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PAULO RODRIGUES
possíveis. Outro ponto a destacar, ainda nesse campo, diz respeito à capacidade humana de sonhar, criar e inventar. Deve-se, sobretudo, ao imaginário fértil, aos voos mais altos do pensamento, que acabam, por vezes, fazendo transbordar elementos utópicos das páginas dos livros de filosofia ou de ficção para as múltiplas camadas das nossas sociedades. Nesse sentido, a vida real no século XXI tem guardado muitas semelhanças em relação aos vários quadros descritos nas linhas de algumas das mais aterradoras utopias, aproximando, absurdamente, realidade e ficção. (Canal Rogério Filósofo. Clica nesta linha)
4 – MHL - Outro dia eu reservei algumas horas para ler algo interessante. No texto, o autor se referia às várias formas de ver o significado de AMOR, em diversos momentos do pensamento humano. Na filosofia, na Poética, na religião, na astrologia, na família etc. Gostaria de saber se você tem um argumento único que possa unir tantos conceitos acerca? RR – Penso que o amor, por si só, já basta para mover as forças internas que compõem a alma humana, bem assim todos os desdobramentos do campo da cultura. Desse modo, um conceito unívoco de amor, conforme suscitado, a constituir-se numa espécie de campo unificado, aplicável a cada ontologia regional, penso seja desnecessário. Afinal de contas, no centro nevrálgico da filosofia vive o amor, o ato enamorado da busca pelo conhecimento; na poíesis da ação poética, o amor que constrói, que elabora, que ilumina e se põe no mundo enquanto fenômeno; no religare da religiosidade, outra vez a chama ardente de quem ama o Absoluto, o Uno, o Todo, infinitamente maior que si mesmo. Assim sendo, creio firmemente na persistência do amor como conceito de difícil expressão, mas sendo a fonte de (co)existência entre os campos de atividade humana, naquilo que a vivência amorosa possui de mais condicionante, logo, de mais adequado à recepção das facetas desdobráveis de sua essência.
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5 – MHL - Na entrevista que fiz com o poeta e articulista João Batista do Lago, ao ser perguntado sobre o conceito de ‘poesia’, ele simplesmente respondeu: ‘a poesia é!’ Gostaria de saber seu posicionamento sobre esse pensamento. RR – A resposta do poeta J.B. do Lago está prenhe de suas leituras filosóficas. Leituras que reverberam na força seminal de seus poemas, falas e escritos. Nele há um pouco do que dissera certa vez Raul Pompeia, ao ser questionado sobre o tema, tendo dito que poesia é algo que não se pode definir. De minha parte, creio ser insuficiente a definição livresca de que poesia é a arte de fazer versos com base no uso da linguagem com finalidades estéticas. Ainda que compreensível, tal descrição carece do poder de correlação com o seu objeto. Qual seja? O Ato de criar. Melhor ainda: do ato de criar-se, procriar-se e de ser-se. Dessa forma, enquanto ato de criação na linguagem, essa casa do ser pela qual damos sentidos às coisas, aos entes, aos seres, podemos pactuar com João Batista a partilha dessa percepção, a partir da qual podemos dizer que a poesia é (o ser da poesia), e em sendo, é una consigo mesma. Daí sua singularidade ao criar sendo criada.
6 – MHL - Certa vez você me confidenciou sobre 3 grandes escritoras brasileiras. Aqui, você poderia confessar o que o levou a escolher esses nomes (pode fazê-lo agora também) e o porque disso? RR – Cecília Meireles, Clarice Lispector e Lygia Fagundes Teles são três escritoras fundamentais para entendermos a força feminina na literatura nacional. Cada uma com sua forma peculiar de dizer as coisas, com seu empenho para recriar sentimentos, para criar paisagens internas, estabelecendo um lugar de permanência em nossas letras. Cecília chegou a esse patamar não só por “O romanceiro da inconfidência”, que narra a história pela poesia, mas por ter sido a primeira grande voz feminina da literatura brasileira, por “Motivo (Eu canto)”, poema-síntese de sua coroação poética, pela inteligência, pela altivez de sua
personalidade, pelo lado intimista, social e psicanalítico de suas obras. Clarice é um marco, um ícone, uma escritora-bruxa que transcende seus escritos e torna-se uma estrela cujo brilho dá prova de sua magnitude. Autora cuja obra tem grande destaque fora do país, dando origem a muitos estudos acadêmicos que analisam aspectos centrais do seu estilo e produção. Foi dona de uma escrita também intimista, eivada de angústia e solidão, num diálogo entre as personagens e as epifanias do cotidiano. Já a Lygia tem o dom de desfiar novelos gigantescos, desenrolando-os para, depois, tornar a recompô-los. Assim como Lispector, exterioriza interioridades, revela conteúdos retirados dos confins dos planos oníricos, cavados às entranhas da humanidade, acostumada aos passeios do olhar pelas vias do dito e do interdito. Também por ser a nossa maior escritora viva. Dona de uma obra literária representativa das suas insuspeitáveis qualidades (vide ‘Ciranda de Pedra’, ‘Antes do baile verde’, ‘Verão no aquário’, ‘As horas nuas’, etc.), dentre as quais sua postura vanguardista, corajosa e inteligente.
7 – MHL - Sempre tive dúvidas com relação à importância do silogismo no contexto do pensamento. Na concepção de Aristóteles, com pertinência, há três principais características: mediado, dedutivo e necessário. Em algum momento esse silogismo influenciou em sua vasta produção? RR – Aristóteles foi, talvez, a mente criativa mais importante da antiguidade clássica europeia. Sua lógica é, ainda hoje, um referencial para quem trabalha com o uso racional de argumentos, a fim de alcançar o êxito do convencimento, mas também para melhor formatar pensamentos que buscam uma conclusão com base em critérios válidos e claros. Dizer que não se é influenciado pelo filósofo grego é negar a importância do seu pensamento, sobretudo no que diz respeito às formas de raciocínio baseadas em deduções. Assim sendo, o legado do filósofo estagirita nos auxilia a tentar construir arrazoados cujas conclusões correspondam aos critérios formais do silogismo clássico, com suas duas premissas básicas e a conclusão. Contudo, nem sempre me movo por meio dessa ordem fechado do silogismo e da lógica. A intuição, os insights e o inconsciente por vezes acabam também por ajudar-nos a produzir coisas bem mais interessantes e menos formais.
8 – MHL - Sobre o existencialismo de Marx, com base na argumentação de que “a essência do Homem é o produto do meio em que vive”, como o pensamento coletivo (hodierno) da cidade de São Luís do Maranhão produziu produtos e essências em sua obra? RR – A cidade de São Luís produziu e continua a produzir em mim inúmeras impressões, a maior parte extraída às minhas vivências. A partir daí posso ressignificar minha relação com ela, seus lugares, sua gente, enriquecendo o que penso e escrevo. Como terra de nossos afetos, torna-se um grande manancial de referências, de símbolos e de pautas que, explícita ou implicitamente, tornar-se-ão parte do que sou, logo, parte também do que transponho para o papel. Tal força mobilizadora me instigou a escrever um livro chamado “Cantos noturnos para ilhas devastadas” (no prelo), cujo conceito central é a ideia de ilha (real ou imaginária) e seus muitos não-lugares, existires e (in)existires, dando margem ao burilamento de memórias verdadeiras (e falsas) em torno do eu lírico, que passeia em pensamentos enquanto com ela conversa, a devassa, a trespassa e a reivindica para si.
9 – MHL - Li recentemente “On what matters”, algo como “Sobre o que importa”, em tradução livre, do filósofo britânico Derek Parfit. Na obra, ele fala sobre as rápidas mudanças que vêm acontecendo nos últimos tempos por causa das “descobertas científicas e tecnológicas”, e que o Ser Humano logo “terá maiores poderes para transformar não apenas nosso entorno, mas a nós mesmos e a nossos sucessores".