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RAIMUNDO FONTENELE

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FERNANDO BAGA

FERNANDO BAGA

um “dos maiores elementos contra a escravidão”. É através de sua fala que percebemos as manifestações indignadas sobre os que realmente precisam trabalhar e os que trabalham por vaidade; e sobre a ausência de reconhecimento da sociedade em relação às pessoas esclarecidas. Pai adotivo de Cláudio, tem a intenção de fazer do menino “um homem de luta” pela própria raça, e não um bacharel ou comendador, mas o filho adotivo deixa dúvidas se estava realmente seguindo as intenções propostas por Olivier. Cláudio era filho de Andreza e Daniel Aranha, ex-escravos. Perseguido pelos professores e pelos colegas por causa de sua cor, o menino tem a proteção do pai adotivo, que cuida de sua educação com zelo. Olivier era descendente de família tradicional, o que explica seu prestígio nos círculos intelectuais. Porém, bastou tornar suas ideias conhecidas para que fosse perseguido a ponto de ter que sair do Maranhão. Tem como mestre Carlos Bento, jornalista e professor, também afastado da imprensa por razões políticas, o que o obriga a viver de aulas particulares. Fora também professor de Olivier e escreve um panfleto no qual faz uma síntese política e social. Com a morte de Olivier, Claudio termina os estudos no Liceu e começa a dar aulas particulares para ajudar na renda familiar. Segue o exemplo do pai adotivo e se torna jornalista, chegando a fundar o periódico O Campeão, que logo encontrou um rival, O Triunfo, criado pela elite local como resposta. Não demorou muito para que Cláudio também fosse atacado. Como a renda do magistério não era suficiente para as despesas, recebia um auxílio de José Machado. Este, ao saber que Cláudio era amante de Armênia, começa a tratá-lo com indiferença até que deixa de lhe fornecer a preciosa ajuda mensal. O jovem passa a ser novamente perseguido e após ser salvo de uma emboscada por Aranha, seu pai biológico, sai do Maranhão e vai para o Amazonas, onde passa a ocupar elevada posição como jornalista. A sua volta acontece no dia 15 de novembro, no momento em que estão comemorando a Proclamação da República. Os personagens são construídos através de dualidades: livres e cativos; pobres e ricos; pessoas de famílias tradicionais e pessoas de famílias sem importância social; homens ilustres e homens ignorantes; mulheres de família e mulheres festeiras; entre outros. Os cativos, ao invés de apáticos e submissos, são retratados como homens escravizados que reagem a seu modo às atrocidades praticadas pelas mãos brancas. E são eles que têm amplo desenvolvimento nas ações do romance. São exemplos disso a cena em que D. Amandra, senhora acostumada a aplicar cruéis castigos, leva uma bofetada de sua ex-escrava; das cozinheiras que abandonaram os patrões antes de lhes servirem o jantar; a cena em que os escravos quebram móveis e louças numa expansão de raiva e ódio. Pela figura cômica de Zé Catraia, escravo que é libertado no dia na abolição, o autor ironiza a possibilidade se ser livre mesmo sendo cativo. Catraia é visto por muitos como um bêbado, sem valor, mas tudo vê, tudo ouve e tudo sabe. Era homem de confiança de seu senhor, que sabia de sua inteligência e temia que os seus segredos de contrabando fossem revelados. É através deste personagem que vamos tecendo a imagem de Paletó Queimado, alcunha de José Machado, quando Zé Catraia conta a Cláudio a forma como o português se transformou em homem poderoso. Exquitandeiro, torna-se um capitalista por meios duvidosos e figura como representação da corrupção na sociedade. Inescrupuloso e ganancioso, Paletó Queimado representa o arrivismo tão comum naquele momento histórico e, motivado por segundas intenções, chega a oferecer ajuda a Olivier. Já Carlos Bento – o “intelectual falido” – é afastado da imprensa devido à sua postura ideológica. Por sua fala percebemos a desvalorização do professorado e das pessoas sábias, o parecer sobre a sociedade e a educação, e sua crítica sobre a decadência da lavoura quando descreve a imagem do feitor e analisa o atraso econômico do Maranhão. Em um diálogo entre ele e João Olivier, este manifesta a sua desilusão quanto a Proclamação da República: Eu esperava que, depois do 13 de Maio, por que trabalhei tanto; depois do 15 de Novembro, com que me alegrei bastante; esperava que houvesse uma renovação social. Errônea ou acertadamente eu cuidava que a pública administração com luzes mais fortes e puras, tomasse outro caminho que não esse que hoje nos infelicita. (MORAES, 2000, p. 77). Poucos anos depois da Proclamação da República, Olivier percebe que os negros não melhoraram de condição e continuaram marginalizados socialmente. Para Carlos Bento seria necessário que os ex-escravos e seus filhos fossem alfabetizados, o que lhes permitiria conhecer os seus direitos políticos e saber que mudanças efetivas demoram anos, talvez séculos. Pela fala dos personagens, o romance traça um painel de

como ficaram os negros após a abolição, principalmente para aqueles que acreditaram numa possível ascensão econômica e social. Renovação que aconteceu, mas não da forma nem na velocidade como Olivier julgava. Com refinada ironia o autor apresenta o perfil da sociedade maranhense dos anos iniciais da República fazendo uso de registros próximos do jornalístico. A relação entre o campo literário e o político permite ao autor fazer o retrato de uma cidade onde os letrados, principalmente os que eram negros, não tinham importância devido à sua condição. Para alguns críticos, Vencidos e degenerados se assemelha ao O Mulato, de Aluísio Azevedo, mas é preciso ressaltar as diferenças presentes em ambas as obras, a começar pela forma como se posicionam frente às desigualdades raciais. Pode-se dizer também que tal comparação ocorre devido ao fato de Moraes, em sua obra, abordar uma realidade social, descrever os seus personagens de forma minuciosa, tanto física quanto psicologicamente, discutindo questões que certamente eram polêmicas para a época. Afinal, quem seriam os vencidos e os degenerados do Maranhão? A respeito do negro na literatura brasileira, sabemos que sua representação, via de regra, o reduz a ser permanentemente subalterno. Todavia, Nascimento Moraes soube muito bem como romper com esta prática secular ao construir uma obra típica de quem pensava à frente de seu tempo. Suas indagações permanecem vivas se inquietam a todos os que procuram as razões e os sentidos das desigualdades contemporâneas. Referência MORAES, Nascimento. Vencidos e degenerados. 4. ed. São Luís: Centro Cultural Nascimento Moraes, 2000. __________________________ * Rafaela Pereira é graduada em Letras pela UFMG, professora do Ensino Fundamental e Médio e pesquisadora do NEIA - Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Alteridade, desta Instituição.

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“A CANÇÃO DO BRASIL”

EDMILSON SANCHES

Foi em um mês de julho [...] que um jovem poeta, em 1843, fez (ou datou) sua mais conhecida composição: a “Canção do Exílio”. Sim, é aquela poesia que, se alguém disser “Minha terra tem palmeiras”, é quase certo que outra pessoa, ouvindo, completará, no silêncio da mente ou audivelmente: “Onde canta o sabiá”. Das poesias mais populares que se possa lembrar (quais são?), a “Canção do Exílio” é a que logo é lembrada. Parece até que, “ab initio”, desde a formação embrionária do ser humano, em um dado momento lhe é inserido um neurônio ou grupo deles com versos dessa “Canção”. Já fiz palestras, discursos, participei de conversas em eventos em capitais e dezenas de municípios de 19 Estados e, em momento apropriado puxo assunto, refiro-me a Caxias e confirmo: a “Canção do Exílio” é conhecida de todos. É a canção “de fora” mais interna ao solo e ao sentimento pátrio, brasílico. A “Canção do Exílio” é a “Canção do Brasil”. Embora não seja uma medida científica -- de todo modo dispensável --, mas uma simples consulta por meio de um serviço de busca na rede mundial de computadores (Internet) diz um pouco da força desse poema, inclusive comparado a outro de muitas referências -- “No Meio do Caminho”, de Carlos Drummond de Andrade. Por exemplo, à zero hora de 1º de agosto de 2020, no “site” do buscador mais acessado do mundo, o Google, a expressão “No meio do caminho tinha uma pedra” estava com 50.700 registros. A expressão “Minha terra tem palmeiras” aparecia 62.700 vezes, e “Canção do exílio”, 147.000 vezes. A frase “No meio do caminho” aparece 7,7 milhões de vezes, com certeza por ser expressão de uso comum, inclusive em sentido figurado, com o sentido de “no percurso da vida / de um tempo / de algo”, ou “durante o decorrer de algo / do tempo / da vida” etc.), De qualquer modo, em todos os casos, nem sempre as expressões “No meio do caminho tinha uma pedra”, “No meio do caminho”, “Canção do exílio” e “Minha terra tem palmeiras”, devidamente aspeadas, referem-se aos títulos e/ou versos dos poemas do escritor maranhense e do escritor mineiro. Aqueles números, pois, considere-se uma curiosidade, um “divertissement”.

Nascido no dia 10 de agosto de 1823, o caxiense Antônio Gonçalves Dias ainda não completara 20 anos quando, em julho de 1843, teve à frente de seus olhos, feita, a “Canção do Exílio”. Três anos depois, de volta ao Brasil, agora morando no Rio de Janeiro (RJ), Gonçalves Dias fica sabendo, em agosto de 1846, que já está em fase de provas, na tipografia dos irmãos Laemmert (Eduardo e Henrique), o seu primeiro livro, não sem razão “Primeiros Cantos”. E neste livro primeiro, o canto primeiro é uma canção -- a “Canção do Exílio”, que é, sem favor, a canção do Brasil, tal o modo como naturalmente “grudou” na alma e na memória dos brasileiros, em especial o primeiro quarteto e, neste, os dois primeiros versos: “Minha terra tem palmeiras, / Onde canta o Sabiá”. Registre-se que, antes de desembarcar no Rio de Janeiro, em 7 de julho de 1846, Gonçalves Dias, pode-se dizer assim, matou a saudade de sua terra natal, o Maranhão, pois, tendo saído de Porto (Portugal) em janeiro de 1845, chegou aos primeiros dias de março a São Luís, sendo recebido e hospedado pelo seu maior e melhor amigo Alexandre Teófilo de Carvalho Leal... e já no dia 6 daquele mês viajou para Caxias, onde ficou na casa da sua madrasta. Enquanto em Caxias, por cerca de dez meses, prestou alguns serviços profissionais, fez algumas declamações e vivenciou algumas chateações... Decide retornar a São Luís, o que ocorre em janeiro de 1846, sendo novamente acolhido por Alexandre Teófilo, que mais tarde providencia para o Poeta, por meio de autoridade estadual, a passagem para o Rio de Janeiro, dia 14 de junho daquele ano. Ressalte-se que foi em seu período de permanência em Caxias que Gonçalves Dias começou a escrever, em junho de 1845, seu livro “Meditação”, que teve partes publicadas em jornal, em 1850. “Meditação” é um diálogo entre um velho e um jovem, uma explícita crítica política e social a diversos aspectos do Brasil daqueles meados do século 19, entre os quais a escravidão. Em “Meditação”, conforme desde 2017 já escrevi e publiquei em jornais, livro e meios digitais, há parte de uma fala do ancião que trata de “ordem e progresso” (Capítulo Terceiro, XII): “E não pelejais por amor do progresso, como vangloriosamente ostentais. // “Porque a ORDEM E PROGRESSO são inseparáveis: -- e o que realizar uma obterá a outra.” (Destaque meu). Isso foi escrito em 8 de maio de 1846, seis anos antes da publicação, em 1852, do livro “Système de Politique Positive”, de Auguste Comte, onde o tema/lema “ordem e progresso” retorna e é posteriormente apropriado pelo filósofo, matemático e escritor caxiense Raimundo Teixeira Mendes no seu projeto da Bandeira do Brasil, entregue por ele no dia 19 de novembro de 1889 e adotado pelos marechais da recém-nascida República brasileira, proclamada quatro dias antes, em 15 de novembro.

Livros de Edmilson Sanches & Acervo Pessoal. O “LOCUS” -- TERRITORIAL E ANÍMICO O ambiente espaço-temporal onde foi escrita a “Canção do Exílio” é, o ano, 1843, e o lugar, Coimbra, uma das mais antigas cidades da Europa, fundada em 1111, mas existente como Condado de Coimbra desde o ano 871. Desde 1840 Gonçalves Dias estudava na Universidade de Coimbra (fundada em 1290). Em 1842 ele dividia com amigos o número 5 da Rua de São Cosme. Depois, nesse mesmo ano, mudou para o número 170 da Rua de São Salvador, na região da Sé Nova, onde está a Universidade de Coimbra e sua Faculdade de Direito, curso que o caxiense concluiu. Somente em outubro de 1843 Gonçalves Dias voltou a trocar de endereço, para morar com amigos na Rua do Correio, número 60.

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