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6.4 Canteiro de obras

ambos do PT. Assim, diante do conjunto de personagens políticos envolvidos com a COPROMO, observa-se o fenômeno explorado por Tatagiba (2015) de ‘compartilhamento de projetos’. Dentro dessa lógica, figuras políticas, partidos, ou até mesmo governos não se configuram somente como aliados dos movimentos sociais, mas podem colaborar e atuar como partes da rede desses movimentos, assim como podem estabelecer uma identidade de projetos com os mesmos (TATAGIBA, 2015, p. 88).

Ferro (2006) aponta que, no que concerne à produção convencional da construção civil em território nacional, destacamse os aspectos da: (i) divisão acentuada do trabalho; (ii) emprego de instrumentos simples manipuláveis por um só indivíduo; (iii) poucas máquinas utilizadas em tarefas auxiliares e que exigem muita energia concentrada; e (iv) organização da mão-de-obra em equipes hierarquizadas. (FERRO, 2006, p. 204). Em síntese, um campo produtivo marcado pela intensa exploração da mão de obra trabalhadora e pautado pela necessidade de rentabilidade máxima, configurando-se como um dos setores mais atrasados da economia nacional (ARANTES, 2002, p. 219-220).

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Nesse sistema produtivo, a técnica que o arquiteto conhece, e que hipoteticamente permite a formulação de soluções projetuais ideais, não encontra respaldo na produção dessa arquitetura. Isso ocorre porque a “pressão onipresente da rentabilidade imediata e maximizada dá à técnica atrasada uma configuração de ineficácia e de baixa qualidade” (FERRO, 2006, p. 205), sendo que, através da produção manufatureira dessa mesma arquitetura e por trás de seu caráter conflituoso, se dá a exploração violenta da força de trabalho.

Nesse aspecto, dentro da perspectiva de Lefèvre (1981) de “canteiro experimental”, Arantes (2002) ressalta que práticas antagônicas à prática convencional de construção e de elaboração projetual existem em espaços residuais, reconhecidos sob a ótica dos mutirões autogeridos, nos quais se pode observar uma “produção sem dominação”. Nestes casos, tais experimentações exigem que a equipe técnica envolvida encontre soluções que aumentem a produtividade, não por meio da ampliação da exploração da mão de obra ou pela redução da qualidade do ambiente construído (como ocorre no canteiro tradicional), mas pela racionalização das técnicas populares na acepção de Sérgio Ferro (ARANTES, 2002, p. 213).

Além disso, tais práticas produtivas alternativas se baseiam em princípios que vão além da mera racionalização, buscando invenções construtivas que permitem “a mudança qualitativa da obra, tanto no que diz respeito ao resultado estético quanto ao processo de trabalho” (ARANTES, 2002, p. 214). Nesse sentido, tais ambientes buscam também a remodelação das relações de produção, nas quais os projetos não só são debatidos pelas partes interessadas (assessoria técnica e movimentos) como também constituem novas interações entre as equipes de trabalho. Dessa perspectiva, diluem-se as estruturas hierárquicas e atenuam-se as divisões entre trabalho intelectual e

manual (FERRO, 2004).

Não obstante, não se torna surpresa no campo acadêmico a compreensão do caráter residual dessas experiências. Assim como se tem amplo conhecimento sobre os dados oficiais referentes aos programas de mutirões e seus valores numéricos pouco expressivos, se reconhece a ausência de uma qualidade espacial e arquitetônica superior àquela encontrada na autoconstrução racionalizada e nos conjuntos promovidos pelo governo em muitos dos projetos de mutirão, da mesma forma que não se torna possível a mensuração do quanto da prática construtiva adotada se constitui de fato como democrática em casos em que se observa uma qualidade arquitetônica elevada (ARANTES, 2002, p. 213).

Ademais, torna-se importante destacar a dependência do aprofundamento da elaboração projetual em tais casos: “o caráter de urgência ou a necessidade de dedicar mais atenção às negociações com o governo tem levado à redução do tempo destinado ao debate da arquitetura. Contudo, se os mutirões não constituírem uma qualidade arquitetônica própria, na qual se encontre engenho e criação, continuarão presos ao reino das necessidades, com trabalhadores empilhando blocos sem produzir algo gratificante. A autogestão será assim amarga: apenas uma forma barata de fazer habitações” (ARANTES, 2002, p.213).

De todo modo, evita-se a romantização sobre essa temática: compreende-se os fundamentos teóricos e perspectivas da prática do mutirão autogestionário sem se construir uma narrativa de caráter mitológico, como apontado por Miagusko (2011).

A partir do reconhecimento da pluralidade de experiências, de canteiros e de desenhos resultantes da atuação de diversas assessorias técnicas ao longo dos últimos 30 anos, é possível observar a multiplicidade de resultados. Dentro desse cenário, alguns casos passaram a ser reconhecidos por sua inovação técnica e organizativa, enquanto outros caíram no esquecimento ou se desvirtuaram. Diante da renitência do problema habitacional em nível nacional, torna-se importante destacar o porquê do sucesso de algumas das experiências autogestionárias de mutirão. Enfim, o que separa uma trajetória “triunfante” de canteiro autogestionário das demais?

O caso COPROMO é uma das experiências que se destacam, face à sua qualidade arquitetônica elevada (que será explorada mais adiante) somada à expressiva produção de unidades (número até então inédito dentro do contexto de mutirão). Nesse caso, torna-se fundamental a construção de uma análise investigativa, referente à experiência do canteiro de obras, de forma a recuperar a trajetória da relação estabelecida entre a Associação Pró Moradia de Osasco e a Assessoria Técnica Usina Ctah. Com base nesse percurso, retoma-se os aspectos que envolvem, de um lado, o processo de criação do projeto e, de outro, a estruturação da dinâmica dentro do canteiro de obras.

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