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FERNANDO BAGA
Vasconcelos: “o melhor redator que conheci”; e J. B. Bastos Coqueiro: “o melhor sonetista que já houve no Maranhão, embora nunca tenha publicado nenhum livro”. Merecedor de todas as homenagens, Cunha Santos era, sem dúvida, um dos grandes poetas do Maranhão. Alguns de seus poemas estão entre os mais belos da literatura do país. Seu nome consta no livro A Poesia Maranhense no Século XX, antologia organizada por Assis Brasil. É elogiado no livro A Intelectualidade Maranhense, de Clóvis Ramos, e tem alguns de seus poemas na Hora de Guarnicê, de 1975. Manso e afável, embora coerente e firme na defesa dos princípios em que acredita, e movido pela paixão em tudo que fazia, Cunha Santos teve ainda suas incursões pelo teatro, chegando a fundar um grupo teatral denominado Gpap – Grupo de Estudos e Pesquisa da Arte Popular -, no bairro do Tirirical. Foi também presidente da “Coroa do Samba”, escola de samba fundada por negro Sapeca no final da década de 50. Apaixonado por música e poesia, tem duas irmãs – Bia e Didã – que são cantoras e compositoras. Amante da música popular brasileira, era aficionado pelas letras e melodias de Belquior e Chico Buarque. “A música popular talvez seja a forma de arte que os brasileiros façam melhor. A música é a arte do Brasil”, acentuava Cunha Santos. No ano de 1982, ele foi o vencedor do festival de música da UFMA, com a canção Negritude. Foi ainda um dos premiados do festival de música do Sesc, com a música “Cris”, que fez em homenagem à sua esposa, Ana Cristina Batista Marques.
O ANVERSO VISÍVEL NO AVESSO ABSTRATO E POÉTICO DE RAFAEL OLIVEIRA
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FERNANDO BRAGA in ‘Conversas Vadias’, antologia de textos do autor. Ilustração: capa do livro de Rafael Oliveira, 'O Avesso abstrato das coisas', ora comentado.
Um dos bons livros que li no clamor destes dias difíceis, foi ‘O Avesso abstrato das coisas’, do jovem poeta e brilhante médico Rafael Oliveira. Insaturável por pensar ter perdido algo de seu, no veio do poema, o que não é infrequente que o ache, vez que essa coisa é trazida dentro de si, em paráfrase ao que diz o notável mexicano Octávio Paz, prêmio Nobel de literatura de 1990, Rafael Oliveira, no domínio crescente dessa síntese, neste ‘O Avesso abstrato das coisas’, formata o livro como se fora um código de doenças, onde cada uma das enfermidades descritas, é diagnosticada com perfeição fisiológica, análoga à sua correspondente na simbologia poética. Vou ao encontro do poeta Rafael Oliveira em sua oficina de verbos, ou em seu consultório-ambulatorial, e encontro também o doutor Rafael Oliveira, que numa mais que necessária e providencial ‘Anamnese’, fazme entender, como se num canto de um mais-que-perfeito, o que talvez alguém lh’o dissera há pouco, ou eu mesmo, nem sei: “vivia como um adjetivo velho / morava ao lado de uns parênteses / guardava sempre umas reticências no bolso / delirava comum interjeição na madrugada/ queixava de dores em todas as partes/ esperava partir no barco da lua sem solidão.” E atônito, e atarantado diante daquelas palavras sintomáticas, mas saudáveis, não aguentei o ímpeto e lhe disse que um dos problemas de minha consulta era o meu peso, e precisava de ‘exercício poético’, apesar de minha alma ser leve na magia de suas sombras, e extensa como nos poema de Fernando Pessoa, para o poeta Rafael aconselhar-me: “ estica a ponta do dedo até tocar/ a menina que apanhava horizontes perdidos nos olhos.” E continuamos a consulta: O que faço para a ‘esteatose’, vez que tu sabes que não fico sem o vinho, porque sem o vinho serei órfão de minhas verdades e até de minhas vergonhas, como diria a nossa querida Cora Coralina; o poeta Rafael coçou a cabeça e como um bom abstêmio me disse: ”mal me quer a vida/ bem me quer a vodka /viver sem rumo leva a nada.” [Só que o poeta errou no gênero da bebida]. O ilustre professor de literatura, José Neres, meu ilustre confrade na Academia Maranhense de Letras, diz ao poeta Rafael Oliveira, nas orelhas deste ‘Avesso abstrato das coisas’ que “[...] é impossível não se emocionar com a leveza com que você trabalha os sintomas de males como o Parkinson e o Alzheimer. Cada uma de suas escolhas lexicais foram feitas sob medida para ensinar, emocionar e despertar em cada leitor uma incômoda sensação de estar sentindo na pele os diversos problemas aos quais estão expostos pelo simples motivo de estarmos vivos.” E só para lembrar o que José Neres afirma, ouçamos o poeta a diagnosticar em versos, esses achaques neurológicos. O Parkinson: “a palavra treme no papel / piora noutro verso/ ilegível poema”. E o Alzheimer: “esquecer a virgula depois da manhã/ a tarde perde o sentido/ o pôr do sol não cabe na memória.” Lá pelas páginas tantas peço-lhe conselhos pra estabilizar a ‘pressão alta’, já que vivo a brincar de ‘preto fugido’ com ela, e Rafael, o médico, responde pelo Rafael, o poeta: “ver o pôr do sol numa tarde qualquer/ evitar nuvens insubordinadas dentro dos olhos/ tomar uma cápsula de lua ao dormir.”
Para não perder o embalo da outra pergunta, amenizo, em dizendo-lhe que é a ‘velhice’, a responsável por esses indisposições, o que ele, o duplo Rafael me responde: “não se sabe onde será o fim/ o começo já ficou no passado/ a vida é uma soma de lembranças.” Ou ainda, na mesma esteira, sobre o ‘envelhecimento’, a mesma temática noutro cenário, o que não me liquida, mas me acagiba, já que perdi de um supetão os meus vinte anos, o que o poeta foi incisivo: “na gaveta da oração guardam-se esperanças/ a vida sempre pede mais distâncias/ as mãos lapidam os anos,” E aconselhou-me a fazer um ‘eletrocardiograma’ em dizendo-me pacientemente: “o coração sempre em sístoles e diástoles/ seja dia seja noite de solidão/ melhor pensar na lua/ para vencer as arritmias da vida.” E eu respondi-lhe, quase sem fôlego, como me encontro nestes dias difíceis: “meu poeta é esse o meu flagelo... nunca pensei morrer um dia de coração, se não fosse de amor!?” Creio em não ser mais importuno em escrever sobre doença e poesia, sabem por quê, porque este ‘Avesso abstrato das coisas’, de Rafael Oliveira é um belo livro, onde associa, como se vê, o útil ao agradável... Aqui estão no mesmo banquete, Hipócrates e Euterpe, brincando com as palavras, vestindo-lhes em cores alegres, a dar-lhes uma eufonia e uma euforia carinhosas. O mal ou o mau aqui disserto, tem um outro corpo, um outro peso, uma outra medida, uma outra nuance de gravidade, ou de bem-estar... Como por exemplo, quando Rafael me disse que eu era míope porque “não enxergava depois do azul do céu/ apenas imaginava deus sentado sozinho sobre o nada”. Está aqui, neste ‘O avesso abstrato das coisas’ uma experiência excepcional e apropriadíssima de um médico e poeta, ou vice-versa, servir à mesa de seus convivas e comparsas, que somos nós, seus aprendizados histológicos associados às suas querenças literárias... As doenças, se sabem, se é que se sabem... as poesias se fazem!... Por fim, perguntei ao médico Rafael o que lhe despertara em fazer como especialidade ‘anestesia’, ser anestesista, o que ele respondeu plenamente feliz: “não há dia nem noite/ não há claro nem escuro/ não há riso nem dor/ apenas a mesma vaga.” Ao despedir-me, momentaneamente, de Rafael, o médico, e de Rafael, o poeta, aquele-ser-duplo, um místico de cientista e lírico, me coube apenas dizer [ou dizer-lhes] esse excerto do ‘budismo moderno’, de Augusto dos Anjos, escrito em 1909, e enfeixado no seu único receituário do ‘Eu e outras poesias’: “ Tome doutor, esta tesoura, e... corte minha singularíssima pessoa, / que importa a mim que a bicharia roa/ todo o meu coração depois da morte?!” O que ele me respondeu sem titubeios, em ‘efeitos colaterais’: “uma cápsula de poesia/ quando bem indicada/ pode salvar um verso/ posologia: três vezes ao dia/ uma durante a aurora /outra ao pôr do sol/ a terceira quando a lua cheia/ atravessar a madrugada/ não há contraindicação/ palpitando na bula poética.” Para o espanto do poeta e a curiosidade do médico, conclui: “Ah, um urubu posou em minha sorte!” E os dois se entreolharam assustados! E me fui feliz por ter dois queridos amigos num só: um deles, um brilhante médico, e outro, um irmão e grande poeta, muito querido, e ambos chamados Rafael Oliveira! --------------------------*Fernando Braga, in ‘Conversas Vadias’, antologia de textos do autor. Ilustração: capa do livro de Rafael Oliveira, 'O Avesso abstrato das coisas', ora comentado.
RAFAELA PEREIRA
J osé do Nascimento Moraes (1882-1958) figura como expressão de destaque entre os intelectuais de seu tempo. Seus escritos ficcionais e ensaísticos abordam as contradições vigentes em seu Estado, sobretudo no tocante às questões raciais. Como cidadão, combateu os preconceitos, não se deixando intimidar por aqueles que não reconheciam o valor de seu trabalho. Crítico ferino, não tinha benevolência com os que se utilizavam da literatura como forma de promoção pessoal, posicionando-se, também, contra a hierarquização de culturas e a supremacia da cultura europeia. Marcado por uma perspectiva irônica e mordaz, seu romance Vencidos e degenerados (1915) é considerado uma das narrativas de maior impacto sobre a escravidão no Brasil e suas consequências, tanto no plano individual e psicológico, quanto em termos sociais. Publicou ainda Puxos e repuxos (1910), em que exercita seu talento de polemista; a reunião de crônicas Neurose do Medo (1923); além dos Contos de Valério Santiago, editados postumamente em 1972. Jornalista comprometido com os desafios de seu tempo, Nascimento Moraes teve forte atuação nos periódicos O Maranhão, Diário de São Luís e O Globo. Foi também professor do Liceu Maranhense e presidente da Academia Maranhense de Letras. Inspirado pela perspectiva de mudanças políticas no país, especificamente no Maranhão, Vencidos e degenerados constrói outra leitura para a presença entre nós de africanos escravizados e seus descendentes, com ênfase no contexto da abolição e em suas consequências. Utilizando-se de uma linguagem voltada para a fala popular daquela época e com personagens representativos, compõe um painel de rara intensidade sociológica sobre a São Luís do final do século XIX. A narrativa se inicia na manhã de 13 de Maio de 1888, na casa de José Maria Maranhense, espécie de quartel general abolicionista, onde várias pessoas aguardavam a chegada do telegrama com a notícia da aprovação da Lei Áurea. João Olivier, personagem central da trama, é um respeitado jornalista que tem como fonte de sustento as crônicas que escreve para um órgão local. Mestiço, posiciona-se a favor dos cativos e é através de seu olhar que as críticas vão sendo tecidas por toda obra em relação à imprensa e à sociedade maranhense. Nesta passagem percebemos a visão do personagem sobre a abolição: A liberdade dos negros vem contribuir para o desenvolvimento desta terra infeliz, e dar-lhes novas forças, novos elementos, novos aspectos... Esta fidalguia barata virá caindo aos poucos e o princípio de confraternidade virá acabar com supostas e falsas superioridades do ser, que tem sido um dos mais vis preconceitos da nossa existência política. (MORAES, 2000, p. 67). Em sua fala, a queda da “fidalguia” acontecerá com abolição e com ela se extinguirão os preconceitos oriundos das classes superiores que, para se manterem no poder, fazem uso extremo da hipocrisia. Seu otimismo em relação à libertação dos negros o faz acreditar que o fim do regime lhes daria condições de progresso e a queda daqueles que tinham sede de poder. É também na figura de Olivier que se encontra