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Considerações finais
O ponto de partida da presente pesquisa surgiu de um sentimento pessoal, vinculado ao vislumbre das potencialidades transformadoras da experiência de mutirão autogestionário. Assim como Rodrigo Lefèvre, Sérgio Ferro e Pedro Fiori Arantes, compartilhei as convicções de que o mutirão – prática solidificada nos alicerces da comunidade e no sentimento de solidariedade – teria o poder de constituir uma nova dinâmica dentro da produção da arquitetura. Seria essa modalidade a responsável por contestar (e redefinir) os antigos moldes produtivos, marcados pela exploração intensa da mão-de-obra da construção civil calcada em práticas extremamente arcaicas.
O contexto no qual me cativei pelas possibilidades que o mutirão proporcionaria em termos sociais também se tornou fundamental para a consolidação do meu interesse por tal temática. Diante do cenário no qual as camadas populares se veem cada vez mais ameaçadas por políticas retrógradas e violentas, a possibilidade de um universo diferente no canteiro de obras – que confrontasse o sistema vigente e que apresentasse aos usuários/produtores certo grau de autonomia – se mostrou como algo inovador. Partindo dessas convicções iniciais, trilhei meu caminho entre os meandros da prática do mutirão autogestionário tendo como base uma das experiências mais emblemáticas desse tema, o caso COPROMO. Para constituir essa narrativa, e, portanto, tecer uma análise crítica que permeasse todos os aspectos relativos a essa experiência (organização do movimento, estruturação política, balanço contextual etc.), fiz largo uso da bibliografia tanto clássica quanto atual sobre a temática do mutirão autogestionário, e mais especificamente do objeto de minha pesquisa. Ademais, a investigação de campo (entrevistas e visitas in loco) serviu como um elemento enriquecedor de dados e percepções, que funcionou como amálgama para a construção de minhas conclusões e críticas finais.
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No plano teórico, ao longo de minha jornada, observei que o mutirão autogestionário, tal qual analisado no plano conceitual, foi alimentado muitas vezes por uma corrente de pensamento que repousava sua atenção não só nas novas formas de produção arquitetônica propostas dentro dessa dinâmica, como também nas suas potencialidades de longo prazo. Por outro lado, outras correntes de pensamento gravitavam em torno de perspectivas socioeconômicas que destacavam outros aspectos dessa experiência, como a exploração contínua da mão de obra sobre a égide do “sobretrabalho”, ou até mesmo refutando o caráter mitológico da experiência como um todo.
Diante desse cenário, aqueles que se propõem a aprofundar seus estudos a respeito dessa temática são quase que induzidos a acatar um dos lados: adotar o mutirão como prática louvável dentro do canteiro
de obras, suscitando a insurreição popular por meio de novas formas organizativas ou, diversamente, refutar veementemente uma prática que explora mais uma vez as camadas populares ao depositar nos mutirantes a responsabilidade de constituir suas próprias moradias. Minha jornada me fez analisar essa dicotomia de forma crítica.
Ressalto primeiramente que tal diferenciação teórica pouco importa para aqueles que se põem como protagonistas da problemática habitacional; os mutirantes ou não-mutirantes. Para esses personagens, o objetivo final foi e será a obtenção da casa própria e, em muitos dos casos, a adoção das ferramentas mais simples para se atingir esse objetivo final se mostram mais interessantes, sejam elas quais forem. Esse entendimento confirma-se na medida em que muitos movimentos que anteriormente adotavam as premissas do mutirão atualmente passam a adotar modalidades vinculadas ao processo construtivo convencional, uma vez que as modalidades de “empreitada” apresentam menores períodos de construção e menores necessidades de articulação por parte do movimento. Assim, embora alguns movimentos ainda mantenham a bandeira do mutirão autogestionário, se torna claro de que essa prática atualmente deixou de ser reivindicada com tanto afinco.
Em segundo lugar, ao longo de minha pesquisa, percebi que se tornaria impossível tomar partido de uma ou outra posição, adotar uma corrente de pensamento ou outra, uma vez que, ao analisar um objeto de estudo concreto da COPROMO, confrontando seus aspectos conceituais com a dimensão prática da experiência, as perspectivas de análise se mostrariam muito mais amplas do que a rigidez teórica poderia indicar. Assim como Lopes (2018), compartilho a noção de que a idealização do mutirão em termos conceituais, ao se contrapor às experiências práticas, acaba por refutar qualquer traço idílico da prática, O mutirão, tanto para a assessoria técnica envolvida quanto para o próprio mutirante, é um processo árduo, complexo e demorado. Na direção dessa argumentação, aponto novamente o mérito da análise crítica de Francisco de Oliveira referente à noção de “sobretrabalho”. Contudo, diante da investigação do presente estudo e partindo de minhas percepções pessoais quanto aos depoimentos e visitas ao conjunto, ainda considero valiosa a possiblidade de aprendizado e mobilização que essa prática proporciona ao indivíduo que dela se dispõe a participar. Nesse sentido, não se deve tomar como menos importante o potencial pedagógico do mutirão. Tal argumentação, próxima à abordagem de Sérgio Ferro, vai em direção aos depoimentos de mutirantes do COPROMO, os quais apontaram que, em suas vivências tanto pessoais quanto coletivas, muito se aprendeu, tanto no processo de luta quanto na construção efetiva do conjunto.
Tal ponto ganha força uma vez que se compreende que a grande maioria de mutirantes participantes do processo de formação da COPROMO não tinha experiências prévias com formas associativas de organização Ainda sim, buscaram referências organizativas tanto nacionais quanto internacionais, traçaram uma estrutura interna elaborada a partir da formação de uma diretoria mobilizada, orquestraram a viagem de representantes para conferências nacionais e para reuniões orçamentárias em Brasília, e buscaram garantir que o mutirante estivesse a par do que ocorria em canteiro de obras – pelo menos em um momento inicial – com o auxílio do treinamento
oferecido pela assessoria Usina Ctah.
Dessa forma, sou levada a crer que o saldo positivo da experiência do mutirão autogestionário da COPROMO consistiu em proporcionar ao mutirante a possibilidade de organização autogerida, principalmente quando foram oferecidas as ferramentas necessárias para a instrumentalização do movimento. Dessa maneira, a partir da atuação conjunta de parceiros políticos e de uma assessoria técnica que respeitou a autonomia do movimento, tornou-se possível reconhecer a voz ativa da Associação na tomada de decisões. Contudo, enquanto análise crítica da mão de obra mutirante na construção civil, acredito que sua configuração não só representa grandes sacrifícios pessoais para esses cidadãos, como também acarreta processos longos, árduos e desgastantes.
Em síntese, tomando o caso específico da Associação Pró Moradia de Osasco e como ponto central a capacidade de instrumentalização e a consequente autonomia do movimento, torna-se possível compreender que o objetivo máximo de tal articulação – a construção de mil unidades habitacionais, diante de um cenário político e econômico adverso – foi atingido. Esse processo e suas conquistas, para mim, se configuram como o maior mérito dessa experiência.