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Pano para mangas
from 42 Edição
Seja positivo... ou, será melhor, não?
PANO PARA MANGAS
Margarida Vargues
ecuemos uns anos. Estamos em 2011 e as sessões de desenvolvimento pessoal ainda são uma espécie de R novidade em Portugal. Lá por fora há muito que se ouve falar em Tony Robins e aqui é
Daniel Sá Nogueira aquele que parece ser o pioneiro do, chamemos-lhe, movimento ou filosofia de vida, de que todos somos os maiores e de que no positivismo é que está o segredo da felicidade. Há um herói de capa e espada dentro de cada um de nós. Há um ser lendário que não deixa ninguém indiferente.
A DC e a Marvel nem sabem o que estão a perder...
Desde então, o milagre da multiplicação aconteceu e qualquer um com um certificado em coaching – whatever that means... - ou que saiba proclamar umas verdades absolutas se tornou num messias cujas palavras são inquestionáveis. Mas quem sou eu para os colocar em causa? Até porque foi graças à participação num destes workshops que ganhei coragem e coloquei um ponto final numa vida que, além de amargura, me assegurou o desenvolvimento de uma doença psicossomática.
As prateleiras das livrarias, agora encerradas (!!!), exibem títulos chamativos em capas não menos coloridas, onde até o calão passou a ocupar um lugar de destaque. Chega a haver secções dedicadas ao desenvolvimento pessoal – onde também podemos encontrar perdidos livros de culinária, tricot ou anedotas. Se quisermos mais informações, nem que seja para matar a curiosidade, também podemos efectuar uma pesquisa no Google e as frases motivacionais destes novos deuses conseguem ir, pelo menos até à página quatro – se bem que, quem é que se dá ao trabalho de “folhear” o Google até à página quatro?
Ao pesquisarmos em Português, responde-nos o Brasil. Ao levarmos a cabo a dita pesquisa em Inglês, somos arrebatados pelos EUA. Enfim...são nações com muita gente!
Seja positivo! Mantenha-se positivo! Pense positivo! – provavelmente deveria estar a usar a segunda pessoa do singular, já que a terceira é completamente desadequada ao tema e ao contexto, em que todos se tratam por tu ...
Ora, em tempos de pandemia não deve haver pior conselho a proferir do que este. A palavra “positivo” ganhou uma outra dimensão: negativa, para mal dos nossos pecados. Tudo o que menos queremos, neste preciso momento, é que estejamos ou nos mantenhamos positivos. Negativo é o que mais desejamos ouvir, ou ler, se tivermos de nos sujeitar a um teste.
Confesso que me preocupa esta necessidade, quase obrigatoriedade, de nos mantermos positivos, especialmente se o estivermos. Nenhum de nós é invencível e isso prova-se pelos casos, a cada dia mais próximos de nós: amigos, amigos de amigos, colegas. O círculo fecha-se. Caminhamos entre as gotas da chuva na tentativa e esperança de não nos molharmos.
Preocupa-me também o excesso de ser-se positivo – particularmente agora - imposto pelos gurus, a toda a hora relembrado pelos denominados influenciadores nas redes sociais e levado ao extremo em muitas outras situações.
É como se nos enfiassem numa bolha corde-rosa, onde o discernimento deixasse de existir. Perde-se a capacidade de saber lidar com a frustração, com o medo, com a angústia ou com a ansiedade – e sim, estes são tempos de ansiedade. Há uma obrigação social e uma idolatração da felicidade, ou daquilo que se acha ser a felicidade, que tem um lado muito negro nas nossas vidas.
Chorar é normal. Ficar ansioso, também. Estar triste, também é normal. Ter medo, é assustador, porém deixa-nos em estado de alerta. Tudo tem um peso. Tudo tem uma medida. Há que saber equilibrar os pratos da balança e aí é que reside a sabedoria da felicidade e do ser-se, estar-se e ficar-se positivo.
Como afirma o ditado “em tempo de guerra não se limpam armas”, como tal Keep Calm and Carry On.
Nota: acreditem, ou não, escrever este texto foi uma verdadeira aventura e um exercício de Escrita Criativa. Porquê? Porque o teclado do meu computador perdeu a última letra do alfabeto, pelo que tive de o escrever sem a usar. Senti falta dela? Oh, se senti! Experimentem a escrever um texto com mais de 300 palavras onde não possam usar uma letra. Desde já aviso que se escolherem uma vogal serão lendários, uns verdadeiros gurus da escrita!