PETRELLA, 2012, p. 66). Dessa forma, a partir do isolamento do conjunto em relação a seu entorno, traça-se um interessante panorama; embora não fosse a intenção original do projeto idealizado pela assessoria técnica Usina Ctah, o conjunto COPROMO na prática – devido a sua histórica particular e por suas características arquitetônicas diferenciadas de qualquer similar de habitação social – acaba por se configurar como um “enclave”, isto é, uma distinção espacial (CALDEIRA, 1997).
65 Idem.
Figuras 17: Implantação do conjunto
Por conseguinte, o processo de construção do conjunto se mostrou incapaz de conduzir novas formas de apropriação territorial urbana, assim como manteve intacta a precária a relação estabelecida entre o conjunto, os moradores e a cidade (Figuras 18 e 19), evidenciando dessa forma, a inexistência de uma nova dimensão da “(...) vida pública e de convívio urbano. ” (LOPES; RIZEK, 2005, p. 24) preconizada pelas intenções iniciais da assessoria técnica durante a elaboração do projeto.
Ademais, os ‘quarteirões’ descritos pelo arquiteto Wagner Germano constituem uma via de mão dupla: ao mesmo tempo em que figuram como espaços coletivos, tais nichos somam-se à divisão interna do conjunto, e dentro desse processo, passam a gerar maiores fragmentações. Nesse aspecto, cada bloco de apartamentos pode ser observado como uma ilha dentro da totalidade do conjunto uma vez que após concluídas as obras, muitos dos blocos optaram por instalar grades em suas entradas (Figura 20 e 21).
Figuras 18 e 19: Contrastes do conjunto em relação a seu entorno mais próximo
Figuras 20 e 21: Grades de entrada de um dos blocos do conjunto COPROMO em 2019
Dessa percepção observa-se o caso das primeiras 160 unidades, concluídas em 1996: diante da insegurança dos primeiros moradores em habitar um pequeno núcleo de prédios dentro de área extensa em obras – e, portanto, vazia nos períodos noturnos –, decidiu-se pela construção de uma cerca que separaria os primeiros 8 prédios do restante do canteiro COPROMO (CERQUEIRA, 2016, p. 100), episódio que acabaria por prejudicar a noção de coletividade do conjunto. A partir da posse dos primeiros apartamentos e da separação física estabelecida entre os 8 edifícios e o canteiro de obras, a maioria das 160 famílias praticamente se retirou das obras “deixando de contribuir com a construção das demais unidades” (CERQUEIRA, op.cit.). Ao fim das obras de todo o conjunto, a CDHU exigiu a demolição da grade que cercava os primeiros edifícios. Relutantes à ideia, os moradores das primeiras 160 optaram por entrar com um processo na justiça, no qual perderiam, resultando na demolição da mesma (CERQUEIRA, op.cit.). Contudo, mesmo após a consolidação dos demais edifícios e a demolição das cercas que separavam as primeiras 160 unidades do resto do conjunto, observa-se que noção de comunidade existente entre as primeiras 160 famílias se mantém evidente. Ao ter contato direto com os moradores do bloco 1 (o primeiro bloco a ser construído dentro da leva de 160 unidades), observei que neste pequeno recorte espacial, a maioria dos habitantes se mantém a mesma dos tempos de mutirão. Em minha primeira visita, esses mesmos moradores espontaneamente se reuniram ao redor da praça central localizada entre os primeiros blocos, para contar a histórica do mutirão, dando um breve intervalo em suas obrigações diárias. Quando fiz perguntas relativas ao tempo de construção dos edifícios, relembram desse período;
trouxeram com eles experiências de vida e aprendizados adquiridos ao longo do processo, a partir de históricas, vivências pessoas, e bom humor. Contudo, todos, sem exceção, lembram da luta, da dificuldade, e do sacrifício do processo de construção dos edifícios. Assim, como destacado por Miagusko (2011), os moradores não guardam consigo nenhum saudosismo desse período, mas relembram o momento onde a coletividade se sobrepunha a individualidade.