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DEZ POETAS O SIMBOLISMO E O POETA MARANHÃO SOBRINHO

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FERNANDO BRAGA

FERNANDO BRAGA

FERNANDO BAGA

Na quinta de Val de lobos, na Póvoa de Santarém, em Portugal, vivia arredio Alexandre Herculano por questões de intrigas e perrices com alguns dos seus companheiros da Torre do Tombo. Nos Apicuns, em São Luís do Maranhão, na antiga quinta dos Frias, que prefiro chamar de Val de gatos, vivia acuado, junto a ‘krupskaia’ sua gata de estimação, José Erasmo Dias, a figura mais extraordinária que conheci na comédia humana, nesse todo de que nos recorda Balzac, apesar de sua figura representar, irremediavelmente, criações de Edgar Allan Poe, como se ele corporificasse ‘O Corvo’, ou aqueles personagens tétricos da ‘Rua Morgue’, ou ainda, os de Dostoievski, nos enredos misteriosos de ‘Crime e Castigo’. Era ao mesmo tempo este Erasmo autor e personagem. Tinha muito também do seu alterego, o de Roterdã, como se fosse uma sombra que monologava no ‘Elogio da Loucura’ contra deuses e demônios. Nasceu José, este Erasmo, em São Luís, no dia 2 de junho de 1916, e gerado no ventre da brilhante geração de 30 do Maranhão. E se fez jornalista, contista, polígrafo e panfletário, abandonando o curso de direito no terceiro ano; exercia influência literária nos jovens, por ser um homem de cultura feita, com metáforas didáticas e arranjos mímicos perfeitos, na sustentação discursiva com que orientava aos que lhe solicitavam ajuda artística. É este o olhar que tenho e recordo de José Erasmo Dias, a ratificar, sem mudar uma vírgula, o que escreveu Graça Aranha, n’O Meu Próprio Romance’, sobre a figura de Tobias Barreto, quando o conheceu na Congregação da Faculdade de Direito do Recife: “O mulato feio, desgracioso, transformava-se na arguição e nos debates; os seus olhos flamejavam; da sua boca escancarada, roxa, móvel, saía uma voz maravilhosa, de múltiplos timbres, a sua gesticulação transbordante, porém sempre expressiva e completando o pensamento. O que ele dizia era novo, profundo, sugestivo”. Erasmo Dias foi um homem honesto e honrado; viveu e sofreu numa pobreza franciscana. Foi Diretor do Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado, Deputado Estadual e Prefeito interino de São Luís. Era aposentado pela Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão, no cargo de Diretor de Debates. A grandeza de Erasmo, como político, como homem de cultura e, sobretudo, como uma figura marcante e marcada que lhe emolduraram a personalidade, quer emblemática, ou estigmatizada, ficou em todos nós ao longo de uma sofrida vida, que ele fingia alegre, mas que no íntimo, interpretou-a e se autodirigiu, inegavelmente sem nenhum retoque, mas com a legitimidade, por exemplo, estampada no seu, à Pirandello, ‘O Roubo dos Personagens’, que em síntese é ele, [ou era ele] por ele mesmo. Sobre essa figura singular, atentemos para o que escreveu a pena abalizada de Lago Burnett: “Erasmo Dias era contagiante. Intimava, empolgava, comprometia. Era difícil ouvi-lo sem um arrebatamento. Suas atividades convergiam para um só mecanismo propulsor e detonador de eventos. Erasmo, o escritor engajado, o polemista, era o elemento catalisador que impulsionava toda uma geração e fazia crescer o fermento do seu entusiasmo pelos grandes temas contemporâneos. Jornalista, foi no panfleto, na folha vibrante e desaforada dos grandes duelos políticos, que encontrou as melhores oportunidades para realizar-se, dizendo com bravura e malícia o que a patuleia perplexa mal conseguia traduzir em sentimentos, quanto mais em palavras.”. Nessa esteira de análise, Carlos Cunha, no seu livro de memórias ‘Caçador da Estrela Verde’, disse sentimentalmente: “Não era do hábito de Erasmo Dias sentar-se à mesa para ensinar os iniciantes da arte. A conversa, com ele, ajudava-nos a aprender as coisas, ver uma luz no fundo do túnel. [...] Como político, alçou voo alto, tão brilhante quanto o intelectual e boêmio. Na tribuna da Assembleia Legislativa, Erasmo Dias fazia discursos brilhantes e eloquentes, arrebatando aplausos, fazendo as galerias delirarem. Com o

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seu dom para a ironia, conseguia, com rara sensibilidade, levar os interlocutores, deputados, ao ridículo. Sua passagem na política foi como a trajetória de um cometa, perdendo-se na vastidão de sua inteligência. Defendia as causas dos humildes e dos desvalidos. Era político oposicionista de autenticidade. Admirado pelos adversários”. Confesso que em minhas incursões pela casa de Erasmo, direcionado sempre ao foco de curiosidades, que era uma velha cômoda de jacarandá, estilo Luís XVI, achei, certa vez, um bilhete de cunho histórico e sentimental que o ilustre médico e escritor Clarindo Santiago o presenteara pelo seu amoedo jocoso e lírico. Pois bem, esse bilhete fora escrito pelo intelectual Luso Torres que era General do Exército e também tinha sido Interventor do Maranhão em tempos difíceis, e que, numa noite, acometido de uma crise de hemoptise precisou do socorro profissional do médico Clarindo Santiago, poeta de fina estirpe e seu mais que amigo... Eis o bilhete: “Compadre Clarindo, estou a precisar com urgência dos teus cuidados. Vem depressa aqui em casa, pois estou botando todinho em um penico o sangue que um dia jurei derramar pela Pátria. Do teu de sempre, Luso Torres.” Quis surrupiar aquele pedacinho de papel. Ele me flagrou e arrebatou-me das mãos. O desmazelo, sem dúvida, deve tê-lo destruído. Que pena! Eu, modéstia à parte, teria dado melhor destino àquela lembrança histórica. Ali, naquela cômoda, ele dizia guardar também, envolto em pano de linho cru, os originais de ‘O Gasômetro’, um seu romance inacabado, uma sua visão íntima de São Luís, a pedir-me que, se por ventura o olhasse com olhos de malsinar, não o tocasse; mas só achei alguns papéis anotados com tais referências; o que achei mesmo, e de arrepiar a emoção, foi ‘A Rapsódia das muitas Teresas’, anotações dispersas de um conto, quase novela, que acredito ter sido um dos maiores que já se escrevera pelos nossos Maranhões, tendo ficado, pela incúria e desmazelo do próprio autor, na vala do ineditismo e se perdido na inexorabilidade do tempo. Era simplesmente um monólogo, onde um feto a se contorcer, narrava, dentro do tempo devido, sua infeliz fecundação, a lembrar-nos lances de ‘Coração revelador ’, de Edgar Allan Poe, cujas miragens de alucinação e efeitos de terror, pareciam ter transpostos uma arte diferente, em meio àquelas lâminas agitadas, a erguer-se serena e calma, numa figura de melancolia, numa atitude acabrunhada e triste. Para minha exultação, assisti-o, na varanda de sua casa, escrever a lápis, em folhas de papel soltas e sem pautas, com sua letra firme e bem talhada, a novela ‘Maria Arcângela’, pausando de vez em quando para a natural e devida leitura, e para um gole reparador de aguardente. ‘Maria Arcângela’ é uma das maiores novelas já escritas para o Cancioneiro Maranhense, onde se encontra, pela grandeza do estilo, ressonâncias de ‘A Peste’, de Albert Camus, vez que ‘Maria Arcângela’ fora escrita para um cenário da epidêmica varíola que um dia assolou São Luís. O texto é digno de estar enfeixado em antologias dos melhores contos ou novelas brasileiros. Charles Baudelaire, o tradutor em francês do poeta Edgard Allan Poe, nos diz em um belo ensaio sobre o autor de ‘O Corvo’ “... Que as notas, os costumes, os hábitos, o físico dos artistas e dos escritores sempre suscitou uma curiosidade bem legitima”, e era essa, bem se sabe, a intenção do jornalista e poeta Fernando Viana em fazer a caricatura em versos do nosso Erasmo, a qual foi publicada no Jornal ‘A Tarde’, de Salvador, Bahia, quando lá o nosso satírico Fernando estudava medicina, sendo depois publicada no seu ‘Passarela e outros perfis’: “Este, em São Luís, é o que se ufana / com seu timbre de voz desconcertante, / de em casa possuir toda uma estante/ sobre literatura americana. / Na Imprensa Oficial, onde é mandante, / percebe, mensalmente, gorda grana, / e, ali, como num plácido nirvana, / vai meditando e lendo para diante. / Desengonçado, anêmico, disforme, / no contraste do corpo, a cara enorme/ dá-lhe a ambígua aparência de boi manso... / Tem talento e cultura. É inteligente/ e escreve muito bem – principalmente / quando na vida alheia dá balanço...”.

Erasmo, não o de Roterdã, mas o dos Apicuns, era um homem de apurado senso estético, orientador literário de quem o procurava nesse espinhento caminho; orador de peças memoráveis, panfletário e editorialista de artigos imorredouros, como ‘Boi Marrequeiro’, ‘Algodão de capoeira’, ‘Areias de aluvião’ e outros muitos; como escritor deixou legado à história literária do Maranhão, ‘Páginas de crítica’, um livro de ensaios, onde comenta com vigor e técnica extraordinários, os estilos e características de James Joyce, Romain Rolland, Ernest Hemingway, Hermann Hesse, Thomas Mann e outros gênios da Literatura Universal. Foi eleito para a Academia Maranhense de Letras, ao suceder o professor Silvestre Fernandes na Cadeira nº 15, patroneada pelo humanista Manuel Odorico Mendes, em cujo discurso de posse transcendeu à eloquência ao falar do tradutor de Virgílio. Adveio à sua vaga, o jurista e historiador Milson Coutinho; e a este, o também jurista e poeta Daniel Blume, o qual será recebido no próximo dia 2 de dezembro deste 2021, pela acadêmica Sônia Almeida, mãe do recepiendário, fato este inédito na ‘Casa de Antônio Lobo’. Morreu José Erasmo [de Fontoura e Esteves] Dias, em São Luís, no dia 14 de maio de 1981, por ironia, numa segunda-feira, à luz do sol das onze horas, sem conseguir serenar-se com a madrugada, como gostaria; morreu sem aquele grito de ‘Qincas Berro d’água’, mas serenamente; seu corpo foi sepultado no velho cemitério do Gavião, debaixo de um cajueiro em flor, sem a cruz, como símbolo do cristianismo, mas com a Estrela de Davi, ou Signo de Salomão, já que se dizia judeu, a luzir à cabeceira de sua consciência, agora verdadeiramente imortal...

RAIMUNDO FONTENELE

Literatura Limite: O ANTROPONAUTA VIRIATO GASPAR

O Portal TORDESILHAS e o blog LITERATURA LIMITE (www.literaturalimite.blogspot.com.br) chegam nesta primeira semana de agosto com mais uma matéria para se inscrever nas páginas da atual literatura maranhense. Correndo o risco de tornar-me um blogueiro bissexto (bissexto porque tem sido um parto difícil parir uma postagem) fui à cata de alguma coisa essencialmente nova em termos de poesia e acabei chegando ao refúgio deste meu grande irmão e amigo Viriato Gaspar, o poeta tão essencial ao Movimento Antroponáutico quanto os outros 4 que lhe fizeram companhia: Cassas, Chagas Val, Valdelino Cédio e este escriba menor. Escrevo isso porque tomei conhecimento de que alguém cujo nome me escapa referiu-se a nós como a geração de Luís Augusto Cassas. É um tremendo erro, engano ou..., deixa pra lá, o próprio Cassas, de quem conheço a humildade humana e a honestidade intelectual refutaria tal assertiva. A nossa geração é a GERAÇÃO ANTROPONÁUTICA da qual todos nos orgulhamos. Nós afundamos navios de cascos avariados, detonamos velhas pontes de madeira a quem o cupim destroçava, e os grandes nomes da literatura maranhense naquele momento, Nauro, Zé Chagas, Arlete, Jomar, Nascimento de Moraes, Bandeira Tribuzi, Carlos Cunha, Domingos Vieira Filho, Alberico Carneiro e outros nos reconheceram os méritos e nos fizeram as honrarias merecidas, publicando 2 antologias e estendo um imaginário tapete voador por onde desfilamos a nossa tola vaidade juvenil. Portanto, o Soco no Muro nesse blog de hoje é o poeta Viriato quem dá.

Dancemos. Agora, Quando a noite se espicha pelos dias E as trevas se enredam em cada alma, Dancemos. Dancemos, Agora, Quando o abraço se tornou uma ameaça E o beijo é quase uma condenação à morte, Dancemos. Mais que nunca, Dancemos. Dancemos na varanda, no quintal, No banheiro, no quarto, na cozinha, No deserto de cada um preso em sua casa, Contra o vírus do medo que avança sobre nós, Dancemos! E cantemos. Agora, Quando há ódios espumando nas esquinas E mãos que fazem gestos nos matando, E há tanta raiva vindo pelas telas, Tecendo teias em cada celular e coração, Cantemos. Sim, cantemos! Mais que nunca, Cantemos. Até que o sol acorde e chame a aurora E possamos entregar nas mãos de nossos filhos Um mundo que consiga se abraçar E transmutar em canto, em dança e riso A dor que desabou em nossos dias E colocou ferrolhos em nossos gestos, E pôs medo em nossos braços e sorrisos E nos distanciou do que já foi nosso melhor: - O (n)osso humano. - O Hermano.

Este é o que podemos chamar poema sobre fatos concretos, aí, sim, um poema verdadeiramente concreto, mas nada daquela estética que se chamou concretismo subsiste aqui. Na verdade o concretismo pouco deixou de concreto, em alguns casos soou como um verdadeiro engano, e momentos há em que nada mais abstrato do que muitos dos tais poemas concretos. E ao iniciar seu poema convidando-nos para a dança, convite repetido outras vezes durante o desenvolver do poema, noto naquilo que está implícito no poema e que é sua grande força, a insuspeitada metáfora invisível, que na verdade é uma dança dos desesperados em meio a um caos, não esqueçam, programada por mãos humanas e tiranas.

Por isso, o poeta Viriato nos convida para a última dança, o último canto, uma vez que todas as outras manifestações foram suprimidas do encontro e do calor humano: o abraço forte e o beijo sincero entre irmãos, amigos, namorados, noivos, casais, companheiros. É como se o poeta repetisse Jesus com outras e novas palavras: Pai, afasta de mim esse vírus. E não é esse bichinho chinês, é um outro maior, do qual esse corona é apenas um filhote ou uma pequena larva: é o vírus que veio das trevas e das regiões mais sombrias e diabólicas da mente do homem. DIZER-TE Repara: A palavra que dizes não é a coisa dita. A pedra nunca é a própria dita, pedaço de rocha, sílica, duramente petra, nunca rosa. O sol que encharca o céu de quanto dizes inunda de ouros velhos de outros trigos a lâmina que ocultas no que falas: - quintal de cicatrizes. A pedra de que falas voa, plana, pluma, flama. Aquece o coração de quem a chama.

Sempre quando nos arvoramos em crítico ou ensaísta de uma grande arte, como sói acontecer com a poesia de Viriato Gaspar, geralmente nos tornamos menor do que já somos. E por isso costumamos chegar usando uma bengala metonímica na qual nos apoiamos, para, em se caindo, não cairmos sozinhos. Dei de cara logo com uma semelhança: o uso das palavras pedra e pluma neste poema remeteram-me direto para João Cabral de Melo Neto. Mas não foi só isso. A concisão da fala e dos versos, a dureza metafórica que imprime à linguagem no seu canto mais puro, mais lapidado, mais carregado de múltiplos significados faz deste poema do Viriato irmão dos melhores do poeta pernambucano. Mas é só isso: “O sol que encharca o céu / de quanto dizes / inunda de ouros velhos / de outros trigos / a lâmina que ocultas / no que falas: / - quintal de cicatrizes.”, embora João Cabral assinasse embaixo, é a quinta essência da excelência formal e conteudística que Viriato imprime em sua arte. Sempre foi assim. Um poeta que amadureceu no duro aprendizado da pedra e que chega à maturidade poética com a leveza da pluma que nos encanta.

MUSEU DE ASSOMBROS Chegou-me o tempo de chorar por tudo. Olhar pra trás, doendo as mãos vazias.

Gastar os olhos contra o umbreu dos dias. Rilhar os dentes, lagrimundo escuros. Sempre em tudo que amei nada foi cheio. Houve sempre uma nuvem, um pé de vento, Um fosco, uma voragem, um de entremeio, Uma casca entre o fora e o meu mais dentro. Eis-me chegado ao tempo dos remorsos. O longo correr-dor dos sonhos mortos, O re-moer dos rasgos e dos cortes. Um velho é um mar que foi, e hoje é deserto. Palpar nas sombras, cada vez mais perto, O caminhar sutil da Dona Morte.

Não há desespero, nem saudade, nem remorso. Embora fale em remorso, não é um remorso a quem a culpa condena. Aqui Viriato Gaspar pode nadar de braçada numa praia que domina e da qual é um dos melhores do Brasil, o soneto. “Nada foi cheio”, “um fosco”, “um pé de vento”, “uma voragem”, pois o poeta sempre soube por intuição desde a tenra infância e em sua juventude pelo fazer poético que a vida seria assim mesmo: essa incompletude que o amor humano preenche pela metade. Embora seja a meta de uma vida inteira, o poeta sabe e poderia e diz como outras palavras, ninguém é pleno. Plena é a vida, mas a vida é além do que é humano e por sermos apenas humanos jamais poderemos alcançá-las: a vida e a plenitude. Cumprir uma sina, realizar um projeto, é isso o que resta. E o nosso amigo Viriato Gaspar cumpre e realiza, não apenas este, mas sonetos e mais sonetos que o fazem ombrear-se com que há de melhor na língua portuguesa, neste mister que é a poesia, esta sim, plena e completa. A FLOR SEM ASAS Pensar em ti clareia as minhas sombras, esparrama quintais pelos meus cílios. Pensar em ti é resgatar um filho, dado por morto, ao fundo dos escombros. Pensar em ti às vezes é uma corda, que vai puxar-me lá, onde esmoreço. E se me amarga o azul, é o que me acorda e me molha de um sol que nem mereço. Teu nome é como chamo o que me aquece, como digo luar quando escurece, e consigo voar quando é só lastro. O que é belo no mundo traz teu rastro. Todo bem que consigo, e é diminuto, fala de ti, é a sombra do teu vulto.

Neste belo soneto A FLOR SEM ASAS, cujo título por si só é um enigmático achado poético, o poeta Viriato Gaspar não esconde a condição humana de buscar constantemente o amor no e do outro. Invoca e chama e se desnuda ao revelar quanta dor se apaziguaria, como seria nutrido de uma nova força que tem o poder de fazer com que do sentimento humano e material brote uma metáfora de tal beleza e que é esta “que me acorda e me molha de um sol que nem mereço”.

Luzidio, brilhante, escorregadio o poeta segue a senda e a sina dos grandes poetas, quanto mais dor, mais amor, quanto mais ausência mais poemas que nos fazem acreditar no renascimento e na cura. Evoé, Baco, habemos Poeta! Poemas de VIRIATO GASPAR Comentários de Raimundo Fontenele

FERNANDO BRAGA in ‘Conversas Vadias’, antologia de textos do autor. Ilustração: Foto de Oswaldino Marques, do acervo do professor e escritor Antônio Miranda.

Oswaldino Ribeiro Marques nasceu em São Luís do Maranhão, em 17 de outubro de 1916 e faleceu em Brasília-DF, em 13 de maio de 2003. Abriu seu caminho a golpes de tenacidade, à mercê de inquebrantável adesão aos valores da inteligência. “Se não fosse escritor, gostaria de ser matemático ou físico nuclear ”, dizia convicto com as exigências que tinha consigo. Ao falar-se de Oswaldino é bom que se diga qual foi ele o ponto de ligação que houve entre sua geração maranhense de 30, com os ecos da ‘Revolução de Arte Moderna de 22’, e é justamente sobre isso que o escritor Rossini Corrêa, em seu belo livro ‘Atenas Brasileira – A Cultura Maranhense na Civilização Nacional’, Thesaurus Editora, Brasília, 2001, à pág. 187, nos diz: “O ambiente cultural ludovicense não foi contemporâneo do eixo construtor do modernismo brasileiro, na década de 20: ‘os revoltosos assustam no Maranhão’, reconheceria Odylo Costa, filho. Sem movimentos, sem manifestos, sem revistas, sem articulação interativa e sem livro-marco de reconvenção estética inserto na moderna história literária do Brasil. São Luís, na realidade, ficou à revelia do itinerário imediato de expansão da mudança modernista em curso no País. São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, sim. Pernambuco, Paraíba, Rio Grade do Norte e Alagoas, também. No Pará, menos. No Maranhão, não. Se alguns poucos sonharam em ensaiar a luta renhida, perderam a batalha que, em visão crítica, não vingou em terras gonçalvinas. O principal modernista maranhense, jovem da década de 20, foi Nunes Pereira, uma espécie de Raul Bopp fugindo do passadismo, que estava diante do seu mestre Mário de Andrade, em Natal, vindo de Belém, onde frequentara tertúlias peripatéticas. E, no Maranhão, nada de Nunes Pereira”.

Avesso às academias e a ciclos literários, Oswaldino Marques, não sei por quê, pertenceu ao ‘Cenáculo Graça Aranha’, ao lado de alguns dos seus mais legítimos companheiros da geração de 30, como Josué Montello, Franklin de Oliveira, Manuel Caetano Bandeira de Mello, Amorim Parga, José Erasmo Dias, Sebastião Corrêa, Paulo Nascimento Moraes, Ignácio Rangel e outros, “a buscar o sonhado caminho’ apregoado pelos cânones do modernismo de 22, o qual no Maranhão, como se viu, foi “febril e transitório, enquanto que, para o ideal de glória da mitológica tribo timbira, sempre a eternidade foram deusa e rainha sedutora”, como nestes versos do próprio Oswaldino Marques: “E sinto quanto mais contraditória/ é a fortuna de minha realidade:/ ter por órbita a vida transitória/ e em torno a mim só ver eternidade”. Não procuraram e nem acharam ideia modernista nenhuma. Sobre o ‘Cenáculo Graça Aranha’, é Josué Montello que nos diz: “Éramos românticos, e não sabíamos. O Cenáculo não publicou livros, não promoveu conferências, não empossou nem enterrou ninguém. Na verdade, pensando bem, foi uma bela ficção. Cada um de seus membros fundadores tomou rumo próprio, ficando em São Luís ou dali saindo. Tão completa foi a sua extinção que dele não restou o livro de atas, nem o álbum de recortes. Apenas uma tabuleta”. Em 1936, Oswaldino zarpa de navio pra o Rio de Janeiro, onde já lá estavam Montello, Franklin e Bandeira de Mello. Na velha capital, o mais tarde tradutor de Whitman, se torna um dos fundadores da União Nacional de Estudante-UNE, onde trabalhou como bibliotecário e tradutor, tendo sido um dos responsáveis pela divulgação da poesia moderna estadunidense no Brasil. Em 1965, mudou-se para Brasília, como servidor do Ministério da Educação, transferido do Rio de Janeiro. Por concurso, assumiu a cátedra de Teoria da Literatura na Universidade de Brasília [UnB]. Com o agravamento da ‘posição militar no Brasil’, o mestre Oswaldino a trilhar pelos caminhos do marxismo, foi demitido do cargo, se auto exilando nos Estados Unidos, aonde foi professor visitante das literaturas portuguesa e brasileira, na Universidade de Madison, Wisconsin. Algum tempo depois, em 1991, via anistia, foi reintegrado à UnB pelo Reitor Cristovam Buarque. Oswaldino Marques era por temperamento retraído e viveu os últimos anos praticamente isolado em seu apartamento em Brasília, onde dedicava seus dias à leitura e a ouvir músicas. Quantas vezes, a seu convite, participei desses momentos silentes ao seu lado, entre clássicos e músicas de câmera de sua predileção, a degustar, por vezes, um delicioso ‘mingau de milho’, à moda maranhense, que em outras plagas chamam de ‘canjica’, preparado por Maria do Carmo, sua mulher. Infelizmente, Oswaldino se dizia agnóstico, mas não por isso, mas por outros, ‘caprichos’, deixou registrado em cartório, que não desejava qualquer tipo de cerimônia religiosa quando de seu sepultamento, nem discursos, e nem flores, e nem velas, o que foi seguido à risca por sua mulher e seus filhos, o gravador Igor Marques e o também escritor Ariel Marques. Sintamos o quanto o Padre António Vieira tinha razão quando proferiu o seu famoso sermão a ‘Quinta Dominga da Quaresma’ ou ‘Sermão das Mentiras’, Rossini Corrêa [op.cit.p.224], diz assim: “ Tribo conflitada e desunida a maranhense, que, no passado, falava mal de si às escondidas, como Humberto de Campos a comentar livro de Coelho Neto, no ‘Diário Secreto’: “Recebi um livro de Coelho Neto. É um punhado de crônicas de jornal, em que seguem os lugares-comuns, se sucedem as expressões banais, os termos de gíria, as frases feitas, compondo páginas sem relevo, sem interesse, sem beleza, uma grande piedade, uma grande dó...” [...] Atualmente, porém o duelo travado em terra estranha é público e notório, à faca peixeira, com fratura exposta, massa cerebral perdida, hemorragia desatada e de vísceras caídas por terra, como o servido em Brasília-Rio, por Oswaldino Marques e por Josué Montello. Combate, este, que inspirou ao primeiro a corrosiva e inédita produção poética, que substitui, em sua concisão, todo um banquete psicanalítico. Em: ‘Auto-epitáfico’– “Osvaldino aqui jaz./ De vezo polêmico, /índole indomada. /Zero contumaz /na vida foi nada /nem mesmo acadêmico”. O que Rossini Corrêa atiça acima, esmiúço abaixo, como ilustração a este dedo de prosa, e para que o leitor entenda melhor essa ‘luta corporal’ que em nada espantaria Ferreira Gullar: Oswaldino e Josué foram colegas no Liceu Maranhense por todo o curso de humanidades; tinham precisamente a mesma idade; ambos intelectuais de fina linhagem; Oswaldino foi ‘eminência parda’ de Montello quando este exerceu a direção da Biblioteca Nacional, mas, infelizmente, um pelo outro nutria uma ‘rezinga figadal’.Oswadino era terno e generoso em gestos e delicadezas, mas quando se aborrecia, por qualquer coisa, perdia as estribeiras, sem medir consequências e sem economizar adjetivos, o mesmo acontecendo com Josué

Montello, o que fazia dos dois, apesar de adversos, mais que semelhantes. Um belo dia, pela década de 80, um ‘Macunaíma’ qualquer, à guisa de fuxico, instigou Oswaldino em relação a um ‘disse-me-disse’ que Josué Montello houvera verbalizado sobre sua pessoa, o que na linguagem cibernética de hoje seria traduzido como ‘fake news’. Pelo sim, pelo não, Oswaldino surtou com que ouvira do ‘herói sem nenhum caráter ’, e foi às pressas para o ‘Correio Brasilenze’ onde abriu as ferramentas contra Josué, num artigo intitulado ‘Desmontele-se’, o que imediatamente, o autor de ‘Os Tambores de São Luís’ respondeu pelo ‘Jornal do Brasil’ ao tradutor de Blake, num outro artigo, intitulado ‘Arquive-se’. Foi uma ‘batalha romanesca e ensaística’ espetacular, o que me faz rir até hoje quando as leio; guardei esses artigos comigo, de duas páginas inteiras cada um, devidamente catalogados em hemeroteca; são duas preciosidades literárias, que em matéria de ‘agravos, em alto estilo’, nada existe semelhante em língua portuguesa, nem mesmo os terríveis epigramas trocados por Bocage e Caldas Barbosa na velha Arcádia Lusitana, ou as bandarilhas trocadas entre Alexandre Herculano e seus ‘indesejados’ colegas da Torre do Tombo, ou ainda, as fúrias contidas nas farpas de Eça e Ortigão contra uma comunidade inteira. Uma maravilha de batalha literário! De sua extensa bibliografia, eis aqui alguns livros e antologias de Oswaldino Marques: ‘Poemas quase dissolutos’, 1946; ‘Cantos de Walt Whitman’, 1946; ‘O poliedro e a rosa’, 1952; Cravo bem temperado, 1952; ‘Usina de sonho, 1954; ‘Videntes e sonâmbulos’, 1955; ‘Poemas famosos da língua inglesa’, 1956; ‘A seta e o alvo’, 1957; ‘Ensaios escolhidos’, 1968; ‘O Laboratório Poético de Cassiano Ricardo’, 1976; ‘A dançarina e o horizonte’, 1977, ‘Livro de sonetos’, 1986. “[...] Em seus poemas, onde a beleza formal jamais se afasta da substância, em seus ensaios críticos, onde a arguta percepção está informada do mais dignificante calor humano, em suas traduções exemplares, [William Blake, Walt Whitman, T.S. Eliot] onde a fidelidade ao espírito criador original não está contida pela inevitabilidade da redução, sendo antes recriações válidas e autônomas, o escritor maranhense oferece generosamente o melhor de si [...] “A sensualidade de nossos trópicos se torna evidente mesmo quando os temas são aparentemente intemporais e forâneos”, disse dele o amigo e editor Ênio Silveira. Escutemo-lo, em seguida, em ‘A dançarina e o horizonte’: “Em luz resplandeceu minha palavra/ e se fez sol interior, mental:/ sob seu calor agora torno à lavra/dos campos da sintaxe e do real”. Por fim, ouçamo-lo neste ‘Homo sum’, enfeixado em ‘Poemas quase dissolutos’: “Há nos meus ombros vestígios de asas,/Guardo zeloso uma rica herança de voos;/Não esqueci, de todo, os segredos da levitação,/E me vanglorio de flutuar ainda como leve paina no espaço!/Tem sua obscura razão este ingênuo amor pelas nuvens,/Esta infantil ternura pelas franzinas borboletas,/E o orgulho de atirar o rosto para as estrelas./Mas, ai! apalpo no meu cóccix também uma cauda atrofiada,/ Que em vão dissimulo e dissimulo com meu enganador manto celeste. /Besta e anjo — um meridiano me corta em zonas de luz e treva. /De um dos meus lados nasce a aurora, /O outro é a úlcera de onde jorra a noite. / Ai! Que desgraça ser o antípoda de si mesmo! / Viver se despenhando em violentas diagonais de contradições. / A mão pura e a impuras pendentes do mesmo tronco. /O olho cego e o são coexistindo na mesma face. /O lábio podre e o eterno modelando estranhas palavras híbridas.” A última vez que conversei com Oswaldino Marques, não preciso quando...Foi no gabinete em que ele dividia com Herberto Sales a direção do Instituto Nacional do Livro [INL] em Brasília. Tenho saudade de sua generosidade e de suas colocações discursivas, sempre em altíssimo nível. Ele foi, repito, um querido amigo e um escritor que honra a Literatura Brasileira!

12 POETAS BRASILEIROS DO MARANHÃO NA REVISTA PORTUGUESA INCOMUNIDADE.

[Autor - Vários autores ; Carvalho Junior, org.] Adriana Gama de Araújo + Antonio Aílton + Bioque Mesito + Carvalho Junior + Celso Borges + Dyl Pires + Hagamenon de Jesus + Lindevania Martins + Luiza Cantanhêde + Neurivan Sousa + Ricardo Leão + Viriato Gaspar. http://www.incomunidade.com/v98/art_bl.php?art=401

Adriana Gama de Araújo Nasceu em São Luís. Historiador formada pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), com mestrado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Escreve desde os 15 anos, quando começou a ter seu nome associado à poesia pelos mais próximos. Em 2010 criou o blog “Pólen Radioativo”, e passou a ter contato com poetas e escritores do Brasil e do mundo, hábito que mantém até hoje. Em 2017 venceu o III Festival Poeme-se de Poesia Falada e o I Festival Maranhense de Filosofia (categoria: aforismo/poema). Mora em Raposa, município da grande ilha de São Luís, é professora da rede pública municipal e estadual. Por meio de seus experimentos táteis, quase performance, a poeta Adriana Gama de Araújo incorpora um renascimento simbólico para pequenos objetos, miudezas, acúmulos, misturados, amalgamados ao corpo, criando uma silhueta reversa impressionante de tantas formas que testemunham uma experiência poderosamente vulnerável, livre e intuitiva de escrita. Corpo estranho. Por Adriana Gama de Araújo | by Ed Caliban | Revista Caliban VOYEURISMO o gato comeu a borboleta bem na minha frente por um instante

eu os vi reinando absolutos no incompreensível território da fome. * BAR CENTRAL dentro da caixa ficou o postal com a imagem do bimotor em preto e branco vendido aos clientes a noite que começou antes atravessou a pé as pontes até santo amaro centro do mundo sobre o postal plana o cheiro enfumaçado de motor que pifa em pleno ar lembro do susto a queda sobre a cidade corpos pesados de paixão uma catástrofe. * PARA PINTAR UM AMOR IMPOSSÍVEL uma pá de cal não é suficiente. * CORPO ESTRANHO nesta casa cabe uma família eu não tem um quadro que ocupa muito espaço sua moldura de cabelos curtos vento na nuca um poema de schwitters uma flor carícia de gato um arrepio eu não sobra uma pergunta uma porta sem fechadura um coração antigo eu não. * AMOR eu mudo de lugar e acompanho a incidência da luz nos teus cabelos

prefiro morrer ou que saibas? tu e tuas asas imantadas atraindo meu corpo inteiro ferro em brasa estou muito perto de ti sentes uma ânsia silenciosa no teu encalço? homem dos fios e rastros quando eu for palavra direi como a guerra parece contigo. * EXTRAVIO para Lilith no quadro de Anselm Kiefer te dou meus olhos acaso não consigas ver que roubaram o vestido da menina que sorria jogaram terra no vestido e saíram correndo ficou para trás um grande buraco no céu a menina nua grita aos que passam seríssimos — olha ali meu vestido no varal do povo de deus! * MIUDEZA um astronauta lírico contou que da lua ninguém vê a muralha da china uma artesã circense gosta de coisas miúdas porque combate a miopia de longe, muralha é montanha e qualquer cidade, vazia no dialeto humano a olho nu é quase dentro daquilo que significa. * TEMPO a noite nunca se deitou sobre aquele lago a eternidade: uma deformação da existência e ainda estou lá com minhas raízes entre os pássaros. * AUSÊNCIA a ausência não tem vocação para relógio é um algo mais delicado que envolve os corpos vivos ou inanimados na lastimável compreensão das horas um lençol cobrindo os móveis da sala impondo o estático

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