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Introdução

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Sobre os Autores

Sobre os Autores

Aextensa e influente tradição de pesquisa do modelo de mudança conceitual dos anos oitenta e noventa (DUIT, 2003) colocou para si o desafio de enfrentar as concepções prévias dos aprendizes para direcioná-las e suplantá-las pelos conceitos científicos. Contudo, suas elaborações teóricas direcionadas para esse fim viram-se limitadas ao tentarem promover melhorias significativas nessa direção (HUBBER, TYTLER, HASLAM, 2010, p.5). Trabalhos posteriores têm questionado e complementado a orientação exclusivamente conceitual da aprendizagem desse campo de pesquisa. Em relação a esse ponto, pesquisas em educação científica e matemática vêm conduzindo novas reflexões com abertura de novos horizontes sob essa orientação, na medida em que se servem, por exemplo, dos estudos semióticos como marco teórico para enfrentar seus problemas. Nesse sentido podem ser citadas investigações que partem do fato das ciências naturais empregarem diversas linguagens para tratar a realidade e, como contrapartida, procuram estimular o ensino em múltiplas representações para aprofundar a aprendizagem (LEMKE, 2003; Prain; Waldrip, 2006; LABURÚ; SILVA, 2011), as que consideram o papel cognitivo e expressivo dos signos na forma gestual (ROTH, 2001; RADFORD, 2009; LABURÚ; SILVA; ZÔMPERO, 2015), ou as que se apropriam da teoria de Peirce (LABURÚ, 2014; MANECHINE; CALDEIRA, 2010; ALMEIDA; PESSOA DA SILVA; VERTUAN, 2011; WARTHA; REZENDE, 2011; ROSA DA SILVA, 2013) e Saussure (LABURÚ; BARROS; SILVA, 2014) para estabelecer orientações analíticas para o ensino e a aprendizagem.

Um objeto de interesse dos estudos semióticos para a educação científica e matemática cuida da relação indissociável da noesis e semiosis. Enquanto o primeiro elemento tem a ver com a formação e aquisição de conceitos, o segundo se preocupa com a produção e emissão sígnica (Duval, 2004, p.14). Considerada a temática cognitivista, o espaço das linhas que seguirão abordará um tipo particular de signo transmitido pelo professor durante o processo de comunicação com os seus estudantes em momento de instrução. O referido signo atua de modo colateral e indireto quando do discurso do professor, tendo papel contextual e complementar de instrução, sempre com vistas a apoiar e

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apurar o entendimento do aprendiz do relatado pelo professor. A título de prévio esclarecimento e contraponto, os gestos e as expressões corporais já citados (KENDON, 2005, p. 1) são exemplos de signos que costumam assumir esse papel, quase sempre junto aos verbais orais.

Com função de auxiliar o entendimento e prover clareza do discurso de modo não direto, mas obliquamente, esses signos, como outros quaisquer, podem também conduzir a comunicação a equívocos ou ambiguidades. Desta forma, um aprendiz poderia igualmente ser levado a um estado de engano, sendo comum professores que desconheçam a manifestação desses tipos de signos não os considerarem como causadores de aprendizagens desviantes, visto permanecerem escamoteados no discurso, o que dificulta identificá-los como geradores de incompreensões. Por conseguinte, situação ainda mais corriqueira é o professor imputar erroneamente ao estudante a incompreensão pelo que está a ensinar, responsabilizando-o por desatenção, falta de estudo etc. Decididamente, porém, esses são casos triviais de mal-entendidos quando ocorrem, pois não são difíceis de serem encontrados e averiguados. Entretanto, da mesma forma que existem subjacentes e tácitas sinalizações originárias de regras educacionais próprias ao ambiente escolar e que os alunos aprendem a dar sentido (EDWARDS; MERCER, 1993, p. 60), analogamente os sinais emitidos subliminarmente e adjacente ao discurso dos professores passam por interpretação.

Tendo isso em conta, e como ficará delineado no desenrolar do trabalho, apresentamos estudos que mostram um tipo característico de signo que o professor costuma expressar durante as aulas, muitas vezes, até mesmo de forma não intencional e não programada, quando do encaminhamento das mensagens das narrativas científicas, denominado de “indicação circunstancial”. Sinalizações com qualidades de indicação circunstancial têm como papel contextualizar e complementar a mensagem do que está sendo narrado, com a intenção consciente ou não de adicionar-lhe compreensão. Por conta disso, levantar e caracterizar possíveis signos desse tipo, capazes de surgir durante a instrução, é questão relevante para o ensino e a aprendizagem, porque, como dito, podem ser atribuídas a eles parte da maximização da qualidade do entendimento do estudante ou reversão de possíveis mal-entendidos. Além disso, e acima de tudo, ver-se-á que esses signos são elementos de estimulação do

pensamento reflexivo do aprendiz se usados de maneira planejada e articulada pelo professor para atuarem com esse fim.

Com a finalidade de melhor caracterizar a problemática do estudo dois esclarecimentos se fazem necessários. Como adiantado nos prolegômenos, primeiramente o trabalho utiliza-se de forma não homogênea de estudiosos da semiótica. Com isso, ele não se fixa e se organiza em torno de um quadro teórico único e coerente de um estudioso, mantendo fidelidade para com seus princípios rigidamente definidos. Antes disso, a intenção última é dispor de instrumentos analíticos úteis que sirvam para examinar questões de ensino e aprendizagem das ciências. A aposta em tal empreendimento considera que os conceitos desses estudiosos não se mantenham válidos quando circunscritos às suas teorias, mas que vigorem de maneira profícua quando aplicados às análises de questões da educação científica, mesmo que suficientemente afastados das grandes assunções teóricas que lhes condicionaram a formação. O ponto a privilegiar, portanto, está na elaboração de conceitos semióticos mais eficazes para referenciar e descrever diferentes níveis de questões da educação científica, de modo a funcionarem como instrumentos de perscrutação inovadores para dirigir novos olhares sobre as questões. Então, frente às diferentes nuances dos objetos teóricos e pressupostos ideológicos dos diversos semiólogos expostos, arriscamo-nos confundir aqueles que preservam o rigor com a terminologia de cada teórico em detrimento do compromisso maior do estudo que é o de transpor suas teorias dos signos para o referencial da educação científica. Ainda que isso esteja posto, ampliar e extrapolar novas leituras dos conceitos fica condicionado ao objetivo de induzir produtivas e coerentes implicações instrucionais. Particularmente, a perseguição de um possível aprimoramento dos mecanismos de ensino e aprendizagem, com linguagens e enfoques alternativos aos existentes, coloca-se à frente de diferenças e pressuposições teóricas que, a princípio, possam levar a uma tensão entre os conceitos dos autores, ou à fidedignidade com suas ideias. Mas a liberdade interpretativa que nos autorizamos demonstra sua relevância caso permaneça relativizada à tais consecuções.

Enfim, se está ciente que o ganho com a transposição para educação científica corresponde a inevitáveis descaracterizações, afastamentos e, por consequência, perdas para com uma maior austeridade teórica quando se posicionam, justapõem e extrapolam os conceitos dos diversos semiólogos e os

remetem para outra área do conhecimento. Antes de mais nada, se reforça que o comprometimento das ideias se alia com o aprimoramento instrucional do ensino das ciências, ao mesmo tempo em que mantêm os termos e aproximações conceituais de maneira mais autêntica possível com os autores para que, em assim o fazendo, não se perca a identidade e o legítimo crédito para com suas precedências.

O segundo esclarecimento diz respeito aos termos emissor e receptor a serem utilizados e comuns à luz da teoria da comunicação enfocada. Contrariamente, no que à primeira vista poderia parecer, tais termos estão longe de serem identificados com um ensino tradicional objetivista (DAVIS, 1993) fundamentado na transmissão exclusiva de informações. Apesar de o linguajar, em dadas passagens, poder vir a conduzir aparentemente para esse sentido, o papel ativo do aprendiz e a mediação do professor na construção dos conhecimentos dos alunos estão, pelo contrário, explícitos nas ações pedagógicas proporcionadas pelos meandros discursivos como pela metodologia problematizadora priorizada. O aprendiz, consequentemente, está distante de ser qualificado como um ser passivo tal como prega um ensino objetivista. Acima de tudo, o linguajar da referência semiótica escolhida tem a finalidade de oferecer um suporte lógico e moldado para entender o aprimoramento cognitivo do aprendiz e as consequentes ações do professor em sala de aula, que devem inspirar ações pedagógicas com maior significação, com prevalência do afirmado de que as fontes teóricas originais não se percam nesse empreendimento. Talvez, os termos emitente e destinatário usados em Eco (2003) sejam melhores substitutos, dado que carregam maior neutralidade semântica em relação aos marcos da educação científica construtivista, mas que não foram empregados haja vista os motivos mencionados.

Consideradas as ressalvas antecedentes, vemos que as ocorrências educativas em sala de aula são comumente mediadas por algum formato discursivo, seja este feito, por exemplo, sob o enfoque pedagógico objetivista ou construtivista. Caso o discurso se desenvolva via dinâmica de interações dialógicas, pesquisas em educação científica têm indicado que o mesmo se torna valioso mecanismo de aperfeiçoamento e aprofundamento da construção dos significados dos conceitos científicos pelos estudantes (p. ex., SCOTT; MORTIMER; AGUIAR, 2006). Bakhtin compreende o mecanismo dialógico como um expediente para consubstanciar ideias novas com significação

(KUBLI, 2005, p. 503). Nutrido pelos signos organizados do grupo social que se encontra envolvido, por meio desse mecanismo promove-se o crescimento da consciência intelectual do sujeito aprendiz. Crescimento que se faz notar pela autonomia e liberdade do refletido e que se traduz em aprendizagem com significação, pois, como coloca Bakhtin (apud VoloChinov, 1992), qualquer entendimento verdadeiro é dialógico por natureza; toda compreensão genuína compartilha uma resposta orientada em relação ao contexto da enunciação de outrem e a cada palavra da enunciação que se está em processo de compreender faz-se corresponder uma série de palavras próprias. Quanto mais numerosas e substanciais forem estas, mais profunda e real terá sido a compreensão. De modo complementar, Vygotsky (2003) igualmente assume que a consciência humana é constituída socialmente. Realça que pelas trocas sociais, via linguagem, o pensamento se fortalece, criando vínculo indissociável entre ambos. Daí que quanto mais aperfeiçoada, rica e articulada a linguagem, o pensamento mais se expande e sofistica, e vice-versa. Segundo ele, trocas sociais mediante aprendizagem têm como consequência o desenvolvimento do pensamento. Deste modo, portanto, a aprendizagem torna-se fator que desperta processos internos de desenvolvimento intelectual segundo uma relação recíproca e necessária (OLIVEIRA, 1993).

A participação do estudante na atividade discursiva, preocupada com a autonomia na elaboração dos significados dos conceitos, gera esforço de pensamento próprio, o que torna a aprendizagem menos frágil e volátil do que mediante um ensino meramente objetivista, ou seja, por recepção passiva. Daí que ideias podem ser estendidas, assimiladas e compreendidas, tendo em conta incorporá-las a um sistema ou rede de significados pessoais, sempre quando se dá voz ao aprendiz (KUBLI, 2005, p. 507). Para isso, a importância de o professor estabelecer um ambiente educativo fundamentado na interlocução e auscultação do aprendiz, a fim de se subsidiar de informações para imprimir direcionamentos às construções individuais das ideias e pensamentos dos alunos, com o objetivo de atingir o conhecimento pretendido, é condição para a formação de compreensões penetrantes e mais permanentes dos estudantes.

Ante a relevância da dimensão discursiva para a educação científica, e a necessidade constante de aperfeiçoar e buscar novas implicações pedagógicas em relação aos aspectos levantados, à frente é feita uma leitura dos conceitos da obra de Prieto (1973), tendo em vista esses pressupostos. Da obra vai se

derivar e promover uma releitura do conceito de índices suplementares do tipo circunstâncias que juntamente com o associado conceito de sinal instrumentalizará um olhar singular para a ocorrência desses tipos de signos emitidos pelo professor quando encaminha determinadas dinâmicas discursivas em sala de aula. A acompanhar esse novo olhar, análises complementares permitirão qualificar e contextualizar mais precisamente ambos os signos, considerando sempre a perspectiva de aprofundar a compreensão dos aspectos educacionais envolvidos.

A estruturação do livro encontra-se disposta do seguinte modo. Uma parte teórica inicial subdivide-se em quatro seções. A primeira localiza o estudo a partir da referência semiótica da comunicação, tratando-a como um entrelaçamento entre sinais e significados. Uma vez que o interesse se volta para a comunicação em ambiente de ensino, a segunda seção resgata estudos em análise de discurso na educação científica, tema que posiciona o assunto do livro nas pesquisas da área. Dada que a abordagem discorrida corresponde a um tipo específico de análise discursiva, a terceira seção situa a questão das circunstâncias no processo discursivo e seu papel na compreensão das mensagens transmitidas pelo professor, tendo como referencial preferencial o trabalho de Prieto (1973) complementado com outros autores. Essa seção, assim como as anteriores, fornece subsídios para o encaminhamento da seção subsequente onde a ideia do trabalho é desenvolvida com plenitude. Como falado, nela ressignificamos o conceito de circunstâncias de Prieto para revelar que o mesmo é um gênero de signo emitido pelo professor com a faculdade não só de aclarar o discurso para seus estudantes, mas fundamentalmente para provocar pensamentos reflexivos com objetivo de levá-los à compreensão dos conceitos ensinados. Por conseguinte, esse signo tem como procedência o professor, ainda que possa se servir de outras fontes de maneira indireta.

Completada essas apresentações, que terminam por equacionar e situar a problemática, passa-se à parte do livro que trata das discussões e análise dos dados. Sua primeira seção realiza uma breve descrição da metodologia utilizada para obtenção e análise dos dados. Dada a natureza empírica da pesquisa voltada a acontecimentos vivenciados em sala, uma digressão é feita para localizar e situar as condições do ambiente de ensino escolar envolvido em que os casos exemplificados no estudo ocorreram, quem foram os sujeitos investigados, graus de instrução e explana como os dados foram registrados e avaliados.

Durante a apresentação dos casos as análises se fizeram com base em sete escrutínios. Além da preocupação principal de apontar, identificar e qualificar no discurso o signo de interesse e diferenciá-lo do sinal, análises adicionais buscaram explicar e situar o variado papel instrucional dos signos emitidos pelo professor no ato de emissão e funções cognitivas peculiares participantes desse discurso que os mesmos cumpriram. Na sequência, os signos também foram caracterizados quanto as suas diversas formas e modos representacionais de manifestação, tipos de atos sêmicos que estabelecem nas relações sociais advindas da comunicação, origem da emissão sígnica se do professor, aluno ou ambiente. Por último, o estado de compreensão do estudante que a intervenção da indicação circunstancial tentou proporcionar à mensagem do sinal foi examinado. Com esses sete pontos de análise, o trabalho distingue-se dos estudos do gênero haja vista seu viés semiótico diferenciado.

É de se apontar e reforçar que em razão dos acontecimentos serem factíveis de efetivação prática e voltados para sala de aula, tal consideração tende a fortalecer a viabilidade da proposta. Isto porque a mesma não é produto de ambientes de pesquisa artificializados, ideais, no sentido de estarem afastados do cotidiano das escolas. São, sim, situações regulares de ensino que professores preocupados com uma aprendizagem com significado promovem ou são capazes de fazer acontecer desde que a metodologia discursiva esteja posta e que independe de conteúdos específicos abordados.

Posteriormente à metodologia, os dados são apresentados, discutidos e analisados. Nessa seção, as análises se dão em cima de casos onde ocorreram indicações circunstanciais emitidas por professores de física em empreendimento discursivo em aulas tanto para alunos de ensino médio como para estudantes de graduação de licenciatura, em aulas teóricas ou práticas em laboratório.

Na última parte do livro procede-se o fechamento do estudo. Nela, conclusões são tecidas a respeito da proposta e encaminhadas conjecturas que possibilitam dar continuidade a outros estudos dentro da temática.

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