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Caso 10 – Problema do campo magnético de uma corrente elétrica
a parede do recipiente colapsou; logo, a pressão interna é menor do que a externa”.
Com relação ao efeito da indicação circunstancial para o entendimento da mensagem, dado que estudantes conseguiram realizar corretamente a inferência anterior é possível afirmar que o estado de “compreensão” foi atingido por eles.
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Caso 10 – Problema do campo magnético de uma corrente elétrica
Figura 10- Campo magnético em fio retilíneo.
O caso 10 se circunscreve ao clássico fenômeno descoberto por Oersted no qual correntes elétricas geram campo magnético ao seu redor. Em aula precedente ao registro da ocorrência deste caso, o referido fenômeno havia sido explicado para os estudantes do ensino médio em aulas teóricas. Nelas tratou-se a respeito da configuração das linhas de campo magnético circulares que aparecem contornando os fios condutores retilíneos devido à corrente elétrica (conforme figura 10), assim como da regra da mão direita para determinação da direção e sentido do campo magnético. Com o objetivo de que os estudantes constatassem e reproduzissem na sala de laboratório esse fenômeno e aplicassem na prática a regra da mão direita para verificar a orientação do campo
magnético, o professor proveu os alunos de um fio condutor, pilha e bússola. Todavia, durante a realização experimental alguns grupos de estudantes não conseguiram reproduzir e observar o desvio da bússola.
O fracasso experimental desses grupos deveu-se ao seguinte motivo. Acontece que não é qualquer disposição ou arranjo espacial entre fio e bússola que se observa o fenômeno. No experimento didático clássico da corrente que passa por um fio disposto no plano de uma mesa, em que a direção do ponteiro da bússola se posiciona também no plano da mesa e em qualquer lado do fio tanto paralelo como perpendicular à sua direção, não é possível observar desvio como acontece se a bússola se encontrar na direção do fio, mas acima ou abaixo dele. O motivo de isso acontecer se deve a limitação ou impossibilidade de o ponteiro sobre o mancal que o suporta não conseguir realizar movimento para cima ou para baixo quando a bússola se encontra nas laterais do fio do referido plano, pois a força magnética é perpendicular ao plano. Outro arranjo espacial que impossibilita o desvio da bússola é a situação em que ela está acima ou abaixo do fio e com a direção do ponteiro posicionado perpendicularmente ao fio, mas com os seus polos magnéticos no mesmo sentido do campo da corrente elétrica. Nessa disposição a bússola deixa de sofrer desvio, visto seu ponteiro já se encontrar alinhado ao campo, portanto, sendo reforçado a manter essa direção. Outras causas como baixa amperagem, distância fio e bússola, ou ponteiro fracamente magnetizado impossibilitam que o fenômeno igualmente seja observado, entretanto, estes são fatores que não estiveram presentes no caso 10.
Na continuidade do relato acontecido com os estudantes, ao perceber que havia grupos de alunos com dificuldades em reproduzir o fenômeno, em razão do primeiro motivo apontado acima, o professor solicitou a atenção de toda a classe para o problema e iniciou discussão com a finalidade de resolvê-lo, pois o sinal original estabelecido em sala de aula da “corrente elétrica produz campo magnético que deveria causar o desvio do ponteiro da bússola” permanecia com sua mensagem em estado de “não compreensão” para os estudantes haja vista estar incompleta, dada a imobilidade do ponteiro.
Ora, o completo entendimento da mensagem desse sinal envolve, portanto, dar atenção à configuração do campo magnético no espaço e simultaneamente às particularidades impeditivas que, na situação ocorrida, trata-se de o mancal inviabilizar o deslocamento do ponteiro, conforme explicado. Assim,
em vez de o professor emitir diretamente um segundo sinal na forma de ato sêmico de ordem e informação como, por exemplo, “coloquem a bússola em cima ou abaixo do fio com o ponteiro paralelo a este, pois essas posições desviam a bússola e na de vocês o mancal limita o movimento para cima e para baixo evitando que se veja o fenômeno”, contrariamente, ele optou por fornecer condições para a avaliação independente dos estudantes para superação do fracasso experimental. Para isso, tentou contextualizar a mensagem incompleta do sinal original transmitido com a emissão de uma indicação circunstancial para estimular a reflexão dos estudantes e, assim, levá-los a compreender o porquê do acontecido. Antes, entretanto, ele subsidiou e preparou a emissão dessa indicação circunstancial com a transmissão de outros sinais. Um primeiro, na forma de ato sêmico de ordem: (P)“Pensem nas linhas de indução magnética em torno do fio retilíneo que estudamos”; os demais, na forma de gesticulações e questionamentos, como na sequência é mostrado.
Com o objetivo de recordar para os alunos o ensinado do assunto, o professor começa com a emissão de um sinal no modo de representação gestual em concomitância com o modo verbal da seguinte maneira: com o braço esquerdo esticado, punho fechado e dedo indicador apontado para frente, encena um fio com sentido de corrente elétrica; com a outra mão, aplica a regra da mão direita, gesticulando no entorno e ao longo do braço esquerdo para que os alunos percebam que, na configuração particular do experimento que não funcionou, o sentido do campo magnético era vertical para baixo ou para cima, na posição em que se encontrava o ponteiro, respectivamente, se à esquerda ou à direita do fio - ou seja, em posições do plano horizontal contendo a linha do braço esticado situadas ao seu lado imitando o fio.
Após esse ato sêmico de informação no formato de gesticulação para recordar a disposição do campo magnético, o professor emite um sinal na forma de ato sêmico de interrogação: (P) “O campo aqui e aqui (pontos do plano vertical acima e abaixo do braço esticado que contém a linha do braço) e (o campo) aqui e aqui (pontos no plano horizontal dos lados do braço esticado) aponta para e em que sentido...? (tempo de espera de alguns segundos, enquanto os alunos observam o professor aplicar a regra da mão direita em cada ponto desses planos perpendiculares entre si)”. Em seguida, emprega, por semelhança, mais um sinal no modo representacional gestual, aplicando a regra da mão direita ao lado do fio elétrico com a posição da agulha da bússola
paralela e coplanar ao fio que se encontrava sobre a bancada de um dos grupos de estudantes e que não estava sofrendo desvio. Com isso, repete sobre o experimento o modelo do braço para efetuar comparação entre eles, tendo a intenção de consolidar o que os estudantes deveriam saber. Na realidade, esse procedimento de aplicar o modelo do braço ao material é um ato sêmico de informação, pois o professor está a ensinar para os estudantes como se deve entender a situação empírica. Em vista disso, transcorre o diálogo: P – “Para onde aponta o campo magnético nessas posições aqui?” (posiciona o fio na mesma direção e nível da agulha da bússola e liga a corrente elétrica). A1; A2; A3 - “(alunos respondem quase simultaneamente) ... para baixo (na posição referida)”; e o professor ainda pergunta : (P) - “E deste lado? (professor põe a bússola do outro lado do fio com a agulha paralela e no mesmo nível)”; (Alunos A1, A2; A3) – “para cima ”. Imediatamente o professor encaminha sinais de tipo ato sêmico de ordem e interrogação para direcionar os raciocínios dos alunos para que entendam a razão do ponteiro não desviar na situação problemática: (P) “Olhem o ponteiro. Observem seu movimento. Ele (o ponteiro) consegue abaixar ou levantar nessa posição? Olha o mancal, o que faz?”. Em complemento a esses atos sêmicos, por último propõe a emissão de uma indicação circunstancial na forma de representação 3-D com gesticulação, segurando uma caneta em pé como se fosse o mancal da bússola e com o meio da palma da mão sobre a ponta da caneta imita o ponteiro e sua pequena movimentação para cima e para baixo. Prestando atenção nessas ações os alunos respondem que o ponteiro não consegue se deslocar muito, pois fica impedido pelo mancal. Decorre daí a pergunta do professor: (P) “E nestas posições?” (Professor gesticula aplicando a regra da mão direita abaixo e acima do fio condutor do experimento do grupo). Vários alunos respondem que nas posições colocadas pelo professor o campo magnético consegue desviar o ponteiro, pois ele consegue se deslocar horizontalmente na direção do campo magnético, como se constata nos extratos de falas dos alunos: (A1) “... o campo empurra o ponteiro”; (A2) “A bússola consegue desviar na direção do campo do magnético...”; A4 – “Dá para desviar o ponteiro, ele fica fácil de rodar; está livre para rodar”). Em seguida, verificam que isso acontece, realizando o experimento com sucesso.
Como se constata pelo relato apresentado, após uma revisitação do conteúdo ensinado e preparação para direcionar a atenção no problema da restrição do mancal, para assegurar conhecimentos prévios, o professor com a indicação
circunstancial consegue que o universo de discurso dos estudantes da mensagem do sinal, composto por correntes elétricas e desvios de bússolas, considerasse também a restrição física espacial da movimentação dos seus ponteiros, devido a imposição impeditiva dos seus mancais. A indicação circunstancial fez com que o universo do discurso do estudante fosse reelaborado mediante reconstrução da classe dos elementos que incluem interação corrente elétrica e bússola. A indicação circunstancial, portanto, proporcionou que essa classe fosse restringida ao subconjunto das disposições espaciais ponteiro e corrente não impedidoras da movimentação da bússola por causa do mancal, e, interseccionada com o subconjunto pertencente às condições de desvio do ponteiro quando não se encontra alinhado ao campo magnético. Deste modo, agora, o universo do discurso não só inclui campo magnético poder desviar bússola genericamente falando, mas que esse acontecimento fica igualmente condicionado a arranjos espaciais que excluem situações físicas dos objetos e considerações de alinhamento entre ponteiro e campo magnético.
Pelo relato exposto, a somatória dos sinais e indicações circunstanciais emitidos, sendo estas últimas na forma de representação gestual e representação 3-D da caneta que toma o lugar de mancal da bússola, e a palma da mão na ponta da caneta a imitar o ponteiro, orientaram e levaram estudantes autonomamente a alcançar estado de “compreensão” sobre o assunto. O auxílio da contextualização do sinal originário junto aos outros sinais complementados com a indicação circunstancial, frente à situação experimental malsucedida, favoreceu que aprendizes, mediante suas próprias reflexões, entendessem, por raciocínio associativo analógico, a razão de não acontecer o efeito experimental desejado e como fazê-lo bem-sucedido, conforme previsões. Com isso, casos malsucedidos inesperados, agora, são suscetíveis de serem entendidos e antecipados, dado que o conhecimento está consolidado.