3 minute read

Génesis e outros dias

RUI PINTO GONÇALVES

Génesis e outros dias

o livro do Génesis aprendi sobre a criação. Aprendi que Deus criou a luz, a terra, os mares e rios, os N Noutro prisma pode-se até dizer que os juízes são homens e mulheres e sendo os homens e as mulheres de criação divina – animais e os homens. como me ensinaram – então deveriam ser perfeitos, ou seja, afinal, a culpa pode ser Escrutinei com cuidado e não encontrei até do próprio Criador. o momento em que criou o calceteiro, o carpinteiro, o advogado ou o juiz. Acontece que o Criador fez os homens e as mulheres de coração bom, mas parece Concluí então que, estes últimos, se não foi que andou por lá uma serpente a desfazer Deus quem os criou foi o próprio homem a coisa e que por isso gerou maldade e que os inventou. discórdia, ou seja falibilidade o que origina só por si a necessidade de gerar a paz, A regra é simples, tudo o que não foi paz essa que é necessariamente artificial criado por Deus, foi produto do homem. já que é produzida pelos homens e daí a Na verdade, nem é preciso ser crente para necessidade de encontrar mediadores e acreditar que tudo o que não vem elencado decisores, os tais juízes. no Livro Génesis foi criado pelo homem com recurso ao que o Criador lhe deu. Depois antes dos juízes vieram os fazedores de regras - hoje chamados de Assim Deus não criou nem formou juízes, legisladores - e os juízes são compelidos neste canteiro à beira mar plantado quem o a trabalhar com as regras que os outros tem feito tem sido o CEJ. fizeram (às vezes discordando delas), sob pena de, não o fazendo, violarem as Ora dito isto temos que, sendo os próprias regras. É complicado, mas mesmo juízes uma criação do homem, são complicado. necessariamente imperfeitos e falíveis. Mas isto, que parecia ser uma verdade E depois a malta (ora chamada de paliciana tornou-se recentemente uma sociedade civil, antes de povo) gosta de descoberta ao nível da roda. complicar, inventa Leis, mas também Decretos-Lei, Portarias que regulamentam E então sendo absolutamente certo que os os primeiros e os segundos, depois juízes falham há que perceber o que pode Regulamentos e depois há os costumes ser feito. que era o que deveria primariamente

“SE ELES DIZEM, NÃO VOS ILUDAIS, SE ELES DIZEM QUE É ASSIM É PORQUE É MESMO. SE ELES CONDENAM NÃO TÍNHEIS DÚVIDAS É PORQUE É CULPADO E SE ABSOLVEM É PORQUE É INOCENTE.”

haver e depois (ou antes?) os códigos... Discute-se se a ética pode caber no Código de Procedimento Administrativo (que eu já ouvi dizer que havia mas nunca li) numa lei, numa coisa diferente do coração e da cabeça de cada um. É complicado....

Quer-se no final que todos os juízes pensem da mesma maneira desde que seja à nossa, mesmo que hoje achemos que são em regra severos e amanhã que são afinal brandos, eles que se adaptem que eu cidadão não sou pago para me adaptar.

Na prática todos queríamos que a Justiça se adequasse à nossa maneira de ver as coisas, uma Justiça à nossa medida e isso estava muito bem não fosse o facto da Justiça ter que ser pensada e aplicada a todos e todos são muitos, mesmo muitos.

Queremos finalmente uma Justiça adaptada aos “tempos modernos”. E o que são os tempos modernos, o que é aquilo que deve ser justo nos tempos que correm?

Para responder a essa pergunta entram os verdadeiros juízes, os que de facto fazem tudo: as verdadeiras leis, decretos-lei, regulamentos, costumes... chamam-se jornalistas transvestidos de opinion makers.

Se eles dizem, não vos iludais, se eles dizem que é assim é porque é mesmo. Se eles condenam não tínheis dúvidas é porque é culpado e se absolvem é porque é inocente.

Percebe-se isso perfeitamente quando eles condenam (ou, raríssimas vezes, absolvem) um juiz, sendo que as condenações são em regra numa pena mais do que perpétua, eterna.

Há uma particularidade que demonstra bem as força dos jornalistas: os mesmos não só condenam, como a decisão não admite recurso, gera a publicidade automática (que os Juízes só excecionalmente determinam, como no caso do artigo 189.º do CP) e são eles próprios os algozes.

Estamos assim num Estado não de Direito mas de notícias. Não de juízes, mas de jornalistas.

E estes definitivamente não foram criados por Deus, eles são Deus.

This article is from: