Lona 807 - 15/08/2013

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Notícia Antiga No dia 15 de agosto de 1969, iniciou o Festival de Woodstock, em uma fazenda em Nova York.

Edição 807

Curitiba, 15 de agosto de 2013

lona.redeteia.com

Projeto português leva saúde à população fragilizada Ana Matos

Em Portugal, o projeto PASOP tem como objetivo tomar medidas solidárias como forma de prevenção à população carente. São realizados gratuitamente diversos exames médicos. O projeto já levou saúde a milhares de pessoas e permite que os alunos tenham contato com a realidade que não é vista em sala de aula.

Governo do Estado

Escola em Almirante Tamandaré espera reforma há 10 anos

O prédio do Colégio Estadual Ambrósio Bini, de Almirante Tamandaré, deve ser reformado este ano. A construção está localizada acima do Aquífero Karst, e segundo o Instituto das Águas, o aquífero apresenta restrições para assentamentos urbanos, pois pode ocasionar riscos

de afundamentos e colapsos do solo. Foi por causa destes riscos que a construção foi desativada em 2003. Os alunos e professores foram transferidos à outros espaços, o que ocasionou muitos transtornos. Alguns alunos desistiram de estudar e muitos professo-

res deixaram o colégio por conta disso. O Governo do Estado afirma que a antiga construção será reformada ainda este ano, e que a empresa responsável pela reforma deve iniciar as obras em menos de 60 dias.

Opinião Crime organiza- Preconceito Por onde anda? do racial “Crime é mais atra- “O Brasil está O que fazem os tivo para a juventude da fronteira com o Paraguai e prova a falência do sistema educacional público brasileiro atual.”

muito longe de ser um país onde todos sejam iguais”. Débora de Lima

estudantes de jornalismo depois de formados? Saiba por onde anda o ex-aluno Thomas Mayer. Página 2

Literatura

Colunistas João Lucas Dusi

Página 5

“Começo com um espaço grande para preencher, por consequência, animado por ter já de cara essa missão de te cativar até o final, meu saudoso leitor. Com sua licença, permita-me tomar conta do navio.”, João Dusi.


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Editorial

A má influência do crime organizado A alta influência do crime e falta de educação de qualidade sempre foram interligados. Quando as crianças e adolescentes de certa região, normalmente em regiões mais pobres, têm melhor perspectiva de vida entrando no crime e não seguindo uma carreira baseada na escola, chegando a uma faculdade e, posteriormente, em uma profissão digna, fica nítido o fracasso da sociedade e do Estado em fomentar uma

educação de qualidade e que inclua toda a juventude brasileira, em todas as camadas sociais. Na região da fronteira do Brasil com o Paraguai, a situação das crianças e adolescentes que lá vivem é exatamente a mesma descrita no parágrafo acima. Em uma situação muito semelhante à das comunidades cariocas, o crime acaba sendo a única opção viável para a juventude da fronteira ter uma ex-

pectativa de ganhar dinheiro, por mais que o futuro esteja muito longe de ser uma garantia concreta, visto que quem entra no mundo do tráfico raramente sai vivo de lá, morrendo numa idade bastante jovem ainda. O fato mais estarrecedor é que esses jovens da fronteira acham o tráfico e o crime algo que garante “status” e certo respeito perante as pessoas com quem convivem. Emprego e uma vida baseada na escola estão longe de

Por Onde Anda?

Preconceito Racial

Expediente

não exista em nosso país, apesar de, modernamente, se dar em uma escala menor, tendo em vista a popularidade do tema. Já me deparei com a situação. Um grande amigo foi ridicularizado por uma menina, em função da cor. Ela usou a frase: “Esse negrinho, dessa cor, não pode ser um bom profis-

do que ficar sentado numa sala de aula em escolas que não dão a mínima atenção para esse tipo de aluno. Dessa maneira, fica fácil prever que o futuro do país não melhorará muito em relação ao que é hoje, no quesito do crime organizado. Se, atualmente, já vemos uma população melindrada pelo domínio e pelo perigo do tráfico e do crime organizado nas cidades, com novas gerações entrando

aos cântaros neste mundo, a perspectiva não melhora em nada, e o crime só se tornará mais forte, mais ameaçador\ e de mais difícil controle para o Estado. Este tem de gastar muito em estrutura carcerária e em combate policial, em vez de investir na base de tudo, ou seja, na educação, que evitaria toda a situação em que vivem os jovens de classes mais miseráveis da atualidade.

Thomas Mayer Rieger Não faz nem um ano que me despedi da Universidade Positivo, mas dá para dizer que bastante coisa aconteceu desde o fim de 2012. Entrei para o “Talento Jo r n a l i s m o”, programa de

Hoje, infelizmente, vivemos em uma sociedade na qual existe muito preconceito com os negros e acredito que ainda há sim, não só racial. Mas, infelizmente, o preconceito de maneira geral é inerente ao ser social. Falando apenas de racismo, um dos mais tolos preconceitos, é inegável que

ser uma realidade para essas pessoas. Tudo por vários motivos principais, primeiro, a falta de oferta para esses adolescentes nas escolas de qualidade (atualmente, as particulares) e de atrativo no ensino público e, segundo, pela falta de investimento em qualidade no ensino por parte dos governos, sejam eles estaduais ou municipais. É muito mais prático ganhar dinheiro vendendo drogas e no contrabando,

trainee do Grupo Paranaense de Comunicação (Grpcom). Depois de meses de aulas teóricas e práticas que trataram de variados assuntos, fui chamado para trabalhar

como repórter freelancer na Gazeta do Povo. No momento, integro a equipe do Online. Também voltei para meu outro curso de graduação, de Relações Internacionais, que devo tem-

inar em breve. Minha dica para os calouros: estudem e estagiem bastante, porque emprego não dá em árvore e só de dicas do Max Gehringer ninguém sobrevive.

Débora Maria Santana de Lima sional”. Fiquei chocada, porque queria acreditar que as pessoas já tivessem se despido desse tipo de preconceito infundado. Mas aconteceu e ela hoje responde a um processo penal. As novas gerações têm mais acesso às informações e o mundo está muito mais miscigenado.

Portanto, acredito que a tendência do racismo seja acabar e que ele venha diminuindo através dos anos. Espero, sinceramente, chegar o dia em que as atitudes e personalidade da pessoa sejam mais importantes do que a cor da pele ou o estereótipo. No Brasil, pretende-se erradi-

car o preconceito racial com leis. Só a educação poderá esclarecer a todos, sobretudo aos brancos, o que representou para a raça negra o que lhe foi imposto pelo tráfico escravista. A Igreja se julgava com o direito de catequizar aqueles que nada sabiam da religião católica. O Governo

Reitor: José Pio Martins Professora-orientadora: Ana Paula Mira Vice-Reitor e Pró-Reitor de Administração: Arno Gnoatto Editores: Júlio Rocha, Lucas de Lavor e Marina Geronazzo Pró-Reitora Acadêmica Marcia Sebastiani Editorial: Gustavo Vaz Coordenadora do Curso de Jornalismo: Maria Zaclis Veiga Ferreira

nada fez, depois da Abolição, para dar aos escravos condições de estudar e conquistar um lugar na sociedade. O Brasil está muito longe de ser um país onde todos sejam iguais. O espaço e a visibilidade que o negro tem em nossa sociedade não permitem que ele sirva de referência.


Notícias do Dia

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A saúde ao fundo da rua Ana carolina Matos, projeto além mar* Ana Matos

Estávamos no ano de 2003. Nascia um projeto, na jovem Universidade Fernando Pessoa, com dois protagonistas. Um porque o pensou, o outro porque o materializou. Salvato Trigo e Jacinto Durães, respetivamente, fazem nascer uma ideia inédita, que de uma assentada junta alunos e futuros profissionais de saúde, doentes, docentes universitários e tantos outros colaboradores que de uma forma se dão a um projeto com rodas para andar. Este projeto converge para si a sua história, a sua equipa e as suas estórias. Num ano em que comemora 10 anos não poderíamos esquecer esta locomotiva: a locomotiva Pasopiana. Porque com o PASOP a saúde é já ali, ao fundo da rua. Nas palavras do gestor do projeto PASOP, Jacinto Durães, o próprio projeto diverge para duas vertentes, “a pedagógica e a de solidariedade social”. Na medida em que proporciona aos alunos um contacto com o real que não é de todo visto e sentido em sala de aula o projeto institui-se como pedagógico. À solidariedade social cabe a responsabilidade da prevenção. Neste sentido, as populações mais carenciadas são,

de fato, o alvo deste projeto, quer pela carência económica que apresentam, quer pela fragilidade pessoal e social em que estão inseridas. São realizados gratuitamente rastreios ao colesterol, aos diabetes, tensão arterial, terapia da fala, medicina dentária e osteoporose. A estas juntar-se-á, em breve, uma outra valência: a de nutrição. Jacinto Durães recorda o princípio base sobre o qual foi criado este projeto: “a

Fundação Fernando Pessoa apoiá-lo-ia sempre mas eu como gestor do projeto dei garantia de que este projeto seria custeado a si próprio”. Os apoios são, de certa forma, os pilares que garantem a sobrevivência do PASOP. Num tempo em que a crise é pronunciada um sem número de vezes, Jacinto Durães, prefere não gastá-la mais. Perante um tempo em que o projeto sofre uma reestruturação para poder voltar às ruas

em março, Jacinto Durães, remata: “é preciso ter imaginação, trabalhar muito, ser assertivo e, de certa forma, ser muito teimoso”. Um orgulho Ímpar Quando se fala em orgulho as respostas acabam, de uma forma ou de outra, por se encontrarem. Este sentimento tem, para Jacinto Durães, dois pensamentos: o fato de “ter contribuído para uma boa saúde pública das populaAna Matos

ções” e o saber que o nome da Universidade Fernando Pessoa é levado aos recantos do país, mostrando “tudo quanto de bom se faz nesta Universidade, que é muito”. Quer para Catarina Sousa, quer para Cátia Silva, colaboradoras do projeto nas valências de Análises Clínicas e Medicina Dentária, respetivamente, e até mesmo para José Vasconcelos, motorista do projeto, a equipe é o alicerce fundamental sobre o qual assenta toda a dinâmica do projeto PASOP. É na persistência e no trabalho de toda a equipe que a própria equipe coloca a locomotiva do sonho Pasopiano, tendo como chegada o mesmo ponto de partida, a Universidade Fernando Pessoa. O Sentido Pasopiano

*

Nem só de tecnicidade vive um projeto. Ele vive, sobretudo, de estórias. Estórias que se constroem sob a alçada do tempo e ganham forma numa qualquer rua. A abordagem não poderia, de todo, ser outra. Do

motorista ao gestor, passando pelos colaboradores, as estórias merecem ser contadas – quer pela humanidade e simplicidade que trazem consigo, quer pela grandeza que dão a todo um projeto. Catarina Sousa já experimentou o silêncio da dor, numa viagem que parecia não terminar. “Posso dizer que fiz rastreios a duas pessoas em estado vegetativo”, recorda a colaboradora. Marcado pelo silêncio entre a equipe, o regresso à Universidade foi doloroso. Afinal de contas, tudo é diferente quando se volta. O Projeto Ambulatório de Saúde Oral e Pública, ou mais comummente designado PASOP, é tudo isto: o seu sentido caminha na direção das suas estórias. O PASOP, um projeto que, de rua em rua, já levou saúde a milhares de pessoas. Porque sempre que virmos uma carrinha amarela e verde não basta. Ainda não chegamos. É preciso entrar. É preciso conhecer.

A matéria XXX faz parte de uma parceria da UP com a Universidade Fernando Pessoa, pela qual publicamos matérias da universidade portuguesa e também temos publicação em Portugal.


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Educação

Prédio de colégio estadual, desativado há 10 anos, será reformado Jaqueline Baumel

O Governo do Estado anunciou, no último dia 19, que o prédio do Colégio Estadual Ambrósio Bini, de A l m i r a n t e Ta m a n daré, será reformado. S egundo o gover no, foi feit a uma licit ação, e a empresa que ficou responsável pela reforma tem menos de 60 dias para iniciar as obras. O prédio do colégio está localizado acima do Aquífero Karst, uma formação geológica subterrânea que funciona como um reser vatório de água. O aquífero possui uma área de aproximadamente 5.740 Km², e abrange, entre outros municípios, Campo Mag ro, Campo L argo, Almirante Ta m a n d a r é , Colomb o, Castro e Pont a Gross a. Segundo o Instituto das Águas do Paraná, a área de ocorrência do Aquífero Karst apresenta, naturalmente, restrições para assentamentos urbanos em função dos processos de dissolução de suas rochas carbonáticas, o que pode ocasionar riscos de afundamentos e colapsos de s olo. Em 2003, o prédio do Colégio Estadual Ambrósio Bini foi desativado por apresentar estes riscos. Algumas rachaduras, decorrentes do Aquífero Karst, apareceram nas paredes. As aulas foram canceladas por alguns meses, atrasando o calendário letivo dos alunos. O colégio foi transferido para outro esp aço, de madeira, na Rua São Lucas, s/nº, com uma estrutura improvisada e um menor número de

Prédio do Colégio Estadual Ambrósio Bini que será reformado esse ano. A estrutura ficou desativada durante 10 anos por apresentar riscos de desabamento. salas. Segundo do à precária es- a funcionar no reportagem sobre estacas de mais de ma- o colég io. Pais e de 17 met ros nas a diretora aux- trutura. Sofremos prédio para i liar do colég io, um desgaste f ísi- deira const r uído a lunos re a lizaram f undaçõ es pelas garantir a sustenVa l d i r e n e B eni- co e emocional em 2003, no qual passeatas cio Moreira, a muito a lém do es- est ão até hoj e. r uas de Almirante t ação. Além dos mas reparos gerais em e s t r u t u r a d o p r i - t i m a d o”, a f i r m a a H á 1 1 t u r m a s n o Ta m a n d a r é , meiro prédio era diretora. período da man- nada disso pare- toda a estrutura, muito superior à Em 2011, mais hã, dez à tarde, e ceu chamar a at- como novas redes do s egundo, con- uma transferên- três à noite. “Isso enção ou comover elétrica e hidráuuma as tendo laboratório cia. O prédio de ocasionou autor idades. lica, pis o, p or t as, de tur- “Fizemos inf ini- tel hado, de informática e madeira, con- junção azuleprovi- mas, pois trabal- tas reuniões com jos, entre outros, quadra esportiva. struído em hávamos com um governos, secre- o colégio contará “Perdemos muitos s or i amente alunos que, depois 2003, passou a número reduzido tários, prefeitos, com uma quadra os de alunos nos pré- deputados, chefes poliesportiva code um ano, p as- apres ent ar riscos dios locados. Sem de núcleo e, so- berta. A reforma s a r a m a r e t o r n a r, m e s m o s desabamento mencionar todos mente dez anos terá investimene o local já não de abrigava o núme- do primeiro pré- os problemas es- depois, é que con- to de quase R$ 2 ro de a lunos que dio. “Novamente t r uturais, fa lt a de s eguimos uma milhões do Govp o s s u í a m o s “, c o n - p r e c i s a m o s l o c a r q u a d r a , b i b l i o - p o s i ç ã o . “, cont a er no do Est ado. t a. A pr incípio, os um novo lo ca l, te ca, b a n h e i r o s , Va l d i r e n e . Os professores, alunos deveriam pois não havia cozinha, entre Segundo o Gov- em sua maioria, e s t u d a r n e s t e p r é - o n d e c o l o c a r o s o u t r o s”, c o n t a a e r n o d o E s t a d o , a c o m p a n h a m a dio, p r o v i s o r i a - a l u n o s”, d i z Va l - d i r e t o r a . durante estes 10 história do colémente, por dois direne. Em 2002, o colé- anos, a Sup er in- g io des de o início, anos, mas o prazo O colégio locou gio possuía quase tendência de De- e têm a esperança acabou se esten- um centro cate- 2000 alunos e, s e n v o l v i m e n t o de que o prédio do interditado realdendo um pouco quético da igreja hoje, uma média Educacional mais, e os alunos católica, p e qu e - d e 9 5 0 a lu n o s e s - Pa r a n á , SU D, e s - m e nt e s e j a re f ore profess ores t i- no e pre cár io, e t ão mat r ic u lados te ve estudando o mado. Segundo veram que per- continuou f u n - l á . “A p r o c u r a p o r t e r r e n o d o c o l é - a d i r e t o r a Va l mane cer no pré- cionando em dois vagas é diár ia, g io. A gest ão an- direne, a refordio por 10 anos. prédios, com oito mas não conse- terior do estado ma significa uma Em 2005, foi ne- turmas em cada guimos atender a acreditava que o pequena vitória e deveria uma grande espercessária a locação um. As salas de demanda por não prédio construído ança de ter um lode um segundo um dos prédios possuirmos espa- ser d i v i d i d a s ç o”, c o n t a . em out ro ter reno. ca l ade quado p ara esp aço, e assim, o foram colégio passou a em duas por uma Durante todo esse Mas as conclusões os alunos, com física f uncionar em dois p are de de madei- temp o, o colég io das p es quis as re- est r utura prédios, com uma ra, o que dificul- lutou pela refor- alizadas pelo SUD para oferecer a que a eles o que lhes é distância de 1km tava a concentra- ma do primeiro indicam de ve de direito. “São ent re um e out ro. ção dos a lunos, pré dio. A pre cár ia const r ução “At é o l a n c h e d o s j á q u e , a l é m d o s i t u a ç ã o d o s a l u - s e r r e f o r m a d a e d e z a n o s d e l u t a no e s on ho, prefer ialunos era feito calor que fazia, o nos e professores permanecer ter reno. mos acre dit ar que em uma sede e barulho da outra foi assunto na mí- mesmo levado de carro sala era completa- dia durante muito Ainda segundo o o sonho se torà outra todos os mente audível. temp o. Em outu- gover no, a obra nará re a lidade em No segundo se- bro de 2011, o interditada i r á b r e v e”, d i z . dias. Perdemos, reforço também, muitos mestre de 2012, programa CQ C, da receber professores devi- o colégio voltou Band, exibiu uma na estrutura com

Governo do Estado

A estrutura do Colégio Estadual Ambrósio Bini, de Almirante Tamandaré, foi desativada em 2003 por apresentar riscos de desabamento. Este ano, o Governo do Estado deve investir cerca de dois milhões na reforma do prédio


Colunistas

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João Dusi Referência da referência Tomando conta do navio Cultivei, por pouco mais de um mês, um blog que levava o mesmo nome dessa coluna. Por motivos de força maior, fui levado a desativá-lo. É com imenso prazer, portanto, que inicio esta jornada. Começo com um espaço grande para preencher, por consequência, animado por ter já de cara essa missão de te cativar até o final, meu saudoso leitor. Com sua licença, permita-me tomar conta do navio. Referência da referência. Além de aludir a uma condição clara do ser, que age por referências, o nome que escolhi é uma máxima utilizada em um livro de um dos meus ídolos. Mas isso é assunto para outro dia. Hoje, o grande astro aqui é Henry Charles Bukowski Jr, ou Henry Chinaski (alterego), ou Hank (como era chamado pelos mais íntimos), ou Velho Safado (“dirty old man”, alcunha que vem de artigos que publicou para o Jornal Open City nos anos 60). Gosto de chamá-lo somente de Velho. Bukowski nasceu em 16 de Agosto de 1920 em Andernach, Alemanha. E tudo começa quando aos 2 anos de idade, especificamente

no dia 18 de abril de 1923, ele se muda com a família para a cidade de Pasadena, Califórnia (estado em que permaneceu até o fim da vida), onde viria a desmistificar o “sonho americano”. Duas dezenas de livros dele compõem minha estante. Levou um bom par de anos para eu completar essa coleção, sendo que tudo teve início quando fui capturado pela prosa desinibida de Factótum, seu segundo romance, lançado em 1975. Estrelado por Henry Chinaski, a narrativa gira em torno da vida nômade que o protagonista levara, de muita perversão (sexual e etílica) e muito trabalho pesado. O estilo direto ganhou minha total atenção e consequente devoção. Fui descobrir esse livro quando estava cursando o segundo ano do Ensino Médio. Foi como se um novo mundo se revelasse. Não hesitei em fazer parte. Por curiosidade: em paralelo com a “ficção” narrada em Factótum, o jovem Bukowski, de 1942 até 1947, iria se aventurar por Houston, Nova Iorque, Nova Orleans, Atlanta, Savannah, Miami, St. Louis e San Francisco. Perderia

a virgindade com uma prostituta, publicaria seus primeiros poemas na revista Matrix (ele é poeta também, sim, já chegamos lá), seria preso pelo FBI por um período de 17 dias por suspeita de tentar fugir do recrutamento militar e, enfim, seria dispensado de servir na Segunda Guerra Mundial por falhar nos testes psicológicos. Quanto à desmistificação do sonho americano, citada mais acima, Bukowski nos presenteia com Misto-Quente, seu quarto e mais lido romance, publicado originalmente em 1982. Estrelando novamente Chinaski, ele descreve grande parte de sua infância e juventude. É possível acompanhar toda a evolução (ou decadência?) do ser humano em questão ao longo do livro. Se para ele foi sofrível viver com um pai atroz, durante o período complicadíssimo dos EUA pós-crash da bolsa de Nova Iorque, sendo pobretão, sofrendo de um caso seríssimo de Acne Vulgaris e frustrado com tudo, para nós é um privilégio poder desfrutar de todo o conteúdo cru que ele deixou, apresentando o homem em sua essência – sem floreios.

Falei somente sobre os romances até agora. Vale dizer que, na verdade, o Velho dedicou grande parte da sua vida aos poemas e contos. E como ele sabia versejar! Indo contra o estilo clássico de se versar, Hank parecia mais prosar em versos. E acertava. Eu gosto muito, pelo menos. A forma com que ele não se preocupou em soar profundo já o faz muito profundo. Talvez porque escrevera de fato o que sentia, sem tentar forçar a barra para soar poético (na mais clássica definição). Um bom exemplo do lirismo que ele conseguia alcançar é o poema Bluebird. Procure que não se arrependerá. Ademais, sua fama cresceu exponencialmente justamente após leituras que foi convidado a fazer de suas poesias. Aos interessados, dois documentários são um show à parte: The Last Straw (1980), leitura feita na California, e There’s Gonna Be a God Damn Riot in Here! (1979), em Vancouver. Talvez alguém tenha ficado curioso com o título que escolhi. A ideia vem de um livro póstumo, publicado em 1994, chamado “O

Capitão Saiu para o Almoço e os Marinheiros Tomaram Conta do Navio”. Coloco-me como um marinheiro. Só não sei se ainda consegui tomar conta do navio. Dispersões à parte, o livro se trata de uma coletânea de anotações (como um diário) que Buk tinha em seu Mac (isso mesmo, no final da vida até tivera um PC), no que descreve seu cotidiano quando já era de fato um velho. O tabagismo, alcoolismo, apreciação de música clássica e vício em apostar em cavalos se faziam bem presentes. Sem contar com suas reflexões sobre a vida. Bom notar que mesmo com a morte batendo à sua porta, ele não abriu mão de seu modo desgraçado de enxergar a existência. O livro conta ainda com ilustrações de Robert Crumb. Quase chegando ao fim, é válido eu compartilhar minha teoria do porquê da existência desse meu sentimento religioso pelo Chinaski. A frase é a seguinte: “Bukowski não é a pretensão do erudito, mas sim o arquétipo do mundano”. Essa definição me surgiu como um ponto de exclamação. Como descobri a narração

sobre bebedeira sem limites e brigas de bar e sexo (ou seria amor?) muito cedo (teoricamente), fiquei encantado. Hoje, sei um pouco mais sobre isso e não vejo mais o universo que ele nos passa como divertido, mas como um modo que ele encontrou para suportar a existência. Acabei por me identificar bastante. Por fim, seis romances e incontáveis poemas e contos depois, o fim de Hank se deu em 9 de março de 1994, aos 73 anos de idade, em San Pedro, após ficar 64 dias no hospital em tratamento severo contra a leucemia, onde se viu obrigado a parar de beber e de fumar. O trabalho estava cumprido. Não haveria mais sofrimento para ele, que àquela altura já havia se tornado um fenômeno mundial. Foi enterrado no Green Hills Memorial Park, localizado perto da casa que tinha em San Pedro. O epitáfio em sua lápide diz “don’t try” (“não tente”). Finalizo agora, às 03:12 da madrugada. Daqui a pouco teremos mais um dia pela frente. E apesar de o Velho ter aconselhado a nem tentar, aqui vou eu.


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Agenda

NOTÍCI ANTIGA No dia 15 de agosto de 1969, o músico Richie Havens tocou as primeiras notas musicais em um palco no White Lake de Nova Iorque. O evento batizado de Woodstock entrou para a história nesse dia (e nos dois próximos) como um dos maiores eventos culturais

do mundo. O festival foi um grande marco na era hippie que começou nos anos 70. O se tornou lendário de tal forma que é reconhecido como um dos maiores momentos na história da música. De tão impactante o festival ganhou um do c ument ár io

em sua homenagem gravado nos anos 70, onde continha trilhas sonoras com os melhores momentos capturados. Em 1994, como forma de comemorar os 25 anos do evento, foi realizado um superevento com a presença de cerca de 250 mil pessoas.

O que fazer em Curitiba? Capela Santa Maria A Camerata Antíqua de Curitiba se apresenta no dia 23 e 24 de agosto de 2013, na Capela Santa Maria. Os concertos fazem parte da programação da segunda Bienal Música Hoje. O repertório não foi divulgado Museu Paranaense Até dia 15 de novembro, no Museu Paranaense (Rua Kellers, 289 - São Francisco) fica a exposição “Negros no Paraná: passado e presente”. Informações: (41) 3304 3300 e www.cultura.pr.gov.br Teatro Positivo O sexteto norte-americano Take 6 se apresenta no dia 05 de setembro no Teatro Positivo. Os músicos, que já ganharam 10 prêmios Grammy, são o grupo vocal com mais indicações na história do prêmio. Sua música mescla som gospel, soul, R&B e jazz. Entre seus álbuns premiados estão “So much 2 say”, “The Standard” e “Take 6”passado e presente”. Informações: (41) 3304 3300 e www.cultura.pr.gov.br


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