Lona 905

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O único jornal-laboratório diário do Brasil

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Ano XV > Edição 905 > Curitiba, 07 de agosto de 2014

Vírus Ebola já contabiliza 932 vítimas fatais na África

Foto: Cesar Brustolin/Agência de Notícias da Prefeitura de Curitiba

EDITORIAL “Um ladrão, que havia roubado uma moto, devolve o objeto de seu então furto, com um bilhete.” p. 2

OPINIÃO

Participantes do Pedala Curitiba buscam qualidade de vida

Com mais da metade da população acima do peso, projeto Pedala Curitiba da Prefeitura incentiva exercícios físicos. p. 4

“O caso é emblemático: para cada ação, há uma reação. A cena é uma repetição do que se vê com certa frequência. “ p. 2

#PARTIU Contos paranaenses contam quase três séculos de história literária do Estado, em antologia inédita p. 6

Foto: Them Phil

Não há tratamento específico, nem vacinas para a doença que se alastra pela África; nos primeiros quatro dias de agosto, o número de p.3 contaminados já chegava a 1711 COLUNISTAS Luiz Kozak “A inspiração para escrever não é algo premeditado, com hora e lugares marcados. Ela chega sem avisar, assim como aquela sua tia divorciada que p. 5 mora em Londrina.” Rodrigo Silva “Perdoe-me o leitor pelo lugar comum. Falar de paternidade à porta dos dias dos pais soa, no mínimo, cafona. Por ser uma data essencialmente comercial que liga nada a coisa nenhuma, o p. 5 assunto por si só já é enfadonho. “


LONA > Edição 904 > Curitiba, 07 de agosto de 2014

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EDITORIAL

Sobre bilhetes e jeitinho

O caso aconteceu longe daqui, em Russas, no Ceará. Porém, o fato está mais próximo do que se imagina. Um ladrão, que havia roubado uma moto, devolve o objeto do furto com um bilhete (cheio de erros, previamente corrigidos aqui): “Ajeita essa porqueira, macho. Não dá nem pra fazer um assalto. Isso não serve nem pra botar no lixo, seu ‘fulero’. Compre uma brozinha, macho. Valeu compadre!”. A ousadia, a princípio digna de galhofa, é, infelizmente, um espelho do que a sociedade tem visto hoje no Brasil. A ausência do medo, a certeza da impunidade e a segurança cada vez mais ineficaz levam a população a, de forma frequente, se deparar com esse tipo de atitude. No caso do Ceará, foi um bilhete. Em outros casos, a ousadia se concretizou em frases ditas em pequenos furtos, em ofensas e impropérios ditos no alto da voz armada, além da total naturalidade com que se assalta e mata à mão armada em qualquer hora do dia. Está aí o exemplo de antes de ontem, da morte de um jovem em plena Sete de Setembro, na capital paranaense, que não nos deixa mentir.

OPINIÃO

Pelo fim de uma mentalidade inconsequente Matheus Gripp

O Brasil vem acompanhando, nos últimos dias, o desdobramento do caso do menino Vrajamany, que teve o braço amputado após chegar próximo à jaula de um tigre em um zoológico em Cascavel. Com direito a proporções internacionais, o fato chamou a atenção de grandes veículos de comunicação, ávidos por uma entrevista exclusiva com os pais da criança. Em um desses bate-papos, exibido no programa da Rede Globo “Fantástico” na noite do último domingo, Marcos Carmo da Rocha, o pai do jovem ferido, revelou que, no momento em que sentiu o filho empolgado com o animal, alertou para os perigos de ficar próximo à jaula. Ignorando o aviso, Vrajamany atiçou o felino, correndo de um lado para o outro. Quando o vídeo com as cenas do ocorrido vazou e o caso veio à

tona houve, de imediato, uma reação extremamente forte de muitas pessoas, que colocaram a culpa no animal. Outra parcela entendeu que faltou juízo ao menino e o pai foi negligente ao não tomar uma atitude enérgica e impedir o filho de continuar com as provocações. Este caso é emblemático: comprova que, para cada ação, há uma reação. A cena é uma repetição do que se lê e se ouve com certa frequência: crianças com o pensamento de que é possível fazer tudo o que vem à cabeça. Não é raro ouvir relatos de professores que, em sala de aula, têm a autoridade questionada por crianças com menos de 10 anos e, em alguns momentos, são desafiados pelos próprios alunos ou, pior ainda, pelos pais dos alunos. Casos de agressão a docentes também se veem com certa frequência, relata-

dos através de vídeos compartilhados nas redes sociais. Fica evidente que a faixa infantil da sociedade, hoje, está com uma falta de valores e de educação, que deveriam ser ensinados logo no berço. A mentalidade de “eu posso tudo”, infelizmente, se mostra cada vez mais presente. Obviamente, em casos como os supracitados, as crianças têm uma alta parcela de culpa e acabam pagando pelas próprias atitudes desde cedo. No entanto, cabe também o questionamento: o que esses os pais ensinam aos filhos? Eles têm disposição de ensinar o que é certo e o que é errado? Existe uma urgência na mudança de pensar a educação das crianças. Precisamos de uma definição: os cidadãos que queremos formar para o mundo serão conscientes ou inconsequentes?

Não há, obviamente, como coibir ou antecipar atitudes como a do ladrão da moto, mas há como prevenir. Um bom começo seria haver uma fiscalização que funcione e que leve à punição efetivamente. No Brasil, há um problema crônico na área da segurança devido à falta de punição, o que leva a esse tipo de situação. Pesquisa publicada pela Fundação Getúlio Vargas, em 2013, indica que o ato de não punir leva à desobediência das leis. Desde o pedestre que atravessa fora da faixa até o político que desvia dinheiro da saúde, há uma imensa horda de “infratores” que se acostumaram a viver no país do jeitinho e da impunidade. Como o jeitinho e o bilhete se relacionam nesse contexto? Não há receita mais perigosa para criar a ousadia vista nas palavras do ladrão de Russas. É inevitável fazer a conexão e perceber que a sociedade está cada vez mais à mercê desse tipo de atitude. Quando a lei não é cumprida – pelo menos, não de imediato – a certeza de que nada acontecerá leva à reincidência e a uma sociedade cada vez mais doente. A doença crônica do jeitinho, da ousadia e da impunidade.

Tiger > Ilustração: Pandaka

Expediente

Reitor José Pio Martins Vice-Reitor e Pró-Reitor de Administração Arno Gnoatto Diretor da Escola de Comunicação e Negócios Rogério Mainardes

Pró-Reitora Acadêmica Marcia Sebastiani Coordenadora do Curso de Jornalismo Maria Zaclis Veiga Ferreira Professora-orientadora Ana Paula Mira

Coordenação de Projeto Gráfico Gabrielle Hartmann Grimm Editores Ana Justi e Isadora Nicastro Editorial Da Redação


Curitiba, 07 de agosto de 2014 > Edição 905 > LONA

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NOTÍCIAS DO DIA

OMS pode declarar o vírus ebola uma emergência mundial Isadora Nicastro

fectadas pela doença. O diagnóstico definitivo só pode ser realizado em laboratório, depois de vários testes com medidas de proteção máxima.

Até 4 de agosto foram registrados 1711 casos da doença, entre eles 932 mortes, um terço dessas apenas na região de Guiné, na África; medidas de restrição a viajantes foram tomadas A Organização Mundial da Saúde está avaliando os riscos do vírus ebola se espalhar para outras regiões e pode decretar uma emergência sanitária mundial. Isso concretizaria um cenário que vem se formando nas últimas semanas, com medidas de controle mais severas, como a maior fiscalização nos aeroportos e restrições de viagens. Amanhã, sexta-feira, acontecerá mais uma reunião, após a qual, a decisão da instituição deve ser divulgada em uma coletiva de imprensa. Na última conversa dos membros da organização já foram discutidos os componentes essênciais para o controle, e os perigos socio-econômicos para o mundo de uma transmissão contínua do vírus, além das medidas de restrição impostas aos viajantes. Segundo o médico infectologista e consultor do Ministério da Saúde, José Luiz de Andrade, a preocupação é real, mas ainda não é possível classificar o surto como uma pandemia. “O surto está concentrado na região oeste da África, ainda não se espalhou. O que não concretiza um estado de alerta no mundo, mas é uma doença muito contagiosa”. O médico explicou, ainda, que por se tratar de uma doença que pode levar à morte de forma rápida (em menos de uma semana), quem está infectado raramente viaja, e esse ponto em particular dificulta a transmissão por meio de lugares como aeroportos. O que é o Ebola? O vírus foi identificado pela primeira vez em 1976, no Sudão e na República Democrática do Congo. A região era próxima do Rio Ebola, por isso o nome adotado pela doença. José Luiz

A OMS também declarou como uma dificuldade na contenção do surto o costume de manter os entes queridos em casa para que eles possam morrer em seu lar e com a família. Depois que seu hospedeiro vem a óbito, o vírus ainda está ativo no corpo e, em razão dos sangramentos que a doença causa, é quase impossível que o contato com o corpo não transmita o vírus.

Devido aos sangramentos, a transmissão do vírus se dá mesmo após a morte do paciente; médicos precisam usar roupas especiais para se proteger > Foto: Arquivo NBC

Andrade afirma que desde essa época, foram observados surtos do ebola, mas nunca aconteceu uma possibilidade de contaminação maior. “Pela característica da doença de poder ficar incubada até 21 dias, é dificil que possa acontecer a transmissão, pois ela só é possível depois da febre alta e do início dos sangramentos. Entretanto, com a facilidade da locomoção de hoje, não é possível prever.” O ebola é perigoso porque tem uma taxa de letalidade de até 90%, número este que vem se concretizando na África. Somente entre 2 e 4 de Agosto de 2014, foram registrados 108 novos casos da doença, e 45 mortes em razão da mesma nas localidades de Guiné, Libéria, Nigéria e Serra Leoa. Além disso, os sintomas não são específicos e dificultam o diagnóstico. Olhos avermelhados e erupções cutâneas são as primeiras manifestações do vírus, mas também são comuns e ocorrem em várias outras doenças. Febre, fraqueza, dor muscular, dores de cabeça e inflamação na garganta também são os sintomas preliminares. Depois, começam os vômitos, diarreia, coceiras, deficiência nas funções hepáticas e renais e hemorragia interna e externa. Por fim, o fator que preocupa ainda mais

Ainda não há vacina para o ebola, estuda-se o uso de tratamentos experimentais para conter o avanço do vírus > Foto: Arquivo Idaho National Laboratory

as autoridades é que ainda não existe tratamento ou vacina específica para o vírus Ebola. Em entrevista para a assessoria de imprensa, o Diretor-Geral Adjunto da Organização Mundial de Saúde Dr. Marie-Paule Kieny, declarou que irá convocar, na próxima semana, uma reunião com especialistas em ética médica para discussão da possibilidaade de realizar tratamento experimental. Para ser aplicado em larga escala, o medicamento precisa passar por diversos testes em humanos garantindo a segurança do uso. A transmissão do vírus acontece pelo contato com o sangue, secreções e outros fluídos corporais de vítimas in-

Em um blog à la “diário de bordo” do Médicos sem Fronteiras, escrito pela médica Rachel Esteves Soeiro (que está atuando em Télimélé em Guiné), as postagens refletem essa situação. É uma realidade na região, e torna-se muito difícil manter a família longe do ente querido. “Primeiro explicamos à família o porquê de não tocar o corpo, explicamos os riscos, explicamos que iremos nos vestir de forma diferente para nos protegermos e podermos preparar o corpo. Então nos vestimos, entramos no local onde se encontra o corpo, eu tiro uma amostra de células da boca do paciente para analisar se era ou não ebola. Os higienistas, então, lavam todo o corpo com cloro, colocam no saco mortuário e aí a família pode enterrá-lo sem riscos, não é nada fácil para nós, nem para a família”, escreve a médica no blog.


LONA > Edição 904 > Curitiba, 07 de agosto de 2014

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GERAL

Pedala Curitiba incentiva uso de bicicleta como esporte Projeto criado em 2001 pela Prefeitura de Curitiba promove a pedalada como forma de evitar sedentarismo da população Victória Pagnozzi

A falta de exercício físico e consumo de alimentos industrializados estão trazendo cada vez mais problemas à saúde das pessoas. De acordo com uma pesquisa feita pelo Ministério da Saúde, 51,6% dos curitibanos estão acima do peso. Por isso têm surgido projetos que estimulam hábitos saudáveis, como a prática de esportes. Um exemplo é o projeto Pedala Curitiba, cujo objetivo é proporcionar, além de exercício físico, um momento de lazer para a população através da bicicleta. Criado em 2001 pela Prefeitura, o Pedala Curitiba é um evento noturno que acontece todas as terças-feiras a partir das 19h45. Os ciclistas saem da Praça Garibaldi, no Largo da Ordem, e percorrem diferentes percursos toda semana. A distância varia de 15 a 17 km. Em 2013, a Secretaria Municipal do Esporte, Lazer e Juventude implantou a descentralização do projeto, que passou a ocorrer também nos bairros Boa Vista, Boqueirão, Cajuru, Pinheirinho, Portão e Santa Felicidade, e ainda conta com a parceria de grupos ciclísticos.

Mesmo assim, já notou algumas mudanças significativas, como o aumento de seu condicionamento físico e da habilidade. Além de melhorar sua saúde, Ana Letícia também aproveita esse tempo junto à família: “Participo sempre com o meu irmão”.

O prefeito Gustavo Fruet já participou do Pedala Curitiba, que promove uso da bicicleta como exercício físico > Foto: Everson Bressan/ Agência de Notícias da Prefeitura de Curitiba

diabetes e obesidade. Giselle Xavier, Milton Giustina e Lorival Carminatti, no artigo acadêmico “Promovendo o uso da bicicleta para uma vida mais saudável”, afirmam que “pessoas que deixam de ser sedentárias e passam a fazer parte do grupo considerado moderadamente ativo são as que apresentam os maiores ganhos para a sua saúde”.

de participantes no ano de 2013 foi de 77,01. E tudo indica que esse número pode aumentar em 2014, afinal, a média de ciclistas que participaram apenas até o mês de julho do Pedala Curitiba já chega a 72,91. Os três locais com maior número de participações este ano são a Matriz (Praça Garibaldi), que contou com a presença de 2672 pessoas, o bairro Boa Vista, com 1424 participantes, e o bairro Santa Felicidade, que teve 744 ciclistas.

Eles também acreditam que o ciclismo pode ser uma opção melhor do que a caminhada ou a corrida: “A pessoa transporta o seu peso corporal utilizando-se de uma bicicleta, não sobrecarregando músculos e articulações nem a coluna vertebral.” Para pessoas com sobrepeso, esse exercício é o mais indicado, pois não ocorre uma sobrecarga nas pernas.

A saúde tem sido o principal motivo de o número de participantes do Pedala Curitiba ter aumentado. Esse é o caso da estudante de 19 anos, Ana Letícia Poletto. Ela soube do projeto no ano passado pela internet, e decidiu ir para melhorar sua qualidade de vida. Ela conta que não participa todas as terças-feiras, mas que vai a cada duas ou três semanas. Aluisio de Oliveira Dutra Junior, secretário do Esporte, participou do Pedala Curitiba no bairro Bo-

“Não há sobrecarga dos músculos ou da coluna.”

De acordo com a Prefeitura, a segurança é uma parte importante dos eventos. Tanto que é preciso ter mais de 15 anos para participar, e é possível emprestar capacetes caso a pessoa esqueça, ou não tenha um. Além disso, toda edição conta com a supervisão de técnicos da Secretaria Municipal do Esporte, Lazer e Juventude, com viaturas e agentes da Secretaria Municipal de Trânsito (SETRAN) e da Guarda Municipal, e ainda com ciclistas experiente como voluntários, que atuam como monitores. Pedalar é uma atividade que traz inúmeros benefícios para a saúde, visto que evita doenças como hipertensão,

Para continuar mantendo o interesse das pessoas no projeto, a Prefeitura procura deixar os ciclistas informados. Segundo a Secretaria Municipal do Esporte, Lazer e Juventude, apenas no Pedala Curitiba Matriz, mensagens são enviadas para mais de 1400 emails cadastrados informando quantos participantes estiveram presentes na semana anterior, e qual é o roteiro da terça-feira seguinte. A página do Facebook do projeto também serve como fonte de informação para os ciclistas, que ficam sabendo por ali se haverá ou não a pedalada naquele dia, já que com chuva ou garoa o evento é cancelado.

Dados apresentados pela Secretaria Municipal do Esporte, Lazer e Juventude no 3° Fórum Mundial da Bicicleta, que aconteceu na capital paranaense entre os dias 13 e 16 de fevereiro desse ano, mostraram que a média geral

A mudança de percurso em cada edição do Pedala Curitiba é também é um aspecto interessante, pois o cidadão passa a conhecer diferentes partes de sua cidade. Os autores Giselle Xavier, Milton Giustina e Lorival Carminatti, inclusive, dizem que uma maior diversificação da paisagem auxilia na diminuição do estresse e das tensões do dia a dia.

queirão > Foto: : Everson Bressan/Agência de Notícias da Prefeitura de Curitiba


Curitiba, 07 de agosto de 2014 > Edição 905 > LONA

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COLUNISTAS eram assuntos preenchidos por outros colegas.

Trocando em miúdos Luiz Kozak

“Procura-se inspiração. Pagamento a combinar”, dizia o comunicado que colei nos postes das ruas que compõe o meu caminho até o trabalho.

Marinheiro Só A inspiração para escrever não é algo premeditado, com hora e lugares marcados. Ela chega sem avisar, assim como aquela sua tia divorciada que mora em Londrina. Ela te pega pelo colarinho – a inspiração, não a tia, que fique claro - e com olhar fatal diz: “Hoje é dia de coluna, bebê!”. Mas às vezes, como uma amante à beira do rompimento, ela some. Você telefona, bate à porta, e nada. Cutuca nas redes sociais e ouve silêncio como resposta. Tenta lembrar onde foi que

Que será que será da senhora minha coluna?, Chico, meu companheiro de copo e de cruz, perguntou enquanto tomávamos garrafas de suco de groselha, safra 2009.

se encontraram pela última vez, o que beberam juntos, como a noite terminou. Bom, esse foi o resumo da minha semana turbulenta com a inspiração. Ao ser chamado para completar o time de colunistas do Lona, me vi diante de dois possíveis assuntos-tema para esse espaço de todas as santas quintas-feiras: o futebol, a inutilidade mais desejável das gentes; e a música, a mais barata e rápida terapia desse lado da Via-Láctea. Mas, conforme informado pela insistente editora deste jornal, já

Um militar aposentado cheirando a cebola respondeu ao anúncio, mas depois de algumas horas de conversa, descobri que o que o tal do Seu Olavo queria realmente era apenas a atenção que seus filhos nunca deram. Pai, afasta de mim esse mala! Não ia desistir tão fácil. Vesti meu sobretudo e saí às ruas de Curitiba com meu amigo médico em busca da resolução do problema. Elementar, meu caro Valdson!

Gastei toda a tarde na difícil missão de desbravar os caminhos tão conhecidos por alguns conhecidos meus, Luís Fernando – o filho do Seu Érico -, a Dona Rachel de Queiroz e até aquele ranzinza do Seu Nelson, pai da Sônia Rodrigues do 215. Nada encontrei. Como é que eles conseguem? No caminho de volta para a casa, deprimido pelo meu insucesso, recebi a mensagem de um amigo. Caê me Whatsappou: “Ei, vamos nos encontrar, nem que seja apenas para dar aquele abraçaço”. Assim passei a noite, no bar, até que o papo virasse qualquer coisa. São quase três horas do dia seguinte e o meu texto já sambou na cara da deadline umas cinco vezes. Desisto, preciso arranjar uma desculpa. Alguém sabe se a gripe espanhola ainda existe? Não? Ok, penso em outra coisa.

A teoria e o pai em êxtase Perdoe-me o leitor pelo lugar comum. Falar de paternidade à porta dos dias dos pais soa, no mínimo, cafona. Por ser uma data essencialmente comercial que liga nada a coisa nenhuma, o assunto por si só já é enfadonho. Mas o que me inspira a escrever estas linhas é a euforia pelo fato de ser pai cuja filha está em processo de alfabetização. Eis um mundo de descoberta pelo qual passamos, mas pouco temos guardado na memória. Vê-los formar palavras e com elas frases é de um prazer sem precedentes e que merece uma reflexão: a leitura começou muito antes, na verdade, no berço ainda, talvez, na barriga da mãe. O ato de aprender a ler é mágico. Alguns aos cinco, outros – Sofia – aos seis, cada um a sua maneira dá boas vindas e adentra no universo da palavra escrita. E o processo é vicioso. Todo rótulo, toda marca, capa de livro, desde que com uma caligrafia convencional não passa despercebido aos olhares dos pequenos e novos leitores.

No final de semana, o passeio foi à livraria. A escolha dos títulos, que antes se dava pelas ilustrações ou pela escolha do pai, ou alguém que contasse a história, agora se faz pela legibilidade e leiturabilidade das frases nos livros. Tudo gira em torno do “se eu conseguir ler, vou gostar”. Enquanto fucei alguns títulos de literatura, Sofia se deliciava com seus livros. Dedo na página para fazer a linha imaginária que não permite perder o percurso da frase, e com um leve sussurro lia um atrás do outro. Foram três. Alegria de lá e de cá, estávamos os dois encantados. Ela com o entusiasmo do novo, da descoberta. Eu com a euforia e o êxtase de quem vive a alegria pelo outro, como se fosse sua. É mágico. São emoções diferentes. Quando pequenos, a descoberta e desenvolvimento da linguagem é também momento de comoção familiar. Ver os pequenos dando nomes ou criando palavras semelhantes aos nomes dados por nós é motivo de

Geni e o Zepelim

Rodrigo Silva

bajulação e adoração aos novos falantes. Mas é neste ponto que se encontra o alicerce do futuro leitor e que muitos deixam escapar. Estes primeiros anos são essenciais. Dentre as tantas teorias que tratam de questões cognitivas e de aquisição da linguagem, um ato – talvez o mais velho entre nós – é essencial para que esse encontro com a palavra escrita seja agradável e faça sentido: ouvir histórias. A oralidade é ponto fundamental da formação do leitor. O fato de ler a frase causa orgulho a nós que somos pais, como também causa aos que alfabetizam. Mas se as histórias fizeram sentido desde antes, o letramento está a um passo e o

casamento perfeito - letramento e alfabetização – estás prestes a se concretizar. Nossas crianças chegam às escolas com poucas histórias, com poucos livros, com poucas ilustrações. Pelo contrário, chegam com incontáveis horas de televisão e jogos vazios e que servem muito aos pais, pois entretêm os pequenos que, então, “não incomodam”. Quanto mais cedo chegam, mais cedo querem ler. Tudo bem, desde que o aprender a ler não seja um ato qualquer, decodificador de símbolos, mas sim, e este é o essencial, o advento de uma etapa que os levará para um mundo sem volta: o da leitura!


LONA > Edição 904 > Curitiba, 07 de agosto de 2014

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ACONTECEU NESTE DIA

É inaugurado o primeiro website da história O primeiro website foi colocado online em 7 de agosto de 1991, pelo físico britânico e cientista da computação Tim Berners-Lee, que o construiu, inicialmente, apenas como uma página de texto . O site oferecia uma explicação sobre o que era o World Wide Web (a Rede Mundial de Computadores, conhecida como Internet). Visitantes poderiam aprender mais a respeito do hipertexto, detalhes técnicos para a criação de sua própria

página e até mesmo uma explicação sobre como pesquisar na web. Tim é um dos criadores da World Wide Web, tendo feito a primeira proposta para sua criação em 1989. Em dezembro de 1990, ele executou a primeira comunicação bem-sucedida entre um cliente HTTP e o servidor, por meio da internet. Info.cern.ch foi o endereço do primeiro website e servidor web da história, rodado em um computador NeXT.

Tim Berners-Lee na Campus Party Brasil, 2009 > Foto: Silvio Tanaka

#PARTIU Em Cartaz Amazônia Documentário > 76min > Livre Apenas Uma Chance Comédia Dramática > 103min > 10 anos Eles Voltam Drama > 100min > 14 anos Khumba Animação > 85min > Livre

Literatura 48 Contos Paranaenses Antologia reúne textos inéditos de diversos autores do Estado, e será distribuído para as bibliotecas públicas. Alguns Conceitos e Procedimentos para a Análise e Criação Ficcionais Oficina com Paulo Sandrini Local: Palacete Wolf Datas: 30 de agosto Horário: 14h às 18h Inscrições no local, ou por e-mail

Exposições Homem de Couro Maureen Bisilliat expõem série sobre a vida nordestina Local: Museu da Fotografia Data: até 10 de agosto (de terça a domingo) Horário: das 9h às 12h e 13h às 18h (durante a semana) Exposição Persona Máscaras confeccionadas por L. Monezi & Roger Aquino Local: Fundação Cultural de Curitiba Data: até 23 de agosto Horário: 9h às 21h (durante a semana)

Antologia reúne quase três séculos de literatura 48 escritores paranaenses têm textos inéditos publicados e distribuidos gratuitamente em todas as bibliotecas públicas do estado A obra conta com 48 escritores nascidos aqui no estado, ou que tenham migrado para cá. Em suas 390 páginas contempla nomes que vão de Dalton Trevisan, a Cristovão Tezza e Luci Collin, incluindo, ainda, uma nova geração literária. Os textos abarcam quase três séculos de prosa, tendo início em 1853, ano de emancipação do Estado. A coletânea foi organizada pelo escritor Luiz Ruffato, e editada pela Biblioteca Pública do Paraná com uma tiragem de mil exemplares, que devem ser distribuídos gratuitamente às bibliotecas públicas do Paraná. Para Ruffato, o estado é juntamente com o eixo Rio – São Paulo, um dos polos mais relevantes da produção literária do país. Para selecionar os textos, procuraram-se autores considerados plurais, em suas vozes literárias, “colocamos à disposição, na verdade, uma gama de escritores, que, cada um à sua maneira, ajudam a construir o imaginário brasileiro dos últimos cento e poucos anos. Cabe ao leitor escolher, entre tantos, aqueles que melhor dialogam com suas próprias experi-

Autores paranaenses formam antologia > Foto: Divulgação

ências”, salienta o organizador em entrevista publicada no site do Governo do Estado do Paraná. Dentre os autores destacam-se alguns nomes como o da professora Susan Blum, colaboradora da Universidade Positivo e mestre em estudos literários; além do também professor universitário, e por muitos anos colaborar da Gazeta do Povo, Miguel Sanches Neto, conhecido por sua obra de ficção “A Máquina de Madeira” (Companhia das Letras, 2012).


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