Alessandra Leão

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REVISTA FUNDAMENTO ALESSANDRA LEÃO

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5


A cantora e compositora Alessandra Leão começou a desenvolver seu interesse pela música ainda nos anos 90. Ela foi testemunha e, mais tarde, parte integrante de uma tendência de valorização das sonoridades locais e da cultura popular, simbolizadas, por exemplo, pelo maracatu e pelo cavalo marinho. Essa senda, explorada por nomes como Chico Science também atraiu Alessandra, que se viu cada vez mais interessada pelo canto e pela percussão. Na sua busca pelo seu próprio som, conheceu os músicos da banda Mestre Ambrósio - que movimentavam a cena local desse fim de século 20 tão marcante para Pernambuco – e, em seguida, decidiu formar sua própria banda. A Comadre Fulozinha, formada em 1997, só com integrantes mulheres, também tinha em sua formação original Isaar e Karina Buhr, também reconhecidas, atualmente, por seus talentos em carreira solo.

EDITORIAL

Aprendendo a cantar e a tocar enquanto chamava a atenção do público e da imprensa do Recife e de outros Estados, Alessandra decidiu se aprofundar em uma busca por novas referências e sonoridades, ao sair da Comadre Fulozinha. Em seguida, passou, com o marido Caçapa, a juntar e a ressignificar tudo o que viu em suas visitas à Mata Norte de Pernambuco, onde viu, em sua essência, o maracatu rural e o cavalo marinho. Essas experiências, que duravam noites inteiras e ficaram impressas na memória da musicista, a fizeram reconhecer o talento de brincantes populares e a repensar sua própria trajetória na música. A partir daí, a artista lançou três álbuns: Brinquedo de Tambor, de 2006, Folia de santo, de 2008 e Dois Cordões, de 2009.

6

Este número da Revista Fundamento Pernambuco, dedicado a Alessandra, procura fazer o leitor entender um pouco mais do universo que tanto encantou a artista. Neste número, estão depoimentos de pessoas da mesma geração, como os músicos Sérgio Veloso, conhecido como Siba, e Caçapa. Também estão em pauta suas referências musicais, os locais de Pernambuco por onde ela passou para compreender melhor a cultura popular. Outro trabalho presente nestas páginas é o de Manoelzinho Salustiano, filho do Mestre Salustiano e artista que confecciona estandartes e golas de maracatu, um símbolo de um universo tão querido por Alessandra. Ao valorizar o que há de mais essencial na cultura pernambucana sem perder de vista a comunicação com o mundo inteiro, a cantora e compositora representa as características que a Fundamento Pernambuco deseja para si.


ENTREVISTA

8

MAPA AFETIVO

22

SEU LUIS PAIXÃO

26

MULHER E TRADIÇÃO

34

MANUELZINHO SALUSTIANO

SOM DA MATA

ENSAIO

50 56

SONORA RECEITA

42

70 74 7


ENTREVISTA

8


PARA D E S C O B R I R SUA

PRÓPRIA

CANTORA

E

VOZ,

A

COMPOSITORA

PERNAMBUCANA ALESSANDRA LEÃO TOMOU UM CAMINHO QUE ESCOLHEU A CULTURA POPULAR COMO PONTO DE PARTIDA.. NESSA TRAJETÓRIA, QUE COMEÇOU AINDA NA ADOLESCÊNCIA, A MUSICISTA FEZ PARTE DO GRUPO FEMININO COMADRE FULOZINHA, ONDE ENTROU AOS 18 ANOS

E

COMPARTILHOU

SUAS

DESCOBERTAS

MUSICAIS COM NOMES HOJE BEM CONHECIDOS DA MÚSICA PERNAMBUCANA, COMO ISAAR E KARINA BUHR. DEPOIS DE CUMPRIR O SEU CICLO NA BANDA, LANÇOU-SE EM CARREIRA SOLO, QUANDO LANÇOU OS ÁLBUNS BRINQUEDO DE TAMBOR, EM 2006, FOLIA DE SANTO, DE 2008, E DOIS CORDÕES, DE 2009. ENTRE

AS

ESTABELECEU

PARCERIAS PARA

QUE

ALESSANDRA

FAZER

AS

SUAS

EXPERIÊNCIAS SONORAS, A FUNDAMENTAL É A DO MARIDO, O COMPOSITOR, INSTRUMENTISTA E PRODUTOR RODRIGO CAÇAPA. PARA ELA, TODAS AS REFERÊNCIAS E PESSOAS COM AS QUAIS SE RELACIONOU AJUDARAM A FORMAR SUA

IDENTIDADE

MUSICAL,

QUE

HOJE

É

MUITO PARTICULAR E TRAZ A ABERTURA PARA NOVOS

SONS

SEM

ABANDONAR

AS

RAÍZES.

PARA CONTINUAR SEU CAMINHO NA MÚSICA, A CANTORA SAIU DE PERNAMBUCO PARA MORAR EM SÃO PAULO, ONDE PASSOU A PROCURAR SEU

ESPAÇO,

AGORA

EM

NOVO

AMBIENTE.

ATUALMENTE, A CANTORA E COMPOSITORA A CANTORA E COMPOSITORA LANÇOU A TRILOGIA LÍNGUA, COM TRÊS EPS: PEDRA DE SAL, AÇO E LÍNGUA

9


Como Eu e

você veio ao mundo?

sou

a

mais

11

Uma

anos

ganhei

com

muita

casa

tem

momentos

menor

Mas

nova

cinco

filhos.

outro

irmão,

um

criança

solidão.

de

ideia

de

do

que

é

A

se

então

sempre

solidão

sentir

eu

quatro

são

dois

uma

casa

não

sei

porque

mulheres irmãos

sempre

e

sempre

como

algo

só,

tem

alguns

momentos

angustiante,

porque

é

uma

coisa

estranha

no

sempre

foi

muito

cheia,

com

mesmo

tempo,

Onde

homem irmãs.

três

é,

que vivo

não

com

não

tenho

a

gente.

muita

não

Sempre

morei em

depois

em

depois

fui

Qual

era

de é

bom

quase

um

sentido,

muita

uma

introspecção,

mas

suspiro ao

você

menos

conversa,

nunca

a

estar

para

televisão,

enlouquecedora,

casa

vi

solidão

um

pouco

mim.

Minha

som

ligado.

casa

Ao

demais.

barulhenta

era a sua primeira casa?

cidade.

Recife,

na

Casa Amarela,

Hoje

vivo em

Zona Norte. A

depois

Rosarinho,

ao

passei

depois

Casa Forte,

primeira casa era em

para

um

Espinheiro,

apartamento mas

sempre

no

mesmo

nesse

bairro,

miolinho

da

São Paulo.

a tua lembrança mais doce da infância?

e meus irmãos fazíamos muita coisa juntos.

andar a cavalo.

Teve

para mim e para meu irmão.

Era

que tinha um apoio pras mãos. mãe é de

Fortaleza, férias.

de subir em árvore,

Aldeia

e meu pai

ele fez duas pernas de pau,

muito bom, a gente andava em uma perna-de-pau

Lembro

muito disso.

Por

outro lado, a minha

e a família dela toda é de lá, então a gente ia muito

ao

Ceará

tinha cavalo, porco, pés de café.

nas

Brincávamos

uma época que a gente tinha uma casa em

tinha um quartinho lá, tipo uma marcenaria.

Meu

avô

tinha

uma

fazenda

Lembro

na

Serra

Guaramiranga.

de

de uma história na qual ele ia

distribuir os cavalos da fazenda para os meus irmãos.

Quando

chegou em mim,

não tinha mais cavalo, então, na verdade, eu andava de burrico.

10

um

barulhenta,

muito o

e

você sentia necessidade de ter momentos consigo mesma?

Você

Eu

é

Somos


11


Alessandra,

como

você

se

deu

conta

de

que

era

você?

Quem

Não

Eu

sei se houve algum momento em que pensei o

seguinte:

5

que os tem

“me

achei”.

Minha

mãe sempre brincava

filhos eram como os dedos da mão: não

nenhum

igual

outro.

ao

eram bem ressaltadas.

Como

Então

as

diferenças

eu era a mais nova, em

você imitava no espelho?

do cabelo, das músicas.

Damas

das nome

adolescência, eu queria ser como determinada irmã.

mim,

Em

Era

de

ideia

e

“não

dizia

quero

tinha

na

terceira

série,

deixar

conta

tinha nem me inscrito.

justamente

por

desse

incentivo familiar.

preparavam

falou de alguns bairros onde já morou, mas

alguma

sensação

que

te

vem

à

mente

quando

lembra desses lugares?

Minha e

não

é

fisionomias

com

muita

boa,

muito

esqueço

facilidade,

mas

forte.

Lembro

pessoas e lugares pelo cheiro.

Também

olfativa

memória

geográfica

espaços.

Lembro

Itaoca,

em

andar,

é

com

bem

muito.

Ensaiei

Rita Lee e,

boa,

eu

me

filhos

sempre

eu também corria muito.

e

minha

É

tenho uma

Sim. Eu

bem

dos

devia ter uns

6

7

ou

Essa

e

nunca achei que fosse cantar.

Quando

balé,

ser

amassando

um

cabelo

começo da adolescência, por volta de

Lembro

anos.

de

Depois

mas

fui

queria

teatro.

fazer

pum,

enorme.

e

recordo também da banana

Tinha

uma

turma

uns

Caetano,

Kitaro,

mão

de

ela

chão tremer. a

vários

lembro

E

das

concurso.

minha primeira infância em apartamento, nunca me

se eu ia participar.

presa

lá.

Minha

avó,

por

exemplo,

tinha

correr

descalça,

granja em aldeia, então minha família tinha esses

até diziam:

pontos de escape.

assim”.

12

ia

de

de

até

13

ou

MPB. Minha

mãe é

a

Eu andar

“Alessandra,

de

tem

uma

música

a época de

Enya,

porta

irmãs,

algum

14

muita

Teve

abrir

o

ouvia

gostar

minhas

para

médica

Eu

eu dançava muito.

amigos

Eu

de

verdade,

Ney Matogrosso. Ela

e ficar ouvindo direto.

na

enorme

de

intensos,

períodos

no prédio e, mesmo tendo morado durante parte da

senti

Devem

era criança,

primeiro

no

soltava

a

Na

gostava

era a sensação, de

Me

anos.

Edifício

e misturando com mel e passando no cabelo tinha

ter

a primeira vez que você lembra de cantar com

platéia?

cachorro.

um

ria

estar sempre em movimento. índia,

Devo

entrado no palco com o olho meio inchado.

muito fã de

uma

cantar

buana” toda

desconfiada, já no finalzinho do evento.

Uma

de

pra

muito por não poder

“Buana

música em casa, especialmente

visita

sozinha

Chorei

tenebroso, porque cantei

de

recordo

Casa Forte. Morávamos

vizinhas

filmes.

nos

quando cheguei lá, não

do piso de madeira do chão, do cheiro de cera. das

como

Pra

nomes

muito

muito de um prédio, o

cinco

pequena,

máximo.

no

ter dado umas boas risadas.

memória

memória

muito

era

cantar, mas ficaram com pena e, no fim, deixaram.

Foi Você

que

o

uma superprodução na época, pois as pessosa

uma música de

forte

era

pronto,

tudo

Colégio

artes,

de

achava

estar

assim, isso

muito

mas

Eu

assim como você tem os ídolos. foi

festival

cantar.

iam

de tudo,

estudava no

e

se

não

um

Damarte,

ser

mais ser como essa, quero ser como aquela...”,

Mesmo

Eu

aparecer devia

mudava

e

devia

vários momentos da vida, especialmente no começo da

seguida

Rita Lee. Gostava

queria muito ser

bar

e

ouvir

Ensinei e e

até

o

forró ganhei

perguntavam

era muito moleca, de descabelada,

às

vezes

me poupe, deixe de ser


Onde A

você sentia que se encaixava mais e onde você sentia que não se encaixava?

adolescência não encaixa em nada, na verdade.

Adolescência

é aquele processo de arrumar

o guarda-roupa: você tira tudo e depois vê o que vai ser teu e o que você quer que volte pro armário. muito, com

Ao

12, 13

mesmo tempo, eu abri o olho pra arte nessa época.

anos, inclusive escondido.

Lembro

escondidíssimo, porque minhas irmãs tinham.

Elas

trechos, mas diziam

Eu

“você

não pode saber”.

com irmãos, mas também tinha muito bullying. com uns

14, 15

e minhas amigas me arrumaram de novo.

Comecei

Christiane F.,

a ler

e esse eu li

sempre me deixavam curiosa, comentavam

tenho lembranças muito doces e queridas e

Ser

a mais nova é fogo.

Quando

eu já tava

anos, eu tive uma fase negra, de gostar de shows de axé e pagode, mas,

mesmo assim, eu achava tudo muito bobo.

cabeção.

de

Comecei

a ler

Dostoievski,

Isso

Lembro

de um momento no qual fui ao shopping

foi até uns

15

anos.

a ouvir rock, virei fã de

Depois

quis ser mais

The Doors...

13


Você

lembra

do

primeiro

disco

comprado

por

você?

Tem

Em

resumo,

quais

seriam

um

era

Depeche Mode

do

mesma época, comprei

As

Legião Urbana. Também

na

Minha

infância era

quatro estações, do

muito

forró,

e,

fiquei muito feliz em

Mundo Livre.

comprar o primeiro disco do

Existia

uma

correspondência

Tinha. Sempre

visual

com

tive

um

cada

moleque.

lado

irmão,

Eu

Daniel,

é

o mais próximo de mim, então brinquei muita brincadeira em

de

menino.

árvore,

Bolinha

essas

coisas

gude,

de com

sempre e

junina.

Fazíamos

música

São Pedro

festa de

todo ano em casa.

energia

mais masculina.

Eu

Mercury, Chiclete comecei

He-Man. Meu

queria ser o

a

que

ir

Abril

pro

ouvi.

mais

The Doors, muito ser

no

início

mas

ouvi

muita

listrada de brim.

Na

também

bermuda

verdade, eu sempre me

mim, era? que

era

muito,

então não usava nada colante.

Nada

gorda,

a ponto de

esses

14, 15 De

tomara-que-caia.

Na

usava

Se

usava short por baixo.

Nessa

axé

e

o

rock,

tive

eu botasse saia,

uma

tererê no cabelo e calças look.

como

época do axé, vestia

bermudinha e camiseta.

o

roupas

transição entre

fase

hippie,

Bali. Esse

de

era o

me

Quem

me

A

salvou

primeira

na

estrada

chorando.

deu,

o

anos, saindo

na adolescência, pra

redescoberta,

atenção em uma letra de

caminho

e

Foi

primeiro

Luiz Gonzaga

e

mesmo vez

do

em

Gonzagão

uma

impacto

o

causado conta

comecei a ir pro

Abril

pro

Rock,

show de

Lembro

Chico Science. Fiquei

pensando:

“que

resto

tristeza

por

ver coisas diferentes.

prestei

foi quando

Mas,

uma

foram

Assum Preto.

passei só

axé

que

música.

por

blues

música nacional,

Estávamos

nunca

e

Ella Fitzgerald, Nina

eu sempre me achava muito mais gorda do que então

quis

Beatles.

jazz

meu pai me explicou a letra de

realidade,

filme

foi a transição entre uma coisa

uma

dois.

de

o

gostei mais

dos

ter uma bulimia, anorexia, nada disso, mas

a

14

muito

gostar

90,

anos

que

coisa

Chico Buarque

foi

também.

Não. Achei

dos

do axé rumo à salvação.

e outra.

achei muito gorda quando era adolescente

lançaram

do

foi aos

Legião Urbana

e

eu

ter sido a banda

Jim Morrisson. Sempre

Simone. Isso

rolava

Rock

pro

Quando

Rolling Stones

dos

Banana. Depois

com

The Doors. Deve

muito de

Também

época você vestia o que? cotton,

Esse

Daniela

escutava muito

na adolescência, com

Mas

a

foi um gênero que nunca parei de ouvir, mesmo

temática/eixo musical?

Calça

até

MPB, Carnavais

muita

na época do axé.

Na

fases

adolescência?

dois:

subir

suas

do

em

do que mim

rock,

comecei a

do meu primeiro impressionada,

danado é isso aqui?”.


Em

resumo,

quais

seriam

suas

fases

até

a

adolescência? infância era

muito

forró,

MPB, Carnavais

sempre e

junina.

Fazíamos

muita

música

São Pedro

todo ano em casa.

Esse

foi um gênero que nunca parei de ouvir, mesmo na época do axé.

Eu

Mercury, Chiclete comecei

a

que

ir

Abril

pro

ouvi.

mais

The Doors, muito ser

no

início

Também

muita

na adolescência, com

Simone. Isso

mim,

também. esses

De

Quem

me

A

salvou

primeira

atenção em uma letra de

caminho me

na

estrada

chorando.

deu,

o

e

Foi

primeiro

e

blues

axé

que

foram

prestei

foi quando

o

resto

tristeza

comecei a ir pro

Abril

pro

Rock,

“que

que

sim.

Meu

cunhado,

Querosene Jacaré,

nem

tinha

esse

época,

na

aliás, a banda

nome,

Galera

era

Impregnada. Com

esse namorado da minha irmã,

também

a

Mas, mais

comecei com

a

música

impactante

foi

conhecer daqui, o

coisas.

outras o

que

eu

achei

Mestre Ambrósio. Eu

me lembro muito da primeira vez em um show um achado.

Senti

um encaixe de

de onde vem isso?”.

Fiquei

muito viciada neles, deve ter sido o show mais visto por mim em minha vida.

Eles

fizeram uma

quarta-feira,

conta

pensando:

Beatles.

causado

Chico Science. Fiquei

uma das minha irmãs.

do

por

show de

em

Foi

com

convidados

do

interior.

a primeira vez que vi o cavalo-marinho,

a ciranda.

Assum Preto.

passei

Lembro

pessoas

temporada de shows perto da minha casa, toda

Gonzagão

uma

vocês,

Luiz Gonzaga

em

impacto

ver coisas diferentes.

acho

“rapaz,

Mas,

uma

É,

pensar

vez

Boa Viagem.

anos?

música nacional,

música.

por

quis

na adolescência, pra

Com 15

Foi

mesmo

com

Manuela,

com

deles.

meu pai me explicou a letra de

Estávamos

filme

gostei mais

jazz

e

na praia de

conexão

anos, saindo

redescoberta,

uma

dois.

de

o

foi a transição entre uma coisa

Chico Buarque

foi

gostar

90,

dos

14, 15

do axé rumo à salvação.

Legião Urbana

e

eu

Ella Fitzgerald, Nina

foi aos

Não. Fui

ainda

anos

Era

comum?

lançaram

que

coisa

uma

tocava no

dos

do

Existia

ter sido a banda

Jim Morrisson. Sempre

ouvi

e outra.

Rock

pro

Quando

Rolling Stones

dos

Banana. Depois

com

eu acho.

Daniela

escutava muito

The Doors. Deve

muito de

que ano isso aconteceu?

94,

Minha

festa de

Em

em

do

do que mim

rock,

comecei a

do meu primeiro impressionada,

danado é isso aqui?”.

15


Biu Roque? Não, Biu Roque

eu já conheci no interior.

Foi

vi o cavalo marinho montado, com tudo pronto.

Você

fiz

foi outro baque.

cantava?

Já. Na com

a primeira vez que

verdade, a primeira vez que entrei num estúdio foi pra gravar

Zé Neguinho e,

teatro

do

Coco,

uma

vez,

mas eu cantava com medo.

Antes

cantei

professores.

para

um

de

meus

perguntou se eu queria ser cantora e eu disse não.

A

de cantar,

Ele

primeira vez

que gostei de cantar, e me senti capaz disso, foi no maracatu. maracatu e coco já estavam dentro de meu universo.

Mestre Ambrósio

conheci o

O

Foi

O

na época que

Mata Norte.

e resolvi ir à

que te levou a apenas cantar?

Quando

eu

administrar.

Tive 23

22

tinha

Abriu

anos,

meu

pai

me

deu

uma

tudo em meu nome e fiquei lá até meus

funcionários, todos com carteira assinada.

coisas nesse período.

Esse

deveria ficar ali.

ainda tocava com

Eu

era minha válvula de escape.

me orgulhar.

Eu

Foi

Silvério,

era muito verde, muito imatura.

nem

saí

da

de muitas

nessa época, e essa

Na

clínica

pra

Na

época da clínica

época, fiz terapia e

cantar,

Aquele

não era meu

saí

para

trabalhar com música, mas não necessariamente tocando.

Logo

voltar

Tiné. Comecei

Em 2004,

Carlos Sandroni,

pra

fui para a uma

Siba,

a ler, a estudar leis de incentivo,

porque produzir era algo mais imediato. em cantar.

a

após esse

período, comecei a trabalhar só com produção, em um disco de em um álbum de

anos.

eu não tinha nada de significativo para

resolvi ter uma conversa definitiva com meu pai. eu

25

eu

quando também comecei a compor, porque

foi quando eu comecei a compor bem mais.

Mas

Adoeci

para

já era um forte indicativo de que eu não

Comadre Fulozinha

na época da

futuro.

clínica

Bahia,

produção

do

Mesmo

assim, voltei a pensar

convidada pelo etnomusicólogo samba

de

roda

do

recôncavo

baiano, que proclamou o samba patrimônio da humanidade e patrimônio nacional.

Mesmo

com pouco dinheiro, consegui ir, e aconteceu a mesma

transformação interna de quando eu vi o cavalo marinho.

16


E

a percussão?

A

percussão veio quando eu conheci os meninos do

anos.

Achava

Mestre Ambrósio,

ainda na adolescência, aos

que não ia tocar, porque na época em que eu conheci os meninos, eu fazia muito teatro

e também dançava, mas julgava não ter muito ritmo nas mãos para a percussão.

Caçapa,

tinha uns

me perguntou:

“por

17, 18

que você não toca?”.

não fui muito adiante.

Mas

Foi

a

eu conheci

ele quem começou a me ensinar percussão.

Mestre Ambrósio. Até

Depois

comprei uma rabeca, mas

a percussão começou com essa aproximação porque eles são músicos muito

percussivos, por mais que tenha rabeca, e sopro.

Com

Quando

anos, passei a querer dançar e tocar para servir ao teatro, mas ele

disso, tomei coragem e fui atrás dos meus amigos do

Quando

18

Isso

mexeu demais comigo.

você se sentiu acolhida, prestigiada por uma plateia?

Comadre Fulozinha,

ao menos profissionalmente.

Antes,

foi no maracatu de baque solto.

17


Qual

a pessoa que você considera seu primeiro

mentor? mais

romântico

parecer, é isso, de fato. eu

também

que

Se

Em

isso

Eu

achava

muito

namorar, eu tinha mais

perto

de

tempo.

17

mim.

Quando

anos.

Ele

que

minha opinião, era

algo para eu fazer quando precisasse. há

possa

não fosse o meu

isso.

diria

não ia tocar nem cantar.

juntos

consegue identificar fases mais definidas

no teu trabalho?

Caçapa. Por marido,

Você

Estamos

começamos

Ele

é quem está

tocava,

a

estudava

A Comadre Fulozinha coisa,

foi

verde demais, e penso: banda?”.

uma

pandeiro,

no e

o

Uma

Eu o

Ao

mesmo

tempo, não sei se tenho essa relação de mestre com

ninguém.

Quando

eu

penso

imagino que há uma distância. de

ninguém,

pois,

do indivíduo.

Não

para

em

Não

mim,

a

consigo dizer

mestre,

eu

. Cantava

ganzá

vez, perguntei a

fui

interessa. pro

pessoas

Eu

interior, de

interessava

um

gosto não

ângulo

saber

quem

me

mais

poderíamos nos relacionar.

uma

viagem.

muita

o

básico

assustadamente. meninas me

acima.

uma

O

que

com

muitas

época

ficava

angustiada, me perguntando se eu merecia estar

estar.

Depois

e

toques

foi muito rápido

Em

precisa

distante,

entrei

três

Comadre Fulozinha,

na

onde

vou tocar

eu

entrei assim em ou

Tudo

arte

fruto

muita

oitava

Cada

“eu

eram

cantar

relaxei.

é

de

Caçapa: “as

Depois

interessava

elas

viagens,

período

muito

ali.

diferença.

da

pra

intenso

muita

triângulo

sou discípula

igual a ele”, porque essa busca pelo igual não me

e

de

dois do

é uma oitava acima?”.

Música. Mais

para

começo

“como

básico

Arquitetura

transferido

um

sabia

falaram

e

o

No Comadre Fulozinha

viola, teclado, tinha trancado a faculdade de

do que um mentor, ele é um parceiro.

um

com o trabalho da clínica. importância,

a

de

teve

Essa

“isso

dizer

no

lugar

essa

pausa

fase teve sua aqui

vai

ter

de dar certo”.

ver

as

música, estava muito mais determinada e madura,

me

com minhas composições mais estruturadas, mesmo

mas como

nós

nesse

Siba

período

Lembro me

de

pagar

respirar. e

no

morava em

isso

de

não,

Também

oportunidade

Silva.

eu

Nazaré

da

Mata

deixa

e eu

nessa época e para

“não

dito

fazer”,

trabalhei com

a

ajudar. precisam

para

poder

Silvério Pessoa

interessante,

conhecer

produção.

fazia

Recife

no

ligado

muito de

voltei a trabalhar com

qual

alguém

ter

foi

Quando

está

Quando

precisava

18

escola,

uma

descoberta.

foi

obra

pois de

tive

a

Jacinto


Quando

você

começou

a

pensar

na

sua

própria

música?

Foi

época

de

Brinquedo

Tambor,

de

meu

primeiro disco, que comecei a sistematizar um

o

você queria que seu trabalho chegasse?

Queria

na

pouco

Onde

o

meu

primeiro

conceito do

criativo.

processo show

era

ainda

Ainda

muito

assim,

próximo

Comadre Fulozinha. Eram

ao

músicas de

Gama,

que ele tocasse no talo, no

da

no subúrbio, para o vizinho evangélico

mandar tirar. mim.

Vasco

Tem

Na

que

verdade, eu faço primeiro pra

fazer

sentido

pra

mim.

E,

de

algum modo, acho que, a partir daí, ele passa a fazer sentido pra outras pessoas.

Gosto

de

domínio público, com novos arranjos, mas tinham

trabalhar com temas, meus discos todos têm um

um universo semelhante.

conceito, então componho a partir daí.

fiz

uma

no álbum

busca

ainda

Folia

de

Quando

saí da clínica,

autoral,

mais

Santo. Esse

culminando

trabalho é mais

Eu

não

componho livremente, a qualquer tempo nem tenho muitas

músicas

guardadas.

Isso,

às

vezes

é

recente, mas, na verdade, ambos foram pensados

um problema, porque eu não tenho sobra.

paralelamente, pois a relação com o sagrado já

posso compor para um objetivo específico e já

me interessava há algum tempo.

Com

fiz trilha sonora para teatro.

tempo, compus cada vez mais.

O Dois Cordões

é menos suave do que

Brinquedo

de

o passar do

Tambor. Na

minha opinião, isso tem a ver com a passagem dos

meus

30

anos,

com

a

sensação

de

mais

liberdade, de poder ousar.

Guerreiras,

Os Fofos Encenam,

pernambucano

Newton Moreno. Nesse

um

público

e

um

tema

e

do dramaturgo caso,

fechado.

é

De

resto, queria ouvir minhas canções aqui e no do mesmo jeito.

que fala tua voz, o que te move?

Deve

ser a mesma coisa que movia

Siba,

artista.

qualquer

da alma e do corpo. na

específico

trilha pra

Luciana Lyra,

para o grupo

Japão Do

um espetáculo de

Fiz

Mas

clínica,

também. meus

meu

Passei

30

É

corpo

É

uma

orgânico. adoeceu

por muita coisa.

e

Biu Roque, necessidade

No

período

minha

Acho

mente

que, nos

anos, há um outro sentido muito grande

na minha vida: a aproximação de uma essência.

Porque

meus

30

anos não vieram quando eu tinha

15?

19


Para Eu

você, o que é conviver?

E

não tenho necessidade de solidão.

muito

nos

primeiros

discos

da autoria: o que é meu? criação? autora

Quem

de

sou eu?

algo

não

E

com

O

Me

essa

debati

questão

que é da minha

agora, acho que ser

passa

exatamente

por

eu

outras parcerias que você acha importante

destacar?

Kiko Dinucci,

quando

conheci,

o

achava

que o conhecia há muitos anos, virou amigo de infância.

E

só a marca

o meu próximo passo é querer usar

ACRE. Antes,

eu fazia figurinos

fazer todas as notinhas ou todas as letras.

com

No Dois Cordões,

uma afinidade a ponto de sentarmos juntos e

queria

fazer

o

eu me angustiei muito, pois

disco

todo

autoral,

e

agora

uma

competente,

pessoa

pensarmos

uma

verdadeira

mas

não

havia

visual.

identidade

eu acho que preciso de outras pessoas, e as

Era

parcerias não precisam, necessariamente, vir

vontade de não entrar em contato apenas com

de músicos.

parceiros de música.

Parceria

Tudo

pode ser referência criativa.

é o que me instiga, o que movimenta

para que você crie. música

Das é

junto

minhas

corpo

fosse

a

com

Fiz,

parcerias, corpo,

Tem

por exemplo, uma

Kiko Dinucci ainda

[risos]. Mas

parcerias.

com

bem,

tem

via

Caçapa

porque

muita

email.

gente

se

algo meio eventual, mas tenho em mim essa

marinho: moda,

nele,

artes

não

Isso faz

música

Cada

com

é muito do cavalo

distinção

plásticas,

tem fronteiras.

dança,

do

que

é

música...não

vez mais, tento pensar

que

minha

não

dessas outras linguagens.

referências

muito

fortes

dessas

Maeve Jinkings

Com

que pessoa você gostaria de trabalhar?

e temos tido uma conversa muito bacana, mesmo

Tem

um cara na

que não seja uma pessoa diretamente envolvida

Danyel Waro. Ele

nos meus discos ou shows.

Tem

também a atriz

e

mais

ficaria

Bombino, John. De Meu

trabalho

Ilha

da

Reunião

é

um

dois

caras

que

bem

feliz

de

ele é de

Níger

ia

demais. de

parar,

No

que se chama

músico tenho

fazer

incrível.

ouvido alguma

coisa:

Dr.

Chico Buarque.

mas

isso

também

cinema,

gosto

muito

Kleber Mendonça Filho

Javier Bardem.

muito

e do americano

músicos nacionais,

coração

utópico

20

eu

e

é do de


Qual

foi

o

momento

inesquecível

da

tua

trajetória musical?

Foi

um

show

brasileira,

música

com

uma

semana

40

no país.

e

lá.

A

gente

deu

o

um festival

em

uma

cidade

gente alugou uma casa e

ficamos lá durante

Caçapa

com

Brasil’Air,

chamado

duração,

de

Orléans. A

perto de

França,

na

Dois Cordões. Era

repertório de de

2011,

de

dias, foi a nossa base

Silvério oficina

também tocaram

a

semana

toda,

muita gente falava português, tocava maracatu.

Tinha

brasileiro

de lá.

E

também,

havia

som

e

vamos

eu

voltei

fazer

chuva, pensei: de

pra

“não

A

casa.

show”.

esse

verão,

ser

gente

o meu show era o de encerramento

do festival e tava chovendo. o

mais

gente passou

Pensei “bem, Por

causa

vai ter ninguém”. frio.

estava

Quando

a

da

Apesar gente

chegou lá, de fato, tava todo mundo debaixo de

tenda,

uma

longe

poucas

pessoas,

palco.

Depois

com

do

palco.

guarda-chuva,

havia

perto

do

colocaram um toldozinho de um

Fiquei tão

emocionada por estar tão longe de casa e ser acolhida.

bem

Brinquedo Voltamos vezes.

de

A

Tambor,

para

o

Repetimos

plateia

sabia

palco,

no

final

toldo andar.

lembro de ter dito:

acontecendo?”.

Isso

“o

que tá

eram as pessoas colarem,

pouco a pouco, no palco.

Muita

gente ficou

na chuva ou pegou um saco de lixo, fez umas roupas e se vestiu. show.

E

Eles

fazer.

precisa fala:

do

o show quase todo.

e todo mundo estava sem acreditar.

cantava e pensava

músicas

do

as músicas novas, e vibrava.

lado e na segunda música comecei a ver esse

Eu

as

“não

show,

Desci

Quando

umas

8

do palco terminou,

tem mais música pra gente

tonta, preciso ficar sozinha, meu espírito

voltar

“meu

pro

corpo”.

Nesses

momentos,

você

trabalho é pra isso”.

esperavam por esse

as pessoas cantavam em português, com

um amor transbordante.

21


22


MAPA AFETIVO >>>

MATA NORTE

23


Aliança

Nazaré da Mata

“Foi em Chã de Camará, no município de Aliança, que vi o cavalo marinho pela primeira vez. O “banco”, como chamamos o grupo de músicos, do Cavalo Marinho de Mestre Batista era memorável, formado por alguns dos melhores músicos daquela geração: Luiz Paixão na rabeca (Luiz é uma escola inteira), Mané Deodato no pandeiro (inigualável até hoje), Biu Roque (bage e voz única), Mané Roque (bage), Sidrak (mineiro/ganzá). Também foi lá que atravessei muitas madrugadas, dançando, tocando e cantando em sambadas de maracatu mestradas por Zé Duda. Foi onde sentei num banco de cavalo marinho pela primeira vez pra tocar. Onde comecei a aprender que a música, o “brinquedo”, é uma necessidade do corpo, da alma e é maior do que a vida da gente.Vê-los e poder conviver com a maioria deles foi mesmo um dos maiores privilégios. Chã de Camará foi uma escola fundamental pra vida.”

“Em cada um dos dias, noites e madrugadas que passei por lá, Nazaré foi o mundo inteiro. Os ensaios e sambadas de maracatu, as cirandas, cocos, bandas marciais, o pátio da rodoviária, a rua em frente ao quartel, a feira... nisso cabe o mundo inteiro. Mestre João Paulo e Barachinha são escolas de poesia.”

24

Goiana “As mulheres de Tejucupapo foram um divisor de águas. Marcam minha jornada de volta ao teatro, de volta ao mar, à terra, à lama, a mim mesma.”


Condado

Limoeiro

Ferreiros

“Condado foi a casa de Biu Roque, meu amigo querido, o “goela de ouro” da Mata Norte. A cidade também é a casa de Biu Alexandre, generoso mestre de cavalo marinho, o mais lindo Caboclo de Arubá que já vi. É terra de Antônio Telles, mestre de cavalo marinho, de Nicinha e de Agnaldo, que espalham e ensinam, de forma tão generosa, a brincadeira pra crianças e pra tanta gente pelo mundo.”

“Limoeiro é terra do grande Zé de Teté, coquista e poeta dos mais brilhantes que já conheci. João Limoeiro, cirandeiro incrível, também veio de lá.”

“Rosa, minha rabequinha, veio de Ferreiros, das mãos de mestre Pitunga. Eu e Rosa nunca nos entendemos muito bem, meus dedos não conseguem entendê-la, mas seguimos juntas.”

Por Alessandra Leão

25


26


INFLUÊNCIA

PARA

MACIEL

SALÚ,

RODRIGO

CAÇAPA,

ALESSANDRA LEÃO, ISAAR, KARINA BUHR E TANTOS OUTROS RECIFENSES

QUE

GANHARAM

OS

PALCOS

ENTRE

OS ANOS 90 E 2000, MESTRE LUIZ PAIXÃO OU SEU LUIZ PAIXÃO (COMO ELE PREFERE SER CHAMADO) APRENDEU A TOCAR RABECA COM O AVÔ, UM PRIMO E OS TIOS, AOS 12 ANOS.

QUEM ESTÁ DIANTE DA SIMPLICIDADE E SIMPATIA

DESCONCERTANTES DE SEU LUIZ NEM IMAGINA QUE ELE JÁ VIAJOU O BRASIL TODO, FEZ TURNÊ NA EUROPA E NOS ESTADOS UNIDOS, E É VENCEDOR DE VÁRIOS PRÊMIOS NACIONAIS – PIXINGUINHA, ITAÚ CULTURAL, FUNARTE, BNB, MESTRE GRIÔ. FOI PARCEIRO DE SIBA, DE RENATA ROSA, LULA QUEIROGA E CLÁUDIO RABECA. O ÚLTIMO DISCO DELE, “MESTRE LUIZ PAIXÃO – A ARTE DA RABECA”, FOI LANÇADO COM FINANCIAMENTO DO FUNCULTURA. MORANDO EM CONDADO, NA ZONA DA MARTE, O EXPLANTADOR DE CANA DE AÇÚCAR ESTÁ DISPOSTO A ENSINAR O QUE SABE A QUEM CHEGAR COM GENEROSIDADE E UM SORRISO ABERTO. EM

2013,

ALEGRE,

SEU

LUIZ

PERCORREU

FLORIANÓPOLIS,

SÃO

CURITIBA,

PAULO,

PORTO

FORTALEZA,

NATAL

E JOÃO PESSOA COM O PROJETO CARAVANA RABEQUEIROS DE

PERNAMBUCO,

CUJO

ENCERRAMENTO

FOI

NO

A RABECA DO SEU LUIZ

MÚSICOS

RECIFE.

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COMO O SENHOR APRENDEU A TOCAR RABECA? - Ah, meu amor, aprendi a tocar com meus tios Manoel e Antônio, meu avô Severino e um primo, sobrinho do meu avô. O meu pai tocava triângulo. Eu tinha 12 anos quando comecei a pegar na rabeca. Eu pegava a rabeca escondido, mas depois ele me ajudaram. Ensino do jeito que eu sei. De vez em quando aparece uma pessoa para aprender. Comecei a tocar escondido lá pelos 8 ou 9 anos, quando a família ficava distraída.

28


foto: toni bRAgA

29


30


COMO O CAMINHO,

SENHOR FEZ SEU TOCANDO RABECA?

- Passei muitos anos no Cavalo Marinho do Mestre Batista. Também passei pelos brinquedos do Mestre Biu, do Mestre Alexandre, Mestre Grimário e outros. Gostava muito do banco do Biu Roque, no Cavalo Marinho Boi Brasileiro.

O SENHOR TOCA MÚSICA DO BIU ROQUE, NÃO É? Nesse último CD tem música dele, tem minha, tem do Sidrack, da Mina (os dois últimos são músicos que participaram da banda que acompanhou seu Luiz na gravação do CD).

COM A RABECA NAS MÃOS, O SENHOR NÃO SE PRENDE A UM SÓ RITMO... - Toco forró solado, coco, xote... (risos)

A AMIZADE COM OS MÚSICOS DO RECIFE COMEÇOU DE QUE FORMA? - Conheci Siba durante as pesquisas que John Murphy (etnomusicólogo cuja tese de doutorado é um dos principais trabalhos de pesquisa sobre Cavalo Marinho) fez em Pernambuco aqui na Mata Norte. Foi nessa época que a gente começou a se aproximar, e foi através de Siba que eu conheci Renata Rosa. Fui para São Paulo, aprendi sobre o trabalho dela. Foi Renata que fez meu primeiro disco, o Pimenta com Pitú. Viajei para a Europa, lancei meu disco lá. Depois, Siba foi morar em Condado, na época do Fuloresta do Samba.

31


É VERDADE QUE PIMENTA COM PITÚ É SUA BEBIDA PREFERIDA, POR ISSO QUE O DISCO TEVE ESSE NOME? - É sim, mas parei de beber há 10 anos, por causa de todos os problemas de saúde. Estou desmantelado. Parei também porque ficava meio brabo quando bebia. Perdi amizades. Perdia o controle às vezes. Ninguém tolera bem o camarada cheio de cachaça. Há um ano também parei de fumar. Estou ficando velho, não aguento mais tudo. Só não parei de tocar. Nos domingos, encontro o pessoal pra tocar. Tenho feito poucos shows, o último que fiz foi no Festival de Inverno de Garanhuns de 2013. Estou esperando propostas. Meu trabalho por enquanto é com a boca

SEU LUIZ, QUAL A DIFERENÇA ENTRE AS SAMBADAS DAQUI E O SAMBA DO RIO DE JANEIRO? A da gente é mais de raiz, é outro ritmo. A deles tem uma arrumação diferente, os instrumentos são diferentes também. As sambadas da gente são mais no final do ano, na época do natal, é o período mais movimentado.

32


33


MULHERES RECRIAM A TRADIÇÃO OCUPANDO ESPAÇOS ONDE HOMENS PREDOMINAM, GRUPOS FEMININOS INCENTIVAM A PRESENÇA DA MULHER NA CULTURA POPULAR

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A tradição popular da cultura é, muitas vezes, dominada, em suas várias expressões, por homens. Quando pensamos em Maracatu Rural ou em mestres do Cavalo Marinho, surge na nossa mente a figura masculina. Porém, artistas e pesquisadoras estão colocando à prova essa imagem. Luciana Lyra levou para a universidade a história das guerreiras de Tejucupapo. O resultado da pesquisa virou peça e livro premiados. Isaar é uma das vozes que formou o Comadre Florzinha, junto com Karina Buhr e Alessandra Leão, e que ganhou espaço no meio das vozes masculinas do MangueBeat. Eliane Rodrigues é coordenadora executiva da Associação das Mulheres de Nazaré da Mata, entidade responsável por impulsionar o Maracatu Coração Nazareno, formado exclusivamente por mulheres.

35


COMADRE

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Surgido no final da década de 90, o Comadre Florzinha foi um dos grupos que botou a música pernambucana num lugar de destaque depois de um período de ostracismo. “O que surgiu de interessante foram artistas que enveredaram por tocar músicas tradicionais num circuito predominante de homens”, comenta Isaar.

FLORZINHA “Quando comecei a cantar já havia meninas enveredando para o lado dos instrumentos porque mulher tem muito isso de ser cantora”. Nas idas ao Maracatu Estrela Brilhante, Isaar conheceu Karina Buhr. “No começo, havia aproximação de amigos, que já estavam tocando com a gente, eles serviram como aval para nos aproximarmos dos músicos tradicionais das comunidades e dos terreiros quando surgiu também a historia da gente tocar. Quem quisesse bater de frente, não conseguia espaço. Muitas vezes quando alguma mulher ia tocar no cavalo marinho, mal dava cinco minutos e chegava algum cara, pegava o instrumento. Eu queria ver, queria tocar, queria estar lá, perto, só isso já era massa. Aos poucos, começamos a circular”, relembra Isaar.

37


MULHER

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Quando Luciana Lyra estudava Artes Cênicas na Universidade Federal de Pernambuco, teve um sonho com uma Joana D´Arc regionalizada, pernambucana. Surgiu, então, a inspiração para a composição de uma cena com elementos como a rabeca compondo a cena e o universo da personagem. “Foi minha primeira investigação sobre o mito da mulher guerreira”, conta Luciana. Da UFPE, ela seguiu para o mestrado em Artes Cênicas pela Universidade Estadual de Campinas (IA/UNICAMP-SP). Sempre com a Joana como eixo das suas pesquisas, Luciana imergiu nos estudos sobre ritual e performance nas expressões populares. Foi, então, que chegou às mulheres de Tejucupapo, localidade de Goiana, na Zona da Mata de Pernambuco. “A descoberta veio quando ganhei um livro do Luíz Felipe Botelho sobre o documentário Tejucupapo – um filme sobre mulheres guerreiras. Consegui o contato de Dona Luzia, que me abriu as portas do município”.

GUERREIRA Dona Luzia é a responsável pela retomada da história sobre a participação das mulheres de Tejucupapo na batalha pela expulsão dos holandeses de Pernambuco. Em 1993, Dona Luzia Maria da Silva descobriu que estava com câncer de mama e fez uma promessa: caso se curasse, montaria a peça A Batalha das Heroínas, resgatando, assim, esse pedaço da história do estado e valorizando as mulheres da cidade. Curada, Dona Luzia conseguiu fazer com que a encenação ganhasse espaço oficial no calendário de Goiana. “Aprendi que, em Tejucupapo, quem não é heroína, é filho de heroína. Lá o universo da mulher é muito forte. A história delas me motivou a criar o espetáculo Guerreiras, que depois virou livro com a dramaturgia da peça e também um romance infanto-juvenil”.

39


MARACATU

40


Uma iniciativa interessante é o Maracatu Coração Nazareno, de Nazaré da Mata. Existente há cerca de dez anos, o grupo é formado exclusivamente por mulheres e ganha espaço fora da cidade no período de Carnaval, quando se apresenta no Recife e em outros locais. “A questão da cultura é muito forte mas a participação das mulheres é tímida. A partir da década de 70 começamos a participar mas ainda em papeis secundários”.

FEMININO De acordo com ela, a iniciativa do maracatu surgiu para mostrar que há espaço para todos. “No primeiro ano, em 2004, éramos 35. Em 2014, chegamos a 72”, contabiliza Eliane. “Ainda lidamos com o desafio de conquistar espaço e mostrar que as mulheres têm a mesma capacidade, persistem alguns preconceitos”, explica. Algumas integrantes do começo do grupo já tinham relação com o maracatu. “Contamos com a contribuição do Mestre Salustiano. Ele orientou sobre as indumentárias e algumas mulheres aprenderam a tocar os instrumentos com os mestres de Nazaré da Mata. Hoje tudo é feito na associação e já fizemos apresentações em vários municípios incluindo o Recife”, comemora Eliane.

41


42


AGULHA E LINHA VIRAM SÍMBOLO DA BRINCADEIRA

MANOELZINHO SALUSTIANO, FILHO DE MESTRE SALU, CONTINUA O LEGADO DO PAI NA CULTURA POPULAR AO BORDAR GOLAS DE MARACATU E ESTANDARTES PARA AGREMIAÇÕES DE PERNAMBUCO

43


P

ara Manoelzinho Salustiano, filho mais velho do Mestre Salustiano (1945-2008), um dos mais renomados nomes da cultura popular em Pernambuco, seu início na “brincadeira”, como é conhecido o conjunto de danças, personagens e rituais que permeiam o maracatu de baque solto, estava longe de significar alegria. “Quem me botou nisso foi minha mãe. Com 7, 8 anos, ela saía para brincar o Carnaval e ela me chamava para acompanhar. Ela se fantasiava de Catirina e eu, mesmo sendo homem, usava a mesma fantasia. Eu não gostava, a gente passava o dia inteiro na rua, no sol quente”. A rejeição inicial se transformou em devoção ao longo da vida adulta, quando ele se tornou, a seu modo, nome emblemático da arte popular do Estado. Suas golas de maracatu e seus estandartes são verdadeiras obras de arte, procuradas por mestres de toda a Zona da Mata pernambucana.

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Mesmo com a resistência inicial, Manoelzinho, de 44 anos, – o primogênito de 15 filhos do Mestre Salu, tidos em nove casamentos – passou, aos 14 anos, a participar da brincadeira no Maracatu Piaba de Ouro, fundado por seu pai em 1977. Com 18 anos, já dominava a dança o suficiente para substituir o pai nas aulas de dança popular que este último dava na Casa da Criança, em Olinda. A partir daí, a Catirina que o aborrecia na infância passava a fazer parte integrante de sua vida, ao voltar a incorporá-la, por vontade própria, na brincadeira, com o nome de Catita. No entanto, o que o Mestre Salustiano fez cada vez mais foi estimular o filho a seguir o lado artístico de outra maneira, ao observar seu interesse pelo desenho e pela costura.

“Meu pai me incentivava muito a bordar. Ele dizia que artista era patrão, e não empregado”. Manoelzinho nunca fez curso de desenho nem de costura. Autodidata, aprendeu seu ofício na adolescência com a observação de outros artistas, além do binômio tentativa e erro. “Eu sempre gostei de bordar sozinho e fazia tudo escondido. Iniciei com as golas de maracatu e, só depois, com os estandartes. A primeira coisa que fiz foi tentar decalcar os motivos de João Calumbi com giz, mas não dava certo. Meu trabalho não ficava bom como o dele e eu também não queria copiar o estilo de ninguém. Meu sonho era pensar nos meus próprios desenhos. Comecei a fazer imagens como girassóis, mas hoje, tenho uma mistura de várias coisas”. O artista já perdeu as contas de quantas dessas peças já realizou, e também diz não ter um método racional para criar. “Essas imagens aparecem de dentro de você, não adianta ficar pensando muito”.

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No início de sua trajetória, conta Manoelzinho, o pai, ao visitar outros artistas, o levava junto para que ele olhasse os diferentes modos de fazer as golas e os estandartes de maracatu. “A primeira referência que tive foi um homem chamado Manoel Mauro. Foi ele quem primeiro parou para me ensinar. E eu também gostava de visitar a casa de João Calumbi, um gênio, mas que não ensinava ninguém nem deixava verem o seu trabalho. Ele só costurava de madrugada e, quando alguém ia vê-lo, ele parava o serviço para que não o copiassem”.

46


Hoje, ele segue o mesmo raciocínio: prefere trabalhar das 22h às 5h, por achar a madrugada o período mais tranquilo, mesmo morando no terreno do sítio que compõe a Casa da Rabeca, no bairro de Cidade Tabajara, em Olinda. O verde e a falta de barulho do local parecem desmentilo, mas sua posição no Maracatu Piaba de Ouro e na Associação dos Maracatus de Baque Solto de Pernambuco o fazem ser consultado várias vezes ao longo do dia. “As pessoas me interrompem muito e fica impossível de criar. Este é um trabalho muito minucioso. São milhares de lantejoulas e miçangas. Se alguém resolve me ligar ou me chamar, algo muito comum durante o dia, a concentração vai embora, e essa é a alma do trabalho. Ao bordar, eu já penso no próximo passo e, se eu me desconcentrar, isso fica impossível.

Se eu não entregar o meu corpo e minha mente, como vou fazer uma obra de arte?”.

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A atividade de Manoelzinho como artista plástico continua, agora, com temática diversa à da cultura popular. Seu próximo trabalho é a recriação, com seu olhar, de obras do artista plástico suíço naturalizado alemão Paul Klee, com os materiais que ele utiliza no maracatu – lantejoulas e miçangas. Ele aprendeu, a partir de observações e testes, como bordar uma tela de pintura, assim como faz com os tecidos utilizados na brincadeira. A tela é presa, com linha de costura, a dois cavaletes de ferro, um de cada lado, e, a partir do preenchimento do desenho feito por ele na própria tela, surge a obra de arte. “Quando as pessoas pensam em cultura popular, a palavra ‘simplicidade’ vem logo à cabeça, mas temos de nos aperfeiçoar, melhorar”. Essa técnica que ele trabalha é aplicada a outros motivos, como a representação de personalidades pernambucanas, como Chico Science, e a desenhos de sua própria autoria. “Sempre tive a ideia de trabalha com tela, mas não sabia como. Quando foi aos Estados Unidos mostrar meu trabalho, vi alguns índios americanos com telas bem pequenas e isso aguçou a minha curiosidade. Com eles, aprendi outra lição: eles disseram preferir expor suas peças em vez de vender, pois assim eles ganhavam mais do que perdiam. Isso me fez pensar muito sobre minha trajetória. A cultura popular é um patrimônio de família, criado dentro do quintal. Os mestres são criados nos terreiros, e não nas faculdades. É preciso preservar tudo isso”

48


49


o SoM dA MAtA do recIfe cIdadeS roS,

da

cerca

nazaré da Mata, zona da Mata norte,

até de

uMa

hora

e

MeIa

uMa

daS

65

São

prIncIpaIS quIlôMet-

conhecIda naS proxIMIde Itaenga,

de

carro

Maracatu, a cIdade teM alIança, glórIa do goItá, lagoa MunIcípIoS que aSSIM coMo a próprIa nazaré preServaM a MúSIca de tradIção pernaMBucana, crIada naS ruaS e perpetuada entre geraçõeS. noS anoS 90, período Marcado pelo MovIMento Mangue Beat, algunS MúSIcoS da coMo capItal do dadeS

capItal

coMeçaraM

uMa

relação

coM

alguMaS

tradIçõeS

populareS que é vIvIda IntenSaMente até hoje de vInte anoS depoIS.

uM

MaIS

envolvIMento que contrIBuIu

para a forMação artíStIca e polítIca de jovenS que, na época, aInda eStavaM no coMeço da faculdade e Mal havIaM chegado à vIda adulta.

“a Mata norte é tão central eM tudo que fIz até hoje. uM envolvIMento de MaIS de 20 anoS. quando MeStre aMBróSIo coMeçou já tInha eSSa relação”. foI o proceSSo de BuSca de uMa IdentIdade MuSIcal partIcular e o envolvIMento dele coM a MúSIca do Mundo o levaraM a querer conhecer MaIS a cultural local.

“a Mata norte

não é o lugar onde naScI neM onde Me forMeI na InfâncIa MaS não SeI Me penSar coMo artISta SeM penSar no Meu envolvIMento coM a

uMa

Mata norte”,

explIca

SIBa veloSo.

daS prIncIpaIS expreSSõeS MuSIcaIS locaIS, o

racatu é o grande aMor de SItárIo

vISItante

SIBa. ele

apaIxonado

quando

Ma-

era uM unIver-

coMeçou

a

apren-

zona da Mata - BarachInha, dedInha, joão paulo, zé galdIno. peSSoaS coM queM aprender não Só SoBre MúSIca, MaS taMBéM SoBre generoSIdade: “nunca Me foI negado aceSSo ao conhecIMento. ISSo Me faz SeMpre penSar que paíS teríaMoS Se o SaBer der

coM

oS

MeStreS

da

forMal foSSe coMpartIlhado de ManeIra tão aBerta quanto o oral”.

50


51


taMBéM ex-aluno do cac, rodrIgo caçapa conheceu não Só MúSIcaS de cSnz, MaS taMBéM a do MeStre aMBróSIo, do qual SIBa veloSo fazIa parte. foI atravéS da proxIMIdade coM SIBa que caçapa Se aproxIMou da MúSIca feIta eM nazaré da Mata e arredoreS. a cantIna do centro de arteS e coMunIcação (cac) da ufpe foI, no InícIo da exploSão do MangueBeat, o eSpaço de convIvêncIa da

geração

de

pernaMBuco

que

MarcarIa

no MeStre aMBróSIo, cavalo tenSa

MarInho

davaM

proxIMIdade

Mata norte,

a

a

raBeca

SInaIS

uM

exercícIo

exercícIo

o

In-

da

SIBa

entre

Mata, SeguIda do fuloreSta. “foI artíStIco,

e e

a

cuja declaração de aMor

nazaré da SIBa e a pude vIv-

veIo na Mudança dele para

er

preSença

noS palcoS nacIonaIS.

eM é

projeto quando dIferente

de

eSpaço

onde

uM

deSvInculado

fazer eSSe MaIn-

do

MeStre aMBróSIo, SIBa Mudou-Se para nazaré da Mata e lançou o projeto fuloreSta, que teve doIS álBunS gravadoS: “SIBa e a fuloreSta”, e o “fuloreSta do “a fuloreSta foI MInha SaMBa”. declaração de aMor MaIS IntenSa, foI quando vIvI IntegralMente na Mata norte. foI a ponta do IceBerg de o

fIM

do

uM eSpaço dIferente de exercícIo do fazer artíStIco, uMa relação dIfer-

ente coM o lugar e coM a polítIca”.

apeSar de taMBéM ter outraS InfluêncIaS - SeMpre ouvIu rocK aMerIcano doS anoS 60, MúSIca erudIta, tropIcálIa; caçapa conta que a procura dele por SonS tradIcIonaIS pernaMBucanoS e a aMIzade coM SIBa o levou a

frequentar

aS

feStaS

de

rua

na

Mata norte e o Maracatu pIaBa de ouro na cIdade taBajara, eM olInda. “BuScava uMa relação MaIS profunda

StreaM e do penSaMento acadêMIco da

coM

MúSIca”.

pernaMBuco. SeMpre tIve eSSa InquIetação MuSIcal, eStudo MúSIca deSde oS 14 anoS. ouvIa zé raMalho, alceu valença, oS MúSIcoS lIgadoS ao MovIMento arMorIal, era InquIeto. MaS acho que MeStre aMBróSIo deu

SIBa

releMBra

MúSIca

que

aS

orIgenS

Mata norte

da

eStão

da en-

trelaçadaS ao paSSado doloroSo de uM povo que Sofreu coM a eScravIdão e coM a exploração da cana-de-açúcar.

“a zona

da

Mata

é a cana de açú-

car e SuaS MazelaS, e o Invenção,

é

o

parecIda

“a

coM

a

Maracatu

patrIMônIo

do traBalhador da cana”. do

BlueS

é

IMaterIal

uMa

orIgeM

aMerIcano.

gente já tInha uMa forMação coM

BlueS e o rocK, que São vISceraIS, MaS encontraMoS ISSo taMBéM na MúSIca de rua da

52

coM

Mata norte”.

uM

a

MúSIca

paSSo

aléM

tradIcIonal

neSSa

feIta

relação

coM

eM

a

pernaMBuco”, releMBra. na época, caçapa paSSou taMBéM a frequentar o BaIrro de cIdade taBajara, eM olInda, para ver aS apreSentaçõeS do MeStre SaluStIano. foI lá que taMBéM fIcou aMIgo de MacIel Salú, fIlho do MeStre. MúSIca

tradIcIonal

de


53


depoIS da por SIBa,

InfluêncIa a fIgura do

trazIda

por

MeStre luIz

Salú e paIxão,

raBequeIro que até hoje Mora no MunIcípIo

condado, na zona da Mata, Marcou a MúSIca de caçapa. “coM Seu luIz paIxão, chegueI MaIS perto do Maracatu, do cavalo MarInho, que São referêncIaS forteS na MInha forMação MuSIcal. o contato coM aS BrIncadeIraS do InterIor foraM MuIto IMportanteS”, afIrMa caçapa. a preSença da Mata norte eStá não Só noS projetoS autoraIS de caçapa coMo taMBéM noS de

traBalhoS feItoS coM outroS artIStaS eM que ele atuou coMo arranjador, coMo

aleSSandra leão, o próprIo SIBa e a fuloreSta, nação zuMBI, BIu roque, Iara rennó, renata roSa, uMa daS prIncIpaIS reSponSáveIS pelo contato do MeStre luz paIxão coM o púBlIco do recIfe. “a

MovIMentação

ela

eStá lá, preSenteS naS feStaS de rua”,

da

Mata norte

acontece

Independente do governo ou da claSSe MédIa.

caçapa. aS cIdadeS coMo nazaré da Mata e alIança, na vISão de SIBa, São celeIroS de cultura vIva, SaBer artíStIco aponta

Integral

que

IdentIfIque BaIlarIno.

não apenaS

“o

exIge coMo

que

o

artISta

cantor,

ator

Se ou

IMpulSo artíStIco é deSvIn-

culado do Mercado, ele Surge da vIda daS peSSoaS, do Seu teMpo e do Seu eSpaço”.

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o MARAcAtu não vê MAiS o SoL RAiAR deSde

carnaval, aS feStaS de rua da Mata norte, que anteS SeguIaM daS 22h àS 5h, eStão terMInando MaIS cedo, por volta daS 2h. o fIM antecIpado da BrIncadeIra teM SIdo MotIvo de polêMIca entre a polícIa MIlItar, o MInIStérIo púBlIco de pernaMBuco e MúSIcoS, coMo SIBa e MacIel Salú, o

que têM Se poSIcIonado eM defeSa do horárIo prolongado daS SaMBadaS.

MeSMo

depoIS

de

audIêncIaS

e

reunIõeS

para

Se

chegar a uM acordo, o horárIo curto contInua o que, para oS MúSIcoS, coMproMete a tradIção do

“a

SItuação teM pIorado

eStão Sendo cerceadaS SeM

Maracatu

Baque Solto. noS últIMoS doIS anoS. aS feStaS nenhuM eMBaSaMento legal. a legde

grandeS eventoS é deStInada a feStaS coM MaIS de MIl peSSoaS, o que não é o caSo daS SaMBadaS”, conteSta SIBa, fazendo referêncIa à leI eStadual 14.133, de agoSto de 2010, que verSa SoBre oS requISItoS de hIgIene e ISlação de

Segurança aléM doS docuMentoS neceSSárIoS para a realIzação de feStaS e ShowS de grande porte.

para coM

a tradIção do fInal

Maracatu

predeterMInado

de

para

Baque Solto, o

coMeço

da

enSaIoS curtoS, Madrugada,

São

apreSentaçõeS SeM o vIgor da tradIção Secular, deMonStraçõeS para turISta ver.

Maracatu vaI até o aManhecer,

por coStuMe

MaracatuzeIro, Maracatu Só é

Maracatu Se

“enSaIo de Secular. para o aManhece o dIa”,

dIz

SIBa.

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ALESSANDRA LEÃO DO NORTE (OU DE QUALQUER E TODOS OS LUGARES)

ENSAIO


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58


59

Alessandra veste : saia Jack Mugler; malha segunda-pele preta e brincos acervo pessoal; colares Trocando em MiĂşdos


Túnica Jack Mugler; colares Trocando em Miúdos; pulseiras Trocando em Miúdos e acervo Acre; sapatos acervo pessoal Alessandra Leão

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vestido Andréia Monteiro; brincos Trocando em Miúdos colares Trocando em Miúdos e acervo Acre; sapatos acervo pessoal Alessandra Leão

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65


túnica Andréia Monteiro; colares e adereços de cabeça Trocando em Miúdos; espada acervo Acre

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no

unIverSo

artíStIco

de

aleSSandra leão,

força

e

delIcadeza São duaS faceS que Se coMpleMentaM eM vez de Se negareM. na

oBra

da

para

trazer à Moda eSSe jogo tão preSente

cantora,

uM enSaIo feIto coM a

hora (1924-2014),

revISta fundaMento apreSenta artISta na caSa de aBelardo da

a

conhecIdo

por

corporIfIcar

Seu

apreço pelaS MulhereS por MeIo de SuaS eSculturaS de concreto, coM traçoS e curvaS que realçaM a SenSualIdade feMInIna.

aleSSandra e a arte vISual de aBelardo dIalogaM por trazereM, harMonIoSaMente, a SenSIBIlIdade e a fIrMeza eM SuaS expreSSõeS artíStIcaS, que uneM taMBéM aS referêncIaS locaIS eM uMa oBra ateMporal e unIverSal. eSSa IdentIdade vISual é reforçada taMBéM naS peçaS eScolhIdaS, todaS de eStIlIStaS pernaMBucanoS: andrea MonteIro, jacK Mugler, acre e trocando eM MIúdoS.

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a

MúSIca de

túnicA AndReA MonteiRo; coLAReS e AdeReçoS de cAbeçA tRocAndo eM MiúdoS; eSpAdA AceRvo AcRe


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SONORA SONS DA FESTA LA TABAQUERA, PRODUZIDA POR ALESSANDRA LEÃO E CAÇAPA

DANYEL WARO Poeta, músico e cantor, Danyel Waro vem da Ilha da Reunião, um pedaço da França no Oceano Índico, cercado por 210 km de praias e dotado de terrenos montanhoso e vulcânico. Danyel Waro é responsável por dar visibilidade ao maloya, também conhecido como blues da Ilha da Reunião. O maloya é um gênero musical da cultura creola cuja origem remonta aos tempos em que a população negra vivia sob a escravidão. A Ilha da Reunião é francófona, mas Waro canta prioritariamente na língua creola. Um dos motivos para esta escolha está na temática das suas letras que apontam os problemas trazidos pela dominação da cultura francesa sobre a Reunião. O canto de Waro e a batida das percussões presentes no trabalho dele se aproximam, em alguns momentos, do nosso cavalo-marinho, em outros, do blues americano.

wwwSetlist: Voulvoul, Sapèl la mizér, Salim, Boulouze, Bat la min.

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DR. JOHN Nascido em 1950, Dr. John começou a carreira com o nome de Mac Rebennack e passou a se autointitular Dr John no meio dos anos 60. Ele já fez participações em discos de Aretha Franklin, Rolling Stones, Van Morrison, Spiritualized, Ocean Colour Scene, entre outros. O trabalho dele é uma alquimia bem feita que inclui blues, rock, funk, cultura creola e misticismo vodu, que já o fez ganhar o Grammy seis vezes (1989, 1992, 1996, 2000, 2008 e 2013). Em 2012, ele lançou o álbum Locked Down, que contou com Dan Auerbach, do Black Keys como produtor, backing vocal e instrumentista. Dr. John traz a marca da música de Nova Orleans: a voz rasgada, suingada, mas sem deixar de ter a guitarra e o piano como destaques.

Setlist: Revolution, Right Place Wrong Time, Getaway, Just the Same, Such a Night.

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BOMBINO Ele nasceu com o nome de Goumour Almoctar no Níger, em um acampamento de nômades tuaregues próximo a cidade de Agadez. Omara Bombino Moctar começou a tocar guitarra depois que recebeu um exemplar do instrumento de um tio durante uma viagem. Quando retornou a Agadez, ele começou a ter aulas de música e entrou numa banda, quando recebeu o apelido de Bombino. Como os tuaregues são matriarcais, Bombino cresceu sob forte influência da avó, com quem aprendeu sobre os valores da sua cultura, que luta para manter viva. Bombino gravou uma versão da música Hey Negrita com Keith Richards e Charlie Watts, durante uma viagem que fez para a Califórnia.

Setlist: Her Tenere, Amidinine, Azamane Tiliade, Imuhar, Ahulakamine Hulan 73


RECEITA

BANANA

COMPRIDA

ASSADA INGREDIENTES 6 bananas-da-terra bem maduras 1/2 colher (sopa) de manteiga 1 colher (chá) de açúcar mascavo 1 colher (chá) de canela em pó 1 pitada de noz-moscada

MODO DE PREPARO Preaqueça o forno a 180°C. Mantenha as cascas das bananas e corte-as ao meio no comprimento. Arrume as bananas numa assadeira e passe a manteiga com o auxílio de uma faca. Em um recipiente pequeno misture o açúcar, a canela, a noz-moscada e salpique nas bananas. Leve ao forno para assar por cerca de 30 minutos ou até que fiquem macias e douradas.

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“Essa semana comi uma coisa que tem o gostinho da minha avó/ madrinha”. Falei isso para o meu filho e ele fez uma cara engraçada seguida pela pergunta: “como é que vovó Bessinha pode ter gosto de banana comprida (cozida) com queijo ralado e açúcar?”. Mas, é verdade, memória também tem sabor! E a minha avó Bessinha tem esse gostinho mesmo. Bem, no caso dela, tem vários gostinhos (ela cozinhava muitas delícias) mas esse é o que mais me faz lembrar dela. E é com esse diálogo proustiano entre mãe e filho que começo a me embrenhar no meio das bananeiras literalmente. As bananas são originárias do sudeste da Ásia e há aproximadamente 50 espécies. ​ Porém o nosso prato principal é a banana comprida, comida cozida geralmente por essas bandas, normalmente no café da manhã ou na ceia. Alimenta e muito, pois é de baixo índice glicêmico. Isso quer dizer que é absorvida lentamente pelo organismo. Para quem está de dieta e prática exercícios físicos é sinônimo de combustível. Em outros países latinos a banana comprida tem formas de preparo e nomes diferentes. No México, ela se apresenta em rodelas fritas, amassadas e refritas e viram tostones (moedas). Se cortadas no sentido longitudinal bem finas e verdes e fritas em banha de porco, são chamadas de mariquitas. O patacón colombiano tem forma mais achatada do que a tostones mexicana. A banana da terra, como é chamada no sudeste do nosso país, se presta maravilhosamente a diversas receitas gastronômicas, como nhoque e purê deliciosos que figuram nos menus dos restaurantes mais chiques. *Texto do chef Leandro Ricardo 75


DESPERTA Acorda. Desperta. Mais um dia. O sol ainda não veio. Somente uma tímida e azulada luz periférica. Ela poderia estar acordando para ir ao trabalho, mas não vai. Não para nem para o café. No solavanco, se veste meio trêmula e olha a rua da janela. Alguns automóveis começam a se movimentar aos poucos. Um cheiro de maresia nas narinas, não se sabe se por saudade ou por ódio. Ouve atenta o ruído da porta ao sair, presta atenção em cada entonação do barulho que a porta faz ao se abrir, o mundo em sua volta ainda está em silêncio, ela não, mesmo calada, grita por dentro enquanto ouve os pássaros a fazer bagunça nas árvores próximas. Ao sair, o ar da madrugada se despede e envolve seu rosto. Sua respiração fica menos resfolegante e se acalma por um instante. Mira o olhar apenas em uma direção e começa a caminhar. Acredita que andando, com o chão em movimento sob os seus pés, pode-se pensar melhor, como se o raciocínio respirasse melhor com a dinâmica do corpo. Poucas pessoas ainda na rua. Muitas estão sonolentas caminhando para o trabalho, ela não. Os trabalhadores carregam em suas faces um ar melancólico, seus corpos caminham involuntariamente para os seus destinos, enquanto as suas cabeças parecem estarem mortas ou simplesmente adaptadas a um cotidiano de morte diária. Os seus andares são contraditórios, parecem querer fazer o caminho contrário, voltar pra casa, mas não podem, entram nos coletivos lotados e seguem os seus trajetos, tristes, abatidos, como quem caminha para a guerra e é derrotado diariamente. Ela também pertence a esse mundo, mas hoje, sem pestanejar, ela segue o caminho contrário do trabalho e da sua casa, segue convicta uma direção pouco explorada. Na verdade, a convicção dela é duvidosa. Ela não sabe onde quer chegar com esse novo trajeto, sabe apenas dos lugares que quer evitar. O trabalho, sua casa, seu marido que dorme pesado porque chegou tarde demais em casa e desabou na cama sem ao menos tirar a roupa e os sapatos. Fica nervosa, seu coração acelera e seu rosto arde e pinica como pequenos cortes de ferrugem. A rua rouba a sua atenção. A rua distrai. Nos faz esquecer dos rancores por um momento. Se depara com um caminhão de mudança. Uma família acaba de encher o veículo com seus pertences. Um homem, feliz e empolgado, corre com uma caixa no colo para finalmente preencher o espaço que faltava. Fecham o caminhão e somem do local, deixando o passado pra trás. A mulher se aproxima do local onde estava o caminhão. Olha pra casa vazia. Percebe nos seus pés um pequeno encarte de CD. Na capa está escrito Alessandra Leão. Ela não conhece a artista. Folheia o encarte e sua cabeça apenas fotografa alguns fragmentos de letras. Guarda na bolsa o encarte, para ler depois ou para carregar consigo essa partícula de passado que se perdeu pelo asfalto. Olha pra frente e continua a caminhar. Sabe que não vai ao trabalho. Sabe que não quer ir pra casa. Sabe que não quer ver a cara do marido novamente. Continua a andar sem ter certeza alguma sobre o fim do trajeto. Apenas anda. Olha pra frente e não vê nada. Apenas anda. Kiko Dinucci

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Alessandra veste tĂşnica Andrea Monteiro e colares Trocando em MiĂşdos

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Alessandra Leão

Paulo Bruscky

Isa do Amparo

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Gabriel Mascaro

Eduardo Ferreira

Kleber Lourenço

REVISTA

FUNDAMENTO

Uma revista que trata de temas relacionados à arte, moda e cultura de Pernambuco, tendo o olhar de alguns de seus artistas como fio condutor. Cada uma das seis edições da revista impressas e virtuais - tem um homenageado da área cultural, refletindo sobre sua carreira, legado, influências em sua produção ou interações com outros artistas. Entre as seções, estão entrevistas, reportagens, ensaios de moda e referências sensoriais, como indicações de som, imagem e elementos gastronômicos que fazem parte do universo de cada artista enfocado.

https://issuu.com/kabrafulo cabrafulo@gmail.com

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EXPEDIENTE: Idealização: Cássio Bomfim Conselho Editorial: Isabelle Barros, Cássio Bomfim, Chia Beloto Coordenação: Rui Mendonça Edição: Rui Mendonça e Chia Beloto Assistente de Produção: Bia Rodrigues Reportagem: Isabelle Barros e Mariana Neponuceno Revisão: Isabelle Barros Assessoria de Imprensa: Isabelle Barros Capa, Diagramação e Desenho Gráfico: Chia Beloto e Zé Diniz Realização: Cabra Fulô Incentivo: Fundarpe/Funcultura Fotos e tratamento de imagem: Rodrigo Valença Produção de moda e styling: Cássio Bonfim Assistente de produção de moda : Linda de Morrir Maquiagem: neci souza agradecimentos: Andréa Monteiro , Jack Mugler, Trocando em Miúdos, Abelardo da Hora (in memorian), Família Da Hora


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INCENTIVO

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