ALL EM REVISTA, Vol. 8, No. 4 - OUTUBRO A DEZEMBRO 2021

Page 238

O ACUADO DE VAL DE GATOS FERNANDO BAGA

Na quinta de Val de lobos, na Póvoa de Santarém, em Portugal, vivia arredio Alexandre Herculano por questões de intrigas e perrices com alguns dos seus companheiros da Torre do Tombo. Nos Apicuns, em São Luís do Maranhão, na antiga quinta dos Frias, que prefiro chamar de Val de gatos, vivia acuado, junto a ‘krupskaia’ sua gata de estimação, José Erasmo Dias, a figura mais extraordinária que conheci na comédia humana, nesse todo de que nos recorda Balzac, apesar de sua figura representar, irremediavelmente, criações de Edgar Allan Poe, como se ele corporificasse ‘O Corvo’, ou aqueles personagens tétricos da ‘Rua Morgue’, ou ainda, os de Dostoievski, nos enredos misteriosos de ‘Crime e Castigo’. Era ao mesmo tempo este Erasmo autor e personagem. Tinha muito também do seu alterego, o de Roterdã, como se fosse uma sombra que monologava no ‘Elogio da Loucura’ contra deuses e demônios. Nasceu José, este Erasmo, em São Luís, no dia 2 de junho de 1916, e gerado no ventre da brilhante geração de 30 do Maranhão. E se fez jornalista, contista, polígrafo e panfletário, abandonando o curso de direito no terceiro ano; exercia influência literária nos jovens, por ser um homem de cultura feita, com metáforas didáticas e arranjos mímicos perfeitos, na sustentação discursiva com que orientava aos que lhe solicitavam ajuda artística. É este o olhar que tenho e recordo de José Erasmo Dias, a ratificar, sem mudar uma vírgula, o que escreveu Graça Aranha, n’O Meu Próprio Romance’, sobre a figura de Tobias Barreto, quando o conheceu na Congregação da Faculdade de Direito do Recife: “O mulato feio, desgracioso, transformava-se na arguição e nos debates; os seus olhos flamejavam; da sua boca escancarada, roxa, móvel, saía uma voz maravilhosa, de múltiplos timbres, a sua gesticulação transbordante, porém sempre expressiva e completando o pensamento. O que ele dizia era novo, profundo, sugestivo”. Erasmo Dias foi um homem honesto e honrado; viveu e sofreu numa pobreza franciscana. Foi Diretor do Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado, Deputado Estadual e Prefeito interino de São Luís. Era aposentado pela Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão, no cargo de Diretor de Debates. A grandeza de Erasmo, como político, como homem de cultura e, sobretudo, como uma figura marcante e marcada que lhe emolduraram a personalidade, quer emblemática, ou estigmatizada, ficou em todos nós ao longo de uma sofrida vida, que ele fingia alegre, mas que no íntimo, interpretou-a e se autodirigiu, inegavelmente sem nenhum retoque, mas com a legitimidade, por exemplo, estampada no seu, à Pirandello, ‘O Roubo dos Personagens’, que em síntese é ele, [ou era ele] por ele mesmo. Sobre essa figura singular, atentemos para o que escreveu a pena abalizada de Lago Burnett: “Erasmo Dias era contagiante. Intimava, empolgava, comprometia. Era difícil ouvi-lo sem um arrebatamento. Suas atividades convergiam para um só mecanismo propulsor e detonador de eventos. Erasmo, o escritor engajado, o polemista, era o elemento catalisador que impulsionava toda uma geração e fazia crescer o fermento do seu entusiasmo pelos grandes temas contemporâneos. Jornalista, foi no panfleto, na folha vibrante e desaforada dos grandes duelos políticos, que encontrou as melhores oportunidades para realizar-se, dizendo com bravura e malícia o que a patuleia perplexa mal conseguia traduzir em sentimentos, quanto mais em palavras.”. Nessa esteira de análise, Carlos Cunha, no seu livro de memórias ‘Caçador da Estrela Verde’, disse sentimentalmente: “Não era do hábito de Erasmo Dias sentar-se à mesa para ensinar os iniciantes da arte. A conversa, com ele, ajudava-nos a aprender as coisas, ver uma luz no fundo do túnel. [...] Como político, alçou voo alto, tão brilhante quanto o intelectual e boêmio. Na tribuna da Assembleia Legislativa, Erasmo Dias fazia discursos brilhantes e eloquentes, arrebatando aplausos, fazendo as galerias delirarem. Com o


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook

Articles inside

THOMÉ THEMISTOCLES MADEIRA JÚNIOR

34min
pages 265-296

FERNANDO BRAGA

4min
pages 263-264

DEZ POETAS O SIMBOLISMO E O POETA MARANHÃO SOBRINHO

26min
pages 249-262

FERNANDO BRAGA

8min
pages 246-248

RAIMUNDO FONTENELE

10min
pages 242-245

FERNANDO BAGA

9min
pages 238-241

EDMILSON SANCHES

7min
pages 233-237

RAFAELA PEREIRA

4min
pages 230-232

FERNANDO BRAGA

3min
pages 228-229

FERNANDO BRAGA

5min
pages 222-225

MANOEL SANTOS NETO

4min
pages 226-227

JOÃO BATISTA DO LAGO

2min
page 221

GRACILENE PINTO - Grace Do Maranhão

3min
pages 218-220

PAULO RODRIGUES

6min
pages 210-211

FERNANDO BRAGA

4min
pages 216-217

ARLINDO TADEU HAGEN

12min
pages 212-215

MHARIO LINCOLN

2min
pages 208-209

H O N O R Á R I O S / C O R R E S P O N D E N T E S / C O L A B O R A D O R E S

0
page 195

O ARREPENDIMENTO

3min
page 191

CADEIRA 38 – JOSÉ NERES

11min
pages 185-189

CADEIRA 37 – JADIR LESSA

2min
page 184

A INIMIGA FIEL

0
pages 182-183

CONVOCAÇAO PARA O ALÉM

3min
pages 180-181

CADEIRA 26 – JOÃOZINHO RIBEIRO

3min
pages 161-162

CADEIRA 22 – ANTONIO AÍLTON

6min
pages 157-160

PRIMEIROS REGISTROS DA POESIA NA IMPRENSA DO MARANHÃO – DÉCADA DE 1820

9min
pages 146-156

MARANHÃO NO PREMIO JABUTI

14min
pages 135-145

O CURITIBANO FREDERICK CHARLES TATE OU O TENENTE RUI E OS POLONESES - RICARDO BÜRGEL

20min
pages 114-126

GUAXENDUBA: uma 'BATALHA' ou SIMPLES ESCARAMUÇA?

4min
pages 131-134

CADEIRA 21 – LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ

0
pages 112-113

AS MEMÓRIAS DE UM VISIONÁRIO

2min
page 101

O SINAL DE BLUMBERG

1min
page 100

ROMPENDO O SILÊNCIO!!!- JEAN -PIERRE ALVIM FERREIRA

4min
pages 96-98

FLOR DE VERÃO

2min
page 99

DISCURSO DE RECEPÇÃO DO ACADÊMICO DANIEL BLUME POR SONIA ALMEIDA

18min
pages 81-91

Ah! QUANTAS LEMBRANÇAS

14min
pages 102-111

PINHEIRO E O SEU CENTRO CULTURAL

4min
pages 92-93

PAVOR E SANGUE NA NOITE EM TERESÓPOLIS

2min
pages 94-95

A VIDA É EFÊMERA, O AMOR, JAMAIS

5min
pages 66-67

CASA VAZIA FIM DE TARDE

10min
pages 49-59

FELIS

5min
pages 29-36

NA RESERVA

4min
pages 62-63

QUEBRANDO O PRECONCEITO

3min
pages 64-65

CAJARI, ALEGRA-TE

12min
pages 68-80

CERIMÔNIA DE OUTORGA: MEDALHA DO MÉRITO “LAURA ROSA” - SAUDAÇÃO

2min
pages 42-46

POEMA IN(ACABADO

4min
pages 47-48
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.