Entrevista A jornalista Aurea Leminski, filha do poeta, dá entrevista exclusiva para o Lona.
Edição 810
edição especial Curitiba, agosto de 2013
lona.redeteia.com
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ESPECIAL LEMINSKI
O Antípoda Bukowski, Rubem Braga, Fernando Pessoa e Adélia Prado. Ainda na adolescência tive contato com os primeiros jograis literários de Leminski. Lembro-me de ter gostado. Alguns até enviei para amigos. Outros escrevi no caderno. Mas sabe aquela moça que a gente se encanta e quer conhecer biblicamente? Então, Leminski não me impele ao corpo do texto, ao útero poético. Entro nele, rasgo-o e retorno do mesmo tamanho. Por favor, não faça nenhuma alusão às prostitutas. Tenho maior respeito e admiração por elas. 2. Truco Escrevo crônicas de baixo calibre há mais de dez anos. Por que estou a navegar mares tão inexpressivos? Simples: escrever tem algumas boas doses de truque. Por exemplo, já devo ter escrito aproximadamente 213 crônicas articulistas sobre a minha relação umbilical com Júlio Verne. É um tique. Entrevista: como você começou a ler? Júlio Verne. O que é literatura pra você?
Júlio Verne. O que as manifestações por todo o Brasil dizem de nosso espírito cívico? Júlio Verne, Júlio Verne, Júlio Verne. Somos, em larga escala, uma repetição de nossos amores e dores, sertanejisticamente falando. O que Leminski faz? Ele tem um baralho diferenciado, um baralho de
poesia é casal maior, muitas vezes é blefe, uma sucessão de jingles publicitários, mágica para leitores de um livro ao ano, gente que mais gosta de dizer que gosta de poesia do que realmente gosta de poesia. Entendeu? Entretanto, devo considerar que ele tem um castelinho, sim,
Dico Kremer
Expediente
expressa sentimentos mundanos. Paulo Leminski Filho partiu dessa para melhor um ano depois que eu nasci, em 1989 – e foi cedo, com apenas 44 anos de idade. Não posso dizer que marcou a minha infância, não aprendi sobre seus poemas no
um homem com uma dor é muito mais elegante caminha assim de lado como se chegando atrasado andasse mais adiante
carrega o peso da dor como se portasse medalhas uma coroa um milhão de dólares ou coisa que os valha ópios édens analgésicos não me toquem nessa dor ela é tudo o que me sobra sofrer vai ser minha última obra
muitas cartas, ele até combina estas cartas de modo surpreendente. Então, ele truca. Às vezes, a sua
que volto para visitar todo verão. É esta poesia aqui, que nunca sei se se chama Um homem com uma dor
Leminski-se Como em toda forma de arte, há quem ame ou odeie Paulo Leminski e até mesmo pessoas que não conhecem o trabalho do poeta curitibano – tampouco gostam de poesia. Eu faço parte da trupe que admira a forma crua e sem muitos floreios que
ou Dor Elegante. Sei que já me disseram inúmeras vezes e por diversas vezes esqueci. Porque memória também é tesão, a lembrança do corpo da mulher perdida:
Marietta Lopes
Vou confessar uma coisa a você antes de ser defenestrado: nunca fui adaptado ao universo de Paulo Leminski. Como a minha trajetória de oposição não é muito profunda, sequer escreve um conto de Marcelino Freire – aliás, se puderem, leiam Da Paz, vertigem e calamidade em altas dosagens apócrifas –, direi em breves tópicos o que me incomoda na obra deste judoca e interessante compositor. [De sua obra musical, gosto especialmente de Luzes – essa noite vai ter sol – e de sua versão para Polonaise – choveram lágrimas límpidas, lágrimas ininterruptas –, como se vê, nada de muito incrível, mas bonito.] 1. Desacordo Um leitor, é sobretudo, um amante. Lembro-me de meu terror amoroso diante de minha primeira leitura de Júlio Verne, aos sete anos. Era como se estivesse diante de mim um ciclone, colocando tudo abaixo. Tive a mesma febre do rato quando conheci quase canibalisticamente Charles
Daniel Zanella
Mas não se anime. O poema já foi até musicado pela Zélia Duncan. Se quiser, arrisque. Avisei. 3. Nunca perde essa mania Em geral, sou pouco belicoso. Aceito que a mulher que eu amo me despreze, faço vista grossa para dilemas
familiares, convivo com amigos truculentos sem necessariamente me esforçar para delatá-los de suas incongruências – até porque as tenho aos sulcos. O que tenho mesmo são implicâncias. Por exemplo, Nando Reis. Não consigo com o que ele escreve. Possivelmente desde a canção Família. E, olha, se não bastasse não conseguir entrar no universo de Leminski, que não pode ser reduzido a minha leitura lesmática de Toda Poesia e as primeiras 15 páginas de Catatau, não consigo com a família toda, papai, mamãe, titia. E eles estão por todos os cantos, jamais renegando o seio primeiro: deleite para os fãs, anticlímax contínuo para os surdos como eu. Concluo: Leminski é da minha prateleira de autores antípodas, ao largo de mim, em companhia de James Joyce, Marcel Proust, Homero, William Faulkner, gente que sempre me jogou pra fora do livro – o que me faz supor que o derrotado nesta história toda pode ser eu.
Tatiana Michaud colégio. Me ensinaram tudo sobre Clarice Lispector (outra grande admiração literária) e Carlos Drummond de Andrade. E por que Leminski não fez parte do currículo do Ensino Fundamental? Bem, talvez seja a forma que escreve, sem grandes pudores ou
preocupações com o convencional (e chato) “certo e errado”. Por esse mesmo motivo, o primeiro contato que tive com obras de Leminski foi ao acaso – como quase todo vício cultural que cultivei até hoje. Estava na minibiblioteca que meu pai montou no “quarto de serviço” lá de casa e procurava algo novo para ler, havia cansado da minha própria prateleira. Puxei “Vidas Secas” de Graciliano Ramos, e “Ensaios e Anseios” caiu no chão. A partir daí, nunca mais abandonei os textos e poesias do poeta curitibano com o seu bigode enigmático. Leminski não fala só sobre o amor ou o (des)amor, fala muito
sobre a poesia em seus poemas. Descobrir em cada verso, desse tipo de poesia, uma dica de como funcionava o seu processo criativo de escrita era algo extraordinário aos olhos de uma admiradora literária. Pareça e desapareça “Parece que foi ontem. Tudo parecia alguma coisa. O dia parecia noite. E o vinho parecia rosas. Até parece mentira, tudo parecia alguma coisa. O tempo parecia pouco, e a gente se parecia muito. A dor, sobretudo, parecia prazer. Parecer era tudo que as coisas sabiam fazer.
Reitor: José Pio Martins Professora-orientadora: Ana Paula Mira Vice-Reitor e Pró-Reitor de Administração: Arno Gnoatto Editores: Júlio Rocha, Lucas de Lavor e Marina Geronazzo Pró-Reitora Acadêmica Marcia Sebastiani Coordenadora do Curso de Jornalismo: Maria Zaclis Veiga Ferreira
O próximo, eu mesmo. Tão fácil ser semelhante, quando eu tinha um espelho pra me servir de exemplo. Mas vice versa e vide a vida. Nada se parece com nada. A fita não coincide Com a tragédia encenada. Parece que foi ontem. O resto, as próprias coisas contem”. Talvez seja a forma de tratar a dor, com um descaso sem precedentes, ou até mesmo o jeito de sempre traduzir o que não conseguimos falar, do jeito mais simples e bonito. Independente do motivo, Leminski-se!
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Aurea e o legado da família Leminski Júlio rocha Júlio Rocha
LONA: Recentemente, a Companhia das Letras lançou o livro Toda Poesia do Leminski. Existia uma necessidade de realizar esse lançamento? Aurea Leminski: Teve um momento em que os livros do Leminski começaram a ser editados cada título por uma editora diferente, não tínhamos uma editora única. Com algumas delas conseguimos um retorno interessante, que os livros fossem encontrados com facilidade em qualquer livraria. Mas em outros casos não. Mesmo com uma finalização bonita, algumas obras sofreram com problemas de distribuição e a estávamos ficando limitados. Chegou um momento em que a gente não podia mais ter essa limitação, falando de Paulo Leminski. E a Companhia das Letras tem essa capacidade de estar em todos os lugares, onde quer que você vá, você vê aquela obra com o bigode preto e aquela capa laranja gritando. É impressionante. Hoje a gente vai para qualquer cidade e não há uma livraria que não dedique um espaço especial à obra do Leminski. LONA: E o livro foi um sucesso, vendeu mais de vinte mil exemplares em um ano meio. A que você atribui essa repercussão? AL: No caso do Toda Poesia, a particularidade é que, em primeiro lugar, muitos do livros de poesia dele estavam esgotados já fazia muito tempo. Sempre se falou muito da poesia de Leminski, mas as pessoas tinham uma dificuldade muito grande de adquirir esses exemplares. A partir do momento em que a gente reuniu toda a obra dele em um único volume, todas as pessoas que quiseram adquirir as poesias tiveram uma oportunidade com esse lançamento. E isso fez com que se voltasse a falar muito da poesia de Leminski. Fez com que ela ressurgisse, tivesse uma nova vida. Muitas pessoas-chave começaram a falar sobre o livro, Nelson Motta falou, Pedro Bial falou. Ou seja, existe também o apelo das celebridades, das pessoas que são formadoras de opinião, são intelectuais e falam com um público muito amplo. Foi um processo no qual a poesia de Leminski quase se contagiou, ela voltou a ser falada nas universidades, em vários meios. Ele nunca deixou de ser falado, mas acho que nunca foi falado tanto sobre sua obra. E tem ainda a exposição, que é um projeto paralelo ao livro, mas que também acabou despertando o interesse nas pessoas.
LONA: E qual foi a motivação por trás da exposição? AL: Essa exposição do Mon, que se chama Múltiplo Leminski, foi um convite do museu para que eu, minha mãe (Alice Ruiz) e minha irmã (Estrela) fizéssemos a curadoria. Nosso desafio era encher uma área de 1700 m² que tradicionalmente recebe grandes exposições de artes visuais com uma exposição sobre alguém cuja obra está ligada à palavra e à música. Então, a gente chamou o Miguel Paladino, um designer argentino que está radicado em SãoPaulo e já fez outras exposições do Leminski, para a gente conseguir fazer a concepção toda dessa exposição, transformar todas as nossas ideias em algo que pudesse ser realizado de forma visual. Temos várias ambientações que mostram as facetas do Leminski, todas as áreas por onde ele atuou, muitas delas pouco conhecidas pelo grande público. Então, é lógico que a palavra, a poesia, está muito presente nessa exposição, mas a gente tem outras facetas desse multiartista que foi Paulo Leminski bem representadas lá. E a exposição tem grandes exemplos de várias obras finalizadas tanto na área de publicidade como na de jornalismo, ele atuava fortemente na área de comunicação. A gente leva todo esse material que estava guardado para que as pessoas tenham uma visão maior de quem foi Paulo Leminski. LONA: E como vocês dividiram o trabalho nessa exposição? AL: A gente faz um trabalho de curadoria da exposição. É um trabalho conjunto, mas cada uma acaba se dedicando mais às áreas com as quais possui identidade maior. Minha mãe, por ser escritora, tem uma facilidade maior para lidar com as editoras, para pensar na finalização de trabalhos como livros. A minha irmã, por compor, por cantar e ter seu projeto próprio nessa área musical, tem se dedicado muito no resgate da obra musical do Leminski. E eu tenho uma afinidade muito grande com a organização da documentação, é algo que eu estou fazendo já faz bastante tempo. Por isso acredito que nós, juntas, conseguimos fazer uma trabalho muito diferenciado, mas que se complementa. LONA: A arte está muito presente na família Leminski. Sua mãe, Alice Ruiz, também é escritora. A Estrela trabalha com música e você tem experiência nas artes cênicas e no jornalismo cultural. Isso é influência familiar?
AL: O que eu posso dizer com certeza que eu herdei dessa convivência com Leminski e, também, Alice Ruiz é que a parte da comunicação sempre esteve muito presente. A gente, eu e minha irmã, nunca teve uma orientação dos meus pais no sentido de que a gente devesse seguir uma carreira. Mas, só pelo fato de esse assunto ser recorrente dentro de casa desde que ainda éramos muito pequenas, acho que seria natural que seguíssemos esse caminho. Poderíamos ter seguido outros também, existem vários exemplos de outros filhos de artistas que seguiram outro tipo de carreira, mas no nosso caso houve um influência pois tudo isso sempre foi muito natural. Sempre tivemos a referência do que havia de melhor sendo promovido na área cultural pois era sempre um assunto recorrente dentro de casa. Mas nunca houve influência direta da parte deles. LONA: Se naquela época você tinha acesso ao melhor da cultura, o que acha das oportunidades que Curitiba oferece hoje em dia? AL: Existem muitas opções. Na época em que eu trabalhava diretamente com jornalismo cultural, eu conseguia fazer um programa semanal, cobrindo boa parte da programação cultural, e precisava ser muito eclética para dar conta da variedade de coisas oferecidas. Hoje em dia, eu sou uma grande consumidora de arte - adoro ir ao cinema, teatro e shows – e não dou conta da quantidade de coisas que a cidade está oferecendo para a gente. Tem muita coisa que vem de fora, e muita coisa que está sendo produzida aqui com muita qualidade, atraindo muita gente de fora para cá e levando muita gente daqui para fazer sucesso lá fora. Curitiba está tendo uma produção cultural fantástica e recebendo muita coisa legal. LONA: E o que pode adiantar sobre sua participação na Semana da Comunicação? AL: Vou participar de duas palestras com minha irmã e minha mãe. Mas não vamos chamar de palestra e, sim, de bate-papo. Quando a gente vai falar de Leminski, não consideramos que seja algo fechado como uma palestra ou uma aula e, sim, uma coisa aberta onde a gente conversa e conta muito sobre como é ter o privilégio de ter estado perto dele. Tem esse aspecto, que eu chamo de testemunhas oculares da história, que nos traz um respaldo muito grande para falar de Leminski como pessoa e desmistificar um pouco a imagem que as pessoas têm de Paulo Leminski.
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Paulo Leminski é mais um dos artistas qu
Enquanto vivo, Paulo Leminski já cativou um número grande de admiradores. Porém, com um best-seller tardio, exp KAWANE MARTYNOWICZ “Haja ontem para tanto hoje!”. Essa frase do escritor, poeta, músico, compositor, contista, tradutor, biógrafo, jornalista, publicitário, professor, grafiteiro, faixa preta de judô e autor de histórias em quadrinhos eróticas, além de outras funções que exerceu ao longo de seus 44 anos de vida, como a de boêmio polêmico, diz tudo a respeito do m om e n to em que vive sua poesia retumbante. Assim como os c antores Elvis Presley, Michael Jackson e Amy Winehouse, Paulo Leminski teve sucesso, fãs, grandiosas obras, mas nada comparado ao ápice póstumo que ele está tendo no ano de 2013. A única diferença é que os
demais cantores atingiram o topo da lista de CD’s mais vendidos logo após morrerem, e o autor curitibano, que morreu aos 44 anos, em 1989, foi ter esse destaque quase 25 anos depois de sua morte: um livro que se tornou best-seller, uma exposição inédita e seu nome na boca
Poesia” foi uma proposta das filhas e da mulher de Leminski com a editora Companhia das Letras, de reunir diversas poesias em uma só obra. São 424 páginas, 600 poemas e uma infinidade de sentimentos e emoções ao longo de todo o livro. Apesar de ser sucesso nas livrarias, o best-seller foi publicado mais de duas décadas depois de sua morte. Sempre admirado por leitores pouco convencionais, Leminski fez muito sucesso no início de sua carreira, em 1976, conquistando os jovens de vinte e poucos anos com sua poesia lírica e coloquial, e também os mais intelectuais, com uma poesia concreta, de feição mais erudita e superinformada, com linguagem formal. Capaz de compreender como poucos a
“Não podemos descartar outro fato: a edição é alaranjada, extremamente chamativa, e pode servir como um belo enfeite na sala da casa de quem não lê, mas gosta de parecer inteligente”. Eder Alex dos Prazeres, sobre o livro “Toda Poesia”. das mais diversas pessoas pelo Brasil afora. TODA POESIA Eis o livro que desbancou a trilogia de 50 Tons de Cinza - livro erótico que até então estava no topo dos mais vendidos da Livraria Cultura. “Toda
potência da expressão literária, Leminski criou estilo próprio, forma, conteúdo e linguagem. O poeta ressurge, agora, não só em livro, mas como uma espécie de sábio das palavras nas redes sociais. Trechos de suas poesias são frequentemente postados, e caíram no gosto não só dos mais experientes, que desconheciam suas obras até então, mas dos jovens, assim como no início dos anos 70. O professor de história da arte e da cultura, Leonardo Ferrari,
disse que começou a ler Leminski desde adolescente. “Leio a poesia dele como objeto de arte, por prazer, mas acredito que essa repercussão se dê por curiosidade, da mesma forma que outros escritores, como Cristóvão Tezza”, afirma. Fala também que a atemporalidade da poesia faz com que ela seja eterna, ainda mais hoje. “O jovem de agora lê mais, se interessa mais, tem uma diversidade de caminhos para procurar na internet, tem as redes sociais. É muito
bom valorizar o cenário curitibano, pois é uma arte não oficial, em processo de expressão”, finaliza. Para o especialista em ensino da língua portuguesa e literatura brasileira, Eder Alex dos Prazeres, a obra merece ocupar o ranking. ““Toda Poesia” é um livro importante, pois reuniu todas as fases do autor num só volume, fazendo com que aquele leitor que, porventura, só tenha lido alguns versos em apostilas de escola ou em grafites nos muros,
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ue não pôde ver o ápice de sua carreira
posições e uma enorme repercussão, o poeta voltou a ser destaque nos meios culturais brasileiros neste ano
agora tenha a oportunidade de verificar a plenitude de um grande escritor, de modo mais completo”, conta. Contudo, ele analisa outra face, que remete à popularidade do livro. “Não podemos descartar outro fato: a edição é alaranjada, extremamente chamativa, e pode servir como um belo enfeite na sala da casa de quem não lê, mas gosta de parecer inteligente”, afirma. Já para o advogado e amante da literatura, Clelio Toffoli Júnior, o livro não é tão bom assim. “Acho que é muito irregular, com uma poesia mais ligeira e preguiçosa, abusando de poemas curtos em forma de piada. O Polaco era um escritor ansioso, publicava tudo o que escrevia. Faltou-lhe seguir o conselho de Ezra Pound, que dizia que “o poeta tem que aprender a usar o cesto de lixo””, argumenta. Ele também opina sobre essa popularidade repentina. “O Leminski andou muito tempo “fora de catálogo”, pois a poesia faz parte de uma “imensa
minoria”, o que acaba fazendo com que o movimento seja mais suave, de difícil percepção pelo grande público. A popularidade dele sempre foi maior mais por conta do personagem público do que pela sua escrita propriamente dita”, declara. MÚLTIPLO LEMINSKI Além do livro, a vasta obra de Paulo Leminski ficou em cartaz na maior exposição já realizada sobre o curitibano, “Múltiplo Leminski”, no Museu Oscar Niemeyer, desde o dia 27 de outubro do ano passado. A exposição foi encerrada no último domingo, dia 9 de junho, e a despedida de Curitiba foi em grande estilo: um show especial, no Auditório Poty Lazzaroto, no dia 4 de junho, com a filha do poeta, Estrela Ruiz Leminski, e a participação especial de Arnaldo Antunes. O espaço contou com áreas nas quais o poeta atuava, como música, poesia, tradução, cinema, grafite, quadrinhos etc. “Esta exposição
contempla todas as facetas de Leminski”, disse Alice Ruiz, poetisa e companheira do autor por duas décadas. Segundo a curadora do evento, a exposição em Curitiba recebeu mais de 180 mil visitas, o que motivou a expandi-la para outras regiões. “Sucesso total! Agora ela vai itinerar pelo Brasil. Já tem agenda em Foz do Iguaçu, em julho, em Goiânia, em novembro e para 2014 começará em Recife”, conta. Clelio Toffoli Júnior diz ter gostado da exposição, e que ela foi muito bem organizada. “Achei a exposição do MON interessante, por trazer ao visitante uma visão que aproxima o escritor do leitor. Acredito que a finalidade foi plenamente satisfatória, ajudando muito na repercussão atual do Leminski, e alimentando a aura mítica que ele sempre teve”, afirma o advogado. TRAJETÓRIA Antes de tudo isso, Leminski é dono de uma extensa e relevante
obra. Desde cedo, inventou um jeito próprio de escrever poesia, trabalhando poemas breves, trocadilhos, brincando com ditados populares. Foi um importante divulgador do haikai no Brasil (gênero da poesia japonesa que utiliza apenas três versos, valorizando a objetividade e a concisão) que praticava com maestria, resumindo o universo em poucas linhas. Sua poesia não estava apenas em suas obras, mas em sua vida, suas polêmicas, seu bigode, seu humor e seu carisma, além de seu paradoxo em ser considerado um poeta “marginal” e “concreto” ao mesmo tempo, movimentos opostos que o tornam inclassificável. O poeta foi homenageado de várias maneiras, mostrando a dimensão de sua importância. Um exemplo disso é a Pedreira Paulo Leminski, que inclui um palco ao ar livre que pode abrigar grandes apresentações, e o Espaço Cultural Paulo Leminski,
onde obras, fotos e histórias do poeta e intelectual podem ser vistas e lidas. Outro exemplo foi a homenagem que Caetano Veloso fez para ele em seu livro “Caprichos e Relaxos”. “Esse livro de poemas é uma maravilha, porque os poemas do Leminski são muito sintéticos, muito concisos, muito rápidos, muito inspirados. Ele é um sujeito gozado. É um personagem muito único, no panorama da curtição de literatura no Brasil. Eu acho um barato. Leminski é um dos mais incríveis que apareceram”, escreveu o músico. Mesmo não vivendo muito, Leminski soube aproveitar a vida. Casou, descasou, viveu em comunidade hippie, bebeu (morreu, inclusive, de cirrose), escreveu músicas, deu aulas de judô, foi comentarista na TV, enfim, se tornou pop, hoje e sempre. Apesar de vários críticos de literatura acharem essa fama uma desvalorização de sua traje-
tória em vida, o próprio poeta acharia normal, pois como ele mesmo diz em um de seus versos: “não discuto com o destino, o que pintar eu assino”.
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Um brinde, um abraço, um poema João dusi e lucas de lavor Marcia Alevi
Polaco latino boêmio “loco paca” que sabia latim. A aparente incoerência e poluição generalizada da frase inicial não poderiam ser mais adequadas, pois estamos falando de Paulo Leminski, o faixa-preta em judô que não abria mão do copo nem dos versos – muito pelo contrário, um completava o outro. Essa combinação esteve presente ao longo dos anos nas incessantes publicações, de livros de poesia a romances, de traduções a biografias. A história central, aqui, se passa nos idos dos anos 80, quando o poeta poliglota fez fama de boêmio pelos bares de Curitiba, sem jamais deixar para trás a relação natural que tinha com os versos. Qual seria a palavra certa para definir
alguém que compôs o primeiro poema em latim? Começamos por uma parada sagrada: bar Stuart. Dino Chiumento, 76 anos, proprietário, conta que eram frequentes as visitas de Leminski ao bar, e não demorava muito para seus amigos se acomodarem com o passar do tempo. “Ele sentava ali [mostra uma cadeira no canto], escrevia poesias, nos guardanapos mesmo, algumas vezes. E ficava até as duas, três [horas], dependia.” O bar, que fica na esquina da Praça Osório com a Alameda Cabral, abriga uma quantia extraordinária de rótulos de destilados à vista e exibe com orgulho em suas paredes “relíquias”: fotos antigas que mos-
tram o começo do bar e premiações da revista “Veja” como um dos melhores bares e restaurantes de Curitiba. O espaço não é grande, mas bastante aconchegante para ter inspirado Leminski a escrever dois versos perpetuados na história: O Rio é o mar Curitiba, o bar. Dino nos entrega papéis com informações do bar e uma foto de Leminski tirada no estabelecimento. Com aparente orgulho, afirma que os versos acima foram escritos “ali” (aponta para uma mesa próxima à janela), onde o poeta costumava enxugar de 3 a 4 doses de Vodka Smirnoff enquanto trabalhava em seus versos.
Assim, de bar em bar, Leminski é lembrado hoje como um boêmio intelectual da velha Curitiba. Mesmo que considerado por uns como um “poeta burguês”, seu rompimento com a poesia de vanguarda, aliado a um estilo próprio de brincar com as palavras em busca de rimas cruas, mas profundas, Leminski ganhou fama e, por consequência, o dinheiro que o permitia desfrutar de uma vida regada a álcool. Um dos bares que frequentava era o Alemão, no Largo da Ordem, onde religiosamente seria possível encontrá-lo nos fins de semana. Foi palco para devaneios que resultavam em poesias. Nos domingos, disputava o reconhecimento em pequenos eventos chamados de “Semana João Dusi/Lucas de Lavor
Parade do bar do Sílvio que abriga a poesia “A Burguesia” de Mauro Jorge Azevedo
do Poeta”, em que era responsável por escolher o melhor poema da semana. “A Burguesia”, de Mauro Jorge Azevedo, hoje com 46 anos, foi uma vez escolhido como o melhor da semana. Participando com frequência das aventuras etílicas de Leminski, Mauro se viu em débito com a presença do já reconhecido poeta e, mesmo alegando que “não sabia escrever”, acabou por compor os versos que ganharam reconhecimento de seu parceiro de copo e de filosofia. Atualmente, Mauro cambaleia com frequência nas proximidades do Bar do Silvio, no bairro Pinheirinho, localizado na rua Nossa Senhora do Sagrado Coração. Apesar de não ter ganhado visibilidade, “A Burguesia” é seu grande motivo de satisfação. Consequentemente, ele não se cansa de repetir que a escreveu, em certa instância, ao lado de Leminski e a seu pedido, tendo como motivo de orgulho um exemplar emoldurado exposto na parede do bar, assinado por “Bruce Lee de Leuroy”, apelido que Mauro ganhou após entrar numa briga e deixar o adversário em condições lamentáveis. A quem possa interessar, na íntegra, os versos que um dia foram reconhecidos
pelo finado Polaco: Nasci devendo Algo que não entendo Já vim contratado pela burguesia Estou chorando, mentindo, fingindo, sorrindo Quando não estou a fim Mas vou caminhando Como um poeta extasiado da vida Em busca de um sorriso Cheio de harmonia. A simplicidade do Bar do Silvio contrasta com o luxo do Stuart e do Alemão, sendo algo próximo do Bife Sujo (outro bar que Leminski frequentou). A decoração não fica a desejar (repleto de quadros e vinis de bandas como Pink Floyd e Led Zeppelin, pendurados nas paredes), e a simplicidade também está nos frequentadores: clientes fiéis, que se conhecem bem, onde o bom e velho “fiado” sobrevive devido à confiança. Confiança que provavelmente deslumbraria Leminski, amante da cultura japonesa e de seus costumes tradicionais. Quem sabe não seria mais um desses clientes fiéis? Na breve estadia de Leminki na Terra – ele morreu aos 45 anos, de cirrose hepática – ele foi impassível perante o próprio brilhantismo, sem se levar pela vaidade. Restou a entidade do Polaco, que assombra positivamente qualquer um que deseje se aventurar nas entranhas dos versos que tocam sem a pretensão do erudito, mas com toda a mesma sabedoria.
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Múltiplo Leminski O Museu Oscar Niemeyer (MON) foi palco da mostra “Múltiplo Leminski” durante 8 meses. Vista por cerca de 180 mil pessoas, a curadoria da exposição contou com a presença de Alice Ruiz e assistência de Aurea e Estrela Leminski. O espaço da exposição, localizado no Salão Principal, Olho, foi dividido em diversos nichos com as diferentes áreas de atuação de Leminski, como música, poesia, prosa, traduções, quadrinhos, etc. A exposição agora se encontra em Foz do Iguaçu no Ecomuseu de Itaipu e estará aberta para visitação até 20 de outubro. Em menos de 21 dias já alcançou um público de mais de 28 mil pessoas. Depois de Foz do Iguaçu, a exposição ainda deve passar por vários estados brasileiros; na lista estão capitais como Goiânia e Recife. Cristiane Macedo| Ricardo Macedo Cristiane Macedo| Ricardo Macedo Cristiane Macedo| Ricardo Macedo