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Caso 12 – Problema do chuveiro elétrico
Em resumo, no instante do contexto discursivo selecionado, o propósito da emissão das indicações circunstanciais foi instigar condições para circunstanciar a mensagem do sinal “instantes de movimento uniforme”, com o objetivo de os estudantes autonomamente chegarem à conclusão. Tal emissão se deu em seguida à percepção do professor de que os estudantes estavam com dificuldades para entender o sinal. Na medida em que as indicações circunstanciais permitiram que o significado desejado do sinal fosse selecionado entre todas as possíveis mensagens admitidas, pode-se afirmar que foram bem-sucedidas nessa empreitada, visto o estado de “compreensão” atingido e mostrado pelos alunos (Al0), (Al1) e (Al2), como mostram suas falas. Em relação à natureza dos raciocínios envolvido com as indicações circunstanciais, houve o estabelecimento da associação analógica entre imaginárias retas tangentes sobre o gráfico, com função conceitual de velocidades e a representação 3-D consubstanciada em uma régua substituta dessas abstratas tangentes. Junte-se a isso ainda, o destaque das fortes batidas na lousa com o propósito de chamar atenção para a analogia, pois se fazia imperativo notar os valores iguais das tangentes mostrados pelas inclinações iguais das várias posições da régua em diversos instantes sobre o gráfico, com isso, querendo salientar velocidades constantes no intervalo de tempo selecionado.
Caso 12– Problema do chuveiro elétrico
Com o objetivo de tornar mais compreensível a dinâmica deste caso 12, é preciso esclarecer o conteúdo de física envolvido. Não é difícil ouvir dizer, no dia a dia, que chuveiros elétricos 220 V, com iguais potências de chuveiros 127 V, são mais econômicos no longo prazo comparativamente a estes últimos. Isso se deve em razão de operarem com menor corrente elétrica, o que permite reduzir a perda de energia térmica através da fiação elétrica, uma vez que esta apresenta resistência elétrica, ainda que de valor baixo. Realizado esse esclarecimento, passemos a situação de ensino, que foi a seguinte.
Após os estudantes de ensino médio desmontarem chuveiros elétricos na aula de laboratório, com o objetivo de reconhecer e distinguir suas partes internas e funções, o professor colocou a questão a respeito da diferença do funcionamento das posições verão e inverno referente ao aparelho. Com a questão, o professor pretendeu que seus estudantes descobrissem que combinações existentes entre resistores elétricos no chuveiro fossem percebidas como
responsáveis pelo fornecimento de água menos e mais quente. A descoberta e explicação desse comportamento passava pela aplicação dos conteúdos de associações de resistores e potência elétrica que haviam sido tratados em duas aulas teóricas anteriores. Satisfeita essa etapa, o professor propôs um problema para a classe que desencadeou a manifestação de indicações circunstanciais feitas por ele. O problema colocado foi este: (P) “Por que se diz que chuveiros 220 V são mais econômicos do que chuveiros 127 V, mesmo tendo os dois a mesma potência? Como sabemos, igual potência significa gastar a mesma quantidade de energia no mesmo tempo. Se os chuveiros têm potências iguais e você toma banho no mesmo tempo, portanto gasta a mesma energia, então por que se diz que economiza energia elétrica, logo, dinheiro, quando se substitui um chuveiro 127 V por um 220 V? Por que o (chuveiro) 220 V é mais econômico do que o (chuveiro) 127 V se você compra os dois com mesmas potências?” Diante deste sinal proferido os alunos se mantiveram calados. O professor tomou tal comportamento como evidência de falta de entendimento dos escolares, o que suscitou indicações circunstancias intencionais por parte dele com o objetivo de resolver e, portanto, conciliar as duas mensagens aparentemente contraditórias embutidas no sinal, que são: chuveiros de igual potência consomem idênticas quantidades de energias no mesmo intervalo de tempo versus chuveiros mais econômicos quando operam com maior tensão no mesmo tempo de utilização.
A propósito, não é demais insistir no advertido mais de uma vez, que não é o significado do sinal, propriamente dito, que está em jogo também neste caso. Seu significado “ipsis litteris” não é um problema para os escolares. Estes não têm dúvida de que se está a falar de dois chuveiros, com potências semelhantes, sob tensões diferentes, sendo que o chuveiro submetido a maior tensão, de alguma forma, economiza energia. Não são as mensagens das palavras ou de sua combinada estrutura que estão em jogo aqui, mas a contradição interna embutida na mensagem do sinal e que leva o signo como um todo a não ser entendido e resolvido pelos alunos. Reiterado isso, a partir deste instante então, considera-se que a incompreensão do sinal refere-se e encontra-se ligada à incoerência de dois raciocínios existentes por detrás da mensagem, e que emissões de signos no formato de indicações circunstancias pretendem indiretamente auxiliar no entendimento de cada um, assim como na coordenação de ambos, de modo a restabelecer a coerência entre eles, e, consequentemente, a solução da questão posta. Aliás, melhor dizendo com termos próprios
do estudo, isso significa atingir estado de “compreensão” das mensagens antagônicas inseridas no sinal na medida em que se supera a contradição.
Com vistas a sobrepujar o estado de não compreensão referido, o que significa resolver a contradição interna da mensagem do sinal, o professor, sem dizer uma palavra, emitiu, na sequência, uma primeira indicação circunstancial (1) na forma de representação imagética ao desenhar na lousa uma casa, contendo um chuveiro com sua resistência elétrica explicitada e a fiação elétrica (desenho de linhas retas) que liga o chuveiro ao quadro de luz externo à residência. Ao término do desenho, complementou sua ação tão-só com a pergunta: (P) “E agora alguma ideia?” Todavia, os estudantes mantiveram-se calados diante da questão. Ao verificar essa reação, o professor emitiu uma nova e segunda indicação circunstancial. A manifestação dessa indicação circunstancial (2) foi feita concretizada pela troca na lousa do desenho da fiação elétrica (desenho de linhas retas) pelo símbolo de resistência elétrica, destacado com giz amarelo, ao mesmo tempo em que procurou deixar claro que o símbolo substituía o desenho da fiação. Após isso, um aluno (A11) respondeu: “(a fiação) É uma resistência elétrica, o fio tem resistência também, então esquenta e perde calor, efeito Joule, por causa que tem resistência, esquenta e perde energia. Tem que considerar o fio”. Na continuidade, o professor comenta: (P) “E daí? Isso acontece para os dois chuveiros”. O que muda de um para outro?” (estudantes permanecem calados).
Diante de nova evidência da inexistência de respostas dos estudantes, retrato da insuficiência da indicação circunstancial (2) para o entendimento completo da mensagem, fez com que o professor emitisse uma terceira indicação circunstancial (3). Por meio desta ele escreveu e destacou equações de potência ao lado do desenho do chuveiro (p = u.i) e do símbolo de resistência elétrica (p = r. i2), ao mesmo tempo em que disse: (P) “Vejam, essas (aponta para as equações) são as potencias dissipadas pelos chuveiros e resistência da fiação. Nos chuveiros a potência permanece constante, do valor que você comprou. Quando você instala o chuveiro 220 V com mesma potência do 127 V, na tensão 220 V muda a corrente, ela diminui. Com menos corrente o chuveiro ainda fornece a mesma potência! Há compensação: maior tensão menor corrente no chuveiro” (Concomitantemente com a fala, utiliza setas ao lado das variáveis da equação para reforçar que a potência no chuveiro permanece estável, escrevendo, após a equação, a palavra “constante” [p = u↑.i↓ = constante]); “E na fiação o que
acontece? O que está gastando energia, dinheiro, mas não está indo para o banho?” (Durante a fala volta-se para a equação ao lado da resistência da fiação, colocando uma seta para baixo ao lado da corrente “i” e uma seta bem comprida ao lado da potência “p” (↓p = r. i2 ↓), ao mesmo tempo em que destaca que essa seta é grande porque a potência depende do quadrado da corrente). Após os apontamentos da indicação circunstancial (3), estudantes respondem: (A11) “O chuveiro está gastando a mesma coisa, mas diminui a potência gasta na fiação”; (A12) “Perde menos calor pela fiação porque a corrente fica menor no fio”; (A13) “A energia calorífica por causa da fiação diminui, assim se gasta menos energia na casa” (A14) “Com corrente menor os fios esquentam menos”.
Como é próprio dos signos com características de indicação circunstancial, todas as três indicações circunstanciais participaram indiretamente no discurso, com papel de apoiar o pensamento dos estudantes para que autonomamente chegassem, passo a passo, a compreender a mensagem do sinal emitido pelo professor na forma predominante de ato sêmico de interrogação, como segue: (P) “Por que se diz que chuveiros 220 V são mais econômicos do que chuveiros 127V, mesmo tendo os dois a mesma potência? Como sabemos, igual potência significa gastar a mesma quantidade de energia no mesmo tempo. Se os chuveiros têm potências iguais e você toma banho no mesmo tempo, portanto gasta a mesma energia, então por que se diz que economiza energia elétrica, logo, dinheiro, quando se substitui um chuveiro 127 V por um 220 V? Por que o (chuveiro) 220 V é mais econômico do que o (chuveiro) 127 V se você compra os dois com mesmas potências?”. Diante da dificuldade dos escolares de apreender o significado que se encontra subjacente à mensagem do referido sinal, o professor emitiu as indicações circunstanciais em contraponto à possibilidade de um único sinal direto na forma de ato sêmico de informação. Por essa possibilidade aventada, se poderia simplesmente dizer para os estudantes que chuveiros com tensão 220 V são mais econômicos porque trabalham com correntes elétricas menores, o que reduz a perda por aquecimento na fiação e, consequentemente, economizam energia por esse motivo. Tal iniciativa inclinaria o aprendiz para uma situação intelectualmente passiva diante do conhecimento estudado em detrimento de uma participação reflexiva desejável e que o emprego das indicações circunstanciais incita.
Na expectativa de estimular pensamentos ativos, o professor lança uma primeira indicação circunstancial (1) com a finalidade de deslocar a atenção dos
estudantes do chuveiro para centrá-la na fiação elétrica, condição que deveria iniciar a subsidiar a reconciliação do antagonismo da mensagem. No entanto, como se verifica na descrição acima, essa primeira iniciativa se mostrou ineficaz, porque os estudantes não perceberam a importância da fiação. A indicação circunstancial (1) é analiticamente considerada um signo desse tipo, pois pretendeu sugestionar os escolares de que a compreensão da mensagem tinha a ver com a fiação elétrica e a ela deveriam voltar suas reflexões. Mas como ato sêmico de informação, a representação na forma imagética dessa indicação circunstancial (desenho na lousa de uma casa, um chuveiro com resistência elétrica visível e fiação elétrica ligando o chuveiro ao quadro de luz externo à residência) apenas proporcionou um primeiro indício e início de construção e reforço do processo de descentração cognitiva (Vuyk, 1981, p. 24) do chuveiro para a fiação elétrica.
Em razão da ineficácia da indicação circunstancial (1), o professor tentou efetivar a importância da fiação com outra indicação circunstancial (2). Daí que, auxiliada pela emissão dessa segunda indicação circunstancial, conforme acima (professor substitui o desenho das linhas retas da fiação elétrica pelo símbolo de resistência elétrica, destacado com giz amarelo, e deixa claro que o símbolo estava no lugar da fiação), e como evidenciou A11 (“É uma resistência elétrica, o fio tem resistência também, então esquenta e perde calor, efeito Joule, por causa que tem resistência”), a suspeição do papel da fiação elétrica, fundamental para compreender a mensagem, começa a se consolidar. A indicação circunstancial (2) na forma de símbolo de resistência elétrica, em substituição ao desenho da fiação e destacada no quadro negro com giz de cor amarela como artifício para atrair a atenção, pretendeu e conseguiu compelir mais fortemente os estudantes, por meio da igualdade de símbolos das resistências da fiação e chuveiro, para que concluíssem que a fiação elétrica também consumia energia. Além de seu formato oblíquo por estar subentendida no discurso, que a legitima como um signo indicação circunstancial, o raciocínio envolvido com a mesma tinha como exigência a seguinte inferência dedutiva: resistências elétricas dissipam energia térmica; a fiação é uma resistência elétrica; logo, a fiação consome energia térmica.
Entretanto, na continuidade, se fazia necessário associar menor corrente utilizada pelo chuveiro 220 V com menor dissipação de energia térmica através da resistência elétrica da fiação da casa, associação sem a qual a contradição da
mensagem não seria capaz de ser superada e, por conseguinte, compreendida. É preciso ver ainda que a indicação circunstancial 2 exerceu papel parcial nesse sentido, o que pode ser verificado junto ao estudante A12 que concluiu a respeito da possibilidade de o fio esquentar, porém sem entender inteiramente a mensagem por detrás do sinal, condição somente efetivada com a emissão da indicação circunstancial (3) que apontou para a corrente elétrica, sua menor intensidade e correspondente diminuição de potência elétrica por efeito Joule gasta pela fiação.
Sendo assim, diante da emissão da terceira e última indicação circunstancial (3), constituída por atos sêmicos de informação e consubstanciada na forma representacional de equações algébricas escritas na lousa (p = r. i2; p = u.i), pelas representações verbais igualmente com fim de atos sêmicos de informação (P: “Vejam, essas (aponta para as equações) são as potencias dissipadas pelos chuveiros e resistência da fiação. Nos chuveiros a potência permanece constante, do valor que você comprou. Quando você instala o chuveiro 220 V com mesma potência do 127 V, na tensão 220 V muda a corrente, ela diminui. Com menos corrente o chuveiro ainda fornece a mesma potência! Há compensação: maior tensão menor corrente no chuveiro”), e ato sêmico de interrogação (“E na fiação o que acontece? O que está gastando energia, dinheiro, mas não está indo para o banho?”), além da adicional representação de gênero topológica do ato sêmico de informação no formato de desenhos de setas ao lado das equações, o professor obtém sucesso na condução da pretendida inferência dos estudantes.
Aqui um esclarecimento se faz necessário, a respeito do termo representação topológica atribuída às setas colocadas ao lado das equações. A representação topológica contrasta com as representações de gênero tipológicas, cujo exemplo é a linguagem verbal. Essas últimas são mais poderosas para expressar raciocínios semânticos, qualificar ideias e realizar relações entre categorias. Por sua vez, os recursos permitidos pelas representações topológicas convencem melhor quando se deseja transmitir significados que precisam ser expressos em termos de quantidade, intensidade, grau, proporção (PRAIN; WALDRIP, 2006, p. 1845; LEMKE, 2003, p. 12, 13), como as representações gráficas ou as setas aqui mencionadas são exemplos.
Enfim, o auxílio da indicação circunstancial (3), subsidiada pelas duas anteriores, rematou a mensagem do sinal, levando-a ao estado de “compreensão”, o que pode ser contatado pelo raciocínio dos estudantes A11 (“O chuveiro
está gastando a mesma coisa, mas diminui a potência gasta na fiação”), A12 (“Perde menos calor pela fiação porque a corrente fica menor no fio”), A13 (“A energia calorífica por causa da fiação diminui, assim se gasta menos energia na casa”) e A14 (“Com corrente menor os fios esquentam menos”). Por essas falas se verifica o discernimento de que existem duas potências envolvidas, a do chuveiro e fiação elétrica da casa, sendo que a última consome potência elétrica maior devido ao aquecimento do fio (efeito Joule) também maior e desperdiçada pela corrente elétrica mais alta necessária no chuveiro de menor voltagem. Com isso, a contradição do problema colocado pôde ser resolvida, dando sentido acabado à mensagem do sinal emitido.