8 minute read

FERNANDO BRAGA

Next Article
RAIMUNDO FONTENELE

RAIMUNDO FONTENELE

Então, em julho de 1843, quando compôs a “Canção do Exílio”, o caxiense morava na Rua de São Salvador. Perto dessa rua também passa o rio Mondego, de 258 quilômetros, que é o Itapecuru de Portugal, ou seja, é o maior rio genuinamente português, como o Itapecuru, com 1.041 km (quatro vezes a extensão do Mondego) é o maior entre os que nascem e desaguam dentro do território maranhense. (Mondego vem de “Munda”, palavra latina que significa “puro”, “transparente”, e foi o nome que os romanos deram ao rio, que devia ser bem limpo, no início da Era Cristã, quando César Augusto, fundador do Império Romano, fundou a cidade, com o nome “Aeminium” (Emínio = “elevação”, em Latim), na área da atual Coimbra). Claro, não se sabe onde exatamente ocorreram os processos de inspiração, reflexão, elaboração, reelaboração e a forma final da “Canção do Exílio”. Foi um Gonçalves Dias observando o rio Mondego mas olhando mais para dentro de si? Ou foi andando da Rua de São Salvador e passando por diversas quadras até a Universidade ou por uma dúzia de quarteirões, mais ou menos, até o rio? Ou foi no quarto, na residência da estreita Rua de São Salvador, quem sabe no silêncio da noite ou em meio a algazarras de colegas e amigos jovens, bons maranhenses, que tanto tinham apreço pelo Poeta e que o convidaram para morar com eles e lhe custearam despesas? Ou foram pedaços de tudo isso “y otras cositas más” que nós, os que escrevemos, sabemos como “a coisa” é mas não sabemos como se explica -- se é que tem explicação...? Esses processos criativos dão-se pelo cultivo de áreas no imenso latifúndio da mente. Não há, lamentavelmente, quiçá, uma disciplina ou estudo chamado Etiologia Poética, que pesquise e determine causas, origens, princípios, razões do fazer literário, poético sobretudo, e de tudo o mais antes e depois disso -- lembrando que, além da desnecessidade de explicações, na arte de escrever com arte, a última coisa que se faz é... escrever. O “LÓGOS” – ETIMOLÓGICO E SIMBÓLICO As três palavras que fazem o nome do poema (“canção”, “do”, “exílio”), coincidentemente, entraram na Língua Portuguesa no mesmo século 13. “Canção” tem em sua origem mais remota o indo-europeu, a língua pré-histórica (re)construída por especialistas em Linguística e Filologia. Nesse idioma, uma raiz “kan-” chegou ao Latim e pariu formas verbais e substantivas como “cano”, “canere”, “cantare”, “cantus”, “cantionis” / “cantationis”. Destas duas últimas vem nossa “canção”. Já a contração “do” resulta da junção da preposição “de” (mesma grafia em Latim) com o artigo definido masculino singular “o” (antigamente “lo”, vindo do Latim “illu” ou “illum”). Por sua vez, “exílio” é explicado por duas etimologias: uma -- tida às vezes por “etimologia popular” -- registra que essa palavra provém do Latim “exsilium”, formado pela união do prefixo latino “ex-” (originado da preposição latina “exle”, que expressa um movimento para fora ou ser tirado de um lugar) à palavra “silium”, uma forma apofônica (mudança de vogal) do substantivo “solum” (solo). Assim, “exsilium”, convenientemente, é a condição daquele ou daquilo que é tirado de seu lugar, que é colocado para fora de sua terra, seu chão, seu solo. A outra origem nega aquela conveniente formação etimológica e explica que, na protolíngua (a língua-mãe, o indoeuropeu), “exílio” é resultado do mesmo prefixo latino “ex-” à frente da raiz indo-europeia “al-”, com a vogal mudada (apofonia) para “ul-”, que deu em latim “exul”, “exulis”, trazido para o Português como “êxule”, palavra constante dos dicionários de nossa Língua e que significa “exilado”, “banido”, “proscrito”, “desterrado” -- pois a raiz “al-” / “ul-” significa “andar”, “passear”, o que remete ao mesmo sentido de levar/levado para fora. Evidentemente, ao pé da letra, ou da palavra, ou da Etimologia, Gonçalves Dias não foi e não era propriamente um exilado. Seu poema é resultado de um sentimento, não de um banimento. É despiciendo dizer-se/escrever-se acerca do como, quando, onde, por que, para que, que impregnam ou dão origem ao “animus” poético, ao “modus faciendi” literário. A “RATIO” -- COMPLEXIDADE NA SIMPLICIDADE Por que a “Canção do Exílio” é ou tornou-se tão popular? O que nela há que leva outros escritores, poetas, autores a apropriarem-se honrosa e honradamente, humilde e humoradamente do título e dos versos dela em títulos e em versos deles? Livros de poesia e prosa, obras teatrais e musicais (e nem se fale da profusão de trabalhos acadêmicos, da graduação ao pós-doutorado) -- são muitos os esforços e realizações intelectuais, culturais, artísticos, literários, musicográficos sobre ou inspirados naquele poema gonçalvino.

Que magia, fascínio, encantamento se esconde e se revela por aquelas cinco estrofes (três quadras ou quartetos e duas sextilhas) com 24 versos, 113 palavras, 487 letras? Desconheço, e não procurei saber se há, alguma contagem ou estatística acerca dessa influência ou ressonância e respingos da aparentemente despretensiosa e romântica composição de Gonçalves Dias. O insuspeito romancista Machado de Assis já corroborava minha exótica alusão de inserção neuronal, por algum modo, em cada brasileiro que se gera e nasce. Machado assegurou, a plena voz: a “Canção [do Exílio] está em todos nós”. Foi em discurso em junho de 1901, no Rio de Janeiro (RJ), quando se inaugurava um busto do Poeta caxiense, que havia morrido há 16 anos, em águas vimaranenses, na costa maranhense. Wilton José Marques, pós-doutor pela Universidade de Campinas (Unicamp), que pescou a informação acima na “Revista da Academia Brasileira de Letras” de agosto de 1927, também não economiza: “Desde o seu aparecimento em ‘Primeiros Cantos’ (1846), a ‘Canção do Exílio’ [...] tornou-se uma unanimidade geral [...]”. E ainda: “[...] a natureza brasileira atingiu com a ‘Canção do Exílio’ uma dimensão única, elevando-se à condição diferenciada de símbolo de nossa nacionalidade. As palmeiras, o sabiá, as nossas estrelas, os nossos bosques -- que, inclusive, mais tarde seria incorporado à letra do hino nacional --, cantados pelo poema, ganharam um valor simbólico que, de imediato, caiu no gosto popular brasileiro”. E, já no final de seu artigo (“O Poema e a Metáfora”, “Revista Letras”, Curitiba, nº 60, julho/dezembro de 2003), o ilustrado acadêmico reitera: “[...] a força do poema gonçalvino é tal que, inclusive, exerceu -- num contrafluxo – influência sobre a literatura portuguesa”. Wilson José Marques diz que as paródias “dão indícios claros da persistência poética da ‘Canção do Exílio’ e de sua importante contribuição para o delineamento da literatura nacional”. E finaliza, como últimas palavras de seu texto, afirmando que esse poema “fundou por si uma tradição na literatura brasileira que, ainda hoje, encontra ecos”. Lúcia Miguel Pereira, na sua conhecida e reconhecida biografia do poeta maranhense, “A Vida de Gonçalves Dias”, de 1943 (portanto, no centenário de nascimento do caxiense), mencionou “o valor de mostrar a repercussão dos versos de Gonçalves Dias” ao fazer uma anotação sobre uma paródia da “Canção do Exílio” -- uma das primeiras, publicada em jornal de janeiro de 1848, exatos dois anos após a circulação dos exemplares de “Primeiros Cantos”, em janeiro de 1847 (mas o ano de edição consignado no livro é 1846). Um dos mais conhecidos filólogos e dicionaristas da Língua Portuguesa -- e também crítico literário --, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira publicou em 1958 uma obra de ensaios, “Território Lírico”. O livro traz 12 textos, que tratam, entre outros, dos poetas portugueses Antero de Quental, Camões e Fernando Pessoa, do poeta francês Paul Verlaine, do poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade... e de Gonçalves Dias. Aliás, é com o poeta maranhense que Aurélio Buarque abre sua coletânea ensaística e lhe dedica um trabalho de 11 páginas, “À Margem da ‘Canção do Exílio’”. É neste ensaio que o lexicógrafo alagoano registrou o que seu olhar clínico percebeu na “Canção” gonçalvina, 111 anos depois da circulação dos “Primeiros Cantos”: a absoluta inexistência de adjetivos entre as 113 palavras do poema que abre a edição “princeps” do livro. Aurélio ainda ressaltou “a admirável técnica de repetição” na poesia. Sobre essa “repetição”, Manuel Bandeira, o notável poeta, tradutor e crítico pernambucano, no trabalhoso e magnífico estudo “A Poética de Gonçalves Dias”, que integra seu livro “Gonçalves Dias: Esboço Biográfico”, de 1952, já antecipava “o partido que o poeta sabia tirar do estribilho” e dizia da “amorável musicalidade de muitos dos seus poemas [de Gonçalves Dias]”, entre eles a “Canção do Exílio”. Segundo Bandeira, “foi, sem dúvida, Gonçalves Dias o poeta brasileiro que mais profundamente e extensamente versou a nossa língua [...]”. Para não tornar ainda mais exaustivas as exemplificações acerca da importância e da influência da “Canção do Exílio”, retornemos a Carlos Drummond de Andrade, o mineiro que foi considerado, em sua época, o maior poeta vivo do Brasil (depois de seu falecimento, em agosto de 1987, foi sucedido pelo pernambucano João Cabral de Mello Neto [1920-1999] e este, pelo maranhense Ferreira Gullar e, com a morte deste, em 2016, dizem as boas línguas que o informal título de maior poeta vivo estaria com o sóbrio, disciplinado, enfim, apolíneo Salgado Maranhão, não por acaso nascido na mesma Caxias de nós três -- o poeta universal Gonçalves Dias, o federal Salgado Maranhão e Edmilson Sanches, inspetor de quarteirão...). Mas... falávamos sobre Drummond e a influência ou respingos, nele, da “Canção do Exílio”. Em agosto de 1997, nos dez anos da morte de Drummond, o Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia publicou uma pequena coletânea de 11 poemas, dedicados ao poeta itabirano, com o título “Minha Terra tem Palmeiras”. Para agradável

Advertisement

surpresa minha, fico sabendo, logo no início do texto introdutório do livrinho, que “‘Minha Terra tem Palmeiras’ foi o primeiro título pensado por Drummond para o livro ‘Alguma Poesia’, publicado em 1930” -- e que li na adolescência, em edição da Nova Aguilar, em papel-bíblia, que reúne 15 livros de poesia e oito de contos e crônicas drummondianos, mais todo aquele aparato crítico e histórico daquela sessentã casa publicadora. Outra revelação sobre o título desejado inicialmente por Drummond para seu primeiro livro: “Embora tenha sido considerado por Mário de Andrade um GRANDE ‘ACHADO’ -- do qual ele CHEGOU A SENTIR INVEJA, como confessa em carta escrita a Drummond em torno de 1925 --, por algum motivo esse título terminou sendo abandonado” (maiúsculas por minha conta).

This article is from: