3 minute read

Pano para mangas

Seja positivo... ou, será melhor, não?

PANO PARA MANGAS

Margarida Vargues

ecuemos uns anos. Estamos em 2011 e as sessões de desenvolvimento pessoal ainda são uma espécie de R novidade em Portugal. Lá por fora há muito que se ouve falar em Tony Robins e aqui é

Daniel Sá Nogueira aquele que parece ser o pioneiro do, chamemos-lhe, movimento ou filosofia de vida, de que todos somos os maiores e de que no positivismo é que está o segredo da felicidade. Há um herói de capa e espada dentro de cada um de nós. Há um ser lendário que não deixa ninguém indiferente.

A DC e a Marvel nem sabem o que estão a perder...

Desde então, o milagre da multiplicação aconteceu e qualquer um com um certificado em coaching – whatever that means... - ou que saiba proclamar umas verdades absolutas se tornou num messias cujas palavras são inquestionáveis. Mas quem sou eu para os colocar em causa? Até porque foi graças à participação num destes workshops que ganhei coragem e coloquei um ponto final numa vida que, além de amargura, me assegurou o desenvolvimento de uma doença psicossomática.

As prateleiras das livrarias, agora encerradas (!!!), exibem títulos chamativos em capas não menos coloridas, onde até o calão passou a ocupar um lugar de destaque. Chega a haver secções dedicadas ao desenvolvimento pessoal – onde também podemos encontrar perdidos livros de culinária, tricot ou anedotas. Se quisermos mais informações, nem que seja para matar a curiosidade, também podemos efectuar uma pesquisa no Google e as frases motivacionais destes novos deuses conseguem ir, pelo menos até à página quatro – se bem que, quem é que se dá ao trabalho de “folhear” o Google até à página quatro?

Ao pesquisarmos em Português, responde-nos o Brasil. Ao levarmos a cabo a dita pesquisa em Inglês, somos arrebatados pelos EUA. Enfim...são nações com muita gente!

Seja positivo! Mantenha-se positivo! Pense positivo! – provavelmente deveria estar a usar a segunda pessoa do singular, já que a terceira é completamente desadequada ao tema e ao contexto, em que todos se tratam por tu ...

Ora, em tempos de pandemia não deve haver pior conselho a proferir do que este. A palavra “positivo” ganhou uma outra dimensão: negativa, para mal dos nossos pecados. Tudo o que menos queremos, neste preciso momento, é que estejamos ou nos mantenhamos positivos. Negativo é o que mais desejamos ouvir, ou ler, se tivermos de nos sujeitar a um teste.

Confesso que me preocupa esta necessidade, quase obrigatoriedade, de nos mantermos positivos, especialmente se o estivermos. Nenhum de nós é invencível e isso prova-se pelos casos, a cada dia mais próximos de nós: amigos, amigos de amigos, colegas. O círculo fecha-se. Caminhamos entre as gotas da chuva na tentativa e esperança de não nos molharmos.

Preocupa-me também o excesso de ser-se positivo – particularmente agora - imposto pelos gurus, a toda a hora relembrado pelos denominados influenciadores nas redes sociais e levado ao extremo em muitas outras situações.

É como se nos enfiassem numa bolha corde-rosa, onde o discernimento deixasse de existir. Perde-se a capacidade de saber lidar com a frustração, com o medo, com a angústia ou com a ansiedade – e sim, estes são tempos de ansiedade. Há uma obrigação social e uma idolatração da felicidade, ou daquilo que se acha ser a felicidade, que tem um lado muito negro nas nossas vidas.

Chorar é normal. Ficar ansioso, também. Estar triste, também é normal. Ter medo, é assustador, porém deixa-nos em estado de alerta. Tudo tem um peso. Tudo tem uma medida. Há que saber equilibrar os pratos da balança e aí é que reside a sabedoria da felicidade e do ser-se, estar-se e ficar-se positivo.

Como afirma o ditado “em tempo de guerra não se limpam armas”, como tal Keep Calm and Carry On.

Nota: acreditem, ou não, escrever este texto foi uma verdadeira aventura e um exercício de Escrita Criativa. Porquê? Porque o teclado do meu computador perdeu a última letra do alfabeto, pelo que tive de o escrever sem a usar. Senti falta dela? Oh, se senti! Experimentem a escrever um texto com mais de 300 palavras onde não possam usar uma letra. Desde já aviso que se escolherem uma vogal serão lendários, uns verdadeiros gurus da escrita!

This article is from: