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CONVOCAÇAO PARA O ALÉM
CADEIRA 34 LUCY DE JESUS TEIXEIRA
CERES COSTA FERNANDES 1ª. OCUPANTE
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Ceres Costa Fernandes
Meu pai tinha especial predileção por uma anedota aparentemente tola, a das Cem Mil Vaquinhas. É necessário conhecê-la para o bom entendimento da nossa conversa: “Um homem de aparência humilde, roupas modestas, chapéu de palha, após horas na sala de espera de um banqueiro, é introduzido no seu gabinete. Mas pouco lhe adianta essa promoção, porque o banqueiro, sentado à uma enorme mesa, escreve de cabeça baixa e sequer levanta a vista à entrada de nosso personagem que, constrangido, quase colado à porta, permanece de pé rodando o chapéu nas mãos. A cena persiste por mais de vinte minutos: o caboclo de pé, chapéu na mão, ignorado e o banqueiro, cabeça baixa, escrevendo. Finalmente, o visitante cria coragem, Doutor, eu vim aqui tratar das minhas cem mil vaquinhas, como o senhor está muito ocupado, venho outra hora. Opera-se uma súbita transformação no banqueiro. Ele ergue a vista e pergunta, como disse? Cem mil vaquinhas? Sim, da minha fazendinha, mas já vou indo, não quero incomodar. De um salto, o magnata levanta-se e oferece uma cadeira. Sente-se, meu senhor. O caboclo, nada ingênuo, olha a cadeira e diz: sentem-se minhas cem mil vaquinhas.” Vale quem tem. A propósito, conheci um homem rude e semianalfabeto que preconizava, do alto de sua sabedoria cumulada de vivências amargas: Se um homem tem somente uma cabra, ele vale uma cabra; se tem uma cabra e um boi, ele vale uma cabra e um boi. Se não tem nada, não vale nada. E eu complemento, se tem cem mil vaquinhas, vale cem mil vaquinhas. E aí você, meu amigo, tem certeza de que as coisas que lhe são oferecidas, as considerações que recebe, o apoio, a ajuda e até o amor são devidos à sua pessoa, e não às suas cem mil vaquinhas? Ah, não tem? Eu também não. Que fazer então? Tentar separar o joio do trigo. Não deve ser tão difícil saber distinguir o que é nosso, por mérito e amizade, do que é devido somente às vaquinhas. É só pôr o desconfiômetro em ação. Mas isso só funciona se você não for uma pessoa daquelas de ego superinflado - o alvo predileto dos aproveitadores e puxa-sacos, que eles têm faro –, nesse caso, o amigo está fadado a só descobrir a diferença quando perder o cargo, ficar pobre ou não ser mais o detentor daquilo que interessa ao bajulador. Vamos que você consiga fazer essa distinção. Parabéns. Mas não vale ser tolo, não se trata aqui de afastar os puxa, lambaio também tem sua utilidade, carregar pastas, abrir portas, fazer-lhe elogios rasgados –quem gosta de críticas? –, jamais retrucar, concordar incondicionalmente com suas ideias, ouvir com admiração aquele poema xaroposo que escrito na adolescência. E por aí vai. Aproveite. Na sua família e entre seus amigos, você não vai encontrar ninguém que se preste a isso. O perigo é se deixar envolver e abrir a guarda. La Fontaine, na sua fábula “O Corvo e a Raposa”, nos conta como a raposa, cobiçando o queijo que o corvo, pousado em uma árvore, mantinha preso ao bico, mercê de falsos elogios à sua voz, o faz abrir o bico para cantar, soltando, assim, o objeto de desejo do esperto animal. Na moral da história, o mestre fabulista, nos ensina: “Apprenez que tout flatteur vit aux dépens de celui qui l’écoute, cette leçon vaut bien un fromage, sans doute”. (Aprendei que todo bajulador vive às custas daquele que o escuta, esta lição vale bem um queijo, sem dúvida). Aproveite o elogio, mas não solte o queijo. Lembro da clara percepção do meu pai a esse respeito, em diversas ocasiões. Uma delas: um amigo importante frequentava a nossa casa aos domingos. Às vezes, empregados dispensados, meu pai pedia um café à minha mãe. Ele se adiantava, Deixe comigo, e seguia