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O CURITIBANO FREDERICK CHARLES TATE OU O TENENTE RUI E OS POLONESES - RICARDO BÜRGEL

Aqueles prédios da antiga Estrada de Ferro São Luís—Teresina (EFSLT), da Rede Ferroviária Federal S. A. (REFFESA) estavam até há algum tempo ao Deus-dará. Desmoronando -- como sempre, menos pela ação do tempo e mais pela omissão dos homens. Décadas de história estavam ruindo sem ruído, numa fragmentação silenciosa, num desfazimento criminoso de um passado que, embora não tão distante, foi responsável por parte das bases econômico-sociais de que talvez ainda se jactem alguns poucos que vivenciaram aqueles tempos e/ou que deles têm memória. Arthur Almada Lima Filho passava por ali, olhava aquelas edificações e se inquietava -- pode-se dizer, até: se indignava. Era o filho ilustre sabendo o quão igualmente ilustre havia ali de historicidade. Dos contatos iniciais, das correspondências obrigatórias, dos obstáculos e dificuldades que se (o)põem à frente dos que querem fazer a coisa certa neste País, até a autorização para uso e utilização, “sine die”, das portentosas instalações “refesianas”, Arthur Almada Filho teve de munir-se de paciência e persistência, sob pena de suas (boas) intenções irem juntar-se àquelas que assoalham o caminho da Geena. Foi assim que Caxias e seu Instituto Histórico e Geográfico (IHGC) ganharam adequado espaço para se passar o passado -- ou ao menos parte dele -- a limpo. O Instituto é o espaço institucional por excelência e de referência para a busca, guarda, zelo e divulgação de itens e fatos, marcas e marcos do passado histórico de Caxias (que o histérico presente ainda não soube respeitar à altura). Esse espaço, sede do IHGC, vem recebendo pacientes reformas e melhorias e é mantido a troco de suadas colaborações de algumas (poucas, diga-se) pessoas, físicas e jurídicas. Neste ponto entra novamente Arthur Almada: em vez de curtir o merecido ócio após décadas de ofício na Magistratura e na Educação, ele incumbe-se e desincumbe-se nas tarefas de, em igual tempo, presidente do Instituto e encarregado de fazer a cobrança (ou, eufemisticamente, “lembrança”) aos voluntários mantenedores -- muitas das vezes conquistados a troco da confiança e persuasão arturianas. * O passado só ainda está presente e somente terá algum futuro se dele tiverem cuidadores como Arthur Almada Lima Filho. Aos 90 anos, que se completam exatamente neste 17 de outubro de 2019, esse renovado Arthur senta-se à sua távola quadrada e pequena em uma modesta sala no pavimento superior do remoçado prédio da Estação Ferroviária e dana-se a ler, estudar, pesquisar, escrever, telefonar para outros membros e apoiadores do Instituto, sempre tendo em vista algum aspecto da gestão da Entidade ou, o mais das vezes, sobre fatos históricos de Caxias, cujos documentos ou livros a eles relacionados, existentes no Brasil ou no Exterior, Arthur pede que sejam pesquisados ou conseguidos exemplares ou cópias, para o acervo do Instituto e fonte de pesquisas para estudantes, professores, escritores, pesquisadores e outros estudiosos. Anatole France, escritor francês (1844–1924), disse que “(...) o passado é o nosso único passeio e o único lugar onde possamos escapar a nossos aborrecimentos diários”, pois “o presente é árido e turvo, o futuro, oculto”. É o caso de Arthur Almada de Lima Filho, que gosta de passear no passado de Caxias, e o faz sem aborrecimento, pois o passado caxiense é, para ele, desafio e combustível, é mister e mistério de arqueólogo, que se vai descobrindo camada a camada, limpando as contaminações, rearrumando em ordem lógica, até a leitura e documentação final. O paulista Eduardo Paulo da Silva Prado, que nem o Arthur, era homem do Direito e escritor; também acadêmico, foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Viveu só 41 anos, tempo bastante para, entre seus amigos, contarem-se, entre outros, portentos literários e intelectuais como Eça de Queirós e Ramalho Ortigão. Eduardo Prado escreveu: “Certamente o homem deve viver no seu tempo, mas a tendência para a contemplação do passado é um dom nobilíssimo da sua alma”. Mais do que contemplar, Arthur Almada Filho, no caso do passado de Caxias, quer contribuir para organizá-lo, trazê-lo ao presente

para garantir-lhe algum futuro. Como constatou o filósofo e poeta francês Paul Valéry, 146 anos de nascimento em 30 de outubro de 2017: “O passado (...) age sobre o futuro com um poder comparável ao do próprio presente”. Em geral, Caxias pouco sabe dos esforços e da história, das lutas, lides e lidas desse Arthur Filho, filho caxiense que, à maneira de Bilac, “ama com fé e orgulho” a terra em que nasceu. Juiz de Direito, desembargador, vice-presidente e presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão, presidente da nascente universidade estadual maranhense, é citado no prestigioso e internacional “Who’s Who”, seus votos como jurista são transcritos em obras de Direito, tem seu nome na testada de prédios públicos, seja em fórum seja em escola estado adentro, tais os méritos que a sociedade maranhense quis reconhecer e homenagear. Ex-reitor da UEMA, autor de livros, pesquisador infatigável, magistrado intimorato, tem honrado o nome e o ofício do pai e o conceito da família – família que, no passado e no presente (e, pelo visto, para o futuro também), legou tanta gente inteligente para Caxias, o Maranhão e o Brasil. Pelos feitos que fez, certamente não lhe cabe a observação do educador e abolicionista norte-americano Horace Mann (século 19): “ Tenha vergonha de morrer até ter obtido alguma vitória para a Humanidade”. Arthur e eu somos conterrâneos, confrades e amigos, pertencemos às sadias -- e lutadoras -- hostes do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM), do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias (IHGC), da Academia Caxiense de Letras (ACL) e da Academia Sertaneja de Letras, Educação e Artes do Maranhão (Asleama). E não estamos apenas para estar ou ser, mas para fazer. É preciso conviver um pouco com o Arthur para ver-lhe os esforços em nome de coisas e causas coletivas, caxienses. É preciso estar perto para dele ouvir exemplos de inconteste entusiasmo e incontida satisfação quando da descoberta de um novo nome de caxiense de talento, ou nova informação sobre Caxias, dados que zanzavam por aí, escondidos sob a poeira da História ou maquiados, encobertos pelo pó do desinteresse humano. No fim do ano 2013, Caxias e o Maranhão receberam de presente uma obra ("Efemérides Caxienses") em que Arthur Almada organizou, sistematizou e sintetizou eventos passados, com nomes e datas da História caxiense, mas com pontos de contato com a História maranhense e brasileira. Como diz o Arthur, ausente todo laivo de ufanismo: "Sem a História de Caxias não há História do Brasil". E, com ardor e energias moças, já organiza e escreve novas obras de fôlego, como um livro de perfis caxienses e um avançado "Dicionário Biobibliográfico de Autores Caxienses". Entre outros... É esse conterrâneo, caxiense com muito orgulho, que aniversaria neste 17 de outubro de 2019: nada menos do que 90 anos fazendo valer a pena a loteria da criação que concedeu que fosse ele, Arthur Filho, o sorteado com a vida – longa, saudável, produtiva e útil vida. Esse caxiense de boa cepa sabe de seus fins e de nossa finitude. Sabe, já há muito tempo mas sobretudo a esta altura da vida, sabe que, como ele, muitos de nós, neste jogo da existência, temos mais passado que futuro. E disto nem ele nem nós temos receio. Pois, para nós, para gente do naipe de Arthur Almada Lima Filho, o passado nos fortalece. Como no dizer do poeta e dramaturgo francês Henry Bataille (1872—1922): “O passado é um segundo coração que bate em nós”. Parabéns e feliz aniversário, Arthur. Vida, saúde e paz, amigo.

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CADEIRA 21 MANUEL FRAN PAXECO

LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ FUNDADOR

FACETUBES.COM.BR Publicaremos uma sequência de artigos do Imortal APB Leopoldo Vaz sobre cultura indígena (facetubes.com.br) O FACETUBES publicará a partir desta semana, artigos do imortal APB LEOPOLDO VAZ sobre a cultura e o esporte indígena. Este primeiro foi o agilizador da participação de Leopoldo em importante congresso, que discutiu inúmeros assuntos ligados ao indianismo brasileiro, promovido pelo MEC/INDESP, em 1994.

Vinhais – Histórico - Vinhais - Atlas Digital da América Lusa (unb.br)

Denominação Início Término

Aldeia de Uçaguaba Populacao > Aldeia antes de 1612 1614

Aldeia da Doutrina Populacao > Aldeia

Vinhais Populacao > Vila

por Manoel Rendeiro depois de 1614 1757

1757 1808

A Vila de Vinhais, segundo Leopoldo Gil Dulcio Vaz, remonta historicamente a presença francesa no Maranhão, e suas relações com os povos tupinambá da região. Os povos tremenbé, e depois os tupinambá, foram moradores da Aldeia de Uçaguaba. E nessa aldeia residiram alguns franceses, desde o século XVI, com algumas menções a localidade de Miganville.[1] Após a expulsão dos franceses e de seu empreendimento colonizador, os índios aliados dos lusitanos, provenientes de Pernambuco, residiram na Aldeia de Uçagoaba.[2] Com a chegada das missões jesuítas no Maranhão, é indicado que a mesma aldeia, porém com nova denominação de Aldeia da Doutrina, foi o ponto de partida do projeto evangelizador.[3] Por execução do decreto real que previa a emancipação do indígena, fim do domínio missionário sobre os silvícolas, a Aldeia da Doutrina é transformada em Vila de Vinhais, por instalação do capitão-mor governador da Capitania do Maranhão, Gonçalo Pereira Lobato e Sousa, em 1 de agosto de 1757.[4]. De acordo com a lei de 6 de junho de 1755, aldeias que possuíam mais de 150 moradores deveriam ser elevadas à categoria de Vila.[5] Na Vila de Vinhais, os bens jesuíticos foram arrecadados pelo capitão-mor governador, Lobato e Sousa, e repassados para a Coroa.[6] Referências ↑ ABBEVILLE, Claude d’. HISTÓRIA DA MISSÃO DOS PADRES CAPUCHINHOS NA ILHA DO MARANHÃO E TERRAS CIRCUNVIZINHAS. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1975 ↑ MORAES, José de. HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS NA EXTINTA PROVÍNCIA DO MARANHÃO E GRÃOPARÁ. Rio de Janeiro: Alhambra, 1987 ↑ CAVALCANTI FILHO, Sebastião Barbosa. A QUESTÃO JESUÍTICA NO MARANHÃO COLONIAL. São Luís: SIOGE, 1990. ↑ MEIRELES, Mário Martins. História do Maranhão. 2. ed. São Luís: Fundação Cultural do Maranhão, 1980. 426 p. ↑ LIMA, Carlos de. Historia do maranhao. Brasilia: Senado Federal, 1981. 224 p ↑ LIMA, Carlos de. Historia do maranhao. Brasilia: Senado Federal, 1981. 224.

Atualizações no www.facetubes.com.br https://www.facetubes.com.br/.../leopoldo-vaz-participa... Leopoldo Vaz participa da secção "Textos Escolhidos", com: Relato do piloto TENENTE RUI MOREIRA LIMA

FACETUBES.COM.BR Leopoldo Vaz participa da secção "Textos Escolhidos", com: Relato do piloto TENENTE RUI MOREIRA LIMA

O CURITIBANO FREDERICK CHARLES TATE OU O TENENTE RUI E OS POLONESES

O tenente Rui e os poloneses – Revista Ideias

RICARDO BÜRGEL Relato do piloto TENENTE RUI MOREIRA LIMA1 de uma das suas missões de ataque na área de Casarsa durante a Segunda Guerra :

"No dia 11 de março de 1945, decolaram duas esquadrilhas do 1º Grupo de Caça sob o comando do Capitão Lagares, com a finalidade de bombardear a muito conhecida ponte de Casarsa, localizada ao norte de Veneza. Completava eu a 59ª missão de guerra. A ponte era conhecida por motivos óbvios. Ali, alguns companheiros trouxeram a marca da acurada artilharia alemã. Um deles, o Ten Armando de Souza Coelho, teve seu avião atingido, saltando de pára-quedas em território amigo. O Ten Othon Correia Neto, que não teve a sorte do Armando, saltou sobre a área de Casarsa, sendo feito prisioneiro. Eu mesmo já havia recebido meu quinhão, quando o meu P-47 foi atingido na asa, por estilhaços de 88. A verdade é que esse não era o lugar mais aprazível para ser "visitado". Quando nos designavam para ir até lá, não havia entusiasmo de nossa parte. Casarsa soava, para nós pilotos, como Bolonha, Ferrara, Legnago, Udine, Lavis, Piacenza, Isola di Scala e mais uma dezena de bem defendidos alvos do Vale do Pó. Lançar bombas em

1 Rui Barbosa Moreira Lima (Colinas, 12 de junho de 1919 — Rio de Janeiro, 13 de agosto de 2013) foi um piloto militar de caça e Tenente-brigadeiro-do-ar brasileiro. Foi o criador do lema do 1º Grupo de Aviação de Caça (Senta a Púa). Até o início de 2013, era um dos três únicos pilotos veteranos da participação brasileira na Segunda Guerra Mundial ainda vivos. Moreira Lima atuou ao lado dos militares legalistas que se opuseram ao Golpe de 1964, tendo sido perseguido e torturado pela ditadura militar que se seguiu. Rui Moreira Lima – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

alvos como esses, se bem que fôssemos voluntários - o 1º Grupo era constituído somente de voluntários causava-nos profundo respeito. Decolaram as esquadrilhas Verde e Marrom. Na primeira, comandada pelo Cap Lagares, voavam o Ten Tormin, como nº 2, eu como líder de elemento, e o Ten Coelho como nº 4; a Marrom, também sob o comando de Lagares, formada pelo Cap Pessoa Ramos, o Ten Meira como nº 2, o Ten Perdigão como líder de elemento e o Ten Paulo Costa como nº 4. Todos veteranos. O menos experiente era o Tormin, mas que se tornou veterano nas suas primeiras missões, conquistando este título por bravura, precisão nos ataques, descontração no vôo sob o fogo antiaéreo e mais um punhado de qualidades que o tornaram um dos mais hábeis pilotos de caça de nossa Unidade. A rota escolhida até o alvo saiu da rotina, pois ao invés de voarmos diretamente para o objetivo, o Lagares, para evitar o Flak de Bolonha, voou sobre nossas linhas até Florença, rumando daí para Casarsa. Nessa ocasião, parte da "Estrada 9" tinha caído nas mãos do VIII Exército Inglês. Ao cruzá-la, deixamos à nossa esquerda a cidade de Forli, recentemente conquistada pelos ingleses, estando ocupada por um esquadrão de aviões de ataque A-20, formada de poloneses da RAF. Para esta história, este detalhe é importante. Chegamos a Casarsa na hora estabelecida, e iniciamos o ataque. Era uma ponte ferroviária sobre o rio Madunna, que só poderia ser considerado como tal na época das águas. Parecia um desses nossos rios do nordeste que, na seca, vira estrada. Mergulharam o Lagares e o garoto Tormin, vindo eu em seguida. No momento em que iniciava o mergulho, descobri uma bateria de 88 alemã, localizada a uns 200 metros da ponte. Avisei pelo rádio: - "Jambock Verde, de Jambock Verde, nº 3, localizei uma bateria, vou atacá-la, antes de lançar minhas bombas". - "Boa sorte", replicou o Lagares. Como era de esperar, fui recebido "festivamente", não somente pela bateria que estava atacando, mas por outras armas de menor calibre, inclusive canhões antiaéreos de 40 e 20 mm. Deixei tudo em volta e me fixei na bateria. Mais ou menos a uns 3000 pés, fui atingido no motor, perdendo dois cilindros. O motor começou a pegar fogo. Novo aviso ao Lagares: - "Jambock Verde, fui atingido, o avião está pegando fogo, vou continuar o ataque sobre a bateria, saltando de pára-quedas em seguida". Sem aguardar a resposta, desci mais sobre o alvo, que somente parou de atirar quando o seu último artilheiro foi eliminado. Honra à memória daqueles bravos alemães. Tudo isso correu no relógio em segundos. A velocidade de mergulho andava pelas 420 mph. Transmiti nova mensagem: - "Jambock Verde, estou com fogo a bordo, vou agora lançar minhas bombas sobre a ponte, 'entregando-as a domicílio', e depois saltarei". Por sorte, no momento em que sobrevoávamos o alvo, estava parado sobre a ponte um trem alemão. As bombas dos setes aviões que me antecederam pegaram a aérea do alvo, mas não atingiram a ponte. Como fui fazer aquelas entregas, acertei em cheio. O trem era de munições. Uma festa pirotécnica. A explosão das duas bombas de 500 lbs do meu D-4, "o Poderoso" (eram esses o número e o nome do meu Thunderbolt), misturou-se à explosão da munição do trem. O dia 22 de abril de 1945 é uma data emblemática para a Força Aérea Brasileira, pois marcou o ápice da campanha do 1º Grupo de Aviação de Caça no Teatro de Operações europeu. Como ataquei a baixa altitude, fui atingido pelos estilhaços. Trouxe mais de 28 marcas no avião, sendo que em duas delas poderia passar uma bola de futebol de salão. Cumprida a missão, com a ponte destruída, transmiti nova mensagem: - "Jambock Verde, é o Jambock Verde 3, vou saltar, a visibilidade é zero, pois, além do fogo, há óleo sobre o pára-brisa, cobrindo também o canopy e fumaça na nacele". Com o excesso de velocidade, levantei o nariz do avião, atingindo a altura de 8000 pés. Agora, só saltar e esperar o bicho que ia dar. Nesse instante, ouvi a voz clara do Lagares: - "Não vai saltar coisa nenhuma, o fogo antiaéreo te pegará durante a queda, toma o rumo 150º que te avisarei quando deves saltar". - "E o fogo? Achas que devo virar churrasco ou explodir feito o trem lá embaixo?" - "É uma ordem, não salta agora, há Flak demais em torno do teu avião, estão te caçando, é burrice saltar agora". Outras vozes chegaram aos meus ouvidos. O estribilho era o mesmo, - "Não salta Arataca!" A solidariedade dos companheiros e a voz experiente do

Lagares clarearam minha cabeça. - "Está bem, Jambock Verde, leva-me para outro local, que o canopy está começando a fundir, e eu estou vendo a hora de dar o último grito". Voei na reta, sempre subindo, seguindo as instruções do Lagares. Não se via nada para o exterior. A labareda que vinha do motor lambia o lado esquerdo do canopy. O óleo, a fumaça tudo impedia que eu visse o azul lá fora. O vôo era por instrumentos, coisa que, na época, não era meu forte. - "Agora salta, estás sobre o Adriático. Já pedi socorro. Dentro de duas horas terás um Catalina que te apanhará. Usa bem a cabeça e teu barco de emergência." Acontece que, naquele instante, meu ímpeto de saltar já estava bem arrefecido. Afinal de contas, não era pára-quedista. Iria tentar um meio de apagar o fogo. Avisei, caprichando no timbre de voz, dando a impressão de que estava calmo de que não iria saltar enquanto não tentasse uma manobra para apagar o fogo. Minha decisão caiu como uma bomba sobre o pessoal. Entre as palavras que me chegavam aos ouvidos, quase todos me chamavam de burro, xingavam minha mãe, diziam que eu iria virar churrasco, que eu estava era com medo de saltar, etc. Ouvi o diabo, mas não dei bola. Aproveitei um intervalo e entrei no ar declarando: - "Estou a 12000 pés, vou cortar a gasolina, mistura, bateria, gerador e magnetos. Picarei em seguida até atingir 350 mph. O fogo deve apagar. Darei partida no motor outra vez, se o fogo voltar, saltarei. Caso contrário voarei até onde der". Pararam de falar, naturalmente para observar-me. Executei a manobra planejada, a labareda extinguiu-se. Ao dar nova partida, ela não voltou. Aumentou a fumaça, talvez por ter aumentado o vazamento de óleo. Com o fogo apagado, o Lagares deu-me o rumo direto de Forli, a tal base de poloneses da RAF. Atendendo ao comando do Lagares, fui guiado até lá. Quando estava mais ou menos a um minuto da cabeceira da pista, em altura conveniente, o Lagares disse-me que estava alinhado com a pista, devendo cortar o motor à sua ordem. Aí entrou São Tomé. Quis conferir. Pus o óculos de vôo, abri o canopy e estiquei o pescoço para fora. Um jato quente de óleo cobriu-me os óculos. Num gesto pouco inteligente, tirei os óculos e insisti. Desta vez paguei caro. A vista esquerda foi atingida com óleo quente. Já estava quase no chão. A ordem para cortar o motor veio rápida. Fazê-lo e deslizar de barriga sobre a pista foi questão de um piscar de olhos. Fiz uma aterrissagem sem rodas, pois tanto eu quanto o Lagares não queríamos correr o risco de "varar" a pista com uma possível explosão. O avião correu o suficiente para parar a uns dez metros do seu final. Depois daquele barulho infernal da lataria deslizando sobre uma pista de emergência feita de grades de ferro, e passado o susto momentâneo, chamei o Lagares, quase implorando que ele não me deixasse naquela base desconhecida, de aliados desconhecidos também, onde teria que me entender com poloneses falando inglês, língua cuja pronúncia arataca (sou nortista do Maranhão) não pegaria bem falando com gente da Polônia, que só conhecia através do rádio, quando Batatais engoliu 5 frangos e Leônidas e Hércules fizeram 6 gols em Majewski, no campeonato de futebol de 1938. Meus apelos foram em vão. As esquadrilhas retornaram a Pisa. Fiquei entregue à minha própria sorte e sabedoria. Deixei o avião às carreiras. Ainda havia o perigo de uma explosão. Afastei-me o quanto pude. Sentei-me sobre o pára-quedas a uns 100 metros, tremendo, mas tremendo mesmo, a vista esquerda no escuro, aguardando o socorro de um carro contra-incêndio, uma ambulância e um jipão. Quem me descobriu primeiro foi o jipão. Sobre o capô vinha sentado um oficial da RAF. Louro, 1,88 m, uniforme bem posto, com algumas condecorações que, de longe, me perguntou: - "Brasileiro?" Como não imaginava que àquela altura dos acontecimentos fosse encontrar um inglês da RAF falando português, dei uma de inteligente e respondi: - "Yes". - "Yes, coisa alguma, seu sacana, como vão as mulheres de Copacabana? Que é que houve contigo?" Caí das nuvens de alegria. Respondi-lhe com outra pergunta: - "E tu, que é que estás fazendo com esse uniforme da RAF?" - "Sou filho de inglês, nasci em Curitiba, e aqui estou nessa merda dessa guerra maluca". - "Mas por que estás aqui com os poloneses?" Aí veio a explicação. Na véspera, dois aviões Focke Wulf-190 fizeram um ataque de surpresa, matando alguns tripulantes de A-20 que assistiam a um cinema ao ar livre. Por solicitação do comando polonês, a RAF mandou uma esquadrilha de Spitfires para fazer a defesa aérea de Forli. Comandando essa

esquadrilha, veio o Frederick C. Tate, de Curitiba, Paraná, filho de inglês e tão louco quanto a guerra louca que já estava chegando ao fim. O médico polonês que me atendeu foi gentilíssimo e eficiente. Ali mesmo fez a faxina no olho esquerdo. Com um chumaço de algodão embebido em líquido amarelo, limpou-me a vista. A impressão que tive é que ele usava um esfregão desses de encerar cerâmica S. Caetano. Doeu pra burro. Antes que eu visse qualquer coisa, pôs-me um tampão no olho esquerdo, ficando com aquela cara que tem hoje o Moshe Dayan. Meu pensamento voava nesse momento para o Brasil. Pronto, acabou-se minha guerra e vou ter que voltar caolho. Que falta de sorte, de tantas me livrei nessa missão e agora fico cego pela metade. Fui interrompido pela voz amiga do Fredy, que me declarou estar tudo bem, inclusive com minha vista esquerda. Talvez passasse a um grau menor de visão, mas estava salva. Respirei, mas sem tranqüilidade. Somente no primeiro curativo, no dia seguinte, no Hospital Central de Livorno, é que tive a certeza que não estava cego. Ainda foi o Frederick que me falou outra vez: - "Agora é que vai começar a tua guerra com esses poloneses. Toda a vez que alguém se safa de uma dessas como tu te safaste, é obrigado a tomar um pileque. E a bebida deles é vodka!" Entramos no Jipão, passamos pelo centro médico de emergência, para uma limpeza corporal rápida (ficara todo sujo de óleo ao deixar o avião) e levaram-me para a cidade de Forli, onde estava localizado o cassino de oficiais dos poloneses. Lembro-me que encheram de vodka um copo próprio para uísque, que foi tomado de um só fôlego, ao som de uma bela canção guerreira polonesa. Nessa hora meu estado moral era o pior possível: dor de cabeça, a tremedeira que ainda não havia passado, um tampão no olho esquerdo, com todas as características que estava cego, aqueles alegres companheiros de língua diferente, um copo de vodka já bebido, que caiu garganta abaixo sem uma interrupção, não há dúvida que minha tábua de salvação ainda era o mesmo grande gozador Frederick Tate, o brasileiro rafeano que Deus mandou para me salvar. Bebido o primeiro copo, encheram outro. Nova canção e pimba! Tive que tomá-lo. Não adiantaram meus rogos ao Fredy. O bandido estava ali para ver o circo pegar fogo. Não teve um gesto de pena. Lembro-me só o que me disse ao iniciar o segundo copo: -"Agora, meu velho, estás..." Apaguei. Acordei no dia seguinte no Hospital Central de Livorno. Sofri uma coma alcoólica. Não morri por pura sorte." Fonte: Livro "Senta a Pua!" - Rui Moreira Lima - Editora Itatiaia.

HISTÓRIA(S) DO/DE PARAIBANO - VOLUME I by Leopoldo Gil Dulcio Vaz - Issuu

HISTÓRIA(S) DO/DE PARAIBANO - VOLUME I by Leopoldo Gil Dulcio Vaz

HISTÓRIA(S) DO/DE PARAIBANO - VOLUME II - ENTRELAÇOS DE FAMÍLIAS by Leopoldo Gil Dulcio Vaz - Issuu

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