Lona Especial PASQUIM Homenagem ao Ziraldo
lona.redeteia.com
UM JORNAL Nテグ ESCOLHIDO
Edição Histórica de Homenagem ao ZIRALDO Curitiba, novembro de 2014
EDITORIAL
Reaja Nesta edição especial do LONA – e também a última de 2014, rendemos uma homenagem ao Pasquim. Pela ocasião da visita de Ziraldo à Universidade Positivo, foram produzidas diferentes páginas para o jornal com temas diversos. Não por acaso, predominaram temas relacionados à sexualidade. Não só pelo fato de a temática estar presente na vida dos jovens de forma mais intensa, mas também porque uma das propostas era tratar de temas tabu. E, considerando este último quesito, foi uma surpresa a predominância do assunto. Percebe-se, dessa forma, que ainda há muitas abordagens intocadas em relação àquilo que é inerente ao ser humano: o sexo. É igualmente surpreendente verificar que mesmo para jovens isso ainda tenha de ser mais amplamente comentado e abordado.
APRESENTAÇÃO
Edição Histórica Da Redação
No dia 10 de novembro de 2014, o ilustrador e artista Ziraldo esteve na Universidade Positivo para ministrar uma palestra sobre sua carreira aos alunos. Nascido em 1932, Ziraldo é pintor, escritor, chargista, caricaturista e jornalista. É o criador de grandes obras como “A Turma do Pererê”, “O Menino Maluquinho”, “The Supermãe”, “Mineirinho - o Comequieto” e outros. Ziraldo integrou a equipe que criou o jornal O Pasquim, editado de 1969 a 1991, e que teve importante papel de oposição ao regime militar, que perdurou por mais de 10 anos no país. Em homenagem ao jornal do qual Ziraldo fez parte, e ao ilustrador, o LONA publica esta edição histórica,
feita nos modelos de diagramação do Pasquim e com a capa especialmente ilustrada pelo próprio Ziraldo. O LONA é o jornal-laboratório do curso de jornalismo da Universidade Positivo, que foi criado em 1999. Desde agosto de 2004 tem periodicidade diária, circulando de segunda a sexta-feira, entre os meses de abril e novembro. Ele é o único jornal-laboratório com periodicidade diária.Também conhecido como Jornal Laboratório da Notícia, o LONA faz parte dos veículos de comunicação da Rede Teia – a rede de comunicação da universidade que abrange todos os veículos do jornalismo, como forma de incentivar a prática dos
alunos. Entre os veículos da Rede Teia estão: Tela Un (telejornal diário), Rádio Teia (radiojornalismo diário), Portal Teia Notícias (portal de notícias online), Naco (núcleo de assessoria de comunicação) e a Entrelinha (revista semestral). O semanário trazia quase sempre, em suas capas, uma frase de grande impacto que prendia a atenção dos leitores desde o primeiro momento. Nesta homenagem do Lona ao Pasquim, nossa frase se refere à decisão de Ziraldo de se abster da árdua tarefa de selecionar os melhores conteúdos apresentados à equipe de edição do jornal. Esse é o último Lona de 2014. Nos vemos no ano que vem!
Em meio a essas questões, também há discussões importantes como aquelas relacionadas à política e aborto. Temas que não são necessariamente considerados tabus na mídia brasileira, mas que com certeza merecem mais amplitude e profundidade. Quando surgiu na década de 1960 em meio à ditadura, o jornal Pasquim tinha a irreverência de, entre outros, Millôr Fernandes, Jaguar, Ziraldo, Tarso de Castro, Ségio Cabral, Henfil, característica a qual conferiu ao semanário um tom anárquico que o polemizou e lhe deu fama. O espírito deste Lona é o mesmo: polemizar e marcar uma edição que já nasceu cheia de polêmica e esperança. Apesar de vivermos em uma imprensa livre, ainda é muito evidente a repulsa a certos temas que, submetidos à lógica do mercado, não aparecem com tanta frequência na mídia. Nossa intenção, neste Lona, foi falar de forma clara, incisiva e até mesmo incômoda sobre assuntos que batem à nossa porta. A imprensa deve ser livre especialmente no âmbito universitário. O caráter experimental deve sempre ser um aliado da criatividade tão efervescente nas mentes dos jovens. O resultado é este que está em suas mãos. Divirta-se, surpreenda-se, indigne-se. O que importa é ter alguma reação. Boa leitura!
Ilustração: Julia Trindade
Expediente
Reitor José Pio Martins Vice-Reitor e Pró-Reitor de Administração Arno Gnoatto Diretor da Escola de Comunicação e Negócios Rogério Mainardes
Pró-Reitora Acadêmica Marcia Sebastiani Coordenadora do Curso de Jornalismo Maria Zaclis Veiga Ferreira Professora-orientadora Ana Paula Mira
Coordenação de Projeto Gráfico Gabrielle Hartmann Grimm Editores Ana Justi, Alessandra Becker e Bruna Karas Editorial Da Redação
Edição Histórica de Homenagem ao ZIRALDO Curitiba, novembro de 2014
Ilustração: Julia Trindade
Ana Mayer, Bruna Karas, Graziela Fioreze e Lucas Souza Lucas namora Graziela, que paquera Bruna, que tem um caso com Ana, que é apaixonada por Pedro, que se relaciona muito intimamente com todos. O esquema é simples: não há limite... Quanto mais, melhor! Poliamoristas defendem ferrenhamente que o sentimento não precisa ser unidirecional. Seria egoísmo dedicar algo tão importante para apenas uma pessoa. É tanto prazer a ser descoberto que um único indivíduo não é capaz de preencher os desejos afetivos e sexuais do outro.
com diversos parceiros que podem ou não ficar entre si. Jonathas* nunca se sentiu parte do mundo masculino pré-definido pela sociedade. Não gostava de praticar esportes, tinha admiração por meninas e também se sentia atraído por meninos. Aos 18 anos, conheceu um parceiro que se sentia do mesmo jeito e os dois resolveram adotar um terceiro para a relação. - A diferença entre o poliamor e o [amor] tradicional, na minha visão, está na forma livre de poder amar quem eu bem desejar, sem amarras; dar e ter essa liberdade de ser feliz não só com uma pessoa, explica Jonathas.
- Eu creio que as pessoas não se pertencem, elas se completam. E podem dividir sua relação. Não significa que sou ausente de amor. Eu amo, e amo muito, res- - A ideia aceita é de que posalta a escorpiana, feminis- demos nos interessar por ta e maquiadora Raphaela*. outras pessoas sem que isso diminua ou prejudique o Poli, do grego “polus”, sig- nosso relacionamento, renifica número indefinido. vela Venilson*, que, além Poliamor, portanto, tem de relacionamentos no como conceito exatamen- mundo concreto, também te os vários amores pos- mantém relações poliasíveis. É um modelo de moristas virtuais, junto de relacionamento que acaba sua mulher. Há diferença por divergir da monoga- entre o conceito de poliamia ao aceitar relações mor e de relacionamento
gatoriamente consensual, a prática conflita com a ideia de liberdade disseminada pelos poliamoristas.
aberto. No segundo, não é necessário, obrigatoriamente, dar satisfações aos companheiros. E o primeiro adota a necessidade de regras, conversas e limites.
as pessoas possam ser de outras pessoas. Não somos objetos, propriedade de alguém. Ter ciúmes é algo natural e vai de cada um conseguir lidar com isso.
- Minha visão do termo “relacionamento aberto” me remete a uma falta de compromisso com os envolvidos no relacionamento, diz Venilson*
- Eu acho que é muito mais fácil quando já, de início, uma ou as duas partes se mostram partidárias de uma modalidade de relacionamento como essa. Porque aí não é necessária a construção, ela já nasce dessa forma, é a opinião de Alessandro*, que está aberto a diver- Apesar das diferenças e sas formas de relações. singularidades de cada relacionamento, o im- Temos um relacionamento portante é estar bem connão monogâmico, do tipo sigo mesmo e com o(s) poliamorista, em que am- outro(s), como destaca a bos têm liberdade de se en- psicóloga Mônica Staut: volver sexual e afetivamente com outras pessoas; já do - Problemas sempre vão ponto de vista filosófico so- existir em qualquer formos “BDSMers lifestylers”, ma de relação entre pesconta Rodrigo*, adepto do soas, e o importante nespoliamor e do BDSM (D/s). te contexto é aceitar os problemas, saber que eles A sigla se refere à ex- existem e poder dar conta pressão “Bondage, Dis- deles de forma saudável, diz. ciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo”, que diz respeito a comportamentos sexuais. * Os nomes dos personagens foram Apesar do BDSM ser obri- alterados por escolha editorial.
- Os tempos de hoje favorecem muito este tipo de relação, uma vez que vivemos a abertura de tudo que aprisiona ou aprisionava as pessoas nos relacionamentos e deixa as pessoas muito mais livres para a realização de sua felicidade, explica a psicóloga Mônica Staut. Entre os fatores que podem prejudicar a saúde de uma “polirrelação” estão o ciúmes, o sentimento de posse, o medo de ser trocado por outra pessoa ou a não aceitação completa dessa forma de amor. Mariana* afirma não acreditar na propriedade de uns sobre os outros: - Eu não acho que esse medo de perder a pessoa faz sentido. Não acredito que
- Minha mulher é minha “escrava” 24 horas por dia, 7 dias por semana, mas para resolver o conflito entre os dois conceitos, tivemos que conversar muito e decidir onde terminam os limites impostos pela D/s e onde começa a liberdade poliamorista dela, finaliza Rodrigo*.
Edição Histórica de Homenagem ao ZIRALDO Curitiba, novembro de 2014
Visualizado e ignorado com sucesso Thaynara Oliveira
Smartphone pra cá, tablet pra lá e um casal no meio. Essa tal de internet revolucionou o jeito com que nos relacionamos, e nos deixou mais neuróticos, consequentemente. Dúvida? Abra seu Facebook agora e veja qual o assunto do momento. Pois é, a tal da última atualização do Whatsapp, que mostra o horário em que a pessoa leu a sua mensagem. Seguido da notícia, infinitos comentários sobre o quão terrível essa atualização é e como destruirá amizades, namoros e afins. A sociedade que me desculpe, mas pelo menos no que eu via nos filmes, laços afetivos costumavam ser mais fortes do que atualmente. Você chega num bar ou num restaurante e topa com uma roda de amigos. Eles conversam um pouco entre si, mas, passado um tempo, cada um está mergulhado na sua pequena janela virtual. Respondendo uma mensagem, colocando aquela selfie no Instagram, ou marcando os “amigos” no Foursquare. Um restaurante em Nova Iorque (Estados Unidos) fez uma pesquisa de porquê o negócio vinha afundando com o passar dos anos. Eles comparam o ano de 2004 com 2014 e perceberam que os clientes passam quase uma hora a mais no estabelecimento porque perdem tempo com seus celulares, seja conectando o wi-fi, tirando foto do prato, ou da roda de amigos.
Foto: Divulgação
Outro caso de perdição tecnológica aconteceu em algum show da Beyoncé. Lá estava a diva do pop, cantando e dançando de lá para cá. Até que ela decide pegar na mãos dos fãs. O fã ficou “tão emocionado” que decidiu fotografar o momento. Enquanto ele tentava ajustar a câmera, a cantora lhe soltou a mão e foi embora, dando continuidade à apresentação. Pois é, a pessoa a qual ele mais admirava passou por ele, deu-lhe a mão e ele perdeu o momento, porque estava ocupado demais “registrando”. E ainda tem o caso das “selfies”, aquelas fotos que tiramos de nós mesmos e publicamos por ai. Em certos casos, OK. Você estava sozinho naquela viagem incrível na Irlanda e não tinha ninguém pra tirar uma foto sua. Mas por que diabos ficar tirando fotos da sua cara, TODO santo dia de um ângulo diferente? Eu dou unfollow nessas pessoas. Roubando a frase de meu amigo, isso é falta de uma louça pra lavar.
TEMPOS MODERNOS
Antes que você, leitor, venha me criticar, eu acredito sim que a tecnologia e a internet são importantes e que fazem a nossa vida melhor. E eu sou tão refém delas quanto você é. Mas no tempo em que passamos abastecendo a nossa vida virtual, a vida real continua passando. E, amigo, ela passa rápido. O que as pessoas não percebem é que a internet é feita de pessoas para pessoas. Afinal o que seria dela sem alguém para alimentá-la? O que seria do Instagram, se não houvesse pessoas, que vivessem momentos para fotografá-los e compartilhar? E aquele seu blog favorito? O blogueiro teve que viver momentos para pode partilhar ali. Você pode ter o último aparelho lançado, o melhor computador da atualidade, mas não vai ter nada, se não tiver pessoas. A palavra que soluciona tudo é VIVER, viver intensamente, viver cada momento, viver como se não houvesse amanhã. E se depois disso tudo ainda lhe sobrar tempo, compartilhe. Fotos: Talissa Kojuman
Edição Histórica de Homenagem ao ZIRALDO Curitiba, novembro de 2014
O bem do século Murilo Prestes
A evolução na forma de comunicação tem beneficiado muito a sociedade, é praticamente impossível pensar em viver como em alguns anos atrás, em que nem telefone existia. As pessoas, hoje, estão entregues às tecnologias do século. Nos anos 2000, quando houve a chegada da internet com força total, tudo era muito estranho e também muito caro, as pessoas não acreditavam que aquilo fosse necessário, ou que aquilo iria mudar o comportamento da sociedade. No Brasil, podemos apontar alguns dados interessantes para todo esse novo aparato tecnológico que surge a cada dia. Se pegarmos como exemplo o telefone, antes ele era fixo, caro e acessível a uma pequena parcela da população, aí logo vieram os móveis, que não eram tão portáteis assim, mas já eram uma grande evolução; o custo foi ficando
cada vez menor, assim como o tamanho do celular, e hoje, com tantas funções, já domina a vida de muita gente. Em nosso país, por exemplo, segundo a Agência Nacional de Telefonia (Anatel), existem três linhas móveis habilitadas para cada cidadão. O ritmo de vida mudou de acordo com a evolução de todas as tecnologias, que sempre visam facilitar a vida. Estudos apontam que as pessoas não se movimentam mais o necessário, simples atividades do dia a dia já se tornam um grande desafio para os dependentes das tecnologias; não só o sedentarismo físico, mas a mente de pessoas que usam a tecnologia pra tudo fica mais preguiçosa. Outro exemplo é o computador, ele realiza atividades muito importantes de forma facilitada, já é difícil pensar
na vida sem ele, desde fazer um texto, conversar nas redes sociais, até mesmo controlar a sua vida financeira. Um ponto que podemos levantar, é pensar como será nossa vida num futuro próximo, já que tudo evoluiu a cada instante, a cada vida uma nova tecnologia surge, é possível se pensar como o homem vai se comportar em alguns anos, sendo controlado pelos equipamentos tecnológicos.
É um fato que a tecnologia só beneficiou o ser humano e a sociedade como um todo, mas, se o ser humano não melhorar, é difícil saber onde iremos parar.
Foto: We Heart It
O Azul é meu país “Para bom entendedor, meio Pasquim basta” - Catarina, Filipe e Fernanda
O
Azul é meu país. Nada diz mais sobre o caráter de uma pessoa do que a sua cor preferida. Na revista que eu vejo toda semana, sempre fica evidente que as pessoas das outras cores são burras ou mal intencionadas. E o pior de tudo, me obrigam a reclamar da democracia. Prefiro até não entrar no mérito do jeito que elas falam ou das músicas que ouvem. Só tenho uma certeza. Chegou a hora de construirmos um muro separando toda essa gentalha vermelha do resto do país! O plano é bem simples. Como nosso objetivo é isolar os vermelhos Norte e Nordeste, o muro será erguido nas fronteiras do Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e Espírito Santo. Bom, talvez não seja tão simples assim. Não podemos confiar em estados como Minas Gerais e Rio de Janeiro, já que eles fizeram questão de usar vermelho em 2014. Também precisamos ter cuidado com o Rio Grande do Sul, já que os gaúchos gostam muito de jogar para os dois lados. Isolados esses estados, o nosso Império Azul começa a tomar forma. Só será necessário excluir os últimos redutos vermelhos que res-
Edição Histórica de Homenagem ao ZIRALDO Curitiba, novembro de 2014
tam. No Paraná, o muro terá que isolar mais de 150 municípios que avermelharam nesse ano. O projeto de construção do muro está começando a ficar complicado, mas isso não é problema meu. Depois contrataremos algum engenheiro para lidar com esses detalhes. A ameaça vermelha também está enraizada na capital, mas não estou disposto a abrir mão de Curitiba. A melhor opção será isolar as 48 zonas eleitorais que se pintaram de vermelho. Para diminuir as chances de ver alguma pessoa com essa cor odiosa andando pela rua, também precisamos excluir do nosso Império os times de futebol avermelhados. Então, os terrenos do Atlético e do Paraná Clube também deverão ser contornados pelo muro. Quem sabe o muro também possa fechar o apartamento da lazarenta da minha vizinha do 71. Ela se recusa a ver a Comissão da Verdade como um instrumento de manobra política vermelha. Ela só diz isso porque não lembra como era bom quando os militares estavam no poder. Naquela época, ninguém tinha que discutir as diferenças entre azul e vermelho. Na “Ilha de paz em um mundo conturbado”, todos usavam preto. Filipe Mendes Webber
Voltas Eu procuro me colocar, em outro lugar. Minha cabeça quer pensar, mas não para de girar. Roda-gigante pra quem nota é importante, o movimento é constante. Como na vida subimos e descemos, às vezes tudo para e tem coisas que você não inala. Depois de certo tempo supera, E já não tem mais aquela espera. E agora o que te atinge não é mais o vento. Que vem de dentro pra fora, de fora pra dentro. Catarina Del Corso Correa
Edição Histórica de Homenagem ao ZIRALDO Curitiba, novembro de 2014
“Quando eu saí do armário...” Lucas Karas e Augusto Tortato
“
Quando eu me assumi, senti que meus pais ficaram decepcionados, pois viram que o sonho de ver uma filha se casando na igreja e formando uma família tradicional não seria concretizado. Mas, ao mesmo tempo, percebi que a preocupação deles estava mais voltada para a rejeição que eu poderia sofrer por parte de amigos e familiares. No entanto, eles conversaram comigo para tentar entender minha orientação, afinal, era tudo muito novo para eles também. Na época, eu estava namorando uma mulher, mas meu pai não quis conviver com aquele situação de imediato, e eu tive que respeitar. O tempo foi passando, e ele percebeu que eu passava mais tempo com a família dela do que com eles. Minha ausência virou algo constante, e nesse momento meu pai resolveu abrir mão do preconceito e passou a aceitá-la em nossa casa. Hoje, quase quatro anos depois, ele é totalmente apaixonado por ela, é mais um filha. Quando ela não vem, ele sente saudades. Meus pais perceberam que eu não mudei em nada e que ao contrário do que eles imaginavam, meus amigos e familiares me acolheram, me respeitam e me admiram por não ter vergonha de ser o que sou. Meus pais perceberam que eu precisava viver o meu sonho é não o deles. Hoje, a minha felicidade é o que realmente importa, e não os padrões impostos pela sociedade.”
“
Na verdade eu fui puxado pra fora do armário. Fazia uns seis meses que eu tinha me aceitado. Um certo dia minha mãe me chamou pra conversar. Ela perguntou se eu era gay, eu resisti. Eu não estava pronto para aquela situação nem queria que fosse assim. Ela meio que me forçou a sair, o que foi péssimo pra mim. E pra ela. Foi bem dramático e ela chorou durante umas duas semanas. Hoje em dia meus pais e meu irmão são super tranquilos em relação a isso e agradeço muito o apoio deles. Não sou totalmente fora do armário, meus amigos e meus pais e meu irmão sabem, o resto pode ter uma ideia, mas nunca disse. Apesar de sempre ter postado fotos com o meu ex-namorado no instagram, eu sou um pouco reservado em relação a esse assunto.” Anônimo, 19.
Paula, 25.
“
Não faz mais o menor sentido continuar “no armário” nos dias de hoje. Por que os outros se importam tanto com quem você ama? Eu contei pra minha mãe que era gay com 16 anos. Passado o choque inicial, ela até levou numa boa. Contei há poucos dias pra um amigo de infância – hétero – que reencontrei e a reação dele foi “ah é? Que legal!”. O espírito é esse mesmo. Ser gay é só mais uma das várias características minhas. ~Se assumir~ (odeio a expressão, parece que a gente está admitindo fazer alguma coisa errada) é ótimo e recomendo. Ninguém deveria viver fingindo ser o que acha que os outros querem que você seja. Apenas não faz sentido!” Bruno, 24.
“
Eu saí do armário quando percebi que não tinha motivos para me esconder, foi quando percebi que eu sou o que eu sinto e não tem nada de errado em amar.” Juliana, 20.
Edição Histórica de Homenagem ao ZIRALDO Curitiba, novembro de 2014
Elas Em um hospital, duas velhas compartilhavam o quarto, cada uma em um leito cercado de aparelhos. Não muito distante da morte, uma delas estava indignada com a matéria que lia numa célebre revista que levava na capa a frase “Eles sabiam”, e comentou com a outra: – Viu que elegeram aquela terrorista de novo? Eu não quero morrer em um país comunista. – Como assim? - Perguntou a companheira de quarto no leito ao lado. – Eles sabiam de tudo, não leu? O PT sabia de toda essa roubalheira. É tudo estratégia deles pra transformar o país numa ditadura comunista, com essa conversa de reforma política. – Isso aí é verdade. E esses médicos que vieram de Cuba... Todos guerrilheiros prontos para o golpe. A sorte é que estamos em um hospital privado, porque se estivéssemos em um público... – Como podem reeleger essa mulher? Ninguém vê o perigo que ela representa? É por isso que tinha que ter impeachment... – É uma vergonha. E o exército não faz nada! – Aqui diz que tem um monte de gente indo pras ruas, pedindo intervenção. – Mas tem que fazer, mesmo. Precisamos de gente competente no poder, que nem nos velhos tempos, lembra? O Brasil era muito melhor, não tinha corrupção naquele tempo. – Nem me fale, não tinha essas palhaçadas de hoje. As pessoas tinham bons costumes, não se via homem com homem na rua e a economia não era essa coisa falida. – Mas sempre tem quem se finja de bobo, né? Não vê as coisas ruins no comunismo, acha que é tudo perfeito. A velha continuou lendo a revista em silêncio enquanto a outra fazia tricô, até que comentou:
– Seria bom se os militares voltassem, né? Uma nova revolução... Ou se o Tancredo Neves estivesse vivo. Tudo teria sido diferente...
Viviam sem roupa, no meio do nada, ainda bem que os portugueses trouxeram a civilização.
– Só enchiam as manifestações dos jovens baderneiros e toda essa conversa de opressão. No governo JK era melhor ainda, porque não tinha essas coisas, pensando melhor.
– Mas se hoje o comunismo tomou conta do Brasil, é culpa de quem queria a democracia nessa época. Se ainda tivesse rei, duvido que existissem todas essas barbaridades.
– Uma época em que as pessoas sabiam o verdadeiro significado da palavra progresso... – Acho que essa época só perde pra de Washington Luís. Esse era um homem decente com um governo do mesmo tipo. – Se parar pra pensar, essa desordem é mais recente. Na república das espadas, as coisas já funcionavam muito bem também. Os marechais governavam como se devia. – E na monarquia então? Um governo tradicional, respeitoso e eficaz. As duas ficaram alguns segundos em silêncio, talvez pensando no que haviam acabado de falar. Até que a primeira terminou de ler a revista e colocou a edição na mesa de cabeceira. A colega de quarto, que parecia estar pensativa, retomou o assunto: – Realmente faz falta a administração portuguesa... – Nunca deveriam ter ido embora do país. O problema todo já começou aí... – Era uma época em que não faltavam trabalhadores qualificados. Acabar com a escravidão foi uma burrice. – E os negros também não tinham do que reclamar, ganhavam casa e comida. Pra que mais? – Até os filhos deles eram criados junto com os nossos. Só tinham que trabalhar. – Naquele tempo ninguém se preocupava com nada e podiam confiar nas pessoas, hoje em dia temos que cuidar sozinhas de mil coisas ao mesmo tempo. – Os índios eram outros que reclamavam à toa. Os europeus trouxeram tudo pra eles.
– Imagina se eles não tivessem vindo e a gente ainda morasse no mato? Ah, não. As pessoas reclamam que Portugal explorou o Brasil, mas eles trouxeram muito mais coisas do que levaram. – Com certeza! Os índios reclamam de barriga cheia. De comida europeia ainda. – e riu a velha, sendo acompanhada pela outra. – Quer saber mesmo? Na idade média as coisas já eram mais certas. As pessoas respeitavam as autoridades, cada um no seu feudo sem fazer baderna comunista. – Prefiro até a antiguidade dos grandes impérios, tempos de glória e triunfo pra humanidade. As duas pacientes ficaram quietas por um tempo, até que uma delas abafou um sorriso zombeteiro e completou o raciocínio da amiga: – O homem, inclusive, nem devia ter deixado de ser sedentário. A civilização que começou com essa porcaria de comunismo! – Se for pra buscar o começo dessa história, quando tudo deu errado, tem que lembrar da Eva. Se ela não tivesse comido a maçã eles não teriam sido expulsos do paraíso. – disse em meio a uma tosse misturada com um riso eufórico. - Hahahahahahaha - Hahahahahaha - Hahahahaha - Hahahaha - Hahaha - Haha - Ha...
Edição Histórica de Homenagem ao ZIRALDO Curitiba, novembro de 2014
sabiam (de tudo) O riso exagerado da velha foi interrompido e a colega resolveu acompanhá-la no silêncio, que instaurou-se por alguns segundos. Logo a primeira voltou a tossir, inicialmente ignorada pela colega que estava concentrada em seu tricô. Os acessos, então, ficaram mais fortes e os aparelhos começaram a apitar. A companheira de quarto começou a gritar pelo médico, tentando conseguir alguma ajuda. Ninguém veio. A tosse parou repentinamente, junto com o som dos aparelhos. O monitor mostrava uma linha reta e todos os números chegaram a zero. Uns dez minutos depois, o médico apareceu. – Chamou? – Perguntou ironicamente. Mas bastaram alguns olhares para o profissional responder a si mesmo com uma pergunta retórica. – Morreu? – Como você me pergunta isso? Que incompetência é essa? Um absurdo! Poderiam ter vindo antes e socorrido ela, ainda havia chances...
– Se acalme senhora, vamos resolver isso... – Resolver porcaria nenhuma! Aposto que foi essa máquina barata que falhou e matou minha amiga. Sem falar na demora de vocês... Que descaso! Nem em um hospital particular dá pra conseguir um atendimento decente? Quando eu era moça a medicina brasileira era um prodígio, tudo funcionava bem e... Ela não pôde concluir seu raciocínio. Olhou para o médico com a tomada de sua máquina na mão e tentou dizer ‘’cretino’’, mas não teve fôlego. O doutor esperou alguns instantes e fechou as pálpebras da velha com a ponta dos dedos. Abriu a porta do quarto e berrou para a enfermeira do corredor: – Avise que temos mais duas vagas livres na ala psiquiátrica, no 206. – A moça logo surgiu no quarto, curiosa. – Até que essas duas demoraram, né? – Nem me fale – disse o médico, apanhan-
do a revista da cabeceira da falecida – Não aguentava mais ter que ficar trazendo revista velha pra essas múmias. Essa edição tem seis anos! – Rasgou e jogou o exemplar na lixeira. A enfermeira sentou na ponta de uma maca e soltou um suspiro que, aparentemente, era de alívio. – Avisei sobre o espaço liberado e já devem estar trazendo os novos pacientes. O doutor assentiu e sentou-se na outra maca, ligando a TV para se surpreender com a notícia do plantão de última hora. – ... após derrotar o PT em 2018, eleito com maioria absoluta dos votos e governando por dois estáveis anos, o presidente Jair Messias Bolsonaro acaba de fechar o Congresso Nacional. A decisão inesperada foi tomada com o apoio do Exército e das Forças Armadas. A população... O médico olhou para a enfermeira, perplexo. Ainda bem que essas duas não viveram pra ver isso. Podemos falar em golpe agora?
Edição Histórica de Homenagem ao ZIRALDO Curitiba, novembro de 2014
Esquecemos nossos guarda-chuvas
T
arde de temporal, esperávamos na Praça Tiradentes com sombrinhas que mal sustentavam nossa enxurrada de ansiedade. Nathally aparece do outro lado da rua alta, magra e mulata, com chinelos, shorts curtos, blusa decotada de oncinha e cabelos presos. “Essa sou eu de dia, querida”. Subimos por um elevador que mais parecia uma caixa de fósforos dentro do porta-malas de um ligeirinho. Ela garantiu que balança, mas não cai, não. Entramos e Amanda nos esperava. Magra, branca, com blusa e shortinho de malha vermelhos que mostravam sua calcinha florida e aplique no cabelo. Vocês são trans ou travestis? “A gente tá em processo de mudança”. Ou seja, elas ainda têm pinto. Num resumo cru: Nathally era Matheus, um viadinho. Entupiuse de hormônio.Os pais aceitaram a transformação. A mãe lhe deu o primeiro sutiã. Juntou-se a uma lésbica, veio de Maringá pra Curitiba, trabalhou no shopping, perdeu o emprego. Separou da lésbica, encontrou a cafetina, foi fazer programa. Considera-se uma translésbica. Está no ramo há três meses. Amanda era José. Nome do pai que aceitava o viado, não a travesti. O pai soube que Amanda fazia programa depois de descobrir que um amigo saiu com José de peruca. Levou uma surra e foi expulsa de casa. Morou com a
cafetina por uns meses. No ramo há dois anos.
- Quais são os pedidos mais comuns? - A gente fazer a ativa. Comer. De 50 homens, 20 a gente come. DP também é bem comum. - DP? - Dupla Penetração. No primeiro dia de programa, Nathally conta que “ele tinha um pau assim, ó. Assim! Um
pau gigante. Uma coisa grossa assim. Pegou pro oral. R$30. Chegou no hotel, quis o completo. R$50. Gostou de mim. R$150.” O primeiro dia de programa de Amanda também rendeu.
“Cheguei era só assim, ó: (tapa na mão repetidas vezes) montando e descendo de carro, montando e descendo de carro, montando e descendo de carro. 5h da manhã, gata, eu só fui passando nas esquinas falando assim: ‘Vamos todas pra um lanche’ Eu tava com sabe quanto na minha bolsa? 750 reais”. Elas riem das histórias e contam das risadas. O cliente de Mercedes pega Amanda e a amiga. Leva pro drive. Drogado. Vira pra trás e pergunta: - Quanto vocês cobram?
- 70. Ele tirou duas notas de 100 pra cada. - Sabe o que a gente fez? Eu fiquei chupando o peito dele e ela chupando o pau dele.
Pausa pra Amanda explicar com gestos como dar truque no cliente pra não ter que dar de verdade.
Edição Histórica de Homenagem ao ZIRALDO Curitiba, novembro de 2014
Ela tem um cliente que vem lá de Paranaguá só pra vê-la e lhe dar 100 reais. Vão pro hotel pra ficarem abraçadinhos, fazendo um carinho. Uma chupadinha. 100 reais. Ela disse que queria estorqui-lo. Pedir o dinheiro do aluguel. Parece que ele topou. Pausa pra perguntar sobre o jornalismo e o que faremos com a nossa profissão. “Tem o que
apresenta e o que escreve o babado, né? “.
Amanda já deu pra um cara que não tinha perna. “Me
comeu gostoso, uma delícia. Eu dei pra ele assim, ó: ele deitado na cama e eu dando pra ele, em cima dele. Eu não via as pernas dele, gente. Risos. Eu tava drogadíssima e dava muita risada. Comigo não tem tempo ruim, não, querida”. Nathally também tem histórias com gente deficiente. Um cliente fixo. “Nem sei o nome dele”. Ele não mexe todo o lado direito do corpo. Tem que tirar e colocar a roupa. Usa fralda. Outro menino pagou muito bem pra vê-lo usando crack durante umas três horas. “Foi o que mais me
impressionou”.
As duas travestis agora são amigas, colegas de quarto e profissão. Conheceram-se em Maringá. Nathally é de lá. Amanda de Astorga. Dividem e revesam clientes. Um deles é um homem casado de 29 anos que veste lingerie importada e usa saltão. Amanda diz que não curte comer. Mas ele paga o quanto ela pedir. R$250. Mais tarde desistiu do cliente. “Um dia tava comendo ele e ele
cagou em mim toda”.
Nathally, sobre o mesmo homem:
- Ele é muito rico. Dono de uma empresa que faz máquina de pintar móveis em Curitiba. Paga 200 reais pra deixar a mala com lingerie dentro de um cofre. Pausa pra Amanda entregar um negócio pra Gabi. Sei lá quem é. “Aproveita e traz uma coquinha e
uma coisa pra gente comer”.
99,9% dos homens que frequentam a Rua Getúlio Vargas são casados ou têm namorada.
- Então tomem cuidado com o namorado de vocês, aconselha Nathally, irônica.
Chega mensagem no celular do outro homem casado. Nathally mostra a foto. Camisa social, óculos, cara de sério. Perguntando sobre DP. Só fez com acessórios até hoje. Pergunta o dote das meninas (tamanho do pênis). Pausa pra comer bolo e tomar a Coca. Nathally não é feliz. Quer fazer faculdade de moda. Ano que vem vai fazer o Enem. Amanda antigadamente chegava na rua alegre. Agora não mais. Quer ser enfermeira.
- Conta do pinto gigante!!!
Pausa porque Amanda esqueceu o celular na padaria. Foi, achou, voltou. Sobre o pau enorme de borracha:
- Sabe que o cara fez? Passou um bom creme nele inteiro, virou a bunda pra mim e disse “coloca”. Eu disse “gato, vai machucar!”. Mas aquilo foi entrando. A hora que chegou na metade eu pensei “vou parar um pouquinho, porque ele tava tão quietinho”. Empurrei assim e chegou nas bola, queridas!! Pausa pra buscar as roupas na máquina de lavar do prédio. Já estava na hora da arrumação. Estamos incomodando.
- Acho que já vamos. - Mas já? É cedo.
Queriam mais papo. Insistimos. Fomos embora. Voltamos para caixa de fósforos. Dessa vez mais tranquilas. Já no carro, voltando pra vida onde não há paus enormes de borracha ou plateia para uso de ilícitos. Ainda chove. Esquecemos nossos guarda-chuvas.