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Pausa para Café

FG.

Pausa para café

Quando as crianças são obrigadas a crescer

Porque o meu Amigo e colega pode ter tido um percurso diferente, e neste domínio cada um tem as suas condicionantes, vou falar sobre o impacto que a 2ª Grande Guerra teve na minha vida e na minha formação mental e espiritual.

Essa confrontação demolidora, ocorreu entre 1939 e 1945, ou seja, entre os meus 5 e 11 anos

Estávamos “confinados”, a acompanhar o desenrolar dos confrontos ao ritmo do que nos era servido pelos noticiários da rádio e dos jornais, todos eles controlados e filtrados pelo então designado Estado Novo, ou seja, só sabíamos o que convinha ao Regime Vigente.

Tive dois tipos de experiências, uma enquanto citadino, outra enquanto rural.

Classifico de citadino todo o período que passava em Lisboa, ou seja, todo o período escolar.

Não foi desde o início que se começaram a sentir os efeitos das restrições de toda a ordem, mas à medida que as tropas alemãs iam progredindo e ganhando batalhas, as preocupações foram aumentando.

A ânsia do poder cresceu noutros países, e daí que a Itália, pela mão de Mussolini, se tenha tornado num forte aliado de Hitler, da mesma maneira que a França se “fraturou”, com um governo amputado de uma parte do território que ficou sob as ordens do General Petain, posteriormente colaboracionista dos alemães, a que se juntou a Espanha, então já, governada por outro ditador.

Portanto, a maior parte da Europa era refém dos alemães e seus apaniguados, e apenas a Inglaterra se mantinha independente, física e politicamente, sendo, portanto, o alvo predileto das forças aéreas do bloco germanófilo.

Portugal manteve-se fiel à sua Aliança com a Inglaterra, mas, no contexto em que vivia, com o domínio crescente dos germanófilos das importações vitais e das receitas de exportações, tal de pouco nos servia.

Começou, entretanto, o racionamento de bens essenciais, principalmente alimentares.

Consoante a composição do agregado familiar, eram-nos distribuídas senhas, (julgo que pela Junta de Freguesia, mas já não tenho com quem conferir), sei que eram de cores diferenciadas conforme o produto, e num número variável, dependente da referida composição.

Internamente no agregado familiar era definida a distribuição das mesmas, dado ser necessário ir para filas nas lojas correspondentes, e cada um tinha por isso a sua missão. Eu, era o pão.

Era a mais fácil, porque não era quotidiana, suponho que eram 3 ou 4 vezes por semana, e porque a padaria Brasileira, a maior de Campo de Ourique, era ao virar da esquina.

Outro produto racionado eram os combustíveis, para cozinhar.

Meu Pai comprou um fogão grande, de um modelo que tinha uma caldeira com torneira, e uma placa enorme.

O combustível era lenha e/ou briquetes. Aqui entrei eu em função!!

Na minha turma havia um colega que era filho do carvoeiro da esquina, uma família de origem espanhola (Galiza), e que desde a 1ª classe fazia parte do meu grupo.

Ambos eram vendidos na referida carvoaria, o que nos facilitou a vida.

Por outro lado o aquecimento da casa era a petróleo, outro bem escasso, mas, a minha “influência” era garantia de abastecimento regular.

Outro apoio que tínhamos era oriundo da Amareleja, principalmente em azeite e outros produtos agrícolas.

Nos 3 meses de férias, as chamadas “grandes”, vivíamos numa quinta nos arredores de Lisboa, onde havia o recurso aos fornecedores locais em tudo o que “a terra dá”, ficando-se dependente de produtos importados, tal como em Lisboa, com a particularidade de que tínhamos que os adquirir aqui, para posteriormente os transferir para lá. O saldo era positivo, mas trabalhoso. Para acompanharmos a evolução da guerra, só o rádio, um PHILCO castanho, que tinha “ondas curtas” (ah,ah,ah) e o Diário de Noticias.

Na quinta, meu Pai arranjou quem fosse montar no sótão uma GALENA.

Galena é um mineral, montado num equipamento cujo esquema anexo, e que alimentado por uma bateria de 12 volts, permitia ao “operador” (eu), sintonizar a EN (Emissora Nacional) e reportar à Família as últimas novidades, obviamente filtradas pelo lápis azul… . Uma aventura… .

À medida que a guerra se foi tornando mais demolidora, começaram a surgir cenários de perigo potencial para Portugal, que hoje julgo inconsistentes, mas que criavam dependência psicologia do Governo em funções.

Assim, foi lançada uma campanha com vista à proteção em situação de bombardeamento aéreo, principalmente na cidade de Lisboa.

Foram então içados alguns balões enormes, com a configuração de dirigíveis, ligados por cabos de aço a “fixes” em betão, em locais estratégicos. O mais saliente era um que estava no alto do Parque Eduardo VII mas, recordo outro algures perto da Praça do Comércio.

Uma outra iniciativa, mas com carácter compulsivo, foi a de colocar fitas de um papel específico, nos vidros de todas as janelas e a eles coladas. Essas fitas deveriam formar um X.

Foi uma “festa” que me tocou, porque as janelas da marquise tinham vidros que nunca mais acabavam.

Ao fim de 4 anos, tudo pesado e somado, considero que foi algo que deixou marcas e um sentimento de dúvidas e revolta contra as instituições que regem os países porque, sobressaiu como nunca, a falta de escrúpulos dos governos, que tudo sacrificam para satisfação pessoal, mesmo que tal tenha como preço a morte e a miséria de outrem.

Os PORQUÊ e PARA QUÊ isto, eram perguntas que me assaltavam constantemente a mim e aos meus colegas.

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